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A VINGANÇA TARDA, MAS NÃO FALHA

por Zé Roberto Padilha

Fluminense x Internacional disputavam, no Maracanã, quem iria às finais do Campeonato Brasileiro de 1975. A Máquina Tricolor, da qual era o ponta esquerda, tinha vencido o Flamengo (3×0), o Sport Recife (3×0) e o Palmeiras (4×2).

Jogando em casa, éramos favoritos, mas o Inter também era uma máquina de jogar futebol. E com gols de Lula e Carpegiani, Falcão, Batista e Caçapava impedindo Rivelino e Paulo Cézar de jogar, perdemos o direito de ir às finais.

Só não sabia que era o meu último jogo com a camisa tricolor. Foram sete anos defendendo o meu clube de coração, desde os infanto-juvenis. E quando estava de férias, em Iguabinha, Francisco Horta nos trocou pelo Doval.

E nunca mais vesti a camisa que era antes a minha bandeira. Jamais pensei em vingança, mas na última quarta-feira, quando o Inter entrou literalmente pelo Cano, lembrei que foram eles que impediram que continuasse a sonhar.

No Flamengo, definitivamente, me tornei um atleta profissional de futebol que honra o o clube que paga o seu salário. Daqueles que compram ingressos para torcer por você.

A partir daí, o amor à camisa ficou no coração. As pernas, pulmões e raciocínio passaram a dar as ordens. Mas que tinha saudades de correr para o lado dos que torciam pelo meu time, isso tinha.

A final, de 1975, foi entre Inter X Cruzeiro. Jamais lembrei de quem venceu. Sempre soube de quem mais perdeu. Eu.

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 30

por Eduardo Lamas Neiva

O povo dá uma rápida dispersada após a música, mas o Cruzeiro de 1966 continua sendo lembrado pelos nossos debatedores.

João Sem Medo: – Tostão e Dirceu Lopes foram os grandes nomes daquele time do Cruzeiro. Os dois, mais o Piazza, foram titulares do time que escalei logo quando assumi a seleção, três anos depois.

Ceguinho Torcedor: – As feras do Saldanha!

Idiota da Objetividade: – Félix, Carlos Alberto, Brito, Djalma Dias e Rildo; Piazza, Dirceu Lopes e Gérson; Jairzinho, Pelé e Tostão.

Ceguinho Torcedor: – Aquele time do Cruzeiro e as Feras do Saldanha merecem todas as nossas homenagens.

Idiota da Objetividade: – Em especial Tostão, craque daquele time do Cruzeiro e o artilheiro da seleção nas eliminatórias para a Copa de 70.

Garçom: – Então, vamos ouvir “Tema de Tostão”, de Milton Nascimento?

Zé Ary vai ao aparelho e põe a música-homenagem para ressoar nas caixas de som do Além da Imaginação.

Músico: – Esta música foi composta por Milton Nascimento para o documentário “Tostão, a fera de ouro”, de 1970. O filme teve roteiro do escritor mineiro Roberto Drummond, autor entre outros de “Hilda Furacão”, e direção de Paulo Laender e Ricardo Gomes Leite.

João Sem Medo: – A vitória do Cruzeiro em 66 fez finalmente a CBD ver que o futebol não se restringia a Rio e São Paulo.

Idiota da Objetividade: – É verdade. Para as Copas do Mundo, por exemplo, apenas cinco jogadores de clubes fora do eixo Rio-São Paulo haviam sido convocados até 66: o zagueiro Luz, do Grêmio, para a Copa de 34; o zagueiro Nena e o atacante Adãozinho, ambos do Internacional, para a Copa de 50, e os atacantes Alcindo, do Grêmio, e Tostão, do Cruzeiro, para 66. Já para o México, em 70, Zagallo teve o mesmo número de jogadores que não eram de clubes do Rio ou São Paulo: Piazza, Fontana e Tostão, do Cruzeiro; Everaldo, do Grêmio, e Dario, do Atlético Mineiro.

Garçom: – Caramba, fomos bicampeões mundiais só com jogadores de times do Rio e de São Paulo, então. Não se dava muita atenção ao futebol de outros estados?

João Sem Medo: – Na verdade, os clubes de Rio e São Paulo eram mais fortes economicamente e traziam muitos atletas de outros estados. Jogando nos dois principais estados do país eles se destacavam mais e acabavam convocados.

Garçom: – Ah sim, como o Almir Pernambuquinho, o Zagallo, que é alagoano…

Ceguinho Torcedor: – Vavá, também pernambucano.

João Sem Medo: – Aquele título do Cruzeiro em 66 também fez nascer o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, que era o Rio-São Paulo mais clubes de Minas, Rio Grande do Sul e de outros estados.

Ceguinho Torcedor: – O Robertão, como era chamado, é que deu origem ao Campeonato Brasileiro.

João Sem Medo: – Muitos anos depois a CBF numa decisão estapafúrdia misturou os campeões da Taça Brasil e do Robertão com os do Campeonato Brasileiro.

Ceguinho Torcedor: – Mas o Robertão foi o Big Bang do Brasileirão!

João Sem Medo: – A Taça Brasil era um torneio eliminatório, parecido com a atual Copa do Brasil. A CBF misturou alhos com bugalhos e o Palmeiras acabou virando bicampeão brasileiro no mesmo ano, porque ganhou duas competições diferentes em 1967, a Taça Brasil e o Roberto Gomes Pedrosa.

Idiota da Objetividade: – Em 1971, após forte campanha da imprensa esportiva, a CBD instituiu o Campeonato Brasileiro. A criação do campeonato nacional, no entanto, mereceu críticas dos mesmos veículos que reivindicavam a competição, pois viam pouca diferença em relação ao Robertão e uma ingerência política muito grande para a escolha dos times.

João em Medo: – A Arena, partido da ditadura, se aproveitou do futebol para angariar simpatias. E o lema foi criado: “Onde a Arena vai mal, mais um time no Nacional. E onde a Arena vai bem, mais um time também”.

Garçom: – Teve campeonato com quase cem times!

Idiota da Objetividade: – Foi em 1979, quando o Internacional de Porto Alegre conquistou o seu terceiro e último Campeonato Brasileiro. Venceu de forma invicta a competição que teve 94 clubes.

Sobrenatural de Almeida: – Assombroso.

João Sem Medo: – E seriam mais, se alguns grandes de São Paulo não tivessem ficado de fora.

Idiota da Objetividade: – Os times de São Paulo queriam entrar apenas na terceira fase da competição. A CBD, que naquele mesmo ano por exigência da Fifa passaria a cuidar apenas do futebol e se tornaria CBF, não aceitou. Com isso, Corinthians, Portuguesa, Santos e São Paulo ficaram fora do Campeonato Brasileiro de 1979.

Garçom: – Caramba, seriam então 98 clubes!

João Sem Medo: – Confusão no tapetão e politicagem nunca faltaram no futebol brasileiro. Os cartolas atuais são elitistas e praticamente expulsaram o povão dos estádios.

Ceguinho Torcedor: – A alma dos estádios estava na geral com seus personagens magníficos. Dizem os idiotas da objetividade que torcida não ganha jogo. Pois ganha!

Idiota da Objetividade: – Pra mim futebol é onze contra onze, decidido no campo de jogo.

João Sem Medo: – Os cartolas sempre atrapalharam o futebol brasileiro e tentaram ganhar alguns jogos na mão grande. Naquela época, do Brasil gigante, do ame-o ou deixe-o, com o campeonato inchando de clubes a cada ano, muito mais preocupados com seus interesses do que com os dos próprios clubes que dirigiam, eles faziam as maiores lambanças, elaboravam regulamentos confusos, mudavam tudo no meio do campeonato, jogos sem atrativos e ainda queriam que o povão fosse aos estádios com seu suado dinheirinho e pegasse sol a pino na cabeça sem saber se o jogo seria resolvido em campo ou no tapetão.

Garçom: – Fui a muito jogo com o estádio praticamente às moscas.

Músico: – Ah, João, Zé Ary, Ceguinho. Temos um grande artista presente na casa que pode cantar uma música que tem tudo a ver com isso que vocês estão falando. Eu estou falando do grande Taiguara!

Taiguara se levanta, todos aplaudem muito e o artista agradece.

Garçom: – Taiguara, por favor, venha ao palco!

Taiguara: – Obrigado, muito obrigado. É uma satisfação enorme estar aqui pra assistir a esta verdadeira aula de futebol, da História do nosso futebol, da nossa História, e ainda ouvir lindas músicas que falam do futebol brasileiro. E sem se esquecer do olhar crítico, como foi ressaltado aqui há pouco, especialmente pelo João Sem Medo. Então, pra tocar a bola em frente, vou apresentar “Público”, que gravei no meu disco “Imyra, Tayra, Ipy”, em 1976.

Músico: – Este disco é uma obra-prima!

Taiguara: – Obrigado, parceiro. Vamos lá!

VALE A PENA COLONIZAR DE NOVO

por Zé Roberto Padilha

Desde que Jorge Jesus abriu a porteira, técnicos portugueses começaram a desembarcar no país. Como fez Pedro Álvares Cabral, que abriu nosso Brasil ao conhecimento e exploração do mundo.

Bruno Lage não veio em naus. Veio de avião e está voltando na barca. E sem jogar ou ter o trabalho de montar sua equipe. Já a encontrou pronta, líder do campeonato com milhares de pontos à frente do segundo colocado.

Ficou pouco tempo. Não está carregando, como seus ancestrais, o pau-brasil, borracha, café ou pedras preciosas. Leva de volta a nova riqueza do país. Ela não foi cultivada com trabalho braçal, mas por amor da sua gente ao futebol.

Nossa nova riqueza chama-se Multa Rescisória.

Não dá no cerrado. Não cresce nas planícies. Muito menos nas serras gaúchas. A Multa Rescisória está pronta para ser levada depois que milhares de apaixonados se tornam socios-torcedores.

Daí o dinheiro ganha corpo, cresce diante do amor inconteste ao seu clube de coração.

E na primeira crise, basta colocar um Tiquinho no banco, que ela cai na conta. E faz de um desconhecido português, e sua tripulação, os novos milionários.

O MENINO NA MURETA

por Claudio Lovato Filho

O time está mal na foto. Despencou na tabela. Pode ser que ainda hoje assuma a lanterna. Mas o menino está lá. Na arquibancada. Com a camisa do clube. A camisa preferida. A mais nova.

O time está jogando mal de novo. Um esforço máximo para segurar o zero a zero. Superação total. E o menino ali, firme, gritando.

“Vai, vai!”

Ele não desiste do time. Sua convicção. Seu sentimento.

O pai está sentado um pouco mais atrás. Olha para o filho tanto quanto olha para o campo. O pai acha que o time vai ser rebaixado. Fica irritado com os seguidos erros na defesa, no meio e no ataque (em todos os setores, em todos os fundamentos). Quando olha para o filho, contudo, o pessimismo perde força. O mau humor arrefece. A irritação se dilui. E ele, o pai, chega até mesmo a sorrir. E até (até!) a acreditar que… De repente… Quem sabe…

“Vai, vai!”, o menino grita.

Então o centroavante do time do pai e do menino, o time de amarelo e preto, manda um chute atravessado, lá do bico da grande área, que passa tirando lasca do travessão. O menino olha para trás, para o pai, e diz: “Viu? Viu???” E o pai balança a cabeça para cima e para baixo e diz: “Vi”.

Há outros meninos ali, mas só ele está com o peito encostado na mureta, com os braços passando por cima da borda.

Termina o primeiro tempo. O pai chama o vendedor de picolé. Compra dois.

“Tamo jogando melhor que eles”, o menino diz. O pai concorda, sem muita sinceridade: “É”.

Faz calor. O sol castiga sem dó nem piedade. Não tem vento, não tem sequer uma brisa. Os bumbos da organizada voltam a fazer barulho. O menino termina o picolé e volta para o seu posto, abraçado à mureta. O pai diz: “Vira a aba do boné pra frente”. O menino obedece, mas não por muito tempo. Aba pra trás.

Os minutos passam, o calor continua, os times voltam. Aplausos, poucos. “Vamo, suas ferida!”, alguém grita. O pai ri. O menino não gosta – nem do que o torcedor disse nem da risada do pai. O pai percebe isso e tira o riso do rosto.

O apito do árbitro. O segundo tempo começa do mesmo jeito como terminou o primeiro. Então um contra-ataque do time adversário. Uma troca de passes rápida entre dois jogadores. O drible no goleiro. A bola morrendo no fundo do gol. Vaias.
O time da casa perdendo. Agora é lanterna. Mais vaias.

O menino olha para o pai, mas não diz nada. O pai olha para o menino e também não diz nada.

O jogo prossegue. A partir disso, um tremendo perde-ganha nas duas intermediárias. Os goleiros só assistem ao jogo. Um calor infernal. Algumas nuvens escuras se aproximam.

“Mas são uns pereba mesmo!”, diz alguém lá em cima. O menino se volta e olha de cara feia.

Segue o perde-ganha, o bate-rebate, o rame-rame. Então, um passe errado do volante adversário. A bola interceptada por um volante do time da casa. Um passe em diagonal para o centroavante, cria da base. Ele parte para cima do zagueiro. Um corte seco em direção à linha de fundo. Pisa na bola quando ela está em cima da linha. Nova acelerada, agora invadindo a área. De novo pé em cima da bola. A travada e o outro zagueiro passa lotado. A tentativa de enquadramento do corpo. O chute engatilhado. Ainda sem ângulo. Vai assim mesmo. Um foguete. Bola no alto. O goleiro apenas levanta um braço – impotente, protocolar. Um a um.

O menino salta e grita. Não cabe em si. Pula e pula. Mais um pouco cairia no fosso. O pai está de pé. De boca aberta. Não acredita no que viu. O pai desce dois degraus e se aproxima do filho, que olha para ele e diz: “Viu? Viu???” E o pai responde: “Vi!” “Eu não te falei? Eu não te falei?”, o menino diz. “Falou”, o pai diz. “Falou”. O coração do menino parece uma britadeira. O do pai, um bate-estaca.

O jogo termina. O time escapou da lanterna. Até quando, ninguém sabe. E neste momento não importa. O menino e o pai vão saindo do estádio. Cumprimentam conhecidos. Cumprimentam também desconhecidos. O menino tem o peito estufado, e, de tempos em tempos, passa a mão sobre o distintivo.

O pai tem a mão no ombro do menino. O menino tem uma tarde para jamais esquecer. Lembrará disso tudo para sempre: a emoção da partida, o gol (aquele gol!), a mão do pai no seu ombro, o lento caminhar deles até a rua. E do quanto sempre acreditou.

Caminham em silêncio. Estão felizes.

Nada mais precisa ser dito.

OSVALDO, A LIGAÇÃO EXPRESSA DO IMORTAL

por Reinaldo Sá

O clássico camisa 8 do Grêmio ganhou a confiança do técnico Valdir Espinosa ainda na Libertadores. Foi beneficiado, claro, com a contusão de Bonamigo, segundo volante do tricolor dos pampas, e com as saídas de Tita para o Flamengo e Vilson Tadei para o Coritiba. Mas ele não deixou a oportunidade escapar! Sua entrada foi fundamental, pois com muita obediência tática deu mais liberdade para a criação de Mario Sérgio e Paulo César Caju no meio de campo, e os avanços, pelo lado direito, do lateral Paulo Roberto e do jovem ídolo, o ponta atrevido Renato Portaluppi. Sua marcação implacável ao lado de China freou o Hamburgo. Mas Osvaldo não se limitava a marcar e desde sua época de Ponte Preta, ao lado do mestre Dicá, já notava-se sua técnica refinada. Sua contratação foi um pedido do então treinador Ênio Andrade, um ano antes. Treinou muito para quando o momento chegasse estivesse na ponta dos cascos! Valeu a pena! Hoje Osvaldo consta como um dos gigantes dessa conquista inesquecível!