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CAMISAS PRETAS

por Rubens Lemos

Foram aquelas camisas pretas. Lindas, de detalhes brancos nas mangas. Uniforme épico, transformou o Vasco, derrotado por antecipação, de novo em um time de futebol digno de ser exaltado.

A vitória do Fluminense por 4×2 significa o melhor momento do clube, a fuga das humilhações, desde 2000 quando jogavam Romário, Euller e os Juninhos, o Pernambucano e o Paulista.

Uniforme negro e sedutor, impulsionou o novo Vasco, do técnico argentino Ramón Diaz, o melhor centroavante que jogou com Diego Maradona nos anos 1980.

O Vasco espalhou pelo país inteiro e pelos continentes onde vivem seus amantes andarilhos, o sentimento de raça e de glória que é, de fato, sua história e o quadro de fotografias e imagens de gols fantásticos, revisitados após tanto tempo sendo maltratada sua heráldica por times malditos, vagabundos e despidos de honra pelos adversários.

Aquelas camisas pretas. Ao ver o time entrar em campo, ouvir, perfilado, o Hino Nacional, deu para perceber que os jogadores pareciam em transição, recebendo o talento e a energia dos ídolos pretéritos.

Morro de medo de alma penada. Mesmo com essa paúra assumida, corri ao velho almanaque sobre a história do Gigante da Colina, outra vez mostrando sua força heroica, livrando-se do nanismo de resultados que tornou indiferentes apaixonados como sempre fui, desde 1977.

Aquelas camisas pretas injetaram bravura no time ainda apenas regular, mesmo com referências do cartaz do francês Dimitri Payet, craque de padrão internacional, a camisa 10 rediviva como a capa charmosa do renascimento.

É, correligionários cruzmaltinos: o Vasco pareceu quebrar por dentro seu mausoléu de desenganos e voltou para a vida aceso e decidido a reocupar seu lugar de direito pelo que fez lá atrás.

Gabriel Pec, hábil e finalizador, Vegetti, diploma de matador, reconhecido nas faculdades de clássicos, os criativos Paulinho e Praxedes, o goleiro Léo Jardim, impondo moral na pequena área ocupada por lamentáveis frangueiros de granja há mais de 10 anos, em conta generosa.

O vascaíno agora tem por quem chamar e clamar nos jogos difíceis. Haverão de dizer: ora, a vitória sobre o Fluminense foi acidental. Claro. O Vasco merecia ter ganho de 5 ou seis, diante de um adversário pronto e acabado, cujo técnico, interinamente ou não, comanda a seleção brasileira.

Não costumo usar camisas de padrões recém-lançados. Tenho uma razoável coleção de antiguidades. Experimentei várias, após o 4×2: a 8 de Geovani vestida em 1988, a 10 de Wálter Marciano, campeão de 1956 e maior ídolo do meu pai, a do milésimo gol de Romário em 2005.

Estava havendo meu reencontro comigo mesmo. Com o adolescente que comemorou tantos títulos fantásticos, que ouvia pelo rádio ou via pela TV Educativa, esquadrões fortíssimos, cito o de 1987 para simbolizar os demais, como o de 1977, Wilsinho, Roberto Dinamite e Ramón.

Roberto Dinamite foi o goleador máximo nos duelos do Campeonato Carioca. A vítima principal: o Fluminense, que tomou 36 gols. Roberto Dinamite soprou, invisível, os pés dos atacantes que venceram a sempre bem postada defesa tricolor.

Aquelas camisas pretas me fizeram lembrar, de repente, outro livro sobre ídolos imortais do Vasco. Passei as primeiras páginas e parei no trecho onde está o volante Fausto, a Maravilha Negra, titular da seleção brasileira e melhor de sua posição na primeira Copa do Mundo, no Uruguai em 1930. Fausto jogou com tanta habilidade que ganhou transferência para o Barcelona.

O que ocorre com Fausto e até com meus heróis dos anos 1970 e 1980: o esquecimento e o mau gosto da garotada digital, que considera gênios boleiros triviais. Fausto ostentava uma camisa preta idêntica à da supremacia do fim de semana diante do Fluminense. Fausto morreu aos 39 anos, vítima de pneumonia.

Na vida é teoricamente impossível, no futebol, pode demorar e acontecer a ressurreição como a que se apresenta ao Vasco. De fazer cantar o hino, de pular, velho menino, berrando a cada gol. Não foi tática nem técnica. Foram, sim, aquelas camisas pretas.

ADEUS, AMIGO!

por Zé Roberto Padilha

Você, Paulinho, como cada torcedor tricolor que teve o privilégio de defender sua paixão em campo, como eu, Rubens Galaxe, Abel, Marinho, Marco Aurélio, Nielsen e tantos filhotes de Pinheiro, foi uma das pessoas mais generosas que conheci.

A luta por um espaço tão cobiçado no país do futebol não encontrou em você um concorrente comum. Frio, calculista e capaz de colocar seus objetivos pessoais acima da lealdade com que deveria reger tal embate.

Você chegava, treinava, dedicava o seu melhor em prol do Fluminense. Nem precisávamos procurar seu currículo para saber que seu berço foi de amor, seus professores sábios, suas amizades preciosas e que tornaram sua trajetória pautada por princípios éticos e morais .

Um gentleman.

Quando arrumamos nossas malas de volta para o nosso interior, eu para Três Rios, você para Muriaé, levamos de volta lições de uma profissão única e apaixonante. Tão excitante, poucas são as que te levam a um palco onde seu talento entra em campo sem saber o que vai produzir.

De repente, pegamos na veia, acertamos o ângulo e saímos de campo consagrados. Em outra, perdemos um pênalti e carregamos pra casa toda a culpa do mundo. O torcedor, chateado, demora a dormir. Nós, ficamos de olhos abertos madrugada adentro tentando mudar o canto. Trocar a tragédia pela glória que esteve por segundo sob nossos pés e mãos.

Enfim, seu amigo ganhou uns dias, talvez alguns anos para continuar nossa luta. E permanecer lúcido para fazer justiça e prestar nossa homenagem às pessoas queridas que foram tão importantes em nossas vidas. Como você, Paulo Goulart.

Descanse em paz, amigo.

PAULO GOULART, ETERNO

por Paulo-Roberto Andel

Tinha tanta gente no Maracanã que, mesmo pequenininho, eu mal conseguia me mexer. Cheio mesmo.

De repente, houve uma confusão e a torcida do Flamengo urrou nas alturas, já comemorando um gol de pênalti que nem tinha sido cobrado. Começo do segundo tempo. Eu nunca tinha visto tanta gente comemorando um gol sem que a bola já tivesse entrado.

Nós ganhávamos o Fla x Flu por 2 a 0. Rubens Galaxe fez um golão chutando forte, Pintinho fez um raro gol de cabeça.

Marcado o pênalti, Zico ficou encarregado da cobrança. O maior jogador deles. Aí por um minuto cem mil pessoas se calaram – apenas suspiravam.

Zico cobrou, Paulo Goulart – o jovem goleiro bigodudo do Fluminense – voou na esquerda e mandou a bola para escanteio. Aí foi a torcida do Fluminense que disparou um urro lancinante. Eu nunca tinha visto tanta gente comemorando uma bola que não entrou.

A defesa do pênalti deixou o Flamengo atordoado, na lona, incapaz de reagir. E no fim do jogo, o garoto Cristóvão tratou de deixar Manguito no chão e marcar um golaço.

O Fluminense deitou e rolou: 3 a 0 no multicampeão. Teve de tudo naquele dia, até o adiamento da estreia da Flagay por causa da homofobia em setores da torcida rubro-negra.

No dia seguinte Zico foi deselegante: disse que era impossível perder o pênalti, só defendido porque Paulo Goulart se adiantou. Bobagem. Anos antes, ele já tinha perdido contra Mazzaropi. Depois, no mesmo 1979, contra o Serrano. Anos depois, seria contra Joel Bats. E Paulo, que chamávamos de Paulinho, pegaria pênaltis de ninguém menos do que Roberto Dinamite e Nelinho, dois dos maiores cobradores do mundo.

Não era fácil ser Paulo Goulart. Era suceder de uma vez só Félix, Wendell e Renato, todos goleiros padrão Seleção Brasileira. Mas ele conseguiu. Paulo é o principal responsável pelo Fluminense ter conquistado o primeiro turno do Carioca 1980 diante do Vasco. Era o primeiro turno que o Flu vencia desde 1976. Ele voou nos pênaltis e nos colocou na final do campeonato.

Paulo Goulart era mais um dos garotos do Fluminense que, depois de três anos, reconduziu o Fluminense ao título estadual em 1980. Depois do sonho da Máquina, a garotada tricolor se impôs contra os timaços do Vasco e do Flamengo. Fomos campeões de terra, mar e ar.

Num começo de noite em outubro de 1979, eu fui um dos garotos mais felizes do mundo. Diante de mais de 100 mil pessoas, vi o Fluminense esfolar o Flamengo, vi Paulo Goulart parar Zico, vi o Fluminense em tamanho real. Quarenta e quatro anos depois, a sensação é a mesma. E daí que envelheci? Nesta lembrança, sou criança para sempre.

Claudia Mendes involuntariamente acabou de me deixar atordoado no WhatsApp. Não importa, eu seguirei em frente nesta sexta-feira, porque Paulo Goulart vai voar para sempre e defender todos os pênaltis. Aquela distante noite de domingo em 1979 já era a eternidade, eu é que não sabia.

“AGAAAAAARRRRRA, PAULINHOOOOO!” (Jorge Curi).”

SIR FÁBIO

por Zé Roberto Padilha

Nós podemos até contestar algumas mordomias concedidas à família real inglesa, como a destinação de 15% da receita do país à Casa Real. Porém, existem ritos seculares que merecem nosso reconhecimento.

Como a concessão do título de “Sir”, uma honraria aos que se destacaram em suas profissões e elevaram o nome do país. Elton Jonh, The Beatles, Bobby Charlton, Alex Ferguson, Charles Chaplin estão entre eles.

Para um país sem memória, como o nosso, que vive a fugir da cadeia alheia e muitos dos seus jogadores estão envolvidos em escândalos sexuais e compra de resultados, não estaria na hora de conceder tal honraria a quem vive a nos dar exemplos em sua notória arte?

Sir Fábio.

No país do futebol, tal concessão seria feita pela CBF. E o primeiro critério seria a convocação para nossa seleção. E nada como começar a homenagear nossas unanimidades por um atleta profissional acima de qualquer suspeita.

E Fernando Diniz, para ser tão justo quanto competente, precisa reconhecer um dos pilares de sua ascensão. Ser corajoso diante da dualidade de suas funções. E entre um goleiro revelação e outro que não precisa provar nada mais a ninguém, convocaria o Fábio.

Poucos jogadores de futebol dignificam tanto a posição e a profissão, dentro e fora do campo, quanto ele.

Como Alisson é titular, Fábio vai sentar no trono. Não no banco. E receber o reconhecimento de todos nós ao se tornar o primeiro Sir de uma nova história.

“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 27

por Eduardo Lamas Neiva

Em meio à festa dos bangüenses, Almir aparece de surpresa no bar Além da Imaginação, mas desta vez em vez de socos e pontapés só houve sorrisos e abraços, especialmente em Zé Ary, velho conhecido, João Sem Medo, Ceguinho Torcedor, Sobrenatural de Almeida, que brincou com ele sobre o sopro no ouvido na final de 66, e Idiota da Objetividade. Ele cumprimentou seus adversários daquela final também e foi levado ao palco.

Garçom: – Almir, enquanto a gente vai vendo as imagens no telão, conta pra gente como foi aquela confusão toda que você armou na final de 66.

Almir: – Olha, pra jogar aquela partida eu tomei dois Dexamil.

Idiota da Objetividade: – Pra quem não sabe, Dexamil é anfetamina, uma droga sintética estimulante que age diretamente no sistema nervoso central.

Almir: – Pois então, outros jogadores tomaram também, porque naquelas horas a bolinha aparecia não se sabe como. Havia sempre alguém oferecendo: quem quisesse tomar, tomava mesmo. Silva não tomou, não gostava. Também não tomaram nada nossos homens do meio-campo: Carlinhos e Nelsinho.

João Sem Medo: – Do doping ninguém soube.

Almir: – Não, só depois que contei a história toda no meu livro e pra revista Placar já nos anos 70.

Idiota da Objetividade: – Toda aquela confusão deixou você fora dos campos por quase seis meses de suspensão.

Almir: – Verdade.

Ceguinho Torcedor: – Mas o que lhe deu na cabeça, rapaz? Era pra ser uma partida genial, um dos maiores espetáculos da Terra. A cidade estava possuída pelo jogo. Nos botecos, nas retretas e nos velórios não se falava, não se pensava, não se sentia outra coisa, a decisão era assunto obrigatório. Mas onde entra a paixão humana, tudo é possível. Antes do jogo, as brigas pipocavam por todo estádio Mario Filho. Eram cento e oitenta mil ventas incandescentes e tudo era pretexto para o palavrão, para o insulto e para o tapa. E assim, quando os vinte e dois jogadores entraram em campo, a paixão ardia no estádio!

Almir: – O clima era bem esse, Seu Ceguinho! Nós ainda estávamos fazendo aquecimento muscular no campo, batendo fotografias, dando entrevistas, quando o Sansão se aproximou de mim e já foi advertindo: “Olha aí, Almir, eu estou de olho em você. Muito cuidado que eu vou te expulsar”. O primeiro gol foi feito por Ocimar, num chute mais ou menos da intermediária. Valdomiro pulou atrasado, chegou a tocar na bola com um soco, mandando-a as redes. Estava explicado porque ele cantava tanto dias antes…

João Sem Medo: – Ele estava na gaveta também, Almir?

Almir: – Seu João, havia um ambiente de revolta no vestiário. O diretor de futebol do Flamengo, Flávio Soares de Moura, estava indignado, percebera que o Bangu armara um esquema para ganhar o título de qualquer maneira. Ele me fez uma pergunta não como dirigente, mas como torcedor: “Almir, eles vão dar volta olímpica?” Não vai ter volta olímpica não, seu Flávio. Só se for do Flamengo […]

Garçom: – Seria bom que o Valdomiro viesse aqui pra dar a sua versão.

Almir: – Ele vai negar, claro. Mas também não posso provar nada, só foi muito estranho. Hoje não tem mais briga, estamos aqui nos confraternizando, mas lá na hora, além de nos golear, o Bangu queria ensaiar um baile. Eu já estava com raiva, e o sangue subiu à cabeça por volta dos 25 minutos quando o Ladeira, do Bangu, discutiu com Paulo Henrique e deu um soco na cara dele. A confusão começou ali. Depois que o Itamar acertou o Ladeira e dei uns chutes nele, olhei os bolos de jogadores e disse comigo mesmo: “Tudo o que estiver com camisa de listras brancas e vermelhas é inimigo”.

Ubirajara: – Quando você voltou pro campo eu te desafiei, Almir.

Almir: – É, você veio com uma de valente: “Lá fora vamos resolver isso”. (risos)

Ubirajara: – Você me deu um soco no estômago e quando me levantava pra revidar…

Almir: – O Ari Clemente me deu um soco.

Sobrenatural de Almeida: – Que bafafá! Hahahaha

Almir: Foi mesmo. Cem mil torcedores gritando “porrada, porrada, porrada…” Mas aí a polícia veio e acabou com a festa e o juiz Airton Vieira de Moraes acabou cumprindo bem o seu papel: expulsou cinco do Flamengo, eu, Silva, Itamar, Valdomiro e até o Paulo Henrique, e quatro do Bangu: Ari Clemente, o Ubirajara, Luis Alberto e Ladeira. O Flamengo ficou com menos de sete em campo e o Bangu foi declarado vencedor.

Ubirajara: – Merecidamente.

João Sem Medo: – Concordo. O Bangu foi o melhor time daquele campeonato.

Músico: – Toca o hino do Bangu!

Lamartine Babo: – Marcha do Bangu, que tive o prazer de compor e o clube depois oficializou como hino, o que muito me honra.

Com todos os jogadores bangüenses daquela final de 66 cantando em alto e bom som, Almir ficou só observando, desta vez respeitosamente. E aplaudiu no fim da cantoria.

Almir (rindo): – Hoje não vai ter confusão.

Todos riem e aplaudem.

Ceguinho Torcedor: – O Almir merece ser lembrado também por suas épicas atuações.

Almir: – Obrigado, seu Ceguinho. Mas deixo pros senhores contarem o resto da história. Vou me sentar ali pra ouvir os senhores contarem as minhas histórias. (rindo)

É aplaudido, agradece, deixa o palco

João Sem Medo: – Você foi um jogador completo depois de Pelé. Possuía técnica e habilidade apurada e tinha velocidade.

Almir: – Muito obrigado, seu João.

João Sem Medo: – Por nada, você merece. Almir substituiu Pelé na final do Mundial Interclubes contra o Milan, em 63, quando o Santos conquistou o bicampeonato. Ele fez um gol na vitória de 4 a 2, no segundo jogo da final, no Maracanã, mesmo placar em favor do time italiano, em Milão, e sofreu o pênalti que originou o gol da vitória santista no Maracanã, marcado pelo Dalmo.

Almir: – Deixa eu contar outra história aqui, seu João. O Amarildo desrespeitou o Pelé depois do primeiro jogo. Disse que o Pelé estava acabado e eu não admitia que falassem mal do Pelé. Jurei o Amarildo, dei umas pancadas nele no Maracanã e ganhamos duas vezes deles no Rio e nos sagramos campeões.

Garçom: – Vamos aproveitar chamar aqui ao palco Francisco Egydio pra cantar duas músicas em homenagem ao Santos.

Francisco Egydio vai ao palco muito aplaudido.

Francisco Egydio: – Muito obrigado, minha gente. Vamos cantar “O Santos ganhou”, de Nilo Silva, Mazinho e Nandinho, e depois “Glória ao Santos Futebol Clube”, de Carlos Henrique Roma e é o hino oficial do clube, menos conhecido que o  popular que começa com o verso “Agora quem dá a bola é o Santos”. Vamos lá, sem pausa pra respirar!

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