DENTE DE LEITE
por Serginho5Bocas
A pelada estava pegando fogo literalmente, pois se dentro das “quatro linhas” e dois pares de chinelos no meio da rua, o bicho tava pegando entre os jogadores, fora dela, o calor era insuportável, com certeza mais de quarenta graus! Todos descalços, pés pequenos, mas protegidos por uma “capa” negra, produto forjado por milhares de horas jogadas sob sol escaldante e sobre uma superfície asfáltica pra lá de hostil, frente àquela molecada que se divertia, brincando de jogar bola.
Bola rolando de pé em pé, toque de prima, de letra, caneta, lençol, fintas e dribles acompanhados de sons de deslumbre da galera do time de fora, eis que após se livrar de um beque com um jogo de corpo, ficar de frente pro gol e preparar para o golpe fatal, repetido diversas vezes, igual comer uma goiaba roubada do pé, o nosso atacante, canhotinho e serelepe se desconcentra, e…
– Sééééééééééérgiooooooooo… vem almoçar, moleque – era o grito inconfundível da mãe do 5Bocas, chamando para comer!
Aquele deveria ser o quinto ou sexto e isso já gerava um prenúncio liquido e certo de que o próximo chamado seria de cocheira, ou se preferir no “ouvidinho”, com um cinto e fivela na mão e força nos braços para arranca-lo da pelada! Melhor ir embora logo, afinal, prudência e canja de galinha não faz mal a ninguém.
O segundo da direita para a esquerda, Serginho5Bocas passou a infãncia jogando bola na rua com os amigos
Mas o que é dente de leite?
Era a bola e personagem principal de quase todas as nossas historias daquele maravilhoso intervalo de nossas vidas.
Nos sonhos dos meninos, que não tinham dinheiro para comprar uma bola oficial G-32 naquela longínqua década de 70, a companheira de borracha, bem menos pesada, era a solução possível e mais adequada para aquele período de escassez de recursos financeiros. Nossos pais agradeciam.
Pelada de rua, um monte de moleques com os pés descalços, dribles imitando os craques da seleção, jogadas de três dedos, passes de efeito, defesas milagrosas, enfim, um tesão do “karaiu”, imitando o que se ouvia dos trepidantes do rádio, já que jogo na TV era igual bolinho de bacalhau ou rabanada, só uma vez por ano e olhe lá.
Hoje, se pergunta a uma criança o que é dente de leite, com certeza não saberá a resposta certa! Talvez pense que são aqueles 20 dentinhos branquíssimos que depois serão substituídos por 32 de um adulto saudável.
Se a mesma pergunta fosse feita para um adulto peladeiro com mais de 45 anos, a resposta seria outra, completamente diferente. A resposta viria carregada de emoção e ele com certeza te diria que essa ou esse dente já foi muita coisa em sua vida e pode acreditar que é verdade
A “dente de leite” famosa era a bola branca, com “gomos” pretos pintados, toda de borracha, fabricada pela estrela, que tinha em sua superfície o desenho de um moleque chutando uma bola igualzinho a nós, era o suprassumo das peladas.
Naquela época não era fácil comprar uma bola “oficial”, então a saída para os pais era adquirir a genérica de borracha, mais leve, sem gomos, mas cheia de charme e com um nome pomposo.
Pessoalmente, tive muitas historias com essa bola. Tive sorte porque eu era (e ainda sou) louco por uma pelada e a bola dormia na minha casa. Minha mãe era a única da rua que aceitava ser a guardadora da “criança”. Uma bola dente de leite furada, que por esse motivo, ficou mais pesadinha e lembrava muito uma bola de futebol de salão, o nome antigo do futsal de hoje.
Como a bola ficava comigo, aproveitava e, sem saber o quanto me ajudava, treinava muito sozinho. Chutes contra a parede, embaixadinhas, chutes de efeito, de chapa, de peito de pé e aquela pratica constante com certeza me dava uma vantagem competitiva em relação aos outros colegas. Além de todo este treinamento empírico, também dormia com ela, literalmente, jogava sozinho na sala e os pés das cadeiras faziam as vezes das balizas, mas essa constância me trouxe uma marca indelével também.
Chutávamos a bola descalços numa rua de paralelepípedos durante horas e essa era a nossa rotina, impensável ficar de fora. Já ia pra escola pensando na volta e invariavelmente tinha o tampão do dedo arrancado, mas dava meu jeito de não ficar de fora do jogo! Botava um curativo e chutava com a outra perna, e foi numa dessas que fiquei pra sempre batendo com a perna esquerda e por isso sou canhoto no pé, acredite se quiser.
Hoje é bacana ver os malabarismos que aquela galera do “Freestyle” faz com a bola. No século XXI é comum o cara fazer “graça” com a bola enquanto uma câmera o filma pra postar na web, nos canais, nas redes sociais e aí o caminho natural é viralizar, curtiu?
O engraçado é que, naquele tempo, os valores eram um pouco diferentes para os peladeiros. Desdenhavam de quem era muito bom no controle de bola, costumavam dizer que o cara que fazia muita palhaçada com a redonda, geralmente não jogava nada quando o jogo era a vera. Mito ou verdade, ninguém queria comprovar na pratica e aí o único “luxo” que a gente se permitia era disputar a vaga na “linha de passes”, no “um toque” ou no “bobinho” pelo maior número de embaixadinhas que alguém fosse capaz de fazer e olhe lá.
Ô tempo bão, dos pés descalços, da rua de paralelepípedo, do gol feito de chinelos e de uma bola dente de leite novinha de presente de natal que assim que recebida e o saco de plástico era rasgado, ia quicando pra rua sorrindo de encontro aos nossos pés, para a gente chamá-la de “você” com muito carinho, como num passe de mágica…
Quantas saudades! E você?
Um forte abraço!
OS “PROFESSORES”
:::: por Paulo Cezar Caju ::::
Não há nada mais patético do que a dança de cadeiras de técnicos, no Brasil. São tantos exemplos ridículos que fica até difícil escolher um para comentar. Mas alguém duvida, por exemplo, que o Inter esteja nessa situação porque mudou três “professores” num curto espaço de tempo e efetivou o Celso Roth?
E o Ricardo Gomes que preferiu a “segurança” do São Paulo ao invés da possibilidade de rebaixamento do Botafogo? Resultado: está quase descendo o tricolor paulista.
No meio do campeonato os presidentes autorizam que seus gerentes de futebol convidem outros treinadores, sem a menor cerimônia. Isso não deveria ser proibido? Os presidentes é que deveriam ser substituídos a qualquer momento, isso sim!
E, agora, teve essa do Corinthians tirar o Oswaldo Oliveira do Sport!!! Meu Deus, mas baseado em que???
O Oswaldo praticamente levou o clube nordestino ao rebaixamento!!!! E ainda perdeu para o próprio Corinthians em seu último jogo….e na coletiva, na maior cara de pau, disse que “o Sport tinhas todas as condições de sair daquela situação”. Que ele levou!!!
Vai substituir o Fábio Carille, que era interino, foi efetivado e, garanto, vai voltar caladinho para as funções de auxiliar. Sai, Carille, vai buscar seu próprio espaço ou vai passar a vida como mais uma marionete nas mãos dos dirigentes.
– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 19 de outubro de 2016.
PELADA SOLIDÁRIA
texto: André Mendonça | vídeo e edição: Rodrigo Cabral
A convite do parceiro Gaúcho, um dos cartolas do Planet Globe, o Museu da Pelada foi até Paty do Alferes para uma pelada beneficente muito bacana! Realizado pela Viva Rio, “organização sem fins lucrativos que atua na formação de comunidades seguras em territórios vulneráveis”, o clássico entre a Seleção Brasileira de Artistas e o time Pérolas Negras, do Haiti, foi uma grande festa, com muitos sorrisos, samba e feijoada!
Vale destacar que a Academia de Futebol Pérolas Negras é um projeto do Viva Rio. No site da organização, os administradores descrevem a equipe como uma oportunidade de formar atletas haitianos, promover os talentos locais em competições internacionais e, sobretudo, promover a inclusão social e a cidadania a partir do esporte.
– A gente trabalha no Haiti desde 2004. Ao longo desses anos a gente foi percebendo que eles são apaixonados por futebol e acho que até mais ligados ao esporte que os brasileiros. A partir daí, vimos que era um bom caminho para a garotada, começamos com peladas de rua, campeonatos e percebemos que tinha espaço para formar um time profissional, de alto rendimento. Isso mostra que os refugiados podem ser uma fonte de talento – explicou Rubem Fernandes, diretor executivo do Viva Rio.
Embora não seja uma equipe profissional, a Seleção Brasileira de Artistas é outro timaço! Na sala de troféus da equipe, a conquista mais importante, sem dúvidas, é a “Art-Football”, a Copa do Mundo de artistas. Realizada na Rússia, a competição contou com 16 equipes e os brasileiros foram campeões invictos.
– O objetivo dessa pelada é confraternizar, trocar cultura e jogar bola! A Planet Globe tem esse caráter beneficente, tentando confraternizar, arrecadando alimentos, mas também somos competitivos. Ganhamos o mundial, um torneio em Buenos Aires e, sempre que possível, fazemos treinos e jogamos amistosos – disse o ator Heitor Martinez.
Apesar de ter sido uma partida disputada, o preparo físico dos haitianos prevaleceu e o Pérolas Negras venceu o Planet Globe por 3 a 0. Vale lembrar que, neste ano, a equipe do Haiti participou da Copa São Paulo de Futebol Júnior e, em 2017, disputará novamente! Jogar o maior campeonato de juniores do Brasil, aliás, é motivo de orgulho para os jogadores haitianos. Durante a resenha, muitos revelaram que o futebol é a grande esperança para uma mudança na vida deles e o torneio é uma grande vitrine.
Boa sorte, rapaziada!
NEYMARRA
por Zé Roberto Padilha
Os coadjuvantes das maiores obras de arte já produzidas pelo futebol brasileiro, embora momentaneamente abatidos pela genialidade da vez, deixaram o esporte sem traumas. De cabeça erguida, penduraram suas chuteiras porque entre eles e a bola havia um pincel de Michelangelo. E nos pés destes o respeito.
O elástico de Rivelino jamais humilhou o Alcir. Foi executado de frente, assim como drible de corpo do Pelé no goleiro uruguaio, Mazurkiewicz. Mesmo a dança de Mané Garrincha sobre seus Joãos, o dois pra lá, dois pra cá, combinava com sua pureza. E humildade. À vítima, prostrada, só restava o consolo de saber que entre suas pernas, da bola que passou ao seu lado e da ginga de um doce e inocente palhaço jamais seriam apagadas. E eles, ao contrário de muitos, não seriam esquecidos no Baú do Esporte pela história de um país sem memória.
O Brasil, hoje, tem apenas um gênio da bola. Mas que consegue empanar cada dose de genialidade com ares de deboche. Pode ser no Maracanã ou no Aterro do Flamengo, casa cheia ou só com o olhar do vigia: a caneta e o lençol efetuados em direção ao gol é um recurso. Para trás é mais que o fim de um contra ataque. É provocação. Quando aplicada e vir seguida daquela risadinha Neymariana, provoca até dos mais disciplinados marcadores a mais violenta das reações.
Perdemos uma Copa do Mundo não durante uma terça-feira no Mineirão, mas porque nosso maior jogador provocou tanto os colombinaos em um sábado anterior, que um deles o acertou. Machucado, cedeu seu lugar ao Bernard, comum como todos os outros de amarelinho, que pouco pode fazer para evitar os 7×1. E tem sido assim ao longo de sua carreira, Neymar encantando, dando show, Neymarra provocando e sendo expulso. Como um ídolo pode ser exemplo, uma referência para crianças e adolescentes como foram Pelé, Gérson, Tostão e Zico, se ele não carrega o respeito aos adversários colado à bola que tanto reverencia?
Messi e Neymar de cabelos pintados
Nossa esperança era que ao ir jogar no Barcelona, ao lado do maior jogador do mundo, o Messi, Neymar seguiria seus passos. O craque argentino só encantava, não reclamava nem provocava os adversários. Mas no lugar de Neymar mudar, quem mudou foi o Messi. Desde a chegada do brasileiro, se encheu de tatuagens, pintou o cabelo de branco e já começou a reclamar com o juiz. Daqui a pouco vem desfilar no Salgueiro. O “diz com quem jogas e te direis quem és”, infelizmente, influenciou o cara errado. E logo agora que o Suarez tinha parado de morder seus adversários.
Fica a grande questão: é melhor vencer a Venezuela sem brilho, mas com respeito, ou ganhar de goleada e ter em campo um atleta que provoca para ser caçado por nossos adversários? Um ídolo é também um embaixador de sua pátria. Durante as Olimpíadas, Usain Bolt nos fez admirar a Jamaica tanto como Bob Marley. E Michael Phelps, com sua gentileza e recordes, melhorou por aqui o conceito norte-americano. Mesmo através de um craque, será que é este o Brasil, da soberba, da ironia carregada junto ao seu maior símbolo, uma bola de futebol, que queremos nos apresentar ao mundo?
Raul Plassmann
muralha amarela
texto e entrevista: Sergio Pugliese | edição de vídeo: Daniel Planel
Orgulho é pouco para comunicar a parceria entre o Museu da Pelada e o Canal 100, maior acervo cinematográfico do futebol brasileiro!!!! O mais bacana é que o Canal 100 está voltando à cena para, com o Museu da Pelada, contar histórias dos ídolos que durante anos foram registrados por suas lentes!!! Nossa primeira ação foi em Belo Horizonte, num evento promovido pela AGC (Associação de Grandes Cruzeirenses), que reuniu os campeões da Taça Brasil de 66, entre eles Dirceu Lopes, Evaldo e Natal, para comemorar os 50 anos dessa conquista. Nossa ideia é organizar encontros históricos e transformá-los em vídeos e documentários. Hoje, felizes da vida, postamos o primeiro fruto desse “casamento”, uma divertida entrevista com Raul, outro ídolo da torcida cruzeirense e que comandou a mesa redonda com os astros de 66.
Nascido em Antonina, município do Paraná, Raul fez suas primeiras defesas no Atlético Paranaense e, em 1964, se profissionalizou pelo maior rival do rubro-negro, o Coritiba. Sem espaço por lá, o goleiro, aos 20 anos, se transferiu para o São Paulo no ano seguinte. Na equipe paulista foram apenas nove jogos, até ser contratado pelo Cruzeiro, onde sua carreira decolou.
Apesar da pouca idade, a muralha não demorou a cair nas graças da torcida celeste. Com muita segurança e elasticidade, Raul jogou treze anos seguidos no clube, conquistando nove estaduais, um Campeonato Brasileiro e uma Libertadores.
O curioso é que na sua estreia pelo Cruzeiro, em 1965, contra o Atlético-MG, Raul entrou em campo com uma camisa amarela, de manga comprida, algo inédito no futebol brasileiro e, por isso, virou motivo de piada para os torcedores.
– Muitos não sabem, mas eu era o quinto goleiro daquele time! Todos os jogadores passaram mal e eu tive que ser escalado às pressas! A camisa do goleiro titular não cabia em mim e eu peguei o moletom amarelo emprestado do Neco! Era a única solução!
Com personalidade forte, o goleiro não se abateu e fez uma boa estreia contra o Atlético. A partir daí, aquele uniforme passou a ser uma espécie de talismã da sorte e o goleiro não abandonou mais o moletom amarelo!
O episódio foi lembrado recentemente por conta da punição aplicada pela FIFA sobre a CBF, devido aos xingamentos da torcida brasileira ao goleiro Ospina, da Colômbia, durante um jogo pelas Eliminatórias.
– Eu vou me dar bem pra caramba! Só que no meu caso é retroativo, 50 anos! Até que enfim vou comprar a minha Ferrari! – brincou!
Depois do Cruzeiro, Raul desembarcou no Rio de Janeiro em 78 para jogar no Flamengo. No rubro-negro, defendeu o timaço de Zico, Andrade, Júnior e Leandro até 1983, quando decidiu pendurar as chuteiras!