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ANIVERSÁRIO DO REI

por Sergio Pugliese


Hoje o mundo celebra os 76 anos do Rei Pelé e para homenagear o Atleta do Século a equipe do Museu da Pelada procurou fugir do óbvio. Ao invés de gols, exibiremos uma passagem de sua carreira musical. 

Edson Arantes do Nascimento sempre foi amante da boa música e graças a seu prestígio pôde conviver e gravar com seus ídolos. Simonal, por exemplo, foi um grande amigo e Jair Rodrigues outro ídolo e fã do Rei. O segundo compôs e gravou com Pelé a música “Abre a Porteira”, considerada sua maior obra. 

Santista declarado, Jair sempre foi um peladeiro inveterado, apaixonado por futebol. Portanto, certamente ele lembra-se com orgulho de quando serviu Pelé numa tabela musical, onde era o Rei Pelé quem devolvia quadrado para Jair ajeitar.

Abre a Porteira

Pelé e Jair Rodrigues

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar…

Trovador no fim da tarde dedillhando a viola
Passarinho gorgeando anunciando o luar
E o fogão a lenha pra mãezinha cozinhar…

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar…
Aqui não tem o que eu tenho lá
Trovador no fim da tarde dedillhando a viola
Passarinho gorgeando anunciando o luar
E o fogão a lenha pra mãezinha cozinhar…

De manhãnzinha quando o galo canta
A gente se levanta e começa a trabalhar
Tira leite da vaquinha vendo o sol raiar
E vai cuidar da roça pra poder vingar…

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar
Aqui não tem o que eu tenho lá
Trovador no fim da tarde dedillhando a viola
Passarinho gorgeando anunciando o luar
E o fogão a lenha pra mãezinha cozinhar…

Olha a boiada na beira da estrada
Olha a vaqueijada e a poeira a levantar
Tudo isso dá saudade se começo a recordar
E a tristeza no meu peito só me faz chorar…

Abre a porteira que eu quero entrar
Cidade grande me faz chorar
Aqui não tem o que eu tenho lá
Cidade grande me faz chorar
Abre a porteira que eu quero voltar…

ENCONTRO DE FERAS

por Claudio Lovato

Estamos no Centro Comunitário de Capoeiras, um dos bairros da parte continental de Florianópolis. É uma noite fria de setembro, 15 graus, e há um vento cortante. A bola rola no jogo entre dois times de veteranos. Todos com mais de 50 anos, com exceção de três em cada time, que podem ter, no mínimo, 45. As dimensões do campo chamam a atenção da equipe do Museu da Pelada, sobretudo a largura dele.

– Tem 100 por 70! – diz João Carlos da Silva, 64 anos, idealizador e organizador do torneio que reúne 10 times com jogadores acima dos 50 anos.

João Carlos da Silva já foi um dia o nome pelo qual era conhecido Balduíno, craque com passagens marcantes por Avaí, Joinville, Figueirense e Grêmio nos anos 70 e 80. 

– Quem sabe jogar prefere campo mais largo, porque dá para inverter a jogada, recomeçar…

– É uma fazenda! – comenta o repórter do Museu.

– Tem que voltar de táxi! – diz, rindo, Renato Luís de Sá Filho, o Renato Sá, 61 anos, quebrador de recordes (dolorosas recordações para torcedores do Botafogo e do Flamengo), ponta-esquerda habilidoso e de fôlego interminável que brilhou no Avaí, Grêmio, Botafogo, Vasco da Gama, Atlético Mineiro e Atlético Paranaense.

Paulo Cézar Caju também está presente, novo morador da Ilha de Santa Catarina que é, aos 67 anos.

PC, Balduíno e Renato Sá jogaram juntos no Grêmio. Renato havia chegado em 1978; PC, alguns meses depois, naquele mesmo ano; e Balduíno em 1980.

– Fotografa aqui a meiuca do Grêmio – diria PC ao fotógrafo, no encerramento da entrevista para o Museu.

PC sempre foi fã do futebol de Balduíno, meia-armador de alta habilidade e baixa estatura: 1,60m.

– Em alguns lugares, hoje em dia, se o garoto não tiver pelo menos 1,75m, é barrado na base – lamenta Balduíno.

E PC começa a recitar um poema:

– Eduzinho Coimbra, Zé Carlos, Joãozinho, Afonsinho… Maradona!

Os baixinhos.

Balduíno não se contém:

– Zico!

– Jurandir, lembra dele? – PC pergunta ao repórter do Museu.

– Claro! – responde o repórter, gremista.

– Em 1979, num Gre-Nal no Beira-Rio, dissemos ao Fantoni que o Jurandir tinha que marcar o Falcão…

O repórter, hoje cinquentão,  estava lá  na arquibanaca, naquele 13 de maio de 1979. Decisão do ponto extra do Gauchão. Aquele Gre-Nal ficou famoso por ter sido o jogo em que o pequenino Jurandir, ponta-esquerda que recuava para ajudar na marcação, não deixou Falcão tocar na bola. Falcão mal conseguiu respirar. PC não jogou, porque estava lesionado. No final, zero a zero, Grêmio com o ponto extra e o título de 1979 encaminhado.

– Eu era folgado! – diz Balduíno, recordista de participações no clássico Figueirense x Avaí: 75 jogos (39 pelo Avaí e 36 pelo Figueirense).

– Uma vez, pelo Campeonato Brasileiro, num jogo aquí em Florianópolis, o Figueroa tentou me dar uma cotovelada. Só não acertou porque eu sou baixinho. Pegou de raspão, na testa. Eu deixei passar um tempo e dei um soco na barriga dele. Ele correu atrás de mim, mas eu consegui fugir!

Boas lembranças.

– O Fantoni só me chamava de ‘Roberto Sá – conta Renato. 

Renato Sá, que sabia jogar, e muito, olha para o campo e relembra de uma dessas bolas longas, bem invertidas, que fazem Balduíno gostar de gramados grandes.

– Tem que ter força no chute. Como o Paulo Roberto…

Renato está falando sobre o lance que resultou no gol do Grêmio contra o São Paulo, no Morumbi, na decisão do Campeonato Brasileiro de 1981. O lateral-direito Paulo Roberto recebeu lá na linha divisória, olhou para a grande área do São Paulo e mandou a bola para a Renato Sá. Ela veio alta e forte.

– Num lance assim, o mais difícil é achar o tempo certo para saltar! – diz Renato.

– Não pode pular antes nem depois.

Renato saltou no tempo certo. De sua cabeça saiu o passe para Baltazar, o Artilheiro de Deus, que matou a bola no peito e, antes que ela tocasse no gramado, emendou um chute maravilhoso, bola no ângulo esquerdo de Valdir Perez. Grêmio campeão brasileiro pela primeira vez.

– Naquele jogo, entrei no lugar do China, centromédio. O Ênio [o grande técnico Ênio Andrade] me disse: ‘Vamos fazer uma correria ali no meio, é a nossa única chance”.

Lembranças especiais, coisa que não tem preço.

– Monsieur Paulô Cezár! – alguém grita do alambrado, bem atrás de onde está PC.

– Chevalier! – PC responde. 

E nós vamos para o local, pertinho do gramado, onde o fotógrafo e o cinegrafista do Museu da Pelada montaram o set para a gravação da entrevista. Histórias engraçadas? Tem. Lembranças bonitas? Tem também. Mas também tem muita reflexão séria e algumas críticas, porque essas feras têm muito o que dizer. E disseram.  

NAS ONDAS DO RÁDIO

por Victor Kingma

Meu gosto pelo velho e bom esporte bretão começou muito cedo, quando eu tinha cino ou seis anos, lá pelo final dos anos 50. A influência maior foi da minha tinha Luquinha que, contrariando os hábitos das moças da época, gostava muito de futebol. Foi ela, inclusive, quem me fez torcer pelo Flamengo, paixão incontrolável que me acompanha por toda a vida.

Nas tardes de domingo ou nas noites frias de Mantiqueira, um pedacinho das Minas Gerais onde nasci e fui criado, o que eu mais gostava de fazer era ouvir as transmissões esportivas com os tradicionais narradores da época. Meus ídolos eram Waldir Amaral e Jorge Curi e eu gostava de imitá-los narrando os gols de Dida e Babá, pelo Flamengo, ou Pelé e Vavá, pela Seleção. Entretanto, gostava também dos outros narradores e sempre ouvia os jogos pela frequência que o nosso velho e chiador rádio Zenith sintonizasse primeiro. 


 Um dos primeiros jogos que escutei pelo rádio foi a partida semifinal da Copa de 1958 entre Brasil x França, realizado em 24/06/1958, no estádio Rasunda, em Estocolmo, na Suécia.  Naquela época, minha família morava num enorme casarão, a centenária Fazenda da Sotéria, em Mantiqueira. No dia do jogo nossa casa estava cheia de gente, entre amigos e parentes,  pois éramos dos poucos que tinham rádio na região. Interessante é que o que mais me marcou nesse jogo não foi a sensacional vitória do Brasil por 5 x 2 diante da poderosa seleção da França, de Fontaine e Kopa, mas uma situação muito divertida que aconteceu naquele dia e da qual nunca esqueci:   

 O Brasil vencia o jogo com uma atuação de gala. Logo no início do jogo, Vavá abriu o marcador, mas Just Fontaine empatou para a França pouco depois, marcando um de seus treze gols numa mesma Copa, recorde nunca mais superado. Ainda no primeiro tempo, Didi, com sua famosa folha seca, colocou o Brasil em vantagem. No segundo tempo então foi um show de bola. Pelé, numa de suas melhores exibições com a camisa da seleção, marcaria por três vezes, elevando o placar para 5 x 1. Fazíamos a maior algazarra lá na fazenda e cada gol era uma festa. Até meu pai, que não acompanhava muito futebol e só gostava do Garrincha,  estava eufórico. Todo mundo aguardava o fim do jogo para iniciarmos o foguetório pela vitória, como vinhamos fazendo desde o início da Copa.


A transmissão estava bastante inaudível naquele dia nublado e o narrador, se não me engano, era Pedro Luiz, da Rádio Bandeirantes, outro monstro da narração esportiva.   

 O jogo estava quase no fim e ninguém mais escutava direito a transmissão devido aos ruídos, quando alguém gritou: gooool!!! 

 Não deu mais para segurar a euforia. Saímos todos para o terreiro da fazenda e gastamos antecipadamente todo o estoque de foguetes.  Só que o goltinhasidoda França.  O autor, nunca esqueci: Piantoni. Logo depois o jogo acabou. Mas os foguetes também…     

 Não fosse umasprovidenciais bombas cabeça de nêgo compradasàs pressas na venda de seu Olegário,  a   molecada,  dentre as quais eu me incluía, ficaria frustrada pela falta dos fogos na comemoração que se seguiu, regada a vinho Moscatel  para os adultos e guaraná Pérola para a criançada.

 Poucos dias depois, em 29/06/1958, em outra exibição memorável, o Brasil venceria a Suécia também por 5 x 2 e se tornaria, pela primeira vez, campeão mundial de futebol.  E foi uma festa maior ainda lá na fazenda da Sotéria, já com o estoque de foguetes renovados.

 Como bom boleiro, claro que já assisti ou ouvi tantos jogos memoráveis do escrete nacional, entretanto, aquela partida na semifinal, pelasituação inusitadae que tanto marcou minha infância,  ainda hoje, passados mais de cinquenta anos, ainda guardo na lembrança.

Foimeu jogo inesquecível da seleção!

TREINO INESQUECÍVEL

por Antonio Carlos Ferreira da Costa


Recentemente, em homenagem ao aniversário de 63 anos de Paulo Roberto Falcão, publicamos uma imagem do craque durante a Copa de 1982 na nossa página do Facebook. Para nossa surpresa, recebemos um comentário de Antonio Carlos Ferreira da Costa, ex-jogador do time de juniores do Flamengo, que recordou o dia em que a base rubro-negra foi convidada para treinar contra a seleção brasileira no Maracanã.

Era dia 6 de maio de 1981, quando Telê Santana, técnico da seleção brasileira, convidou um grupo de jogadores da base do Flamengo para treinar com aquele timaço que se preparava para a Copa de 82. Tive a oportunidade de participar daquele treino e me deu até raiva! Tentei marcar o Falcão, mas o cara era surreal.

Além do “Rei de Roma”, a seleção ainda contava com Leandro, Oscar, Luizinho, Júnior, Cerezo, Sócrates, Zico, Reinaldo e Éder! Uma verdadeira covardia, que timaço! Foi um dia inesquecível não só para mim, mas para todos os meus colegas do Flamengo, pois enfrentamos uma das melhores seleções de todos os tempos, mesmo sem ter conquistado aquela Copa do Mundo.


Embora tenha sido muito prazeroso, aquele treino também foi muito desgastante. Além dos jogadores da seleção serem muito superiores, Telê Santana havia pedido para que a equipe do Flamengo fizesse marcação sob pressão, para dificultar a saída de bola daquele timaço! Nosso time até tentou, mas marcar aquelas feras era complicado demais e terminamos a atividade bem mais cansados do que eles.

O lance que mais me chamou a atenção nessa partida, sem dúvidas, foi uma matada de bola do Falcão! Após um bate-rebate na área, a bola subiu, subiu, subiu.. e o craque, com toda sua classe e elegância, dominou com o pé, sem deixar ela cair no chão. Todos ficaram perplexos com a genialidade do Rei de Roma!

AMORES DE ALAMBRADO

por Marcelo Mendez


Imagem: Renato Cordeiro (UOL)

“Não, meu bem, não adianta bancar o distante: lá vem o amor nos dilacerar de novo…”

Tudo bem, eu sei que quando Caio Fernando Abreu escreveu isso, nem de longe passou pela sua cabeça, pelo seu uísque, pela sua echarpe chique e pela sua mais linda e devassa intenção, falar de futebol. Quiçá de futebol de várzea que o amigo poeta não devia ter a mais remota idéia do que fosse.

No entanto, quanto mais passa o tempo, quanto mais domingos de futebol de várzea presencio, mais me sinto dentro desse sentimento que Caio escreveu, pelo meu mais torto viés. Intrigante…

Já não foi a primeira vez que pensei em criar uma distância entre eu e essa coisa maravilhosa que são as pelejas do domingo de manhã. Por uma reserva do coração, daquele apaixonado que morre de medo de se apegar ao amor com medo de não tê-lo adiante, quis ficar meio fora desse universo, mas, como descrito na frase do Poeta, tal e qual o amor, eis que lá vem a várzea para me dilacerar em encantos, versos prosas e odes pelos campos de bola do ACBD. Veio, amigos…

Me contaram da Copa São Bernardo de Futebol de Várzea. Mais de 146 times participantes, de todas as divisões e até os não filiados à Liga da Cidade. Uma copa democrática que ocupou os mais de 40 campos de São Bernardo ao longo dos últimos quatro meses em disputas eliminatórias de um jogo só. Um mata…

Durante o torneio, muito mais que uma partida de futebol, o que se disputava ali pelos terrões eram duelos. Debaixo de sol escaldante ou, sob um frio siberiano, as equipes ali se encontraram para disputar os seus mais obtusos sonhos. Uma prova de fôlego que chegava ao jogo final entre Marabá x Nós Travamos. Chegando no Estádio do Baetão onde acontecia o Match, a velha magia da várzea.

As equipes prontas, o mesário Tom e seu impecável terno preto, o auxiliar Gil com suas tropicalistas calças cor de salmão, árbitro atento, hino tocado e começa a peleja. Um instante em que o som que ecoa no mundo é da fúria dos instrumentos de samba das torcidas de várzea. Nesse momento, como que por capricho da criação me distraio do campo e olho para o alambrado.

De frente comigo, a alguns poucos metros, vi um senhor. De rosto colado ao alambrado e camisa do Marabá, o homem de cabelos grisalhos segurava nas mãos um galho de arruda. Com ele fez umas rezas, arregalou bem os olhos e então, não mais os desviou da cancha. Me chamou atenção a cena… O Torcedor. Mas não qualquer torcedor:

O torcedor de várzea.

Assim como eu, ele acorda cedo domingo.

Come seu pão com manteiga, engole seu café puro… puro como ele, forte como sua paixão. Beija a boca de hortelã de sua mulher, veste a camisa do seu time, sobe em cima de seus chinelos e com eles voa para muito além de Agadir; Vai para o campo de várzea.

De rosto colado no alambrado, o torcedor de várzea torce. Sonha amiúde, de maneira curta, por um átimo de encanto. Torce para algo que se aproxima de uma divindade, a divindade que lhe é possível. Uma entidade que toma conta de sua alma e o leva para muito além da razão, da quimera rasa dos sentidos.

A ele só lhe é permitido viver por poesia. Nada que seja meramente racional. Não! O torcedor de várzea está lá para louvar o improvável, o insólito, o gol do título feito por Beto do Marabá, a catarse de um titulo de futebol de várzea, o qual o torcedor tem plena convicção que só foi possível por conta de suas rezas e de suas mandingas. Um gol de Deus.

No dia em que Deus imitou Beto do Marabá. Para alegria do torcedor…