Escolha uma Página

EU E MEU PAI

por Marcos Eduardo Neves

Marcos Eduardo Neves é jornalista de primeiro time. Entre muitos feitos escreveu a biografia do craque Heleno, que será interpretado por Rodrigo Santoro no cinema, Roberto Medina, Renato Gaúcho e, mais recentemente, Alex. Ele foi uma das principais alavancas para o projeto A Pelada Como Ela É deslanchar. Nos reunimos várias vezes, consumimos alguns litros de chope e escrevemos várias crônicas. A ideia inicial era um livro. Mas ele foi chamado para ser editor de Esportes do JB, eu deixei a história de lado um pouco e o tempo passou. Meses depois acertei uma coluna semanal com o Globo. Marcos continua sendo um grande colaborador! Abaixo ele conta uma emocionante história envolvendo amor, pelada e morte.


“Entre as principais lembranças que guardo na memória de meu pai estão algumas manhãs de domingo em que, no Moneró, Ilha do Governador, assistia a suas defesas e frangos como goleiro da pelada que rolava solta entre seus amigos. Deve ter começado aí minha propensão a usar a camisa 1 ao longo da minha carreira de atleta frustrado, mas insistente.

Em janeiro de 2000, num sábado, lembro de ter acordado com um inesperado telefonema. Era o velho perguntando se eu podia vê-lo no domingo, pois estávamos há uns três meses sem nos encontrar. Concordei, claro! “Pai, amanhã nos vemos”. Ele agradeceu com um “te amo muito, tá, filho?”. Vai entender esse sentimentalismo, essa saudade…o homem nunca foi disso! Deixei quieto, mas fiquei contente.

Eis que, no domingo, outro telefonema me despertou por volta das 6h. Pensei logo, papai encontrou algum compromisso inadiável – mulher, na certa, pois era um amante incorrigível. Mas era minha irmã, que morava com ele. Aos prantos, ela disse “papai morreu”.

Morreu nada. Foi assassinado. Na sombria madrugada, uma facada pelas costas na jugular, depois de discussão num pé sujo. Bate boca por causa de paixão. Não mulher, mas futebol. Um Botafogo x Santos, pelo Torneio Rio-São Paulo e uma indiscutível vitória de seu alvinegro por 3 a 0.

Então, como ele tinha pedido encarecidamente, fui vê-lo no domingo. Vê-lo e velá-lo. Vê-lo pela última vez. E na segunda-feira, consternado, sem chão, voltei à Ilha para enterrá-lo. 

Do cemitério retornei morto por dentro. Ao menos, meus principais amigos reuniram-se para ir à minha casa me ver, na tentativa de me injetar ânimo, me fortalecer. 

Foi uma surpresa bacana. Dois deles, porém, fizeram uma visita rápida. Era dia de pelada. Ninguém me perguntou se eu queria jogar bola, mas eu quis saber para onde iriam. Não mentiram. Educados, perguntaram se eu queria ir. Para quê? Em fração de segundos, meus olhos brilharam. Decidi honrar papai. Fui para a AABB, na Lagoa, disposto a fechar o gol. Uma defesa milagrosa, numa cabeçada à queima-roupa, dediquei, em silêncio, a ele. Nenhum dos demais peladeiros sabia meu drama pessoal. E eu não queria compaixão. Queria papai presente, a partir de então, me vendo em cada pelada, ajudando a me posicionar, me impulsionando a catar aquela pelota, perdoando minhas falhas mas me incentivando a dar a volta por cima. 

E assim foi. Não lembro se naquela noite ganhamos ou perdemos. Não o meu time. Mas, sim, eu e meu pai.”

Texto publicado originalmente na coluna “A Pelada Como Ela É” em 30 de outubro de 2010

CAPITA POR LEANDRO

Todos nós sabemos que resenha de boleiro não tem fim, e as comparações entre grandes craques ajudam ainda mais à prolongá-las. Quando Carlos Alberto Torres nos deixou, na semana passada, uma das maiores discussões do futebol veio à tona: seria ele o melhor lateral do futebol brasileiro? O craque só não é unanimidade porque a posição também foi exercida com louvor por Leandro, um gênio da bola.


Recentemente a equipe do Museu da Pelada foi até Cabo Frio para uma resenha muito bacana com o “Peixe-Frito”. Sem esconder a tristeza pela morte do amigo, ex-lateral do Flamengo rasgou elogios ao “Capita”:

– Só de ser comparado a ele já é um privilégio enorme! Ele tinha uma leitura de jogo impressionante e uma liderança nata! Foi referência em todos os clubes que passou!

Vale destacar que Leandro foi treinado por Carlos Alberto Torres em 1983, no Flamengo, e, na ocasião, conquistaram o Campeonato Brasileiro! Que dupla!!
 

O TIME DO CÉU

:::: por Paulo Cezar Caju ::::


Estou triste, mas não vou falar de tristeza. Chorei, mas quero rir. Capita, descanse em paz, afinal não tinha mais pontas para você marcar mesmo. O futebol é outro. Tá chatooo! Agora, lateral virou beirada de campo, lado de campo, sei lá, um sonífero. Capita, após o seu enterro ouvi um resenheiro, Sérgio Roberto de Souza, comentar com o outro que o time do céu estava reforçado.

Perguntei, de brincadeira, quem ele havia escalado. O gaiato respondeu que o time era de Deus, não dele. Não sabia que Deus também era “professor”, kkkk!!! Começou com Gilmar. Logo freei e perguntei pelo Félix. Alguém do lado gritou “Barbosa”. Sou mais o Félix!

Na latera, o Capita recebeu todos os votos, óbvio!!! Na zaga, ok para Domingos da Guia, mas interferi novamente na escalação celestial. Trocaria o Bellini pelo Mauro, outro capitão. Nilton Santos é irretocável e pelos bons serviços prestados deve ter virado santo. Zito, Didi e Zizinho, no meio, perfeito! Deus sabe das coisas!

Alguém gritou por Sócrates no lugar do Zito, mas um outro gozador lembrou que o Sócrates aprontou muito em vida e deve ter sido barrado no céu, kkkkk!!!! Deus os perdoe!!! Na ponta-direita, Garrincha! Dizem que o Mané é reverenciado até por Deus Todo Poderoso e que teria lançado a moda das pernas tortas entre os anjos, kkkk!

Vavá de centroavante? Vou de Ademir Menezes!!! Friaça, na ponta? Vou de Leônidas da Silva, o Diamante Negro, o homem que virou chocolate!

Feola de técnico? Imagino o Feola dormindo numa nuvem aconchegante, kkkk!!! Vou de Telê!!! Fechamos assim, Sérgio Roberto? 

A grande verdade é que essa alegria e escracho dos torcedores é que sustentam o futebol. Só os torcedores conseguem manter viva essa molecagem que encantou o mundo.

Os geraldinos também morreram e animam esses craques, que divertem-se no antigo Maracanã, agora coberto por um gramado azulzinho. Lá é o seu lugar Capita, Garrincha, Nilton Santos & Cia!!!

“Professor” Deus, cuide bem da turma e pode deixar minha convocação para a Copa de 2.900.  

FOOTBALL x FUTEBOL

por José Dias

Semana passada vi na televisão um filme que versava sobre a “batalha” travada entre um “afro descendente”, oriundo de um país africano, que imigrou para os EUA em busca do tão decantado “sonho americano”. Conseguiu se formar em medicina, na especialidade – patologia -, e prestava serviço num IML, da cidade de Detroit.

Quis o destino ter sido designado para fazer a autópsia de um consagrado astro, já inativo, do “football” americano, que cometeu suicídio em função de ter sido acometido por um problema neurológico, motivado pelas inúmeras pancadas sofridas na cabeça durante as partidas em que participou.

A Liga Nacional do Futebol Americano – NFL -, similar a nossa CBF, tinha conhecimento dos problemas causados pela prática violenta dessa modalidade, porém, encobria e não divulgava a estatística dos casos já ocorridos, pois envolvia muito dinheiro – business, business e mais business -, igualzinho em nosso país.

Acontece que o “sonhador” médico legista descobriu a verdadeira causa dos distúrbios e botou a “boca no trombone” – centenas e centenas de pancadas na cabeça geraram distúrbios neurológicos que fizeram com que o cérebro do ex-atleta sugerisse sintomas de várias doenças, inclusive o MAL DE ALZHEIMER. 

Mais dois casos surgiram e os dirigentes da NFL trataram de neutralizar e não permitir a divulgação dos novos resultados, inclusive fazendo com que o médico fosse transferido para outra cidade.

E ainda tripudiavam – NEM AMERICANO ELE É!

A lei americana, segundo o filme, só se manifestaria quando mais de três casos fossem constatados, embora muitos outros já tivessem sido “arquivados”.

Um outro ex-atleta que fazia parte do corpo diretivo da NFL, pouco antes do terceiro suicídio, recusou ajudar o amigo que lhe procurou, passou a apresentar os mesmos sintomas e, para resumir a história, escreveu uma carta e também cometeu o suicídio. Era o quarto caso que faltava para que providências fossem tomadas oficialmente.

Foi quando o Sindicato dos Jogadores agiu e pressionou o governo para a criação de novas leis. Não sei como está a situação hoje.

Depois disso tudo, faço uma comparação com o que ocorre em nosso país, com o nosso FUTEBOL. As duas modalidades tem em comum serem a de maior apelo popular, tanto nos EUA, como no Brasil e o famoso jogo entre seus principais clubes, denominado SUPER BOWL, é comparado ao CLÁSSICO DOS MILHÕES, entre Vasco e Flamengo.


Brucutu

Aproveito a deixa para esclarecer:

Que football é esse que até a sua tradução é incorreta – não correspondendo a realidade -, “pé na bola”.

Uma modalidade que usa as mãos em 99% de seu tempo de jogo e, um mísero 1%, os pés;

Uma modalidade cujo artefato usado é oval, embora receba a denominação de bola;

Uma modalidade cuja baliza tem um tamanho incrível e em forma de H;

Uma modalidade que, antes do início da partida e depois de cada interrupção, os jogadores ficam naquela posição em que Napoleão perdeu a guerra;


Uma modalidade em que os jogadores usam um capacete e, com isso, deram origem a expressão das fãs, que são conhecidas como MARIA CAPACETE;

Uma modalidade em que “do pescoço para baixo” tudo é canela;

Uma modalidade em que a “porrada” é praticada à vontade e que os jogadores treinam para o seu aperfeiçoamento. Se no jogo, vale tudo, imaginem como agem suas torcidas organizadas.


Impressão que se tem de uma das organizadas indo em direção ao estádio para o SUPER BOWL

 

A verdade é que o colunista Fernando Calazans, do O Globo, se lá estivesse ia adorar – em vez de um Brucutu ou dois, teria a sua disposição um time inteiro para criticar.

Poderão e devem estar perguntando o que tem o FOOTBALL a ver com o FUTEBOL.

Quase nada, pois na prática são totalmente diferentes entre si. Ocorre que a igualdade reside na mentalidade dos dirigentes, dos torcedores, da mídia, e dos profissionais que os praticam.

Foi preciso que um “afro descendente” insistisse em sua tese para que uma solução fosse dada.

Os jogadores que não se envolviam, quando sentiram a veracidade dos fatos, se mobilizaram e providências foram tomadas, porém, dizem, não sei se é fato, que até hoje um número expressivo de jogadores acha “fascinante e estimulante” essa “porradaria”. E no Brasil?

Qual a reação dos torcedores, da mídia, e dos profissionais, principalmente os jogadores, quando agentes externos se intrometem na sua prática e, não falo do fato do jogo em si – 11 x11 -, quando entram em campo para a disputa de uma partida válida por qualquer competição constante do CALENDÁRIO de uma determinada temporada?

A resposta é simples e única – NADA!!! De prático ou eficiente.

Criaram até um BOM SENSO FC e, não sei a quantas anda. Ainda existe?

Não ouso comparar as consequências físicas sofridas pelas pancadas recebidas pelos atletas do FOOTBALL e sim da ação das pancadas subjetivas e morais aplicadas aos nossos atletas no dia a dia de cada um e que agem e exercem influência em seu comportamento e no de suas famílias – legislação tendenciosa; incerteza no que poderá acontecer ao final de uma competição ou temporada; falta de assistência médica e social desde o início de sua formação, durante e após o encerramento de sua carreira – que pode ser em função de qualquer “distúrbio” fortuito ou não -, declínio técnico, lesões mal curadas e mesmo psicológica, como exemplos.

Este CAPÍTULO para por aqui, pois muita coisa ainda poderia ser dita, porém, o mais importante é que as pessoas ditas do UNIVERSO DO FUTEBOL, os “boleiros”, esses sim deveriam tomar conhecimento daquilo que defendo e tentar, de alguma forma, ajudar.

Para encerrar, na próxima semana, se ainda houver disposição, entrego ao MUSEU DA PELADA o terceiro e último capítulo da novela “VOCÊS SABIAM”, quando tentarei dissecar o CALENDÁRIO DO FUTEBOL BRASILEIRO.

A ALEGRIA DO POVO

Hoje, 28 de outubro, é aniversário de Garrincha, o maior criador de “joões” da história do futebol! Mas o parceiro Josafá Almeida nos alertou que existe uma polêmica em relação ao dia exato. Para seu biógrafo Rui Castro (“Estrela Solitária”), ele teria nascido no próprio dia 28. Autor de diversos livros sobre futebol, o jornalista Roberto Assaf, no entanto, afirma que o dia correto é 18 de outubro. Parabéns, onde estiverem suas pernas tortas…

Em homenagem a um dos maiores craques do futebol mundial, resgatamos um texto muito bacana da coluna “A Pelada Como Ela É”, publicado em 26 de outubro de 2013.

CATA-CATA DE AFONSINHO

por Sergio Pugliese


Há dez dias, Afonsinho, cracaço botafoguense, estava na Itália quando recebeu a ligação do amigo Edson José de Barros, o Edinho, presidente do Esporte Clube Pau Grande, com uma missão para lá de especial: levar um time para enfrentar a seleção local, em comemoração aos 80 anos de Garrincha, maior ídolo da história do Botafogo, morto em 1983. Afonsinho, claro, topou, mesmo sabendo das dificuldades, pois chegaria ao Brasil dois dias antes da festa, em Magé. Mas jogar no campo onde Garrincha deu seus primeiros dribles é emoção até para vascaínos, tricolores e flamenguistas, imagine para os alvinegros!

A turma da coluna “A Pelada Como Ela É” chegou cedo e encontrou o presidente Edinho, indócil, na porta do centenário clube. Casa cheia, cervejas no freezer, churrasco no ponto, mesas arrumadas, grama aparada, time adversário completo e nada de Afonsinho, o criador da Lei do Passe Livre, o rebelde, o engajado, o politizado, o barbudo que sacolejou a cabeça e abriu os olhos de toda uma geração, na década de 70. Um cara desses não vai deixar furo, mesmo tendo desabado um temporal no dia anterior e o trajeto Paquetá-Magé não ser dos mais animadores. Apesar dos pesares, Guilherme Careca Meireles, fotógrafo de nossa equipe e botafoguense supersticioso, assinou embaixo:— Cheguei em Paquetá e iniciei o cata-cata — divertiu-se ele, sábado passado, na concorrida resenha pós-jogo.

— Com esse não tem erro, ele vem!


Pedimos uma gelada para relaxar e brindamos por Garrincha! Estávamos na terra do homem, era o mínimo! Na mesa, Guilherme me perguntou baixinho: “Será que o Afonsinho vem mesmo?”. Caímos na gargalhada, mas nos concentramos quando Edinho se aproximou com um senhorzinho em plena forma, segundo ele “o maior especialista em Garrincha”. No envelope pardo, fotos do amigo e parceiro de ataque do Palmeirinha, primeiro time do infernal camisa 7. Ali, naquele campo oficial, bem na nossa frente, Genarino Cozzolino, o Bacalhau, hoje com 82 anos, fez muitos gols com passes do maior ponta-direita do planeta. Do time, Valdair, Cico Militão, Gido Lobo, Cico Peixinho, Zé Mergulhão, Ivo, Zé Baleia, Ari Morte, Tião Morfeia, Diquinho, Bacalhau, Garrincha e Irineu, só ele continua na área e se derrubar é pênalti! —Deus vem me mantendo aqui, talvez para continuar contando essa história tão bacana! — brincou ele, capitão de mar e guerra.

Do fundo do bar, alguém gritou “Olha o Afonsinho, aí!” Edinho benzeu-se, Guilherme Careca também! Afonsinho realmente chegou, mas e o time? Ele foi logo se explicando. Muita gente viajando, outros tantos machucados, alguns com medo de chuva, dezenas trabalhando, centenas incomunicáveis, grande parte vetado pela mulher, mas deu para o gasto. Os adversários vibraram com a presença do ídolo e foram ao delírio com a chegada da arma secreta e outro gênio botafoguense, Nei Conceição, o Nei Chiclete, apelido por grudar a bola no pé. Cara de sono, explicou que fora convocado em cima da hora e só conseguiu uma chuteira emprestada, algumas horas antes, de madrugada, num samba na quadra da União da Ilha. Mais Nei Conceição, impossível! O escrete de Afonsinho também contou, entre outros, com o talento do inquestionável Betinho Cantor, Macaco, ídolo de Americano, Rio Branco e São Bento, Otávio, zagueiro estiloso, e, sim…. Guilherme Careca Meireles. Faltou um e sobrou para ele!


Guilherme Careca posa ao lado da imagem de Garrincha.

— Nei Conceição, Afonsinho e eu formaremos um trio insuperável — profetizou, orgulhoso. Em campo, um desastre! O Esporte Clube Pau Grande, bem treinado por Paulinho Fluminense, ganhou tranquilamente por 4×1. Nei saiu rouco de tanto reclamar. Afonsinho fazia a bola rolar fácil, mas, sempre que procurava alguém para tabelar, não aparecia uma alma. Numa das vezes, olhou para a ponta-direita, imaginou Garrincha e lançou com a maestria habitual, mas era Guilherme Careca Meireles. A bola chegou macia e Afonsinho ainda tentou incentivá-lo: “Parte para cima deles!”. Mas eram quilômetros de campo, mal dava para ver o gol adversário, e o lateral lhe roubou a bola facilmente. Nei, desgostoso, balançou a cabeça, Afonsinho, arrasado, colocou a mão na cintura e Guilherme, realizado, sentiu-se o Anjo das Pernas Tortas num dia ruim.