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NOSSA GRATIDÃO ETERNA, CÉSAR

por Claudio Lovato Filho

Uma vida não se resume a uma carreira profissional, e uma carreira profissional não se resume, no caso da de um jogador de futebol, a um título, a uma partida ou a um gol.

Claro que não.

Mas obrigado, César, por teres colocado a cabeça naquela bola.

Tinhas pressentido que ela viria para a pequena área; bastou ver o Renato fazer a embaixadinha lá na lateral, e então soubeste, tiveste certeza.

Pressentimento de centroavante dos bons.

Obrigado, César.

Por teres colocado a cabeça naquela bola improvável alçada pelo Renato e, assim, teres feito a felicidade de milhões de gremistas, como havia previsto (sonhado!) a Sandra, mulher do Tita.

Quanta importância teve aquele gol para a nossa História, César! 

Quem te escreve estas linhas, ainda impactado pela notícia da tua despedida, é alguém que estava lá no Olímpico naquela noite gelada de 28 de julho de 1983.

Alguém que tinha 18 anos e estava na arquibancada inferior, com o velho dele e um dos irmãos mais novos, bem atrás da goleira em que o Caio fez o nosso primeiro gol.

Foi de lá que eles viram o teu gol, aos 32 do segundo tempo.

Foi lá, batendo os pés no cimento por causa do frio e da emoção, que eles viram o teu voo em direção à bola.

Obrigado, César.

Na Grande Ordem das Coisas – que alguns acreditam ser ditada pelo acaso, pelo aleatório e pelo caos, e que outros creem que obedece ao que desde sempre estava escrito e determinado – eras tu que estavas lá, no lugar certo, na hora certa, fazendo aquilo que tinhas que fazer, e que sabias fazer.

Como os centroavantes de verdade.

Como os seres humanos que entendem que a felicidade é a maior vocação de todos os que vêm a este mundo e que, inevitavelmente, um dia se despedem dele.

ZAGALLO TINHA 12 TITULARES

por Elso Venâncio

O time dos ídolos imortais da Copa de 1970, que conquistou o tricampeonato no México, tinha 12 titulares: Félix; Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson (Paulo Cézar Caju) e Rivellino; Jairzinho, Tostão e Pelé.

O técnico João Saldanha passou confiança ao grupo e fez um grande trabalho nas Eliminatórias. Foram seis jogos, seis vitórias, 23 gols a favor e só 2 contra, com goleadas históricas sobre a Venezuela, por 5 a 0 em Caracas e 6 a 0 no Rio, além dos 6 a 2 na Colômbia, também no Maracanã. Desgastado com os generais da ditadura e com os militares inseridos na comissão técnica, o João Sem Medo — assim apelidado pelo amigo Nelson Rodrigues — acabou substituído por Zagallo há poucos meses da Copa.

Com o novo treinador, vieram algumas mudanças. No esquema tático, o 4-2-4 deu lugar ao 4-3-3. Brito e Piazza passaram a formar a zaga de área. Com o recuo de Piazza, Clodoaldo assumiu a posição no meio-campo, ao lado do Gérson. Como a Seleção atacava muito com Carlos Alberto pela direita, o treinador escalou o gaúcho Everaldo, um lateral marcador, na esquerda. Rivellino, reserva do Gérson, foi adaptado como ponta-esquerda recuado; e Tostão, que jogava como meia, na posição do Pelé, mantido como centroavante.

No primeiro treino que dirigiu, Zagallo encontrou um Pelé irritado: “Sacanagem comigo, não”. E retrucou no ato: “Você é um único titular absoluto”.  João Saldanha tinha declarado que Pelé era míope. O Rei confirmou a miopia de nascença, mas isso nunca lhe causou dificuldade, nem à noite.

Logo na estreia na Copa, Paulo Cézar Caju estreou as substituições do Brasil em mundiais, só permitidas a partir de 1970. Entrou no lugar de Gérson, que sentiu a coxa durante o jogo contra a Tchecoslováquia. Mantido para o enfrentar a Inglaterra, então campeã do mundo, Caju foi o craque da vitória por 1 a 0, com gol de Jairzinho. Voltou a se destacar diante da Romênia, mas Gérson, o Canhotinha de Ouro, se recuperou para enfrentar o Peru, dirigido pelo brasileiro Waldir Pereira — o mestre Didi.

Para resolver o dilema, Zagallo chamou quatro líderes do grupo: o capitão Carlos Alberto, Piazza, Gérson e Pelé. “Vocês vão decidir se PC continua como titular”. A votação foi secreta, mas com a presença de Paulo Cézar. Cada um recebeu um envelope, e o resultado deu empate: 2 a 2. “Paulo, você é garoto e pode esperar, mas não se considere reserva”, resolveu Zagallo.

Se Paulo Cézar fosse mantido, Clodoaldo sairia, com Gérson sendo recuado, e Rivellino passando para o meio. PC acabou entrando durante o jogo, novamente no lugar de Gérson, que deixou o campo com a vitória já garantida para estar inteiro contra um rival histórico, o Uruguai, na semifinal.

Foi uma campanha memorável, com 100% de aproveitamento:

4 a 1 na Thecoslováquia;

1 a 0 na Inglaterra;

3 a 2 na Romênia;

4 a 2 no Peru;

3 a 1 no Uruguai.

No dia 21 de junho, enfim aconteceu a final do primeiro Mundial transmitido pela TV e a cores. O Brasil goleou a Itália por 4 a 1, com o Estádio Azteca recebendo mais de 100 mil torcedores. Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto fizeram os gols. Era uma época de tantos craques, que o Brasil seria novamente campeão do mundo, com Saldanha ou Zagallo.

O LEGADO DE JOHAN CRUYFF FERVE NA CHAMPIONS LEAGUE

por Enzo Krieger

A filosofia de Johan Cruyff ferve na Champions League, detecta o cineasta espanhol Jordi Marcos. Não falta autoridade ao diagnóstico. Jordi assina “A Última Partida”, documentário centrado no holandês que fez história como jogador e como treinador. As imagens do longa, feitas por um torcedor do Barcelona, reforçam a convicção do diretor sobre o icônico Camisa 14: um gênio que se divertia com a profissão.

Jordi Marcos explica, num breve papo antes da exibição do filme no 14º Cinefoot, porque o legado de Cruyff ecoa pelo principal torneio de clubes do mundo. Ele também ressalta o estímulo do audiovisual à memória do craque na eterna Holanda de 1974 e na reconstrução de um Barcelona afetado pela ditadura franquista.

Johan Cruyff inspira jogadores e treinadores como Xavi, Mikel Arteta e Pep Guardiola, talvez seu mais badalado discípulo. Como o legado do memorável holandês manifesta-se no futebol atual?

O legado de Johan Cruyff está fervendo. Por exemplo, nas quartas de final da Champions League (temporada 2023/24), principal torneiro de clubes do mundo, havia quatro times treinados por ex-jogadores que passaram pela metodologia de Cruyff.

Ele foi homenageado numa finta chamada Cruyff Turn (giro do Cruyff). Sua influência é, claro, muito maior do que isso. Como você o definiria como jogador?

Duas peculiaridades o definem muito bem. A primeira: ele liderou a Holanda de 74, uma seleção da qual, mesmo sem ganhar a Copa, todos se lembram, pela forma como jogava. Isso indica a dimensão de Johan Cruyff como jogador, como ele fazia o time jogar. A segunda peculiaridade histórica remonta à importância decisiva de Cruyff para o Barcelona quebrar o jejum de 14 anos sem conquistar a Liga espanhola (em 1974). A Catalunha vivia a ditadura franquista. Foi Johan, com ares de liberdade, a primeira pessoa que pôde colocar, no próprio filho, o nome “Jordi”, que é meu nome, porque éramos obrigados a colocar “Jorge”, em castelhano. Isso significou muito ao povo catalão, e esse vínculo ficou. O filme “A Última Partida” o mostra como treinador da seleção catalã. Não era oficial, mas disputava um jogo por ano. Foi a última etapa da carreira dele.

Essas e outras histórias marcantes de Cruyff são retratadas em livros, revistas, filmes. Como o audiovisual impulsiona a memória dele?

A cultura dos livros e dos filmes perpetua esse ícone do futebol. Com o meu filme, por exemplo, daqui 50 anos pessoas poderão ver e descobrir o jogador, o treinador, a história dele e personagens conectados com ele. Nada melhor do que conhecer a história para compreender e trabalhar o presente. Isso também vale para o mundo futebolístico.

Por falar nisso, como você garimpou, na produção do documentário, bastidores e visões inéditas sobre Cruyff?

Foi curioso, porque as imagens dele jogando que estão no filme foram feitas por um torcedor do Barça. Ele gravava as partidas com uma câmera de 16 milímetros. Gravava todos os jogos, até amistosos. Ele cedeu esses registros à filmoteca catalã. Quando qualquer coisa sobre o Barcelona é produzida, a filmoteca cede imagens gratuitamente. É um legado fantástico. Se depender da Fifa, da Uefa, é uma loucura: muito dinheiro, não se consegue produzir. Então, é preciso pesquisar imagens gratuitas, às vezes não tão boas, mas que têm a própria graça.

Se você pudesse sintetizar a história de Cruyff numa frase, qual seria?

Uma pessoa que mostrava genialidade enquanto desfrutava da própria profissão.

A BOCA FALA E AS MÃOS ESCREVEM

por Marcos Vinicius Cabral

“Era 2015 e o Barcelona e Neymar comemoravam o título da Champions League pela última vez. Foi no dia 6 de junho de 2015, em Berlim, que o Barça ganhou da Juventus por 3 a 1, conquistando o quarto europeu em dez anos. Neymar fez o terceiro gol, já nos acréscimos, selando a vitória. Mas não para por aí. Aquele gol, o décimo dele na competição, colocou o brasileiro no topo da lista de artilheiros da Champions, ao lado de Messi e Cristiano Ronaldo. Feito raríssimo. Naquele primeiro semestre de 2015, assistíamos, impávidos, pela primeira vez, Neymar chegar onde todos esperavam que ele chegasse: ao nível dos dois.

A partir daquele momento, Neymar entrava na mesma conversa, se colocava na prateleira mais alta dos grandes nomes do futebol mundial. Certo? Sim. O mundo todo apostava muito que Neymar, que estreou no Santos, em 2009, aos 17 anos, seria o melhor jogador do mundo. Certo? Errado… naqueles oito anos atrás, um jornalista chamado Rodrigo Mandarini escreveu no Facebook que Vini Jr. (nem titular do Flamengo era) seria eleito melhor jogador do mundo antes de Neymar.

A boca fala e as mãos escrevem! Declaração polêmica à parte, o fato é que, apesar de achar estranho a afirmação e como não sou de debater com ninguém – ainda mais em se tratando de futebol, paixão nossa todo dia – a profecia jornalística do nosso ‘hors concours’ esportivo está perto de se cumprir.

Neymar sempre foi um craque. No Santos, principalmente no Barcelona, na Seleção Brasileira e no PSG. Mas, apesar de ter tido a oportunidade de se colocar entre os cinco maiores jogadores de futebol de todos os tempos, preferiu desfocar a carreira. No lugar do profissionalismo, saídas noturnas. Ao invés dos treinos para aprimorar o talento que Deus lhe deu, preferiu se envolver em confusões dentro e fora de campo.

Daqui a um mês, Neymar vai completar um ano sem atuar e, para quem, em setembro do ano passado, superou Pelé e se tornou o maior artilheiro da Seleção Brasileira em jogos oficiais, isso não é nada bom.

No entanto, se antes, tinha lá minhas dúvidas, hoje não tenho mais: Vinicius Jr, meu conterrâneo de São Gonçalo, caso seja eleito pela FIFA o melhor jogador do planeta no próximo 28 de outubro, servirá também como termômetro do que será essa nova geração que está chegando. Traduzindo: será, disparadamente, o melhor jogador do mundo com uma das piores safras de jogadores brasileiros da história.

Pecado que a bola comete. Mas Mandarini, não!”.

“NÃO SOMOS MODINHA: MULHERES ENTENDEM DE FUTEBOL E GOSTAM DE TORCER”

Fundadora da Nação Empoderada, Monalisa Matos conta como a torcida do Fla formada só mulheres impõe-se ao machismo e à violência renitentes

por Gabriella Pereira, Luísa Fernandez e Manoelle Monteiro

Cansada de ir sozinha aos jogos do Flamengo, Monalisa Oliveira Matos convidou seguidoras do Instagram para acompanhá-la. A empreitada deu tão certo que se desdobrou numa torcida organizada. “Também entendemos de futebol, também gostamos de torcer, e por isso estamos ali na arquibancada”, enfatiza a fundadora da Nação Empoderada. Desde 2018, dezenas de rubro-negras transformam a torcida formada só por mulheres num movimento contra o machismo, o assédio, e demais violências sofridas no ambiente esportivo. Monalisa conta, num papo descontraído, como iniciativas assim ajudar a incrementar a participação feminina no futebol e em outras modalidades.

Como nasceu a ideia de fundar uma torcida só de mulheres?

 A Nação Empoderada surgiu em maio de 2018, logo após eu conhecer duas outras torcedoras num evento de despedida do goleiro Júlio César, na Barra. Ao conversarmos, percebemos algo em comum: às vezes, deixávamos de ir a alguns jogos por sermos mulheres e estarmos sozinhas. Desde então, viramos três. Depois de irmos ao estádio juntas, tive a ideia de criar um grupo com mais meninas. Postei no Instagram e fui chamando meninas que me seguiam. Reunimos uma quantidade grande de torcedoras antes da pandemia. O intuito era juntar o máximo de mulheres que tinham medo ou que não tinham companhia para ir aos jogos do Flamengo. Há integrantes até fora do Rio.  

Quantas participam hoje?

Somos 63 mulheres, atualmente. Mas já tivemos muito mais antes da pandemia, como eu disse. Depois, algumas engravidaram, outras casaram, outras se mudaram para outro estado.  Isso diminuiu a quantidade de participantes no nosso movimento. Além do mais, como o preço dos ingressos subiu, muitas deixaram de ir ao estádio.

Como funciona a organização?

Sou a presidente, responsável por tudo, mas divido a administração com duas partticpantes. Uma responde pelas redes sociais. A outra se encarrega de prestar informações e esclaracer dúvidas sobre o grupo responsável. Eu idealizo os projetos que serão feitos. Penso em retomar, ainda neste ano, ações sociais como doação de alimentos e de roupa. Elas sempre foram o nosso forte, desde o começo. Vamos retomá-las, o que nos une mais.

Qual a importância dessa organizada para a participação feminina no esporte?

A importância da Nação Empoderada sempre foi motivar o público feminino a frequentar a arquibancada e outros eventos que envolvam o Flamengo, inclusive além do futebol. Hoje vemos a arquibancada cheia para acompanhar o vôlei feminino, por exemplo. Esperamos que isso aconteça com o futebol feminino. A nossa ideia também é acompanhar, apoiar, as modalidades femininas. Muitas vezes, é de graça.

Como é a relação com o machismo na arquibancada?

Até que sofremos pouco com o machsimo na arquibancada. Falo por nós do grupo. Sempre fomos fortes, sempre editamos as canções que estavam ali na hora do jogo (para extrair trechos machistas). Sempre mostramos que a gente está ali para torcer pelo nosso time, sem nenhum outro propósito. Os homens têm que entender que mulheres também gostam do futebol. Gostam dos esportes, gostam de empurrar o time, e por isso estamos ali. Não somos, como já falaram,  “modinha”. Também entendemos de futebol.

Quais atitudes devem ser tomadas para combater o machismo?

Nós, mulheres empoderadas, estamos sempre dispostas a quebrar esse ciclo de machismo. Temos sempre mostrar, para os homens, que estamos ali também, no poder. Por exemplo, a [presidente do Palmeiras] Leila Pereira, hoje na CBF (chefe de delegação), mostra o posicionamento que nós mulheres temos no futebol. Ela fala por nós. A importância dela é enorme. A quebra do machismo no esporte, principalmente no futebol, se dará quando tivermos mais mulheres em posições altas, em posições nas quais os homens precisam nos respeitar. Assim, vão ver que somos iguais.

Que dificuldade é enfrentada pela torcida feminina além do machismo?

A única coisa que a gente enfrenta, além do machismo, é a falta de segurança. Ainda é muito difícil ser mulher e ir para um jogo de futebol sozinha, especialmente num clássico. Às vezes, um bando de meninos aborda agressivamente a torcedora no meio da rua: quer a camisa dela, quer agredi-la. Por isso, a gente procura ir em grupos ao estádio, agrupando meninas da mesma região. A gente nunca deixou nenhuma torcedora sozinha. Procuramos proteger nossa integridade física.