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GEOVANI E ADÍLIO

por Rubens Lemos

Quando o tema é meio-campo, nem pensar em meio-termo. Os retranqueiros do Brasil assassinaram o sarau literário de um time de futebol. A estrada por onde enchemos os olhos do mundo com luminosos craques e arquitetos, planejadores e cérebros de uma partida de futebol.

Me causa tanto desânimo o futebol patropi que voltei ao redemoinho dos anos 1980. Da minha década. Do meu tempo. Do brilho dos jogos a cada trama de categoria e talento criativo. Fixei minha saudade em dois exemplares preciosos do dom de fazer feliz um amante da arte sepultada: Geovani, camisa 8 do Vasco, Adílio, camisa 8 do Flamengo.

Geovani e Adílio nunca disputaram Copas do Mundo. São dois injustiçados incríveis. Geovani poderia ter ido em 1986 e em seu lugar jogou Alemão. Geovani seria o titular mais aclamado em 1990, na insossa equipe de Sebastião Lazaroni e não viajou para a Itália. Alemão novamente, com Tita aos pedaços na reserva, foram convocados.

Adílio surgiu com a morte de outro solista, Geraldo Assobiador, de choque anafilático em operação para retirada de amígdalas. Adílio, juvenil nascido na Cruzada São Sebastião, conjunto de apartamentos para pobres, criado por Dom Hélder Câmara em plena área nobre do Rio de Janeiro, foi o companheiro perfeito de Zico.

Adílio de Oliveira Gonçalves era o típico carioca de morro. Negro, pernas arqueadas, andar gingado, malabarista com a bola. Criava no meio-campo e, se o treinador quisesse, driblava até a sombra de Nelson Rodrigues, deslocado para a ponta-esquerda. Teria vaga em 1978, seguiram Chicão e Batista, em 1982, na vaga de Renato Pé-Murcho, do São Paulo. Adílio jogou uma só partida pela seleção brasileira, em março de 1982 e foi excepcional diante de 150.289 pagantes.

Deu o passe medido para Júnior fazer o gol da vitória de 1×0 sobre a Alemanha Ocidental. É ela sim, a Alemanha que hoje põe na roda os pernas-de-pau de camisa amarela. Recebeu nota 10 da imprensa e Telê Santana o preteriu. Adílio também tinha vaga em 1986, Copa do Mundo em que foram passear Valdo e o falecido Edivaldo.

Geovani ganhou o Mundial de Juniores de 1983 pela seleção brasileira sub-20. Foi artilheiro e melhor jogador. Nasceu no tempo errado. Deveria ter surgido antes. A síndrome dos brucutus se alastrava e o seu estilo elegante, cadenciado, imperial na armação de jogadas era considerado lento e em desuso.

Geovani foi o jogador que conquistou o maior número de títulos cariocas pelo Vasco juntamente com Roberto Dinamite: Foram cinco, todos vencendo ao Flamengo. Geovani foi o melhor jogador das Olimpíadas de Seul em 1988. Tomou um cartão amarelo na semifinal contra a Alemanha (coincidência lamentável) e o Brasil perdeu a final contra a URSS. Neto ocupou o seu lugar e nada fez.

O capixaba Geovani foi o melhor jogador da América do Sul em 1988 e em 1989, venceu a Copa América pela seleção de Lazaroni, já na reserva, vítima do esquema de cinco zagueiros e menos um inteligente no meio e sobrou da lista porque Lazaroni tinha um compromisso de camaradagem com o seu “compadre” Tita.

Nos jogos entre Vasco e Flamengo na década de 1980, Geovani e Adílio coadjuvavam, ainda que tão brilhantes quanto às estrelas. A Geovani, Romário deve muitos dos seus gols, recebendo livre na área lançamentos de 40 metros, fita métrica na chuteira do Pequeno Príncipe, assim batizado o regente cruzmaltino.

Adílio destruía adversários quando Zico era anulado por três marcadores. Até dois ele resolvia fácil, fácil. Adílio, tendo mais atrás Andrade, ritmava o sensacional Flamengo campeão da Libertadores e do Mundial Interclubes de 1981.

Geovani e Adílio se respeitavam. Geovani, embora mais novo, aparentava a maturidade de um Gerson, mais toque e passes longos do que rapidez. Raciocínio genial na antevisão dos lances. Adílio, manhoso, balançava o corpo e se sobrepunha a qualquer marcador, desnorteado com tanta beleza afro-carioca.

Geovani e Adílio, observando emocionado o velho jogo – tenho muitos no acervo para me encantar mais adiante , pouco se encontravam, nunca trombavam um no outro. Eram clássicos, sutis, desconcertantes. Eles pensavam, traziam do ventre de suas mães, a intelectualidade boleira que desapareceu para sempre.

Geovani e Adílio jogavam num tempo de sábios: Havia Sócrates, Pita, Zenon, Delei, Silas, Mário Sérgio em fase vinho puro, Raí começando. Sobravam virtudes.

Lamentáveis do baixo nível atual, naquele tempo, com muito esforço, disputariam a quarta divisão de Ariquemes em Rondônia. Meninos de hoje, se vocês tivessem visto Geovani e Adílio, falar em Renato Augusto, Lucas Lima, seria blasfêmia. Penso em Geovani e Adílio. Com saudade e revanche.

PARADA DOS JOGOS DOS GRANDES CLUBES NAS DATAS FIFA

por Luis Filipe Chateaubriand

As Datas FIFA foram criadas para que as Seleções de Futebol possam jogar ao longo da temporada.

Em cada temporada, tem-se três Datas FIFA em Setembro, tem-se três Datas FIFA em Outubro, tem-se três Datas FIFA em Novembro, tem-se três Datas FIFA em Março e tem-se três Datas FIFA em Junho.

Se essas datas são reservadas para os jogos de seleções, parece claro que, nelas, não deve haver jogos de clubes.

Só que não…

Pelo menos, no Brasil.

Sucede que, aqui, ao contrário do resto do planeta, os clubes principais jogam muitas vezes em Datas FIFA.

Assim, cria-se uma desnecessária competição entre futebol de clubes e futebol de seleções, o que é péssimo para o negócio.

E os grandes clubes, que pagam altíssimos salários aos seus melhores jogadores, se veem desprovidos deles, quando jogam em Datas FIFA.

A situação é absurda!

Se queremos ter, no Brasil, um calendário de futebol minimamente aceitável, é necessário parar com essa prática.

O futebol brasileiro agradece!

CARLINHOS E VALFRIDO

por Zé Roberto Padilha

Quem se lembra dele? Valfrido era chamado de “O Espanador da Lua” e, neste fim de semana, vendo o Carlinhos jogar, lembrei dele. Vocês, os mais antigos, sabem o porquê.

O que nem os mais novos e antigos entendem é porque o Tite não faz o simples. Escala o Gabigol no ataque ao lado do Bruno Henrique. E deixa o Carlos Valfrido no banco.

Dar ao Gabigol a responsabilidade de criação, de achar soluções inteligentes para furar um bloqueio e ele mesmo aparecer como jogador surpresa, aí já é demais.

Se Carlinhos e Valfrido, pelo seu tamanho, espanam a lua, Tite anda vivendo por lá.

Desse jeito, fica difícil ver o Flamengo jogar.

O PRIMEIRO FLA X FLU A GENTE NUNCA ESQUECE

por Zé Roberto Padilha

Dos 16 anos, quando cheguei às Laranjeiras, até os 24 anos, em que deixei o Fluminense, joguei muitos Flu X Flas. De todas as divisões. E quando estava concentrado em São Conrado, para jogar meu primeiro Fla x Flu, mal dormi.

Existia dentro de mim o tal amor à camisa. Torcedor e jogador dentro de uma bandeira que virou camisa. Como jogar contra o time que torcia e me formou?

foi que o ônibus do Flamengo, nem tão imponente, parou em um sinal antes do Túnel Dois Irmãos. Em frente a favela da Rocinha.

E fiquei a observar a quantidade das paixões que de lá desciam. Muitos sem televisão, outros sem máquina de lavar porque o ano era de 1976, pouco importava naquele domingo.

Deixavam sua realidade para trás e partiam para o Maracanã em busca de um resultado que os transformariam em um chefe de família mais paciente. Um trabalhador mais produtivo seja qual for o seu ofício no dia seguinte.

Uma vitória do Flamengo era o bálsamo, o elixir da felicidade que não se encontra em nenhuma farmácia.

Daí despertei para o lado social do futebol. Não era mais o ponta esquerda que se olhava no espelho e entrava em campo cheio de orgulho. Quando entrei em campo para enfrentar o Fluminense, diante de 155 mil pessoas, consegui manter na minha profissão mais que o amor à camisa.

Daí pra frente era respeito e luta em prol de transformar os sonhos de uma multidão. E ela merecia minha luta e consideração.

Foi 0x0. Melhor assim. Para ir acostumando, mesmo porque mal saberia pra que lado da torcida correria se Zico fizesse um gol.

ADÍLIO, COBRA CRIADA

por Paulo-Roberto Andel

Ainda me lembro bem, parece que foi outro dia. Chamei uns amigos, ninguém quis ir acabei indo sozinho no Maracanã. É que eu tinha treze anos e ia ter decisão da Taça Guanabara, Flamengo e Vasco, numa noite de quarta-feira.

Por que eu, garoto de treze anos e ainda por cima tricolor, iria ao clássico dos rivais? Porque naquele tempo se gostava de bom futebol e, para vê-lo, você tinha que ir ao estádio. A rivalidade não era ódio. A gente vivia os anos 1980, os grandes campeonatos, toneladas de craques, a seleção de Telê. Era demais, acreditem os mais jovens que não puderam viver aquilo.

Cheguei cedo e fiquei pertinho da tribuna de honra, do lado direito – o do Vasco. Na preliminar jogou o time da UFE – União Fabril Exportadora – fábrica de sabão clássica na Avenida Brasil, hoje um supermercado. Perderam para o Vasco júnior por 3 a 0.

Do jogo, eu lembro que foi brigado e o Flamengo perdeu vários gols, mas o Vasco segurou as pontas. O que nunca mais me esqueci foi do final, quando tudo indicava que haveria prorrogação.

Bola na esquerda com Adílio, o cobra criada da Cruzada São Sebastião. Garoto bom que começou catando bolinhas de tênis dos players do clube da Gávea, até conseguir se tornar um dos maiores jogadores de seu time de coração. Um cracaço que por um triz não esteve na Copa do Mundo na Espanha.

Adílio ajeita a bola e desce mansamente pela esquerda. Dava pra sentir o que ia acontecer, mas sua corrida esguia e cadenciada só dava ainda mais drama aos segundos intermináveis. Do meu lado, todos os vascaínos prenderam a respiração.

Não deu outra: arrancou, deixou o zagueiro para trás e, quando todos pensaram que cruzaria, chutou no canto de Mazzaropi e, no último minuto, garantiu o penta campeonato da Taça Guanabara ao Flamengo, um numero fantástico.

Apesar de ter poucos holofotes porque falava pouco e timidamente, Adílio é reconhecido como um super craque, decisivo – embora não fosse um exímio finalizador. Seu nome está eternamente marcado na história rubro-negra, tendo feito gols em várias decisões. E como jogava.

Quando dominou na esquerda naquele Flamengo e Vasco, sonhei feito menino que ele fosse para o Fluminense. Quase aconteceu, assim como Mozer, outra fera, mas não se concretizou. Tudo bem. Agora, se fosse hoje, Adílio já seria titular do Real Madrid ou do Manchester City, fácil. Um monstro.

Aquela quarta à noite já tem 42 anos e hoje, infelizmente, me deparei com a notícia de que aquele craque, prestes a acabar com o jogo no Maracanã de 1982, está disputando a partida mais difícil de sua vida, num hospital. Estamos nós, de todas as torcidas, torcendo na arquibancada.

Adílio precisa ser valorizado e reverenciado. Foi um craque mesmo, craque monumental, não era conversa fiada. Sempre teve respeito com os rivais em todas as ocasiões. Um craque tranquilo e educado, um homem cortês, do povo mas dotado de uma realeza que poucos ostentaram no gramado imortal do Maracanã, típica de cobra criada.

@p.r.andel