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O BOLA FAMÍLIA

por Zé Roberto Padilha

E o maior redistribuidor de rendas e oportunidades do país, o Bola Família, acaba de conceder a uma família humilde, moradora da comunidade Novo Horizonte, em Itaúna, região metropolitana de BH, uma vida melhor e mais digna.

Para preencher o cadastro, a família de Jonh Kennedy seguiu os passos de outros beneficiários do programa, como Pelé, Romário, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Neymar.

Colocou o menino não em uma franquia de Escolinha de Futebol de time grande, com chuteiras no nascedouro, mas jogando descalço para não perder o tato.

E o deixou bater pelada num campo de terra batida, onde travou com uma bola ruim um duelo de destreza que o habilitou tanto a dominar um passe sem arte desferido pelo Marlon, quanto uma pluma repassada pelo Ganso.

A seguir, no segundo ano, o colocou para jogar Futsal. Neste estágio, com espaços reduzidos e uma bola menor, acontece a pós-graduação em dribles e habilidades para sair da marcação.

A parte complicada do programa é que os meninos precisam bater muita pelada para desenvolver suas aptidões. E pouco estudam. E daí aprontam, fogem da concentração, chegam atrasados para o treinamento e alguns ainda levam meninas para o quarto.

Porém, quando colocam na cabeça que vão ser jogadores de futebol e se esforçam, superam preconceitos e adversidades, se uma bola lhe for passada de cabeça pelo Keno, e ela quicar à frente do Romero, o corpo, a mente de Jonh Kennedy estarão diferentes…

E ao acertar na veia, dar o título da Libertadores ao seu clube formador e se tornar uma celebridade, o passado será uma roupa suada, um vídeo game não comprado, uma vida sofrida nas periferias que já não lhe cabe mais.

AGORA O DINIZ É UM BOM TÉCNICO?

por Idel Halfen

Como falar da conquista da Libertadores sob um foco de gestão sem cair no lugar comum, no qual as análises buscam ações para explicar os resultados, algo na linha do engenheiro de obra pronta?

Pois bem, vou começar questionando o paradigma de que um técnico para mostrar sua competência precisa conquistar um título de relevância. Primeiramente, o conceito de relevância é bastante relativo, pois, ser campeão estadual dirigindo um time com poucos recursos pode ser mais relevante do que ser campeão brasileiro comandando outro com recursos abundantes, principalmente em um cenário em que não haja ou se respeite o fair play financeiro, ou seja, os gastos sejam liberados independentemente de a capacidade gerá-los.

Não parece justo colocar apenas uma condição para se incluir no panteão dos “competentes”, o técnico que ganhou um título “relevante”. Na verdade, se puxarmos pela memória, teremos um bom número de treinadores que foram campeões uma vez e sumiram ou nunca mais tiveram conquistas significativas. Ah, ficaram ultrapassados! Em dois anos? O futebol evolui tão rápido assim? Claro que não é isso, embora até possa haver falta de atualização por parte de alguns.

A propósito, muitos tentam derivar esse julgamento para os jogadores de futebol. Se Fulano fosse bom teria conquistado uma Copa do Mundo. Será mesmo? Pois bem, alguém em sã consciência pode questionar que o Zico foi um craque? Por acaso os jogadores que não possuíam reconhecida qualidade técnica e conquistaram a Copa são melhores do que ele? Evidente que não! Aliás, nessa relação dos “sem Copa” podem ser acrescidos nomes como Cristiano Ronaldo, Cruyff, Puskas, Di Stéfano, entre outros, cujos talentos são inquestionáveis.

Mas como é difícil a quebra de paradigmas, felizmente o Fernando Diniz foi campeão, fato que, além de me proporcionar uma alegria indescritível, serve para deixá-lo no fantasioso rol dos “competentes”, entretanto, reafirmo: independentemente do resultado da final da Libertadores 2023, ele é excelente.

Vitória, Fluminense!

Para corroborar com a reflexão sobre o que é ser competente naquilo que se faz, acrescento que no mercado corporativo há excelentes executivos cujas empresas que comandam não são líderes de mercado, não estão à frente nos rankings idealizados pela mídia especializada,  ou mesmo não apresentem o maior EBITDA do setor que atuam. 

Outro ponto que atesta a qualidade do Diniz é o fato de ter formado um time sem abrigar no elenco um número elevado de jogadores que vieram a seu pedido, isto é, poucas contratações foram feitas em função de sua demanda, o que o levou à elaboração de uma forma de jogar na qual o material humano disponível viesse a cumprir com sucesso os objetivos idealizados.

Quantos executivos assumem uma empresa ou um departamento e, ao invés de fazerem o time que herda performar, preferem trazer pessoas com quem trabalhou anteriormente para compor a equipe? É mais cômodo e mais seguro? Certamente, sim, mas e os custos, a adaptação à cultura da empresa e a conquista da confiança dos demais colegas e subordinados? 

Não tenho dúvida que ao fim desse texto, alguns devem estar questionando se ele seria escrito se a conquista da Glória Eterna não tivesse ocorrido. 

Respondo com a absoluta certeza que sim, talvez não nessa data e, sem dúvida, não tão emocionado.

Estar presente no estádio em que meu pai, hoje radiante e de faixa de campeão no céu, me levava desde criança, ao lado de amigos que são como irmãos e após quinze anos da maior tristeza de que tive no futebol, fazem desse texto uma forma de agradecimento à vida e de louvor à esperança.

A CADA VEZ MAIS ESTRELA SOLITÁRIA

por Marcos Eduardo Neves

No jogo entre o líder do Brasileirão contra um time da zona do rebaixamento, mais uma vez a lógica foi para o espaço.

A impressão é a seguinte. O Botafogo luta hoje para se manter na zona de classificação para a Libertadores, porque o título está cada vez mais fora da sua pobre realidade bilionária. No fundo, algo normal para quem terminou em quinto lugar no Estadual que só tem quatro clubes grandes.

Se a cada vez mais solitária Estrela vê suas Torres Gêmeas serem atacadas até pelo Pentágono, o Vasco vibra, sua torcida desesperada chora, todos se emocionam por enfim conseguirem, nem que por uma rodada, chegar ao décimo sexto lugar dentre os 20 times que disputam a elite da competição. É como se judeus brasileiros em Israel vissem um avião da FAB sobrevoar a Faixa de Gaza. Será que vai nos salvar ou teremos de seguir em oração em meio a bombardeios de todos os cantos?

A verdade é: o Brasileirão está pegando fogo. Não com o Bota. E o Vasco segue à espera de um milagre. Mas dormir alguns dias longe do inferno vale a pena e muito. Ainda que o diabo siga bem próximo, chamando com os dedinhos os que merecem e fizeram por onde descerem com ele.

Palmeiras, Bragantino, Grêmio, Atlético Mineiro e Flamengo, saibam, o céu está aberto. Quem encara pegar a crista da onda nessa praia?

O HALLOWEEN DE UM TRICOLOR NA FINAL

por Bruno Montenegro

Nem tudo foi sonho na final da Libertadores. Pelo menos para um tricolor naquele Maracanã lotado, o 04 de novembro teve contornos de Dia das Bruxas.

Um roteiro de filme terror para aquele jogo não seria algo impensável, afinal o Fluminense é Cinema. Para quem prefere novela, acredite, há times mais indicados para acompanhar. São feitos para o gosto comum, dado ao previsível, com roteiros conhecidos e finais água com açúcar, banais. No filme Fluminense o drama deixa traumas e a glória é eterna, geralmente ambos com desenlaces épicos, seja numa final importante ou numa virada improvável no mata-mata de um Carioca qualquer.

E a final com a LDU foi a prova mais cruel disso. Dizem que as tragédias mais atrozes estão reservadas apenas aos grandes, e aquela partida foi a maior catástrofe esportiva de um clube na história do futebol. Um verdadeiro cataclismo que fez com que 80 mil pessoas tivessem uma parte de si paralisada ali naquele estádio durante 15 anos. Como era preciso ir em frente, coube a cada um, a seu tempo, colocar um sorriso amarelo resignado no rosto e aprender a conviver sem aquele pedaço, até o desfecho retumbante do último sábado.

Antes da apoteose que presenciamos nessa nova final, no entanto, um tricolor se viu transportado para aquela noite fatídica em 2008. Ao término do tempo normal, desavisado sobre o regulamento, acreditou piamente que o jogo iria para os pênaltis e passou a vivenciar, a partir dali, uma trama psicológica desesperadora. Desacompanhado, nem cogitou em se certificar das regras com um estranho, até porque por um lapso aquilo para ele estava posto. Assim, permaneceu durante longos 5 minutos convencido de que a disputa da América, tal como no passado, seria definida na marca da cal.

Sentiu-se despencar num pesadelo horripilante, daqueles que você acorda todo suado. Buscando mentalizar a vitória, apesar do mau presságio, começou a tentar escrever na cabeça um desfecho feliz alternativo, em que Fábio teria sua redenção num duelo contra Romero. Esforçava-se para visualizar o goleiro tricolor carregado nos braços, dando entrevistas como herói. Um final lindo, merecido e, apesar de sofrido, ainda desejado. Tudo isso, no entanto, igual a um filme do Fred (não o nosso Fred, mas o Krugger), acabava sempre por se dissipar pela imagem de terror do arqueiro argentino correndo para abraçar os seus companheiros, com a La 12 ao fundo a explodir pela sétima. “Por quê, Senhor?”

A película horrenda o fez reviver toda a sensação que sentira ao presenciar a disparada dantesca de Cevallos. Percebeu a perna tremer levemente em descontrole, a boca ficou seca. Tudo aquilo o fez se dar conta que a ferida, há tanto oculta, jamais havia fechado, “apenas” se tornado uma hemorragia interna, que gotejava há 15 anos. “Não quero ver isso”, atestou seriamente, já cogitando aguardar o final das cobranças na rampa de acesso do estádio.

Decidiu ficar. “F0d@-se! Se perder, perdeu”. Esse pensamento o embrulhou o estômago violentamente. “Depois taco essa merd@ fora”, pensou rapidamente a respeito do copo oficial da final, todo mordido em sua mão.

Foi quando uma frase de um torcedor ao seu lado, tal qual um alarme de um despertador, o fez acordar daquele sonho de morte. “John Kennedy vai meter um”.

“Como assim? Agora é pênalti.”

“Não, vai ter prorrogação.”

E de repente, com aquele diálogo de três frases, a tempestade mental teve fim e o sol nasceu no peito do tricolor, tal qual profetizara Cartola. E o nosso amigo voltou a sorrir, o que nesse caso era o mesmo que acreditar.

“Você devia estar sofrendo, hein?”

“Estava, amigo. Há 15 anos”

Agora passou.

A ÚLTIMA OPORTUNIDADE

por Sergio Luiz Monteiro

O jogo contra o Grêmio será a última oportunidade de demonstrar que a briga é até o fim, que “uma pane” não pode persistir pra sempre, que são homens e não ratos, que essa torcida sequelada não merece, que pra “instituição clube” esse desfecho será um duríssimo golpe que macula sua já desgastada imagem…

Esforço-me para crer que tudo isso pode mudar na quinta-feira, que esse pesadelo chegue ao fim (a tempo) e que o ocorrido nos 15 minutos de intervalo no fatídico jogo seja apenas um capítulo triste e enigmático numa vitoriosa campanha.

Quero tanto acreditar nisso que minha razão e meu ceticismo — nunca vi o BFR com o título assegurado — mesmo quando a maior parte da mídia e a ala fundamentalista de nossa torcida vomitava e apregoava a conquista d’um campeonato antecipado.

Nesse momento em que a vantagem nunca foi tão ínfima, o mínimo que se pode esperar é a decência de disputarmos os jogos finais com gana, vontade e determinação. Ou seja, tudo o que não se viu no jogo de ontem.

A tristeza que sinto é ainda maior que a cegueira, a empáfia e o histrionismo de tantos que contaminados pela cólera da humilhação de tanto tempo, sempre quiseram enxergar a grama mais verde do que era.

E somos alvinegros: preto no branco.

O verde é a cor do nosso gélido, algoz e principal adversário.

Saudações alvinegras!