UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 36
por Eduardo Lamas Neiva
Todos se divertem com a música de Gilberto Gil, tocada e cantada pelos Novos Baianos.
Músico: – Embora seja o autor desta música em homenagem ao Bahia, Gilberto Gil diz que é torcedor de outro Tricolor, o do Rio de Janeiro.
Garçom: – Ah, mas ele fez uma grande homenagem ao Flamengo. “Alô torcida do Flamengo, aquele abraço…”
Músico: – Na verdade, Zé Ary, Gil alega que aquele verso é uma ironia com a torcida rubro-negra. Diz ele que era um adeus aos flamenguistas que deixavam o Maracanã após os 3 a 2 pros tricolores na final do Carioca de 69.
Garçom: – Eu não acredito nisso. Será?
Músico: – Mas foi o que o compositor falou…
Ceguinho Torcedor: – Gilberto Gil é um autêntico e ilustríssimo torcedor do Fluminense. Meus caros, o Fluminense nasceu com a vocação para a eternidade. Tudo pode passar, só o Tricolor não passará jamais. O Fluminense é o único time tricolor do mundo! O resto são só times de três cores.
No público, ouvem-se risadas, aplausos e alguns poucos protestos bem-humorados.
Sobrenatural de Almeida: – Que Fla-Flu, que sururu!
Todos agora riem.
João Sem Medo: – Esta discussão fora de campo já rendeu música.
Músico: – Verdade, seu João. O próprio Cyro Monteiro pode nos contar a história.
Cyro se levanta e é aplaudidíssimo.
Cyro Monteiro: – Muito obrigado, minha gente. Bom, a história foi a seguinte, em 1969, quando meu amigo Chico Buarque foi pai pela primeira vez, em Roma, pois estava exilado, mandei de presente pra Silvia, filha recém-nascida dele e da Marieta Severo, uma camisa do meu Flamengo. Eu fazia isso com todos os meus amigos, fossem ou não torcedores rubro-negros. Chico agradeceu, mas respondeu com a letra de um samba que me devia: “Ilustríssimo Senhor Cyro Monteiro ou Receita para virar casaca de neném”.
Garçom: – Vamos ouvir, então? Depois o senhor prossegue contando esta história que é muito boa. Pode ser?
Cyro Monteiro: – Claro.
O povo no bar se diverte com o samba e a letra. Os tricolores aproveitam, então, para tirar um sarro com os flamenguistas. Mas Cyro retoma a pelota.
Cyro Monteiro: – Bom, ele gravou esta música que vocês acabaram de ouvir, em 1970. Mas não me fiz de rogado e a gravei dois anos depois. Querem ouvir?
Todos respondem em uníssono “sim”.
Cyro Monteiro: – Então, vamos lá.
E lá foi Cyro ao palco, com uma caixinha de fósforo na mão e uma bandeira do Flamengo enrolada no corpo, sendo muito aplaudido e apupado mais na troça do que qualquer outra coisa, pelos torcedores rivais, claro.
Quando ao final Cyro diz: “Ô Chico, a Silvinha vai crescer e entender, tá?” e dá sua risada, todo povo entra em alvoroço, num verdadeiro Fla-Flu.
Cyro Monteiro (ainda rindo muito): – Eu avisei. Qual é o time da Silvia? Flamengo, claro.
E veio mais um sururu no bar, com muita alegria e respeito.
Ceguinho Torcedor: – O Fla-Flu começou 40 minutos antes do nada!
Sobrenatural de Almeida: – E continua sendo disputado no Além da Imaginação! Assombroso! hahaha
Gargalhada geral, muita falação e barulheira, com gritos de “Mengo” e “Nense” e resposta dos torcedores dos outros clubes. Quando o povo se acalma um pouco, após pedidos insistentes de Zé Ary, João Sem Medo bota a bola no chão.
João Sem Medo: – Vejam só, meus amigos, a conversa era sobre o Bahia e foi parar num Fla-Flu.
Garçom: – Sim, falávamos sobre o Tricolor baiano, campeão brasileiro em 1959 e 1988.
Sobrenatural de Almeida: – Ué, mas os campeonatos só terminaram em 1960 e 89. Coincidência? Isso é assombroso!
João Sem Medo: – Na verdade, é a eterna desorganização dos nossos dirigentes. O Campeonato Brasileiro já começou num ano e terminou no seguinte algumas vezes, sem ser por causa de pandemia, como ocorreu em 2020, ou qualquer problema sério acima do futebol. Fora as muitas confusões, mudanças de regulamento no meio da competição…
Idiota da Objetividade: – O campeonato de 1977, por exemplo, só terminou em 78. O São Paulo foi o campeão, vencendo nos pênaltis o Atlético Mineiro, no Mineirão.
João Sem Medo: – Reinaldo e Serginho, que eram os artilheiros do Atlético e do São Paulo não jogaram. Lembro do Neca dando uma entrada criminosa no Ângelo, do Atlético, e o Chicão pisando no meia atleticano depois. Pior, ninguém foi expulso!
Idiota da Objetividade: – O árbitro era Arnaldo Cezar Coelho.
Todos em uníssono: – Pode isso, Arnaldo?
Idiota da Objetividade: – Pra defender o Arnaldo, na hora que Chicão pisou o calcanhar do Ângelo, ele estava de costas dando cartão amarelo pro Neca.
João Sem Medo: – Tinha de expulsar os dois!
Todos em uníssono: – Pode isso, Arnaldo?
Fim do capítulo 36
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Um gol desse não se perde!
MAZAROPI, UM ARQUEIRO IMORTAL
por Reinaldo Sá
Antes de sua passagem pelo imortal, e de tornar-se um mosqueteiro, com suas defesas impossíveis e uma frieza e liderança admiráveis, esse mineiro de Além Paraíba teve uma passagem vitoriosa pelo Vasco da Gama. Insatisfeito com a diretoria vascaína que sempre o emprestava para outros clubes, como Coritiba e Náutico, acabou se acertando com o Grêmio. Talvez não imaginasse que essa transferência fosse um carimbo, uma porta de entrada, para transformar-se em um gigante gremista.
No Vasco, passaram Leão, Acácio e outros grandes nomes, mas no Grêmio Mazaropi não tinha concorrentes, afinal sua regularidade era impressionante. Foi um golaço do presidente Fábio Koff.
O ano de 1983 foi de ouro! E após o título da Libertadores contra o Peñarol não esqueceu de suas raízes e homenageou Barbosa, Gigante da Colina e sua grande referência na profissão. Mazaropi, como reserva de Andrada, já havia sido campeão brasileiro pelo Vasco, em 1974, mas no Grêmio alçou o topo de sua carreira. Diante dos alemães, na final do Mundial Interclubes, sua experiência prevaleceu. Mesmo tendo tomado um gol na peleja final, Mazaropi manteve-se frio e certo da conquista. Até hoje, 40 anos depois, Mazaropi segue inspirando as novas gerações de goleiros do Grêmio, assim como o lendário Eurico Lara, outra de suas grandes referências.
ERA FECHAR OS OLHOS, CRUZAR E AGUARDAR AS REDES TOCAR
por Zé Roberto Padilha
São tantas as emoções vividas em uma carreira no futebol, tantas genialidades que você testemunha, que você tem a obrigação de contar para as pessoas que amam o esporte.
Com Nunes vivemos algo assim. Era comum os treinadores, e seus preparadores físicos, realizarem um tipo de treinamento em que os centroavantes e meias ficavam com a bola na linha do meio campo.
E os laterais e pontas nas extremidades recebiam seus passes na linha de fundo para cruzarem e eles concluírem.. Havia um revezamento. Eu, Joãozinho e Pedrinho fazíamos o lado esquerdo. Luiz Fumanchu, Carlos Alberto Barbosa e Jadir o lado direito.
Era tal a facilidade do Nunes concluir nossos cruzamentos, até então desconhecido da mídia mas temido pelos goleiros pernambucanos, já conhecido como João Danado, que tivemos a ideia de ao chegar à linha de fundo não calcular sua posição ao bater na bola.
Fechávamos os olhos quando era sua vez de concluir. E ele, sem saber que a bola seria alçada aleatoriamente, meio de improviso, dava um jeito de se equilibrar na corrida, atrasava ou acelerava para encontrá-la. Claro, não retira nossos méritos de calcular o Ponto G em que bola e amante se acasalariam.
E senhor de todos os fundamentos, concluía de cabeça, voleio, de chapa, de bicicleta..
E o mais gostoso de tudo: abrimos os olhos com o despertar das redes tocadas.
Não tinha preço. Tinha orgulho de saber que ali surgiria um dos grandes artilheiros do futebol brasileiro.
Estádio José do Rego Maciel, o Mundão do Arruda, Santa Cruz Futebol Clube, Recife, 1978.
PRODUTIVA IDADE
por Idel Halfen
Ainda sobre a conquista da Libertadores da América pelo Fluminense, há um fato que muito contribui para reflexões, inclusive sob o âmbito da gestão: a utilização de jogadores, cujas idades, se fossem avaliadas simplesmente sob a ótica dos números, implicariam em aposentadorias, certamente precoces.
Começamos com o goleiro Fábio, 43 anos, que fez na decisão contra o Boca Juniors sua 100º partida na Libertadores e, pela primeira vez, se sagrou campeão do citado torneio. Diante da conquista, podemos concluir que hoje ele é um goleiro melhor do que antes? Pergunta difícil! Claro que algumas valências físicas pioraram em função da idade, porém, a experiência e treinamentos específicos permitiram compensar as perdas com técnica e maior conhecimento da função.
Continuamos com o hoje zagueiro Felipe Melo que, com 40 anos, mudou de posição e teve atuações muito boas durante o ano. Quem acompanha sua carreira, percebe que não tem a mesma velocidade do passado, que ficou mais vulnerável a contusões e que nem sempre aguenta jogar os 90 minutos.
Melhorou, no entanto, seu posicionamento, o que permite, através do conhecimento dos “atalhos” dedicar menos energia para realizar boas jogadas. Há espaço aqui para a pergunta se o Felipe Mello de hoje é melhor do que o do passado. Respondo que não, por outro lado, acrescento que, mesmo não sendo tão bom quanto outrora, é melhor do que a grande maioria dos zagueiros em atividade no Brasil, tanto que foi titular de um elenco campeão da Libertadores e bicampeão carioca.
Saindo do futebol, temos a ciclista norte-americana Kirsten Armostrong que, aos 43 anos, conquistou a medalha de ouro na prova contra relógio nos Jogos Olímpicos de 2016. Nessa mesma edição tivemos o velocista Anthony Ervin com 35 anos conquistando a medalha de ouro na prova mais rápida da natação mundial, os 50m livre.
Exemplos no esporte não faltam, mas passemos para o mercado corporativo, onde a idade virou equivocadamente um atestado de capacidade. Inúmeros são os filtros de seleção de currículo que eliminam candidatos pela idade, extirpando qualquer possibilidade de avaliação pela ótica de aptidão à posição.
Até admito uma eventual preocupação com a vitalidade do candidato, aliás, para qualquer idade. Mas vale citar, a título de ilustração, que um sujeito de 70 anos já foi capaz de correr uma maratona em menos de três horas. Quantas pessoas de 30/40 anos conseguem esse feito?
Desta feita, superado os aspectos relacionados à vitalidade, é preciso reconhecer que a idade, além de ser importante para a diversidade no que tange ao conhecimento dos hábitos e anseios de uma significativa gama da população, costuma conceder habilidades que contribuem para a melhoria do clima organizacional e se busque de forma mais pragmática os resultados objetivados. Isso ocorre tanto pelo fato de o profissional ter passado por muitas situações de alguma forma similares, como também pela capacidade adquirida na utilização da devida carga de energia a cada etapa dos processos, o que implica na racionalização de recursos. A propósito, a valorização à elaboração de processos, a visão abrangente e um maior feeling na avaliação de pessoas e propostas são habilidades geralmente desenvolvidas com o tempo.
Faz-se imperioso ressaltar que não se quer nesse texto promover nenhum tipo de polarização entre os mais experientes e os mais jovens. Ambos são fundamentais. A intenção do artigo é puramente chamar a atenção de que produtividade não tem nada a ver com a idade, a não ser, a utilização das cinco últimas letras.
O DRAMA DO BOTAFOGO
por Elso Venâncio, o repórter Elso
O Campeonato Brasileiro, mesmo sem o mata-mata que tanto empolgava na reta final, tem emoção, grandes jogos, estádios lotados, briga pelo título e por quem foge do rebaixamento.
Perguntei um dia ao mestre Luiz Mendes se foi ele quem criou a expressão “Há coisas que só acontecem com o Botafogo”:
“Eu só popularizei”, respondeu ‘O Comentarista da Palavra Fácil’, completando:
“O jornalista botafoguense Geraldo Romualdo da Silva, do Jornal dos Sports, foi o autor.”
A distância para o segundo colocado, quando era o líder, chegou a 13 pontos! Noventa por cento de chances de título, portanto. Onze vitórias consecutivas no tapetinho. Um retrospecto impecável. Até na derrota para o Flamengo, 2 a 1, o alvinegro não jogou mal. Perdeu um clássico para um adversário que investe forte.
De repente, o empresário John Textor mostrou desequilíbrio ao incorporar o espírito do Eurico Miranda e criticar Deus e o mundo. Detalhe: o americano foi lerdo para afastar o técnico português Bruno Lage, repetindo a ‘paciência de Jó’ do presidente Rodolfo Landim, fã declarado do argentino Jorge Sampaoli.
Contra o Atlético-PR, há indícios de que, antes da partida, o constante apaga-acende dos refletores para a visualização de drones influiu nas quedas de energia que levaram o jogo a ser interrompido e ter seu final adiado para o dia seguinte.
Contudo, na história do Botafogo não há sofrimento maior do que o presenciado contra o Palmeiras. Primeiro tempo de campeão! Torcedores que não se conheciam se abraçavam chorando de alegria. Um casal com a camisa do clube se beijava, sussurrando:
“Seremos campeões!”
Três a zero no intervalo. Poderia ser quatro ou cinco! A bola volta a rolar e Endrick marca. O técnico Lúcio Flávio não se mexe…
Na decisão da Libertadores, contra o Boca Juniors, Fernando Diniz levou o gol e alterou na hora. Tirou os medalhões Marcelo e Ganso. Colocou o jovem John Kennedy.
Tiquinho perde um pênalti, aos 36 minutos, quando o placar iria para 4 a 1. Verdade seja dita, o artilheiro está abalado emocionalmente devido à grave doença do pai. A ponto de sentir lesões e ter forçado um terceiro amarelo para poder esfriar a cabeça.
No jejum de 21 anos sem títulos, o sofrimento dos botafoguenses foi longo, mas não causaram dois infartos como os registrados pelo departamento médico após a inacreditável virada que o Palmeiras impôs em pleno Rio de Janeiro. Nem a decepção com o empate sem gols diante do Juventude, na decisão da Copa do Brasil – última vez que o Maracanã teve mais de 100 mil pagantes – deixou cicatriz tão forte.
Na saída, a multidão caminhava num silêncio nunca visto e que jamais será esquecido pelos presentes. O momento foi tão marcante, com direito a sintomas do Maracanazzo, um dos maiores vexames do futebol brasileiro.