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PELÉ VIVO

por Rubens Lemos

A morte vem buscar os humanos, os bichos, a alegria, a tristeza, a compaixão, o tédio, a solidão, o ostracismo e a fé. A morte só não leva Pelé que, equivocadamente, foi tratado como aniversariante ausente no último dia 23 de outubro.

Pelé, incrédulos ou teimosos, é extraterreno, paranormal, fantasmagórico. Está a qualquer tempo, em qualquer campo. Sua energia é natural, exclusiva e infinita.

A morte matou Pinheiro Machado, o senador, Tancredo Neves, o presidente que não foi, Getúlio Vargas, por decisão sábia, Juscelino Kubitscheck, sabe-se lá se por acidente ou conspiração, Carlos Lacerda em condições suspeitíssimas, João Goulart, de misteriosa injeção, a morte matou de saudade de Natal, o prefeito Djalma Maranhão. Todos notáveis, sem a magnitude de Pelé.

Considero Pelé, quatro letras que significam vida, em seus aspectos lúdicos, travessos, espetaculares e superiores a tudo. Há uma diferença entre Pelé e Garrincha, seu imediato: Pelé deixava multidões boquiabertas por seus lances sem direito a plágios.

Pelé – e ele está aí nos vídeos de internet, criava o gol impossível paralisando a todos, do goleiro ao gandula, do fanático à dondoca elegantérrima na Tribuna de Honra, comentando com a amiga, a etiqueta modesta dos estádios do tempo do Rei.

Garrincha deixava a massa encantada, como se estivesse em um grande teatro de concreto. Garrincha, como um dia disse Carlos Heitor Cony, humilhava os colegas profissionais, zombava deles. Foi rigoroso o maior cronista brasileiro igualado a Antônio Maria.

O drible é o salto de trapézio dos gramados e com ele, Garrincha mostrava e repetia, rindo, sua superioridade sobre marcadores vencidos e resignados. Mas Garrincha foi falível, derrotado pelo alcoolismo, morreu antes dos 50 anos.

Foram finitos, além de Garrincha, nomes históricos e geniais: Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Danilo Alvim, Ademir Menezes, Zizinho, Jair Rosa Pinto, Didi, Nilton Santos, Zito, Julinho, Vavá, Carlos Alberto Torres, Djalma Santos, , Heleno de Freitas, Sócrates, Roberto Dinamite, Marinho Chagas, Jorge Mendonça, Dirceu, e tantos de futebol esplêndido. Eram de carne e osso, certidão de nascimento passada e de óbito com registro em cartório.

Pelé sobrevoa o sistema solar. É dispensável saber onde puseram sua manjedoura, se em Marte, Saturno ou Plutão. Na Terra é que não foi. Quem faz aqueles gols contra País de Gales e Suécia em 1958, joga o que jogou em 1970 e dá dois títulos mundiais ao Santos, chegou de nave espacial para ocupar o corpo tomado do cidadão Edson Arantes do Nascimento, que lhe emprestou corpo, nome e sobrenome.

Em Natal, Pelé jogou três vezes. Nas três, cinco gols. A primeira, no ancestral Estádio Juvenal Lamartine em 1971, acertando no ângulo do goleiro Jairo uma falta cobrada aos 44 minutos do segundo tempo, enquanto o lacrimoso lateral-direito Batata lamentava a derrota por 2×1 e chamava o camisa 10 do Mundo de “desumano”.

Um ano depois, no moderno Castelão, Pelé, entediado, tanto foi perguntado sobre um improvável duelo com Alberi, o Deus Banto local, que ganhou a dividida com o zagueiro Edson Capitão e superou o goleiro Tião. Edu marcou o segundo.

Em 1973, depois se despedir da seleção brasileira, voltou ao Rio Grande do Norte para marcar três vezes contra o América em goleada de 6×1 para o Santos. Pelé entrou mordido porque a torcida rubra o chamou de míope e os puxa-sacos não o deixaram em paz.

Quando tenho a chance de entrar no velho Juvenal Lamartine, faço a caminhada em silêncio do gol de entrada até o bico da grande área da trave voltada para o morro de Mãe Luíza.

Me concentro onde me indicaram que ele amaciou a bola e, frio, colocou como uma cesta de basquete concretizada com o pé direito. Pelé está lá. Como na Vila Belmiro, no Maracanã, no Morumbi, no Pacaembu, no Rasunda(Suécia) e no Azteca do México.

Ele nos vê, nós não o enxergamos. O morto é Edson. A matéria. Daqui a um século, quando não sobrará um grão de minhas cinzas, não sei se haverá redator escrevendo sobre Pelé.

A mediocridade atual e futura reduzirá o maior esportista de todos os tempos a registros opacos de rabiscos digitais. Chamando-o de influencer. Eu, sigo firme no título do mágico filme de Aníbal Massaini: Pelé Eterno.

RIVALDO E A FAÇANHA

por Luis Filipe Chateaubriand

Prezado leitor:

Você conhece alguma situação em que o mesmo jogador da Seleção Brasileira tenha sido seu melhor jogador em duas Copas do Mundo?

Pois saiba que esse jogador existe.

Chama-se Rivaldo.

Na Copa do Mundo de 1998, na França, Rivaldo foi um meio campista ofensivo, que municiava a dupla de ataque Ronaldo / Bebeto, além dele próprio ir à frente para fazer gols.

Foi o melhor jogador brasileiro na Copa do Mundo.

Na Copa do Mundo de 2002, na Coréia do Sul / Japão, Rivaldo jogou de atacante, fazendo dupla com Ronaldo e sendo municiado, a partir do meio de campo, por Ronaldinho Gaúcho.

Não foi apenas o melhor jogador brasileiro na Copa, mas foi o melhor jogador de toda Copa!

Assim, Rivaldo é um caso único de jogador brasileiro que foi o melhor da Seleção em duas Copas do Mundo.

E, por curiosidade: Pelé, o melhor jogador de futebol de todos os tempos, não foi o melhor jogador brasileiro em nenhuma das Copas do Mundo que disputou; em 1958, foi Didi; em 1962, foi Garrincha; em 1966, não houve um melhor jogador; em 1970, foi Jairzinho, o “Furacão da Copa”.

Conclusão? A de sempre: Rivaldo foi um jogador fora de série, que não é valorizado na medida do que jogou.

ERROS

por Claudio Lovato Filho

Ele havia prometido levar o menino ao jogo. O menino só falava naquilo nos últimos dias. A camisa já estava separada, assim com o calção e os meiões.

No domingo de manhã, por volta das onze, o homem disse:

“Vou dar uma saída e já volto”.

Uma nuvem de preocupação começou a se formar na cabeça do menino.

O homem beijou a mulher, que estava na cozinha, e saiu. Ao passar pela sala, ouviu do menino:

“Você vai demorar?”

“Não, não. Já volto” – respondeu. E saiu.

Havia um histórico ruim envolvido nisso, um histórico de exagero de bebida no boteco e de esquecimento de tudo mais. Um retrospecto de erros que a fisionomia da mãe (agora parada no meio da sala) e do menino (que fingia interesse no programa da TV) não negava.

O tempo passou. Mãe e filho não trocaram uma palavra. Lá pelas tantas, o menino desligou a TV e foi para o pequeno quintal nos fundos da casa chutar a bola contra o muro.

O tempo passou mais, e a mãe já sentia o coração apertado e uma irritação crescente – irritação que era fruto de inconformidade, revolta e frustração.

O tempo passou mais e mais (ele nunca para), e o menino já havia ido para o quarto. Agora estava sentado na cama, ao lado da camisa, do calção e dos meiões.

A mãe tentou o celular do marido, sem o menino ver. Ligou. Ele não atendeu. Mandou mensagem. Ele não visualizou.

Eram quase duas quando um sentimento fatalista de derrota se abateu sobre o menino e a mãe.

“Vamos comer”, ela disse, pensando na bela porcaria que essa vida às vezes é. “Já está tarde”.

Mais uma vez o homem os havia decepcionado.

Quando ele vai parar com isso? – ela pensou, sem qualquer esperança de encontrar uma resposta que lhe desse alento.

Quando estavam sentados e já começavam a comer, ouviram o barulho (barulhão) do portão da garagem se abrindo. Então, em menos de um minuto, o homem apareceu, segurando uma sacola com várias embalagens de isopor dentro dela.

“Não iam me esperar pro almoço? Eu, hein!” – ele disse, soltando uma daquelas risadas que podiam, na mesma medida, causar raiva e desarmar espíritos.

“Ainda não está com a camisa do jogo por quê?” – ele falou para o menino, (mas) olhando para a mãe. E essa foi a senha para que o menino voasse em direção ao quarto com o coração batendo como um bumbo descontrolado e voltasse de lá com um sorriso que não estava na boca mas estava nos olhos. Vestia o uniforme completo do time e, com dificuldade, continha a vontade de pegar a mão do homem que era seu pai e arrastá-lo consigo porta afora em direção ao estádio, em direção à felicidade.

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Ele sabe que não deveria ter reagido. Não daquela forma. Mas reagiu. E agora se arrepende. Perdeu a cabeça e mandou um companheiro de time para o hospital. Socos em pleno treino aberto à imprensa. Não sabe qual será a decisão do clube, mas sabe que não será boa para ele. Só espera que isso não dê em rescisão de contrato. Ele diz para si mesmo em pensamento, sentado sozinho na varanda do apartamento imenso: Não é para tanto! Ou é? Queria poder fazer o tempo voltar. Mas não pode. Queria e não queria. Aquele bosta mereceu cada soco que levou. Ele se pergunta: Mas e você, babaca, também merece o que vai receber? Sim? Não? Nenhuma das alternativas? Ou as duas? Você se estrepou, mano – ele diz para si mesmo, agora em voz alta, com o olhar perdido nas luzes da cidade. O celular toca. Ele confere quem está chamando. É o empresário. Ele atende. Pelo tom do “boa noite” que recebe já conclui que o estrago foi irreversível. São sempre irreversíveis. A diferença são as consequências. E, no presente caso, elas serão de lascar. Uma condenação devastadora que encontrará a punição mais severa de todas dentro de sua própria cabeça, uma punição duradoura e implacável, que se abaterá sobre ele de uma forma terrível e, sim, irreversível.

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“E agora, faço o quê?”

“Agora? Agora é ir em frente, tentar compensar de alguma forma, se recuperar, se redimir”.

“Você acha que vai adiantar? Acha que é possível mesmo? Eu me ferrei!”

“Hoje, sim. Você se ferrou. Está ferrado. Pronto. É isso. A partir de agora é a sua recuperação”.

“Mas não tem perdão para o que eu fiz”.

“Não se trata de perdão. Se trata de dar um jeito de ir em frente da melhor forma possível”.

“Foi um erro muito grande. Inadmissível”.

“Não há o que fazer em relação a isso. Está feito”.

“A torcida nunca vai me perdoar”.

“Isso a gente não tem como saber. Agora é ir em frente”.

“Vou tentar”.

“Você sabe que a solução não está em ficar remoendo o que não pode mais ser mudado, não sabe?”

“Eu sei”.

“É sempre a próxima oportunidade. É isso o que interessa. O jogo seguinte é o mais importante de todos. E não importa se o último foi um horror ou foi uma maravilha”.

“Sim, eu sei”.

“Você sabe”.

“Eu sei”.

“Então tá”.

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 33

por Eduardo Lamas Neiva

Todos se divertem e dançam com a música gravada pelo Sotaque Brasileiro. Ao fim, Zé Ary toma a palavra, pois uma surpresa está por vir.

Garçom: – Olha, gente, o Everaldo prometeu que virá aqui mais tarde, aí ele poderá falar sobre aquele episódio com o árbitro José Faville Neto.

João Sem Medo: – É bom lembrar que Everaldo foi homenageado pelo Grêmio com uma estrela dourada na bandeira do clube. Ele tem também muitas boas histórias pra contar.

Idiota da Objetividade: – Verdade. Ele foi o primeiro jogador de um clube gaúcho a ser campeão mundial pela seleção.

Músico: – E tem música em sua homenagem também, gravada depois que ele faleceu, em 1974.

Garçom: – É verdade. Chama-se “Everaldo, estrela de ouro”, de Francisco Castilhos e Albino Manique, fundadores do grupo gaúcho Os Mirins, que gravaram a música. Vamos ouvir aqui no som.

Todos ouvem com atenção e respeito. No fim, alguns se emocionaram e todos aplaudiram.

Garçom: – Everaldo prometeu vir, acho que junto com o Lupicínio Rodrigues, e aí a gente vai poder conversar com ele.

João Sem Medo: – Sobre o Grêmio e a seleção brasileira!Idiota da Objetividade: – Outro que fez parte da seleção tricampeã mundial, em 70, e agrediu árbitro foi o zagueiro Brito. Ele deu um soco no estômago de José Aldo Pereira, depois de não marcar um pênalti contra o Botafogo, num jogo que o Vasco venceu por 1 a 0, em 1971. Chegou a pegar um ano de suspensão, mas foi beneficiado pelos serviços prestados à seleção e a punição foi reduzida.

João Sem Medo: – O zagueiro Moisés, do Vasco, declarou à Rádio Globo, nas vésperas da partida, que iria entrar e espanar. De fato cumpriu parte de sua promessa antes de dois minutos de jogo sem sequer ser advertido. Foi um esbulho, uma desmoralização para o futebol. Disseram que o Brito deu a primeira e perdeu a cabeça, mas foi outro jogador e o juiz sabia quem tinha sido. Mas não teve coragem, nem moral para assinalar isto na súmula. Prova o fato de tal pusilanimidade…

Sobrenatural de Almeida: – Pusilanimidade, João! Gastou o vernáculo agora, hein.. hahaha (dá sua risada assombrosa)

Outros riem também, mas João está sério, retoma a bola e prossegue.

João Sem Medo: – Prova o fato que o jogador continuou no campo. É a consciência pesada de quem sabia estar prejudicando um time que impede isto. O Vasco nada tinha com o peixe. Tratou de seus papéis. Se não marcaram o pênalti em Jairzinho, paciência. O juiz parece que tinha combinado que não valeria pênalti. A única decisão sábia do juiz foi não comparecer à delegacia.

Garçom: – Bom, o senhor José Aldo Pereira não está aqui pra se defender, vamos deixar quieto, então.

Zé Ary percebe um burburinho próximo à entrada do bar e anuncia.

Garçom: – Olha só, gente, quem está chegando: o mestre Telê Santana!

Telê é aplaudido de pé por todos.

Telê Santana: – Obrigado, muito obrigado.

Garçom: – Seu Telê, estávamos pouco antes de o senhor chegar falando do título brasileiro do Atlético, em 1971. São muito boas as lembranças daquela conquista, não é?

Telê Santana: – Sim, muitas. Fomos jogar no Rio pelo empate, mas não o fizemos. Partimos para a vitória e ficamos com o título.

Idiota da Objetividade: – E a promessa, Telê?

Telê Santana: – Quando fiz a promessa, calculei que seriam 50 quilômetros de minha residência, em Belo Horizonte, até a igrejinha de Pires, em Congonhas do Campo. Estava enganado, eram 78! Era impossível fazer tal distância a pé. Por isso aceitei o transporte oferecido pelos patrulheiros. Estava exausto, queimado do sol e com bolhas nos pés.

Ceguinho Torcedor: – Você foi heroico, Telê! Além do título nacional, ainda percorreu a pé 45 quilômetros. Quando jogador do meu Fluminense era o Fio de Esperança. No Atlético, transformou-se no Pagador de Promessa.

Todos riem muito e aplaudem Telê, que agradece e vai pra sua mesa.

Garçom: – Como todos sabem, mestre Telê tem muita coisa pra nos contar, além daquele primeiro título brasileiro do Atlético.   

Ceguinho Torcedor: – Amigos, foi uma vitória perfeita, irretocável, a do Atlético. Não é à toa, nem por acaso, que Minas exultou com o título do futebol brasileiro. Sempre digo que um campeão não se improvisa. É todo um processo, toda uma preparação. O Atlético Mineiro teria de vencer, porque amadurecera para a vitória tão desejada. Duzentos ônibus  invadiram a Guanabara, como era chamado na época o estado em que ficava apenas a cidade do Rio de Janeiro, com as faixas de campeão. O título não era um desejo, uma esperança, mas uma certeza inapelável. Ao longo da jornada, o time mais regular foi o mineiro.

João sem Medo: – O Atlético fez mesmo por merecer o título.

Garçom: – Em mais uma homenagem ao Galo, vamos ver no telão, a homenagem do cantor, compositor e violonista Celso Adolfo ao Clube Atlético Mineiro. A música se chama “Paixão atleticana”.

Muitos aplaudem a música, que agrada, principalmente aos atleticanos presentes.

Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).

Saiba mais sobre o projeto Jogada de Música clicando aqui.

LEANDRO FOI NOTA MUSICAL EM CAMPO

Ilustração e texto de Marcos Vinicius Cabral

“O carioca José Leandro de Souza Ferreira adotou Cabo Frio e, talentoso, saiu da cidade adotiva para tentar a sorte no mundo inóspito do futebol.

Mas José Leandro de Souza Ferreira sabia melhor do que ninguém que, se não fosse o amor dele pela bola e o dom dado por Deus para ele jogar futebol, nada teria acontecido.

Dom este que o transformou em um dos mais completos, vitoriosos e habilidosos jogadores do futebol brasileiro.

“Tenho dois orgulhos na vida futebolística: ter lançado Ronaldinho Gaúcho no Grêmio e ter trabalhado com Leandro. Foram, disparados, os mais habilidosos que meus olhos viram”, falou Sebastião Lazaroni, ex-treinador da Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Itália, em 1990, mês passado quando conversamos por telefone.

Camisa 2 de um Flamengo imortal como foi o de 1981, Leandro, o Peixe-Frito, conquistou o mundo, foi genuíno craque de bola na acepção da palavra.

Não carregou o piano rubro-negro em muitos jogos inesquecíveis que o Flamengo fez, como por exemplo, nas decisões da Libertadores e do Mundial. Nos jogos, Adílio e Zico, exímios pianistas que tocavam com os pés o dó, ré, mi, fá, sol, lá e si, notas criadas pelo monge italiano Guido d’Arezzo (992-1050), resultaram em gols. Mas Leandro, ou melhor, o talento de Leandro, fez dele pianista dos grandes.

Mas o inesquecível lateral-direito e zagueiro central foi a melhor revelação surgida na base do Flamengo. Logo, perceptível aos olhos argutos da dupla América Faria e Sebastião Lazaroni, em 1976, construiu uma história. Linda, por sinal!

Passados 33 anos que deixou de atuar pelo Flamengo, único clube que jogou na brilhante carreira, nenhum outro jogador chegou perto da classe, posicionamento e habilidade naquela faixa de campo. Difícil saber se foi mais eficiente na lateral, zaga, ou nas especialíssimas participações como meio campista.

“Na seleção de todos os tempos, meu filho Thiago escala Leandro na lateral e na zaga”, contou Zico na recente entrevista que nos concedeu para o livro que estamos produzindo sobre Leandro.

Desarmes, comparados à frequência sonora medida em hertz (Hz), descrevia com exatidão se o contra-ataque era grave ou agudo. Muitas vezes, parou na estação intransponível que Leandro era.

O posicionamento dentro de campo, representação de uma partitura ou letra em uma tablatura, por muito tempo deixou a beleza do som daquele futebol no nosso inconsciente. Sofremos até hoje por não termos mais jogador naquela posição como Leandro.

Quantos desarmes! Quantos passes! Quantos momentos inesquecíveis! Quantos gols (poucos é verdade, apenas 14), mas com um quê de magia de quem é diferenciado, como na cabeçada mortal nos 3 a 0 contra o Santos, na decisão do Brasileirão de 1983, e no ‘pombo sem asa’ no ângulo de Paulo Victor no Fla-Flu de 1985.

Peixe-Frito, eterno ídolo rubro-negro, é patrimônio imaterial nosso e não esqueceremos sob hipótese alguma o que produziu como boa nota musical da bola que foi nos gramados.

Prova disso foram quatro Campeonatos Brasileiros que nos deu como profissional e o contrato assinado em branco como apaixonado que sempre foi pelo Flamengo. “Maluco beleza”, diria Raul Seixas (1945-1989), “louco”‘, cravaria Albert Einstein (1879-1955)… nada disso. Leandro foi prova de amor genuíno ao clube que tanto ama e quer bem.

Mas voltando ao século passado, não esqueceremos da Libertadores, dos Cariocas, dos Guanabaras, dos torneios internacionais e do Mundial Interclubes, como passar incólume e não lembrar de Leandro que contribuiu de forma decisiva nessas conquistas?

Além de um bom pianista que produzia belos sons com os pés, cada flamenguista já esqueceu quando Leandro negou-se a ir à Copa do Mundo no México, em 1986. Erro imperdoável? Talvez! Mas Leandro escreveu certo por pernas tortas.

Pernas tortas que driblaram a morte quando dirigindo o Puma voou na Curva da Norte, situada em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos e, foi parar no brejo, em um acidente que acabou deixando-o preso às ferragens. Livre e recuperado, meses antes, calou o departamento médico do Internacional e provou para a ciência que não estava acabado para o futebol. Leandro foi a ressignificação de superação em pessoa.

Mas não esqueçamos da humildade de Leandro, maior qualidade do imortal camisa 2 e 3 rubro-negro nos tempos passado, presente e futuro. Só os GRANDES são humildes.

Feliz. Tal felicidade se resume a tantas coisas: ser amigo pessoal do lendário ídolo do Mais Querido, poder escrever com Sergio Pugliese um livro sobre este mito dos campos de futebol, além é claro, em ter pintando um quadro dele que enfeita a casa de Leandrinho, primeiro filho.

Obrigado Deus, obrigado Leandro, e obrigado futebol por me proporcionar viver tudo isso. Sem vocês, nada teria valido a pena”.