SABE DE NADA, INOCENTE!
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
(Foto: Nana Moraes)
O gol de Jô contra o Vasco foi com o braço e ponto. Ele sabe disso e ponto. O risinho debochado explicando o lance, tentando convencer Ramon, o lateral adversário, de que foi com o peito beira a falta de respeito.
O cinismo dói. Estamos cansados de assistir golpes e trapaças nas novelas e na vida real. Políticos e dirigentes são presos aos lotes. Alô, atletas, vocês são exemplos para milhares de crianças e para os próprios filhos!!!
Mas simular faltas virou estratégia de jogo e cavar pênaltis pode transformar o perna de pau no herói malandro. Maradona já fez gol de mão e até Nilton Santos deu dois passinhos para fora da área na tentativa de ludibriar o árbitro e escapar do pênalti. Escapou.
É preciso muito cuidado para que o futebol não se transforme num espetáculo onde os mais espertos vencem. Só a tecnologia pode estancar isso. E é preciso que seja rápido. Por que manter os árbitros atrás do gol? Façam uma estatística e digam quantas vezes eles evitaram uma injustiça.
Por que em alguns lances eles voltam atrás e em outros não? Na verdade, não só a tecnologia pode dar um ponto final nesse show de absurdos. Os clubes devem investir em educação, ensinar o valor da ética a seus profissionais, afinal eles representam os clubes!!!!
Quando Rodrigo Caio, do São Paulo, praticou o fair play foi carimbado na testa de “bobinho”. Só faltou “um sabe de nada, inocente” tatuado no peito como castigo por ter agido corretamente.
Perder a poesia, o futebol já perdeu; que não perca a vergonha na cara.
RENÊ SIMÕES TINHA RAZÃO
por Mateus Ribeiro
Voltemos no tempo. Sete anos atrás, mais precisamente. Setembro de 2010.
Em partida válida pelo Campeonato Brasileiro, o Santos bateu o Atlético Goianiense por4a 2. Porém, o placar não importa muito.
Já no final da segunda etapa, com o placar marcando 3 a 2 para o Peixe, o time da Vila Belmiro teve um pênalti marcado a seu favor. O treinador Dorival Junior ordenou que Marcel cobrasse. Neymar, em sua segunda temporada como profissional, bateu o pé, deu escândalo e falou cobras e lagartos para Dorival. Tudo isso porque queria bater a penalidade. Dorival não cedeu, Marcel fez o gol, e o atual atacante do PSG saiu de campo extremamente irritado, soltando inúmeros impropérios pra cima de Dorival.
O técnico do time adversário, Renê Simões, que viu tudo de perto, previu o futuro. Para quem não se lembra, vale refrescar a memória.
Pois bem. Sete anos se passaram. Na verdade, sete anos e dois dias, já que Santos e Atlético Goianiense jogaram dia 15 de setembro de 2010, e o PSG recebeu o Lyon dia 17 de setembro de 2017.
Tinha tudo pra ser mais um jogo sem graça do campeonato mais insosso do planeta. É bem verdade que o único time do futebol francês venceu por 2 a 0. Mas poderia ser 3. Só não foi porque Cavani desperdiçou uma cobrança de pênalti. Seria um lance normal de jogo, afinal, quem nunca errou? Só que não foi normal.
Daniel Alves entrega a bola para Neymar
Tal qual sete anos atrás, o queridinho do futebol brasileiro fez biquinho porque queria cobrar o pênalti. Esqueceu por um momento que o treinador havia determinado que o uruguaio é o cobrador oficial do time. Um pouco antes, um lance parecido (e constrangedor): o PSG tinha uma cobrança de falta perto da grande área. Cavani quis bater. Eis que entra em ação um dos maiores PANACAS da historia do futebol, o tal de Daniel Alves. O lateral, provando que é “parça” de Neymar, segurou a bola, como se a estivesse escondendo de Cavani, e entregou para o atacante brasileiro perder. Uma cena típica de futebol na escola. Uma atitude patética, egoísta e desnecessária. Qualidades estas, aliás, que se encaixam bem na citada dupla de amigos.
Renê Simões estava coberto de razão. Criaram um monstro. É claro que Neymar é o melhor jogador brasileiro em anos, e um dos melhores do planeta, isso é indiscutível. Porém, sua postura como profissional sempre foi contestável. Desde o começo de sua carreira, Neymar se mostrou um tanto quanto arrogante, e se não for o centro das atenções, desce do salto.
Neymar pede a bola para Cavani
Ontem, deu mais uma prova de que o tempo não muda ninguém. Ainda mais se nesse meio tempo, todo mundo passar a mão na cabeça a cada erro cometido. Assim foi com Neymar. Sempre quis ter o mundo a seus pés. Com o apoio da maior rede de televisão do Brasil, ajudando um povo alienado por natureza a transformar esse cara com o mesmo carisma de um copo plástico em ídolo, tudo ficou mais fácil. Em sete anos, fez, aconteceu, se mostrou apenas um mimado desacostumado a ouvir não, e que não respeita ninguém.
Pode se tornar o maior jogador do mundo, depois que os dois postulantes eternos ao duvidoso prêmio pendurarem as chuteiras. Pode ser o nome do hexacampeonato. Pode até fazer mais gols que Pelé, já que foi jogar naquele campeonato amador gourmet (com todo respeito aos campeonatos amadores pelo mundo), justamente para ser o centro das atenções, fazer um milhão de gols e continuar sendo o dono da bola. Ele pode ser tudo isso. Mas vai continuar sendo um profissional da pior qualidade.
Renê Simões tentou avisar. Ninguém deu ouvidos. Agora, que durmam com esse barulho.
POUCOS PERCEBIAM, MAS QUARENTINHA SORRIA
por André Felipe de Lima
A melhor dimensão do ser humano é a capacidade da alteridade. A capacidade de olhar para além de si, procurando no outro o complemento de uma identidade. Isso se chama: caridade. Faria 84 anos neste dia 15 o maior artilheiro da história do Botafogo. Faria anos Quarentinha, o que sorria pouco ou nunca. O que era amigo do Garrincha, que o chamava de “Cabeção”. Mas era a forma carinhosa que Mané encontrava para tratar aqueles que amava. Sim, Mané amava Quarentinha. Juntos, lá na área adversária, promoveram jogadas e gols memoráveis. Muitos falam de Pelé e Coutinho. Acho até justo. Porém Garrincha e Quarentinha também faziam das suas juntos. Faziam gols aos montes também. Quantas bolas do Mané foram parar adocicadas nos pés de Quarentinha? Invariavelmente muitas — para lá de 300 — pararam nas redes do infeliz goleiro que diante dele ousasse estar.
Na Seleção Brasileira, as estatísticas não mentem. Em 17 jogos marcou 17 gols. Média assim, nem Pelé. Ah, se Quarentinha tivesse mais oportunidades para jogar ao lado do Rei…
Vamos lá, resposta rápida: quantos gols teria marcado, afinal, o velho paraense Waldir Cardoso Lebrego, “amigo da Onça” dos goleiros caso os técnicos do escrete o percebessem? Não há como mensurar. Mas passaria — fácil, fácil — da centena. A canhota de Quarentinha tinha fogo, meus amigos. Por três vezes ela o fez artilheiro do Campeonato Carioca, em 1958, em 59 e em 60. Quarentinha, o infernal. Deveria sorrir, sim. Mas alegava que ao marcar gols cumpria a obrigação de um trabalhador. Muitos alegavam que a postura era antipática ou qualquer coisa assim. Nada disso. Quarentinha era na dele. Nada mais. Tinha orgulho de percorrer o mesmo caminho do pai, o famoso Quarenta do Paysandu. Só que o filho, de longe, superou o pai. Tornou-se o melhor centroavante da história do Botafogo.
Se desconhecia a pidedade com os goleiros, fora do gramado o Quarentinha era diferente. Uma alma das mais bacanas e generosas.
Em setembro de 1960, o zagueiro Hélio, do América — aquele mesmo, que teve a carreira tragicamente interrompida pela entrada criminosa do Almir Pernambuquinho —, encontrava-se em situação financeira lastimável. Longe dos gramados, pedia ajuda a todos, mas poucos estendiam a mão ao jogador.
A diretoria do América e ex-companheiros do time eram os únicos que ainda se preocupavam com seu ex-craque, com uma ajudinha ali outra acolá. Mas era pouco para que ele, Hélio, realizasse o sonho de ter uma casa própria, que oferecesse mais segurança a esposa e filhos. Bellini e um Almir que se dizia “repleto de remorso” ventilaram na imprensa a possibilidade de um jogo beneficente. Apenas farol.
“Não guardamos ódio dele (do Almir), pelo contrário, imploramos a Deus para que não aconteça o mesmo com ele. Só nos visitou dias após o acidente e depois nunca mais (…) Só pude comprar o terreno em Miguel Pereira, mas o acidente com Almir atrapalhou tudo, pois a casa que tinha sido iniciada está caindo aos pedaços. O dinheiro acabou. Confesso que esperava um pouco mais do futebol”, declarou Hélio.
Mas a surpreendente ajuda chegara afinal. Não partiu do rico e badalado Bellini e muito menos do intempestivo e irascível Almir.
Quarentinha, sim, o maior artilheiro da história do Botafogo, imortalizado pelos seus gols e jamais esquecido graças à preciosa pena do biógrafo Rafael Casé com a brilhante edição do Cesar Oliveira, foi quem financeiramente bancou a obra para que o pobre Hélio concluísse sua casinha em Miguel Pereira. Não houve muita publicidade sobre o fato, mas como me alertou o Casé houve menção do mesmo na biografia que escreveu sobre o Quarentinha. É louvável, acima de tudo, a postura do craque alvinegro. Ídolos do passado como Hélio e Quarentinha eram avessos a arroubos de vaidade. Havia uma preocupação entre pares futebolísticos. Mostrava-se solidariedade, na maioria dos casos, sem interesse ou com viés midiático. Como diz na Bíblia: “Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”.
Ídolo como Quarentinha, hoje em dia? Infelizmente, sem chance. Craque como ele, então… nem pensar. Resignados, contenhamo-nos com o que aí está. Enquanto isso, mais um gol da Alemanha.
O que nos conforta, contudo, é saber que um dia tivemos um Quarentinha entre nós, sorrindo igualmente a poesia com as quais sutilmente e para dentro nos debulhamos em lágrimas e em… amor.
UM ESCRITOR EM BUSCA DA POESIA PERDIDA
Rubens Lemos Filho
“Amigos, o Museu da Pelada é o que há de melhor nas redes sociais sobre futebol”. Fomos surpreendidos, recentemente, com uma baita mensagem na nossa caixa de entrada e faltaram palavras para agradecer o carinho. Ficamos mais contentes ainda ao saber que o autor do elogio era Rubens Lemos, jornalista e escritor de Natal-RN, com três livros publicados, e, como ele mesmo se define, “um saudosista e opositor das arenas, que tiraram o povão do esporte mais democrático”.
Além de “Danilo Menezes, O Último Maestro” (Biografia, 2001), “O Homem Óbvio” (Crônicas, 2009) e “O Rosto Alegre da Cidade” (Crônicas sobre o Centenário do ABC, 2015), obras publicas, o escritor lança em outubro “Memórias Póstumas do Estádio Assassinado, Gols, Craques e Saudades do Machadão” e já iniciou os trabalhos para escrever o livro de Geovani, um dos maiores ídolos do Vasco da Gama.
Dessa forma, não precisamos nem falar que houve uma grande identificação e, por isso, decidimos conhecer melhor o nosso novo parceiro, que, além de ter prometido incendiar as resenhas do Museu com suas crônicas, contou um pouco da sua relação com a bola, opinou sobre a perda do romantismo do nosso futebol e apontou uma solução para o esporte tentar recuperar parte daquela emoção do passado.
Confira a tabelinha com Rubens Lemos
Como surgiu sua paixão pelo futebol?
O futebol foi meu amigo de infância, confidente e irmão. Meu pai era jornalista e comentarista esportivo (Rubens Lemos, militante político torturado na Ditadura e falecido em 1999) e me apresentou ao amor que me encantou. Sempre torci, tal meu pai, pelo ABC de Natal e pelo Vasco da Gama. Sempre fui daqueles meninos chatos, intrometidos, piolho de Tabelão, de Globo Esporte, de resenha de rádio, ouvia a Rádio Globo 1220 até tarde da noite, discutia com adultos, decorava escalações. Era um péssimo jogador. Batia peladas na rua mesmo, fundei um time, o ABCzinho do Tirol, bairro onde até hoje vivo em Natal, ficava na defesa, dando chutões. Depois resolvi ser técnico e cartola e fundei um time de soçaite, o Rio Ave, que chegou a ser campeão norte-nordestino. Também fui dirigente de futsal do ABC. Fomos vice-campeões brasileiros contra a Malwee Jaraguá de Falcão em 2006 perdendo de 3×2 aqui em Natal. Tem o jogo inteiro no Youtube. Quebramos o recorde de público até hoje insuperável em jogos de futsal: 10.572 pagantes.
Quem é seu maior ídolo no esporte?
Meus maiores ídolos no futebol são Danilo Menezes, um uruguaio que jogou na Celeste e no Vasco antes de ser o maior meia-armador do ABC e o baixinho Geovani do Vasco, um estilista sensacional. Injustiçado por Lazaroni que não o levou para a Copa de 1990. Claro, Zico, apesar das raivas que me fez, jogava muita bola. Gênio.
Ainda joga peladas?
Acho que a última vez que chutei uma bola, Zandonaide ainda era meia reserva do Vasco, lá pelo começo dos anos 1980. PC Caju, o monsieur, andava por São Januário.
E o Jornalismo? Quando optou pela profissão e quem é seu maior ídolo?
Comecei em abril de 1988 e o maior texto que conheci até hoje é o de Carlos Heitor Cony. No esporte, João Saldanha. Cabra macho, como dizemos aqui no Nordeste.
Em que momento o futebol perdeu aquele romantismo que contagiava os estádios?
Os geraldinos (Foto: Reprodução)
Tenho que ser justo. Sem ser piegas. Quando descobri o Museu da Pelada no Facebook, vibrei. Disse: “porra, esse é o meu pessoal!”. Vejo todo dia, toda hora! Do cacete! Cada entrevista antológica, com PC, Riva, Zico, Dirceu Lopes, a de Gil ficou joia! Faz sete anos que não piso em estádio! Nunca fui numa arena, detesto todas elas! Artificiais, segregadoras! Num país como o nosso, como é que o cara que ganha salário mínimo, o geraldino de antigamente, vai pagar 100, 200 paus pra ver jogo? E ver o quê, mesmo? Correria, sujeito jogando de bunda no chão? Eu gosto do futebol bonito, do drible, do lançamento, da caneta, do elástico, da firula, do golaço, da linha de passe! Isso tudo acabou quando tiraram do pobre o direito de frequentar escolinha, quando apagaram do mapa urbano os campos de várzea. Não tem mais neguinho (afrodescendente é hipocrisia!) nos times brasileiros! É tudo mauricinho, filhinho de papai! Cara com nome composto, nome de praça! Neymar brilha pois é rei em terra de chuteira cega! E já acham o menino um dos melhores de todos os tempos… Se alguém o escalar no lugar de Garrincha, eu infarto!
Como um bom vascaíno, qual foi o melhor time do Vasco que você viu atuar?
Vivi o período das porradas de Zico, Adílio e Andrade nos anos 1980. Sem abrir mão do amor ao Vasco. Vi de relance o Vascão de 1977, mas o melhor Vasco de minha vida foi aquele de 1987/88, com Geovani e Romário batendo no Flamengo cinco vezes consecutivas: Acácio; Paulo Roberto; Donato, Fernando e Mazinho; Dunga (Henrique), Geovani e Tita; Mauricinho (Luís Carlos); Roberto (Vivinho) e Romário. Outro belo time foi o de 1992, no Brasileiro, que tinha um goleiro fraco infelizmente: Régis; Luis Carlos Winck, Torres, Jorge Luís e Eduardo; Luisinho, Geovani, William e Bismarck; Edmundo e Bebeto. Fizemos uma grande campanha e estávamos invictos com Geovani jogando. Ele saiu por contusão. Aí, o título foi para eles, os flamenguistas.
Em outubro, você lança Memórias Póstumas do Estádio Assassinado, Jogos, Craques e Lembranças do Machadão. Poderia falar um pouco mais dessa obra? Como surgiu a ideia?
Obras no Estádio Castelão
O Estádio Castelão (Machadão) é a infância infinita de minha vida. E foi morto covardemente por assassinato. Derrubaram-no por quatro jogos de uma Copa do Mundo que terminou nos exemplares 7×1 da Alemanha que bem poderiam ter sido 14×2. Era um estádio tão lindo que chamavam de Poema de Concreto. Natal (com Cuiabá) foi uma das cidades que destruíram seus estádios para construir arenas. Havia um projeto apresentado à Fifa para adaptar o Machadão por cerca de 90 milhões de reais. A Fifa chegou a aceitar e, misteriosamente, apareceram com um projeto digno de Dubai. No papel. Resultado: acabaram com nosso patrimônio e gastaram meio bilhão de dólares numa arena que parece uma cebola gigante encravada num Estado onde só este ano foi batido recorde de assassinatos pois a polícia não está equipada, o principal hospital público está sucateado e com doentes no corredor e a educação está arrasada. Decidi resgatar cada ano do Machadão, nascido em 1972 e morto em 2011, onde pisaram Pelé, Rivelino, Tostão, Eusébio, Zico, Ademir da Guia, Sócrates, Romário, Geovani, Bebeto, nosso grande ídolo local, Marinho Chagas, a Bruxa (saiu antes de o Castelão ser inaugurado), Pedro Rocha, Manga, Jairzinho, Paulo Cézar Caju, Edu (os Edus, do Ameriquinha e do Santos). No Machadão, o Rio Grande do Norte ganhou sua única Bola de Prata com nosso maior craque, Alberi, em 1972, superando Tostão, Jairzinho e Dirceu Lopes. Tostão estava no Vasco. Quero resgatar para as novas gerações o que de fato foi o futebol, não essa sujeira que alguns chamam de “negócio”. Também derrubaram o Machadinho, ginásio onde jogamos (o futsal do ABC), a final contra Falcão em 2006. Vou lançar o livro dia 5 de outubro na AABB em Natal.
É verdade que a “máquina de escrever” já está produzindo o livro do Geovani? Qual é a sensação de escrever sobre o craque?
Desde 1982, Geovani é meu ídolo. O cara era o fino, a sofisticação, a inteligência, a essência de um criativo. O que jogava não está em nenhum compêndio. É um injustiçado. O Vasco mesmo não o coloca em quase nenhuma lista de melhores. Respeito muito Juninho Pernambucano, Zanata, mas o grande 8 vascaíno é o Geovani. Quem viu, viu. Enfrentava, sozinho, no toque, aquela meiúca fantástica do Flamengo (Andrade, Adílio e Zico). É um grande campeão (tem 5 títulos cariocas, uma Copa América, melhor do mundo de juniores e das Olimpíadas de Seul, que perdemos porque ele não jogou a decisão). Lançador emérito, driblador debochado. Teria arrebentado, não tenho a menor dúvida, na Copa do Mundo de 1990. Era o “homem de confiança” de Lazaroni e, no fim, foi descartado. Inexplicável. Nos tornamos amigos e pretendemos lançar o livro no ano que vem. Buscamos patrocínio, pois tenho que me deslocar daqui para Vitória, terra dele e ao Rio de Janeiro, para entrevistas. Ele merece. Venceu até a morte (câncer) e é um sujeito muito decente.
Por fim, consegue enxergar alguma solução para o futebol recuperar parte da emoção do passado?
É preciso repensar o trabalho de base. Devolver a bola a quem sabe jogar. Aos garotos habilidosos. Repensar essa Lei Pelé, que pune os clubes e enche empresário de grana. Hoje, o moleque fica rico muito cedo sem jogar essa bola toda e tem até razão em espetar o cabelo, de não se interessar em jogar pela seleção. Quer colecionar maria-chuteira, andar em iates e se cercar de puxa-saco em balada. Outro dia, vocês postaram o valor da venda de Paulinho para o Barcelona e questionaram quanto valeria um Nei Conceição, baita cracaço. E quanto custaria Pelé? Já imaginaram? Gosto do Tite, não é o ideal, mas é o possível. Embora o Brasil sempre tenha jogado (até Zagallo em 1974, depois com Telê 1982) para atacar. Os outros é que contra-atacavam. Temos Neymar, Coutinho e Jesus. Quem mais? Por favor não me venham com Renato Augusto vestindo camisa 8 que foi de Zizinho, Didi, Gerson, Dirceu Lopes, Sócrates e do meu ídolo Geovani. Um abração pra vocês do Museu da Pelada. Vocês não tem ideia da importância do trabalho que estão fazendo pelo bem do futebol verdadeiro, mágico e agregador. Futebol é a entidade cultural mais democrática do mundo. Ao menos, deveria voltar a ser.
O AMOR MAIS QUE PERFEITO
por André Felipe de Lima
Apesar de ídolo do Flamengo, onde construiu uma grande carreira ao longo dos anos de 1940, a Era Maracanã conheceu um Zizinho craque banguense. Ele era o time. Tudo funcionava em função de suas jogadas magistrais, como escreveu o jornalista Armando Nogueira: “Eu lia Zizinho, todo domingo, no Maracanã.”
No dia 23 de julho de 1950, exatamente sete dias após o “maracanazzo” promovido pela seleção do Uruguai, Zizinho enfrentaria pela primeira vez o seu ex-clube. Parecia alheio ao jogo como se na mente ainda lhe povoassem as imagens da festa dos uruguaios, sobretudo de Obdúlio Varela. “Tive vontade de abandonar o futebol depois da Copa do Mundo. Passei quase uma semana sem poder dormir. Quando ia dormindo, tinha um pesadelo. Pensava que o jogo ainda não tinha começado. O Bangu quis me dar 15 dias de folga. Eu disse: ‘Não, não quero folga. Quero jogar. Se eu ficar parado vou enlouquecer, porque não consigo dormir. Preciso jogar pra não ficar maluco”, disse Mestre Ziza ao repórter Geneton Moraes Neto, para o livro “Dossiê 50”, documento imprescindível para a história do futebol.
A peleja entre Bangu e Flamengo fora apitada pelo lendário Mário Vianna. Vitória do rubro-negro (3 a 1). Os gols do Flamengo foram marcados por Aloisio, duas vezes, no primeiro tempo, e Lero, no segundo tempo. Djalma, de pênalti, descontou para o Bangu também na segunda etapa. Zizinho parecia ainda escondido, sem a alma do craque de outrora.
A situação não se repetiria três dias depois, quando os dois times voltaram a se enfrentar em outro jogo amistoso. O Bangu acordara e aplicara 4 a 2 no Flamengo. No apito, novamente Mário Vianna. Zizinho ainda não dera o ar da graça, mas seus companheiros Mirim, Djalma, Ismael e Moacir Bueno marcaram para o Bangu. Do lado do Flamengo, descontaram Arlindo e Gago.
Mas no dia 20 de agosto, o jogo era para valer. Zizinho, enfim, acordara. De súbito, renascera para bola e a bola para ele. Enfim, as pazes. E justamente o clube que o revelou, que o tornou uma das figuras mitológicas da história do futebol mundial, teve o privilégio de presenciar esse renascimento do craque. Mas será que Zizinho perdoaria o Flamengo?
Foi humilhante ver o time da Gávea perder de 6 a 0 para o Bangu. Aquele dia de agosto nunca saiu da memória de Zizinho. Moacir Bueno meteu dois gols, Sula fez de pênalti. 3 a 0 ainda no primeiro tempo. Na arquibancada, uma incrédula torcida do Flamengo. Alberto da Gama Malcher apita o começo do segundo tempo. Zizinho faz o dele. Era o que muitos acreditam ter sido a vingança. Joel, Sula e Simões ainda marcariam mais três. Estava consumada uma revanche que Zizinho nutria pelo seu ex-clube.
Vingava-se duas vezes num mesmo jogo. Talvez no lugar de homens vestidos de vermelho e preto enxergara jogadores de azul celeste… como o da blusa uruguaia. Mas também acreditava que aquela goleada foi a resposta aos cartolas da Gávea, que o venderam ao Bangu sem seu consentimento. “Estava magoado pela forma com que me dispensaram. Cheguei a jogar um campeonato inteiro pelo Flamengo com o tornozelo enfaixado. Eu tirava a bota de esparadrapo, depois das partidas, e meu tornozelo ficava enorme, completamente inchado. Passava a semana inteira sem treinar e no domingo jogava de novo. Até com a perna fraturada cheguei a jogar. Eu me sacrifiquei demais pelo Flamengo. Merecia mais consideração”, declarou Zizinho em depoimento reproduzido por Roberto Sander em seu “Os 10 mais do Flamengo”.
Os cartolas do Flamengo precisavam responder a Zizinho. Não podiam fazê-lo no campo, fizeram-no pelos jornais. Francisco de Abreu, vice-presidente do clube, defendeu o Flamengo em entrevista concedida ao Jornal dos Sports do dia 20 de janeiro de 1950. Alegara que o clube não queria vender Zizinho. É possível que Abreu estivesse blefando para não criar uma crise do clube com a torcida. Não havia outra hipótese.
Não é difícil entender, contudo, os motivos que indignaram Zizinho a ponto de ele guardar a mágoa com o Flamengo até o fim de sua vida.
Os rumores de que o Bangu queria Zizinho circulavam desde o começo do ano de 1950. O patrono do clube de Moça Bonita, Guilherme da Silveira, mais conhecido como Dr. Silveirinha, nunca escondeu o interesse pelo passe do craque. Freqüentador assíduo da tribuna social do Hipódromo da Gávea, Dr. Silveirinha encontrou em uma mesa do bar do Jóquei Clube o presidente do Flamengo, Dario de Melo Pinto. Ali começara a negociação pelo passe de Zizinho.
Silveirinha ofereceu 400 mil cruzeiros. Melo Pinto disse que não haveria negócio naquelas condições. O clube suburbano subiu a oferta para 500 mil cruzeiros e parte da renda de dois amistosos entre os dois clubes. O presidente do Flamengo ironizou Silveirinha ao afirmar que o Bangu nunca teria dinheiro para contratar um jogador como o Zizinho. Guilherme da Silveira insistiu: “Se o Bangu tiver esse dinheiro, o Zizinho pode jogar no meu time?”.
O valor foi fechado na mesa do bar do Jóquei Clube, por surpreendentes 800 mil cruzeiros, que deveriam ser pagos à vista. O alvirrubro era naquela época um clube rico, o que não impediria o susto geral logo que a negociação fosse revelada à imprensa. Precisavam agora conversar com Zizinho.
Silveirinha, por intermédio do cunhado do craque, convocou Zizinho para uma conversa, como o craque revelou durante entrevista ao programa Bola da Vez, do canal ESPN, que foi ao ar no dia 16 de julho de 2000: “O presidente do Flamengo procurou o Dr. Silveirinha para pedir-lhe que interferisse junto ao pai dele, o Dr. Guilherme da Silveira, que era Ministro da Fazenda, para que a concessão da Loteria Federal, que era do Peixoto de Castro, também fosse para ele, Dario. E o Silveirinha disse: ‘Bem, Dario… eu faço isso, mas quero um favor seu também’. Dario respondeu: ‘Pois não, pede’. Veio o Dr. Silverinha e disse: ‘Só quero um jogador seu’. Dario disse: ‘Escolhe’. Silveirinha logo falou: ‘Só quero o Zizinho.’”
O assunto, mesmo após 50 anos, ainda desconcertava Zizinho. Isso ficou evidente durante a entrevista. Não eram lembranças saudáveis: a transferência traumática para o Bangu e, dias depois, a perda da Copa. A postura do Dr. Silveirinha intimidou Dario de Melo Pinto, que teria respondido ao cartola do Bangu que não poderia “dar” o Zizinho, mas que colocaria “um preço lá embaixo” para facilitar o negócio. Segundo Zizinho, o dirigente rubro-negro temia severas represálias dos outros cartolas da Gávea caso negociasse o passe do principal jogador do clube e ídolo máximo da torcida. “Um dia o Dr. Silverinha mandou me chamar lá na minha casa pra eu ir ao escritório dele. Ele me disse assim: ‘Mandei chamar o sr. aqui para saber se o sr. quer jogar no Bangu.’ Fiquei olhando para a cara dele. Fiquei espantado. Eu não sabia… aí ele disse: ‘O sr. está duvidando da minha palavra?’. Respondi: ‘Eu não tenho razão para duvidar ou não da sua palavra. Estou (sic) lhe conhecendo hoje’.
Para convencer o incrédulo Zizinho, Silveirinha foi sagaz. “Ele disse pra mim: ‘Então pega na extensão do telefone.’ Aí ele ligou para o Dario de Melo Pinto: ‘Como é Dario, o negócio do Zizinho está fechado?’. O presidente do Flamengo respondeu: ‘Claro que está! Fala com ele.’ Aí Silverinha disse: ‘E agora?!”. Respondi: ‘Bota o contrato aí, que assino agora. No Flamengo não jogo mais.’”
Zizinho sentiu-se desprezado. Com toda a razão. Dissera sempre aos cartolas da Gávea que não pretendia deixar o Flamengo. Aí, a grande decepção do craque.
A imprensa especulava de forma debochada a negociação entre os dois clubes. Publicou-se que Zizinho escrevera uma carta à diretoria do Flamengo, e que esta lhe ofereceu um emprego de zelador num edifício em Niterói, cidade onde morava Zizinho.
No páreo pelo futebol do craque, corria por fora o colombiano Mário Abello, disposto a levar Zizinho para a milionária liga pirata colombiana. Mas se a negociação se concretizasse, Ziza não jogaria a o Copa de 50 pelo Brasil. A Fifa não reconhecia o campeonato colombiano para o qual rumaram os principais nomes do futebol argentino, como Di Stéfano, Pedernera e Boyé, além de craques brasileiros, como um veterano Tim e um já débil Heleno de Freitas.
Indignado com o Flamengo, Zizinho pediu aos cartolas facilitassem a venda ao Bangu. E assim foi feito. O craque receberia luvas de 200 mil cruzeiros, um salário mensal de 7 mil cruzeiros e uma casa de retalhos em Niterói para a venda de tecidos da fábrica de Bangu. Zizinho tornara-se o jogador mais caro da América do Sul.
O jornalista Mario Filho defendia a tese de que Zizinho ficara mordido não pela venda em si, mas sim pelo valor que Dario Melo Pinto estipulara. Nunca lhe passara pela cabeça que o Flamengo fosse capaz de vendê-lo. “Um dos orgulhos dele era o resposta de Hilton Santos ao Corinthians: — Zizinho? Só com trinta milhões, para início de conversa”, escrevera Mario Filho, em “O negro no futebol brasileiro”.
Reportagem do Jornal dos Sports do dia 4 de março de 1950 antecipava o desapontamento de Zizinho com o Flamengo. O craque declarou estar definitivamente interessado em migrar para o Bangu. Na edição do dia 15, a primeira página estampa uma foto de Zizinho retirando a camisa do Bangu. Na manchete, o fim da novela: “Zizinho, afinal é do Bangu!”
Quem mais foi castigada com ida de Zizinho para o Bangu foi a enorme torcida do Flamengo, que não poderá lotar o Maracanã para deslumbra-se com seu grande ídolo. Felizes os banguenses e os torcedores dos outros times, como o botafoguense Armando Nogueira, que assim escrevera em crônica publicada no livro “Na grande área”: “Sempre imaginei Zizinho jogando futebol de sapato preto, traje rigo, tal a leveza se sua passada com a bola e sem a bola. Pois um dia Mestre Ziza mandou que o sapateiro Aristides, do Bangu, arrancasse todas as travas de suas chuteiras.”
O tricolor Nelson Rodrigues, dizem, comentava que quando Zizinho passava, uma bola dizia à outra: “Lá vai Ziza…”.
De 1950 a 57, Zizinho defendeu — e com imenso prazer — o Bangu. Se não conquistou grandes títulos, inspirou Ataulfo Alves para compo o “Samba de Bangu”, cuja letra diz: “No velho esporte/ tua fama não desliza/ teve Domingos da Guia/ sem falar do Mestre Ziza”.
Nos tempos de Flamengo, de embates no campo da Gávea, nas Laranjeiras, em São Januário, ou em General Severiano e na rua Figueira de Melo, Zizinho construiu o melhor momento de sua extraordinária carreira nos gramados. “Era cérebro e pulmão de qualquer time”, reverencia Domingos da Guia, seu companheiro de time nos fim dos anos de 1930.
Um dos principais nomes da crônica esportiva daquela época, Geraldo Romualdo da Silva, retratava Zizinho de forma mais didática, objetiva, como convém ao olhar referencial comum ao jornalismo. “Quando os outros sucumbiam diante dos fortes e violentos beques, Zizinho ia mais à frente e, com fibra e coração, abria espaço, marcava os gols.”
Faltou a Zizinho um caneco mundial. Poderia ter uma segunda chance na Copa de 1954, na Suíça, mas o técnico Zezé Moreira seqüestrou-lhe esse direito. Aquele mundial seria um bálsamo para que Ziza esquecesse a tragédia de 50. “A gente não sabia nem o que era uma Copa do Mundo. A última tinha sido disputada em 1938, antes da guerra. Ouviu-se pelo rádio. Não tínhamos contato com países estrangeiros. Eu, por exemplo, nunca tinha visto a Iugoslávia ou a Suíça jogarem — dois dos nossos adversários em 50. De vez em quando víamos os ‘reis do futebol’, como os ingleses eram chamados, em filmes exibidos no Cineac. A gente ficava se perguntando: ‘Como é que eles conseguem jogar num campo cheio de lama? Aqueles campos pesado era de neve…”. Esse depoimento concedido ao jornalista Geneton Moares Neto mostra com exatidão que muito mais que futebol, precisava-se de maturidade para a seleção encampar (e conquistar!) um torneio que já não era disputado há mais de 10 anos. Faltou aos jogadores brasileiros desvencilharem-se de uma visão ainda provinciana sobre o futebol. Uma tese a ser debatida sobre as palavras ditas por Zizinho.
Decerto a Copa do Mundo de 50 representa uma espécie de “corte epistemológico” na história do futebol brasileiro. Zizinho é a prova mais cabal, mais contundente de que após o apito final daquele fatídico jogo contra os uruguaios, no dia 16 de julho, o futebol brasileiro seria reinventado. Que naquele momento, a reflexão sobre o tal complexo de vira latas mencionado por Nelson Rodrigues aconteceria bem antes de 1958, na Suécia.
Deveriam lembrar de Zizinho para este debate. Do Zizinho que encantou o jornalista inglês Willy Meisl ao vê-lo em campo na Copa de 50 contra na vitória de 2 a 0 sobre o bom escrete iugoslavo: “Não se trata apenas de um craque, dos muitos que andam espalhados pelo mundo. Este é um gênio, um homem que possui todas as qualidades que podem ser idealizadas para um profissional chegar mais próximo da perfeição”.
Vencer a Iugoslávia era fundamental para o Brasil decidir a Copa. Zizinho era o missionário para missão tão eloqüente. Era o gênio do dejà vu futebolístico, como narra Eduardo Galeano para quem Zizinho inventou o gol “bis”: “Este senhor da graça do futebol tinha feito um gol legítimo, que o juiz anulou injustamente. Então, ele repetiu igualzinho, passo a passo. Zizinho entrou na área pelo mesmo lugar, esquivou-se do mesmo beque iugoslavo com a mesma delicadeza, escapando pela esquerda como tinha feito antes, e cravou a bola exatamente no mesmo ângulo. Depois chutou-a com fúria, várias vezes, contra a rede. O árbitro compreendeu que Zizinho era capaz de repetir aquele gol dez vezes mais, e não teve outro remédio senão aceitá-lo.”
O que talvez Meisl e Galeano não sabiam é que Zizinho jogara contra a Iugoslávia contundido e por pouco não entrara em campo: “Fui dormir quase de manhã. Não consegui dormir porque os massagistas não deixaram. Deram-me um remédio que, segundo Augusto, era de cavalo, um troço que botavam nos animais do jóquei. Não sei como os animais agüentavam. Queimava que não era brincadeira a pomada”, disse Zizinho à Geneton Moares Neto.
Dias depois do embate contra os iugoslavos, a confirmação da divindade “Zizinho”, após o massacre contra a Espanha, a “fúria”. 6 a 1 foi pouco. “O maestro da esquadra maravilhosa. O futebol de Zizinho me faz recordar Da Vinci pintando alguma coisa rara”, louvou Giordano Fattori, correspondente da Gazetta dello Sport, após assistir ao gênio Zizinho contra os espanhóis. O craque se auto-definia um “guerreiro da bola” que jamais a arranhou. “Ela era o amor da minha vida.”
Mas veio o dia 16 de julho. Já havíamos conquistado a Europa, mas faltava recuperarmos a província Cispaltina. Zizinho era o general da tropa. Mas falhamos. A única explicação para aquela derrota Zizinho encontrou-a no sobrenatural. Ao Geneton, ele confessou: “Pode ter acontecido uma onda negativa naquele dia no Maracanã. Numa partida de futebol, existe uma força maior que a gente não compreende, mas que existe, existe. Não sei como é, mas existe uma força maior que dirige a partida. Não sei de onde vem. Talvez venha da multidão que forma pensamentos positivos ou negativos. É uma força.”
Não havia “grito” de Obdúlio Varela que intimidasse a seleção brasileira. “Não havia menino ali”, dissera Zizinho. Obdúlio, que era amigo de Zizinho, confessou ao craque brasileiro que esperava o pior diante do Brasil naquele dia 16 de julho de 1950. “Não sei o que vocês pensavam, mas nosso receio era tomar uma goleada, como a Suécia e Espanha tinham levado.”
Geneton Moraes Neto extraiu um depoimento sensacional de Zizinho sobre a extensão metafísica que o craque mantinha com Obdúlio: “Ademir esteve uma vez na casa de Obdúlio Varela. A mulher de Obdúlio é que disse: ‘Há um jogador no Brasil em que Obdúlio pensa todo dia: Zizinho.’”
Zizinho dissera promover um suposto contato telepático com Obdúlio anos depois da Copa de 50. Uma surpreendente herança da tragédia de 1950: “Eu sei sempre como é que vai Obdúlio. E ele sabe sempre como é que estou”, garantia Zizinho. O episódio foi contado pelo próprio ídolo uruguaio à Ademir de Menezes e a Barbosa, que foram visitá-lo em Montevidéu muitos anos após a final da Copa de 50. Zizinho tem a resposta para o fenômeno. “Eu sou espírita. E ele também é”, disse Zizinho, que disse a Geneton nunca ter ido a uma missa a não ser quando um “amigo morre”.
Durante a comovente entrevista ao repórter Mauro Tagliaferri, para o Esporte Espetacular, da TV Globo, em 1999, quase 50 anos após a Copa, mostrou um Zizinho ainda emotivo diante de um passado que sempre insistiu-se presente. Tagliaferri pergunta o que significava a Copa de 50 para a vida dele. Zizinho coça o queixo, desvia o olhar e responde: “Perdi a Copa do Mundo, vim para casa e não conseguia dormir. Eu tinha pesadelos…” Naquele momento da entrevista, Zizinho balança os ombros, olha para o chão e começa a chorar. Volta-se para o Tagliaferri e faz, com as mãos, o tradicional sinal de pedido de tempo. Sorri, simpático, mas imerso em lágrimas, diz: “Tempo…” abaixa a cabeça novamente e permanece chorando até que, com as duas mãos novamente, enxuga as lágrimas e pergunta para o repórter: “Pode continuar?”. O repórter insiste: “Podemos mesmo continuar?”. Zizinho meneou a cabeça positivamente e respondeu: “Pedi ao seu Carlos Nascimento que não podia mais ficar em casa. Não dá. Assim eu vou ficar maluco. Foi tortura mesmo. As pessoas ainda brincam com isso até hoje (…) fora do Brasil não teríamos perdido esse campeonato.”
Depois da Copa, Zizinho, que nasceu em São Gonçalo, no dia 14 de setembro de 1921, teve poucas chances na seleção. Como já dissemos, Zezé Moreira vetou-o para a Copa de 1954. Zizinho, sempre conformado, foi batendo sua bola no Bangu. Ele era o time do Bangu, que apesar de sempre atrapalhar os grandes do Rio sequer conquistou um campeonato estadual no período em que contou com Zizinho no time.
De Moça Bonita, seguiu para o Morumbi, a contragosto da esposa e de suas filhas ainda pequenas. Uma delas, sabe-se lá o porquê, sugeriu ao pai que se continuasse a jogar, que fosse no futebol francês. O certo é que entre Bangu e São Paulo, Zizinho tinha dúvidas se continuaria ou não a jogar futebol. A possibilidade de jogar na França realmente aconteceu.
Como confirmou o cronista paulista Adriano De Vaney, Ieso Amalfi, outrora ídolo do Boca Juniors e que fora do próprio São Paulo, propôs a Zizinho uma temporada em Paris. Mas a proposta da diretoria do São Paulo convenceu-o e o craque permaneceu no futebol brasileiro. E com o Tricolor do Morumbi conquistou o último título de sua carreira: o Campeonato Paulista de 1957.
Seja na seleção, no Flamengo ou no Bangu, isso pouco importa quando temos Zizinho, que nos deixou no dia 8 de fevereiro de 2002, como um marco do futebol mundial. Ele, nenhum outro, representa o começo da Era Maracanã.
Seu nome nunca será esquecido. Tampouco por Pelé, que fez do Mestre Ziza seu espelho. “Quando eu era garoto, procurava imitar dois jogadores: o Dondinho, meu pai, e o Zizinho. Quando comecei a minha carreira no Santos, o Zizinho estava encerrando a dele no São Paulo. E encerrando em grande estilo. Ele foi campeão e considerado o melhor jogador do Campeonato Paulista de 1957. Zizinho era um jogador completo. Atuava na meia, no ataque, marcava bem, era um ótimo cabeceador, driblava como poucos, sabia armar. Além de tudo, não tinha medo de cara feia. Jogava duro quando preciso.”
A ginga, os dribles, os passes milimetricamente perfeitos e os gols geniais de Zizinho foram o ditame para Pelé, que herdou de Zizinho a coroa de “Rei” do futebol.
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JOGO MEMORÁVEL
Jogo válido pelo campeonato estadual de 1950, dia 20 de agosto de 1950, Bangu 6×0 Flamengo.
Foi o terceiro jogo de Zizinho contra o seu ex-clube. Perdera o primeiro e ganhara o segundo, mas sem exibição de gala. Na terceira chance, já recuperado da perda da Copa de 50, impôs uma das mais vergonhosas derrotas da vida do Clube de Regatas do Flamengo, que aconteceu no Campeonato Carioca de 1950. Relatava a crônica da época: “Apresentando em campo um time verdadeiramente desconexo, incorrendo ainda no erro de uma aventura que foi o lançamento precipitado de Hermes, o Flamengo emudeceu os olhos de sua torcida, caindo por uma contagem que atinge tremendamente o prestígio do clube da Gávea. Está de parabéns o Bangu pela sua estupenda vitória. Vitória que veio como efeito natural do amplo domínio exercido pelo seu conjunto, cujas manobras táticas foram perfeitas e cujo padrão de jogo é o que se pode exigir de um grande esquadrão.” Zizinho deixou o dele, Moacir Bueno fez dois e Joel, Simões e Sula completaram o marcador.