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SANTIFICADO

por Rubens Lemos


Felizes eram os meninos santistas, hoje vovôs de suspensório, cheios de netos para ouvir milagres verdadeiros. Como devem ter sido tranquilos os sonos de véspera dos garotos praianos, dos sábados para os domingos de clássicos por longos anos, especialmente entre 1957 e 1974, na era de um rapaz que primeiro chamaram de Bilé, depois Pelé.

O Santos de Pelé é a minha crença eterna de que o futebol e a magia nasceram enamorados. Nada quanto o Santos representou o Brasil de alto astral, os bons tempos de Juscelino na presidência, Bossa Nova se revelando, samba de morro encantando a nobreza, tropicalismo aflorando. Até à ditadura o Santos maravilhoso resistiu.

Aquele Santos que me faz pedir para ser mais velho de papel passado, mais antigo do que a minha alma perdida em algum jogo de ternura do Canal 100, cinco minutos mais importantes para mim do que qualquer filme já assistido em tela dos extintos cinemas Rio Grande, Rex e Nordeste. na Natal antiga.

O Canal 100 transmitia em big close as jogadas dos grandes catedráticos do gramado e arrepiava pela trilha musical Na Cadência do Samba e a emoção do grito aberto do povo e da expressão em delírio ou pranto do torcedor nas sociais, arquibancadas e gerais, tempo de 100, 150 mil pessoas nos principais duelos.

Meu primeiro contato com o Santos. Canal 100 reprisa, em comemoração aos 15 anos do primeiro título Intercontinental (hoje Mundial de Clubes), o filme sobre o massacre de Lisboa. Em pleno Estádio da Luz.

Energia que me encantou, de coração vascaíno firme, mas admirado com as jogadas felinas de um ataque de panteras, formado por cinco, todos em direção ao gol. Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, apenas um branco, Pepe, um canhão na ponta-esquerda.


Descobri em cinco minutos que era verdade: nunca, enquanto o mundo fosse habitado por seres em carne e osso, pecadores, sensíveis às tentações mundanas e veniais, mortais e sepultáveis, houve ou haveria uma linha atacante igual aquela tropa de cinco malabaristas.

O Benfica de Eusébio, a Pantera Negra, excelente jogador, um dos tantos que sonharam ser melhores que a Sua Majestade de Três Corações, filho de Dondinho e Dona Celeste, foi humilhado numa das maiores exibições de uma equipe desde que iniciada a contagem do tempo após a morte de Jesus Cristo.


Pelé driblando, Pelé bailando, Pelé enfiando duas vezes a bola entre as canetas do marcador, Pelé tabelando na canela dos portugueses, Pelé fazendo gol, oferecendo gol, Coutinho fuzilando o goleiro, Dorval, meio arqueado de ombro, correndo em ziguezague e servindo à maior parceria entre dois homens ofensivos de que se foi noticiada desde a carta de Pero Vaz de Caminha.

Vou alargando parágrafos e me revendo na cadeira do cinema lotado pois era comédia dos Trapalhões em seguida ao Canal 100. O Santos enfiou 5×2 no Benfica e, aos 7 anos de idade em 1977, jurava que futebol era o que estava acostumado a ver no estádio e pela TV. Futebol era. Sobrenatural sagrado era o Santos.

O Santos foi o único time brasileiro que atravessou o tempo com um condutor que não lhe fez perder a graça. O Santos embrião da máquina do final dos anos 1950, com Pelé e Pagão, o grande ídolo de Chico Buarque de Holanda.

O Santos da década de 1960, com Pelé e Coutinho, depois Pelé e Toninho, o Santos de até o título dividido (injustamente) com a Portuguesa de Desportos em 1973, nos pênaltis mal contados pelo árbitro Armando Marques. Ali era o Santos de Pelé e Edu.

Quem nunca foi Santos, um dia gostou de ter sido. No meu caso, no filme Pelé Eterno, mais que uma sentença histórica e perfeita sobre a obviedade de um jogador inigualável, o álbum em movimento de um time espetacular.


O Vasco sofreu muito. Problema não. O Corinthians apanhou muito mais, com requintes de sadismo. O Flamengo chegou a tomar de 8×1 em pleno Maracanã. Em 1958, num sinal extraterreno, Pelé fez 58 gols no Campeonato Paulista.

O Santos cedeu jogadores simbólicos para o tricampeonato mundial do Brasil. Pelé 1958, Pelé 1962 (show interrompido), Pelé 1970 (ingresso à mitologia). Zito, o termômetro discreto e eficiente do bicampeonato.


Mauro, capitão na classe e no grito. Mengálvio, em pleno auge, o reserva conformado de Didi. Carlos Alberto e Clodoaldo, emblemáticos na final contra a Itália em 1970, até os sombreros mexicanos pedindo autógrafos no Estádio Azteca.

Aquele Santos está acima do racional, do lógico. Suas camisas brancas assombraram e maravilharam o mundo, pararam guerras, expulsaram juízes. O Santos, tão singular, se alguém pesquisar, vem do Primeiro Testamento.

SABE DE NADA, INOCENTE!

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


(Foto: Nana Moraes)

O gol de Jô contra o Vasco foi com o braço e ponto. Ele sabe disso e ponto. O risinho debochado explicando o lance, tentando convencer Ramon, o lateral adversário, de que foi com o peito beira a falta de respeito.

O cinismo dói. Estamos cansados de assistir golpes e trapaças nas novelas e na vida real. Políticos e dirigentes são presos aos lotes. Alô, atletas, vocês são exemplos para milhares de crianças e para os próprios filhos!!!

Mas simular faltas virou estratégia de jogo e cavar pênaltis pode transformar o perna de pau no herói malandro. Maradona já fez gol de mão e até Nilton Santos deu dois passinhos para fora da área na tentativa de ludibriar o árbitro e escapar do pênalti. Escapou.

É preciso muito cuidado para que o futebol não se transforme num espetáculo onde os mais espertos vencem. Só a tecnologia pode estancar isso. E é preciso que seja rápido. Por que manter os árbitros atrás do gol? Façam uma estatística e digam quantas vezes eles evitaram uma injustiça.

Por que em alguns lances eles voltam atrás e em outros não? Na verdade, não só a tecnologia pode dar um ponto final nesse show de absurdos. Os clubes devem investir em educação, ensinar o valor da ética a seus profissionais, afinal eles representam os clubes!!!!

Quando Rodrigo Caio, do São Paulo, praticou o fair play foi carimbado na testa de “bobinho”. Só faltou “um sabe de nada, inocente” tatuado no peito como castigo por ter agido corretamente.

Perder a poesia, o futebol já perdeu; que não perca a vergonha na cara.

RENÊ SIMÕES TINHA RAZÃO

por Mateus Ribeiro

Voltemos no tempo. Sete anos atrás, mais precisamente. Setembro de 2010.

Em partida válida pelo Campeonato Brasileiro, o Santos bateu o Atlético Goianiense por4a 2. Porém, o placar não importa muito.

Já no final da segunda etapa, com o placar marcando 3 a 2 para o Peixe, o time da Vila Belmiro teve um pênalti marcado a seu favor. O treinador Dorival Junior ordenou que Marcel cobrasse. Neymar, em sua segunda temporada como profissional, bateu o pé, deu escândalo e falou cobras e lagartos para Dorival. Tudo isso porque queria bater a penalidade. Dorival não cedeu, Marcel fez o gol, e o atual atacante do PSG saiu de campo extremamente irritado, soltando inúmeros impropérios pra cima de Dorival.

O técnico do time adversário, Renê Simões, que viu tudo de perto, previu o futuro. Para quem não se lembra, vale refrescar a memória.

Pois bem. Sete anos se passaram. Na verdade, sete anos e dois dias, já que Santos e Atlético Goianiense jogaram dia 15 de setembro de 2010, e o PSG recebeu o Lyon dia 17 de setembro de 2017.

Tinha tudo pra ser mais um jogo sem graça do campeonato mais insosso do planeta. É bem verdade que o único time do futebol francês venceu por 2 a 0. Mas poderia ser 3. Só não foi porque Cavani desperdiçou uma cobrança de pênalti. Seria um lance normal de jogo, afinal, quem nunca errou? Só que não foi normal.


Daniel Alves entrega a bola para Neymar

Tal qual sete anos atrás, o queridinho do futebol brasileiro fez biquinho porque queria cobrar o pênalti. Esqueceu por um momento que o treinador havia determinado que o uruguaio é o cobrador oficial do time. Um pouco antes, um lance parecido (e constrangedor): o PSG tinha uma cobrança de falta perto da grande área. Cavani quis bater. Eis que entra em ação um dos maiores PANACAS da historia do futebol, o tal de Daniel Alves. O lateral, provando que é “parça” de Neymar, segurou a bola, como se a estivesse escondendo de Cavani, e entregou para o atacante brasileiro perder. Uma cena típica de futebol na escola. Uma atitude patética, egoísta e desnecessária. Qualidades estas, aliás, que se encaixam bem na citada dupla de amigos.

Renê Simões estava coberto de razão. Criaram um monstro. É claro que Neymar é o melhor jogador brasileiro em anos, e um dos melhores do planeta, isso é indiscutível. Porém, sua postura como profissional sempre foi contestável. Desde o começo de sua carreira, Neymar se mostrou um tanto quanto arrogante, e se não for o centro das atenções, desce do salto.


Neymar pede a bola para Cavani

Ontem, deu mais uma prova de que o tempo não muda ninguém. Ainda mais se nesse meio tempo, todo mundo passar a mão na cabeça a cada erro cometido. Assim foi com Neymar. Sempre quis ter o mundo a seus pés. Com o apoio da maior rede de televisão do Brasil, ajudando um povo alienado por natureza a transformar esse cara com o mesmo carisma de um copo plástico em ídolo, tudo ficou mais fácil. Em sete anos, fez, aconteceu, se mostrou apenas um mimado desacostumado a ouvir não, e que não respeita ninguém.

Pode se tornar o maior jogador do mundo, depois que os dois postulantes eternos ao duvidoso prêmio pendurarem as chuteiras. Pode ser o nome do hexacampeonato. Pode até fazer mais gols que Pelé, já que foi jogar naquele campeonato amador gourmet (com todo respeito aos campeonatos amadores pelo mundo), justamente para ser o centro das atenções, fazer um milhão de gols e continuar sendo o dono da bola. Ele pode ser tudo isso. Mas vai continuar sendo um profissional da pior qualidade.

Renê Simões tentou avisar. Ninguém deu ouvidos. Agora, que durmam com esse barulho.

POUCOS PERCEBIAM, MAS QUARENTINHA SORRIA

por André Felipe de Lima


A melhor dimensão do ser humano é a capacidade da alteridade. A capacidade de olhar para além de si, procurando no outro o complemento de uma identidade. Isso se chama: caridade. Faria 84 anos neste dia 15 o maior artilheiro da história do Botafogo. Faria anos Quarentinha, o que sorria pouco ou nunca. O que era amigo do Garrincha, que o chamava de “Cabeção”. Mas era a forma carinhosa que Mané encontrava para tratar aqueles que amava. Sim, Mané amava Quarentinha. Juntos, lá na área adversária, promoveram jogadas e gols memoráveis. Muitos falam de Pelé e Coutinho. Acho até justo. Porém Garrincha e Quarentinha também faziam das suas juntos. Faziam gols aos montes também. Quantas bolas do Mané foram parar adocicadas nos pés de Quarentinha? Invariavelmente muitas — para lá de 300 — pararam nas redes do infeliz goleiro que diante dele ousasse estar.

Na Seleção Brasileira, as estatísticas não mentem. Em 17 jogos marcou 17 gols. Média assim, nem Pelé. Ah, se Quarentinha tivesse mais oportunidades para jogar ao lado do Rei…


Vamos lá, resposta rápida: quantos gols teria marcado, afinal, o velho paraense Waldir Cardoso Lebrego, “amigo da Onça” dos goleiros caso os técnicos do escrete o percebessem? Não há como mensurar. Mas passaria — fácil, fácil — da centena. A canhota de Quarentinha tinha fogo, meus amigos. Por três vezes ela o fez artilheiro do Campeonato Carioca, em 1958, em 59 e em 60. Quarentinha, o infernal. Deveria sorrir, sim. Mas alegava que ao marcar gols cumpria a obrigação de um trabalhador. Muitos alegavam que a postura era antipática ou qualquer coisa assim. Nada disso. Quarentinha era na dele. Nada mais. Tinha orgulho de percorrer o mesmo caminho do pai, o famoso Quarenta do Paysandu. Só que o filho, de longe, superou o pai. Tornou-se o melhor centroavante da história do Botafogo.

Se desconhecia a pidedade com os goleiros, fora do gramado o Quarentinha era diferente. Uma alma das mais bacanas e generosas.

Em setembro de 1960, o zagueiro Hélio, do América — aquele mesmo, que teve a carreira tragicamente interrompida pela entrada criminosa do Almir Pernambuquinho —, encontrava-se em situação financeira lastimável. Longe dos gramados, pedia ajuda a todos, mas poucos estendiam a mão ao jogador.

A diretoria do América e ex-companheiros do time eram os únicos que ainda se preocupavam com seu ex-craque, com uma ajudinha ali outra acolá. Mas era pouco para que ele, Hélio, realizasse o sonho de ter uma casa própria, que oferecesse mais segurança a esposa e filhos. Bellini e um Almir que se dizia “repleto de remorso” ventilaram na imprensa a possibilidade de um jogo beneficente. Apenas farol.

“Não guardamos ódio dele (do Almir), pelo contrário, imploramos a Deus para que não aconteça o mesmo com ele. Só nos visitou dias após o acidente e depois nunca mais (…) Só pude comprar o terreno em Miguel Pereira, mas o acidente com Almir atrapalhou tudo, pois a casa que tinha sido iniciada está caindo aos pedaços. O dinheiro acabou. Confesso que esperava um pouco mais do futebol”, declarou Hélio.

Mas a surpreendente ajuda chegara afinal. Não partiu do rico e badalado Bellini e muito menos do intempestivo e irascível Almir.

Quarentinha, sim, o maior artilheiro da história do Botafogo, imortalizado pelos seus gols e jamais esquecido graças à preciosa pena do biógrafo Rafael Casé com a brilhante edição do Cesar Oliveira, foi quem financeiramente bancou a obra para que o pobre Hélio concluísse sua casinha em Miguel Pereira. Não houve muita publicidade sobre o fato, mas como me alertou o Casé houve menção do mesmo na biografia que escreveu sobre o Quarentinha. É louvável, acima de tudo, a postura do craque alvinegro. Ídolos do passado como Hélio e Quarentinha eram avessos a arroubos de vaidade. Havia uma preocupação entre pares futebolísticos. Mostrava-se solidariedade, na maioria dos casos, sem interesse ou com viés midiático. Como diz na Bíblia: “Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”.


Ídolo como Quarentinha, hoje em dia? Infelizmente, sem chance. Craque como ele, então… nem pensar. Resignados, contenhamo-nos com o que aí está. Enquanto isso, mais um gol da Alemanha.

O que nos conforta, contudo, é saber que um dia tivemos um Quarentinha entre nós, sorrindo igualmente a poesia com as quais sutilmente e para dentro nos debulhamos em lágrimas e em… amor.

UM ESCRITOR EM BUSCA DA POESIA PERDIDA


Rubens Lemos Filho

“Amigos, o Museu da Pelada é o que há de melhor nas redes sociais sobre futebol”. Fomos surpreendidos, recentemente, com uma baita mensagem na nossa caixa de entrada e faltaram palavras para agradecer o carinho. Ficamos mais contentes ainda ao saber que o autor do elogio era Rubens Lemos, jornalista e escritor de Natal-RN, com três livros publicados, e, como ele mesmo se define, “um saudosista e opositor das arenas, que tiraram o povão do esporte mais democrático”.

Além de “Danilo Menezes, O Último Maestro” (Biografia, 2001), “O Homem Óbvio” (Crônicas, 2009) e “O Rosto Alegre da Cidade” (Crônicas sobre o Centenário do ABC, 2015), obras publicas, o escritor lança em outubro “Memórias Póstumas do Estádio Assassinado, Gols, Craques e Saudades do Machadão” e já iniciou os trabalhos para escrever o livro de Geovani, um dos maiores ídolos do Vasco da Gama.

Dessa forma, não precisamos nem falar que houve uma grande identificação e, por isso, decidimos conhecer melhor o nosso novo parceiro, que, além de ter prometido incendiar as resenhas do Museu com suas crônicas, contou um pouco da sua relação com a bola, opinou sobre a perda do romantismo do nosso futebol e apontou uma solução para o esporte tentar recuperar parte daquela emoção do passado.

Confira a tabelinha com Rubens Lemos

Como surgiu sua paixão pelo futebol?


O futebol foi meu amigo de infância, confidente e irmão. Meu pai era jornalista e comentarista esportivo (Rubens Lemos, militante político torturado na Ditadura e falecido em 1999) e me apresentou ao amor que me encantou. Sempre torci, tal meu pai, pelo ABC de Natal e pelo Vasco da Gama. Sempre fui daqueles meninos chatos, intrometidos, piolho de Tabelão, de Globo Esporte, de resenha de rádio, ouvia a Rádio Globo 1220 até tarde da noite, discutia com adultos, decorava escalações. Era um péssimo jogador. Batia peladas na rua mesmo, fundei um time, o ABCzinho do Tirol, bairro onde até hoje vivo em Natal, ficava na defesa, dando chutões. Depois resolvi ser técnico e cartola e fundei um time de soçaite, o Rio Ave, que chegou a ser campeão norte-nordestino. Também fui dirigente de futsal do ABC. Fomos vice-campeões brasileiros contra a Malwee Jaraguá de Falcão em 2006 perdendo de 3×2 aqui em Natal. Tem o jogo inteiro no Youtube. Quebramos o recorde de público até hoje insuperável em jogos de futsal: 10.572 pagantes.

Quem é seu maior ídolo no esporte?

Meus maiores ídolos no futebol são Danilo Menezes, um uruguaio que jogou na Celeste e no Vasco antes de ser o maior meia-armador do ABC e o baixinho Geovani do Vasco, um estilista sensacional. Injustiçado por Lazaroni que não o levou para a Copa de 1990. Claro, Zico, apesar das raivas que me fez, jogava muita bola. Gênio.

Ainda joga peladas?

Acho que a última vez que chutei uma bola, Zandonaide ainda era meia reserva do Vasco, lá pelo começo dos anos 1980. PC Caju, o monsieur, andava por São Januário.

E o Jornalismo? Quando optou pela profissão e quem é seu maior ídolo?

Comecei em abril de 1988 e o maior texto que conheci até hoje é o de Carlos Heitor Cony. No esporte, João Saldanha. Cabra macho, como dizemos aqui no Nordeste.

Em que momento o futebol perdeu aquele romantismo que contagiava os estádios?


Os geraldinos (Foto: Reprodução)

Tenho que ser justo. Sem ser piegas. Quando descobri o Museu da Pelada no Facebook, vibrei. Disse: “porra, esse é o meu pessoal!”. Vejo todo dia, toda hora! Do cacete! Cada entrevista antológica, com PC, Riva, Zico, Dirceu Lopes, a de Gil ficou joia! Faz sete anos que não piso em estádio! Nunca fui numa arena, detesto todas elas! Artificiais, segregadoras! Num país como o nosso, como é que o cara que ganha salário mínimo, o geraldino de antigamente, vai pagar 100, 200 paus pra ver jogo? E ver o quê, mesmo? Correria, sujeito jogando de bunda no chão?  Eu gosto do futebol bonito, do drible, do lançamento, da caneta, do elástico, da firula, do golaço, da linha de passe! Isso tudo acabou quando tiraram do pobre o direito de frequentar escolinha, quando apagaram do mapa urbano os campos de várzea. Não tem mais neguinho (afrodescendente é hipocrisia!) nos times brasileiros! É tudo mauricinho, filhinho de papai! Cara com nome composto, nome de praça! Neymar brilha pois é rei em terra de chuteira cega! E já acham o menino um dos melhores de todos os tempos… Se alguém o escalar no lugar de Garrincha, eu infarto!

Como um bom vascaíno, qual foi o melhor time do Vasco que você viu atuar?

Vivi o período das porradas de Zico, Adílio e Andrade nos anos 1980. Sem abrir mão do amor ao Vasco. Vi de relance o Vascão de 1977, mas o melhor Vasco de minha vida foi aquele de 1987/88, com Geovani e Romário batendo no Flamengo cinco vezes consecutivas: Acácio; Paulo Roberto; Donato, Fernando e Mazinho; Dunga (Henrique), Geovani e Tita; Mauricinho (Luís Carlos); Roberto (Vivinho) e Romário. Outro belo time foi o de 1992, no Brasileiro, que tinha um goleiro fraco infelizmente: Régis; Luis Carlos Winck, Torres, Jorge Luís e Eduardo; Luisinho, Geovani, William e Bismarck; Edmundo e Bebeto. Fizemos uma grande campanha e estávamos invictos com Geovani jogando. Ele saiu por contusão. Aí, o título foi para eles, os flamenguistas.

Em outubro, você lança Memórias Póstumas do Estádio Assassinado, Jogos, Craques e Lembranças do Machadão. Poderia falar um pouco mais dessa obra? Como surgiu a ideia?


Obras no Estádio Castelão

O Estádio Castelão (Machadão) é a infância infinita de minha vida. E foi morto covardemente por assassinato. Derrubaram-no por quatro jogos de uma Copa do Mundo que terminou nos exemplares 7×1 da Alemanha que bem poderiam ter sido 14×2. Era um estádio tão lindo que chamavam de Poema de Concreto. Natal (com Cuiabá) foi uma das cidades que destruíram seus estádios para construir arenas. Havia um projeto apresentado à Fifa para adaptar o Machadão por cerca de 90 milhões de reais. A Fifa chegou a aceitar e, misteriosamente, apareceram com um projeto digno de Dubai. No papel. Resultado: acabaram com nosso patrimônio e gastaram meio bilhão de dólares numa arena que parece uma cebola gigante encravada num Estado onde só este ano foi batido recorde de assassinatos pois a polícia não está equipada, o principal hospital público está sucateado e com doentes no corredor e a educação está arrasada. Decidi resgatar cada ano do Machadão, nascido em 1972 e morto em 2011, onde pisaram Pelé, Rivelino, Tostão, Eusébio, Zico, Ademir da Guia, Sócrates, Romário, Geovani, Bebeto, nosso grande ídolo local, Marinho Chagas, a Bruxa (saiu antes de o Castelão ser inaugurado), Pedro Rocha, Manga, Jairzinho, Paulo Cézar Caju, Edu (os Edus, do Ameriquinha e do Santos). No Machadão, o Rio Grande do Norte ganhou sua única Bola de Prata com nosso maior craque, Alberi, em 1972, superando Tostão, Jairzinho e Dirceu Lopes. Tostão estava no Vasco. Quero resgatar para as novas gerações o que de fato foi o futebol, não essa sujeira que alguns chamam de “negócio”. Também derrubaram o Machadinho, ginásio onde jogamos (o futsal do ABC), a final contra Falcão em 2006. Vou lançar o livro dia 5 de outubro na AABB em Natal.

É verdade que a “máquina de escrever” já está produzindo o livro do Geovani? Qual é a sensação de escrever sobre o craque?


Desde 1982, Geovani é meu ídolo. O cara era o fino, a sofisticação, a inteligência, a essência de um criativo. O que jogava não está em nenhum compêndio. É um injustiçado. O Vasco mesmo não o coloca em quase nenhuma lista de melhores. Respeito muito Juninho Pernambucano, Zanata, mas o grande 8 vascaíno é o Geovani. Quem viu, viu. Enfrentava, sozinho, no toque, aquela meiúca fantástica do Flamengo (Andrade, Adílio e Zico). É um grande campeão (tem 5 títulos cariocas, uma Copa América, melhor do mundo de juniores e das Olimpíadas de Seul, que perdemos porque ele não jogou a decisão). Lançador emérito, driblador debochado. Teria arrebentado, não tenho a menor dúvida, na Copa do Mundo de 1990. Era o “homem de confiança” de Lazaroni e, no fim, foi descartado. Inexplicável. Nos tornamos amigos e pretendemos lançar o livro no ano que vem. Buscamos patrocínio, pois tenho que me deslocar daqui para Vitória, terra dele e ao Rio de Janeiro, para entrevistas. Ele merece. Venceu até a morte (câncer) e é um sujeito muito decente.

Por fim, consegue enxergar alguma solução para o futebol recuperar parte da emoção do passado?


É preciso repensar o trabalho de base. Devolver a bola a quem sabe jogar. Aos garotos habilidosos. Repensar essa Lei Pelé, que pune os clubes e enche empresário de grana. Hoje, o moleque fica rico muito cedo sem jogar essa bola toda e tem até razão em espetar o cabelo, de não se interessar em jogar pela seleção. Quer colecionar maria-chuteira, andar em iates e se cercar de puxa-saco em balada. Outro dia, vocês postaram o valor da venda de Paulinho para o Barcelona e questionaram quanto valeria um Nei Conceição, baita cracaço. E quanto custaria Pelé? Já imaginaram? Gosto do Tite, não é o ideal, mas é o possível. Embora o Brasil sempre tenha jogado (até Zagallo em 1974, depois com Telê 1982) para atacar. Os outros é que contra-atacavam. Temos Neymar, Coutinho e Jesus. Quem mais? Por favor não me venham com Renato Augusto vestindo camisa 8 que foi de Zizinho, Didi, Gerson, Dirceu Lopes, Sócrates e do meu ídolo Geovani. Um abração pra vocês do Museu da Pelada. Vocês não tem ideia da importância do trabalho que estão fazendo pelo bem do futebol verdadeiro, mágico e agregador. Futebol é a entidade cultural mais democrática do mundo. Ao menos, deveria voltar a ser.