Escolha uma Página

ELES NÃO PODEM SER ESQUECIDOS

por Zé Roberto Padilha

Sabe o Vasco? O Cruzeiro? Grandes clubes que andam precisando de um Romário, de um Roberto Dinamite, de um Tostão ou Dirceu Lopes para que seus encantos exerçam uma idolatria. Sem um ídolo, seus dribles, gols e magia, difícil qualquer equipe alcançar sua glória. Éfêmera que seja.

Em meados dos anos 70, Botafogo, Vasco e Flamengo davam as cartas. No Fluminense, Samarone havia parado, Lula e Flávio foram para o Internacional e aquela figurinha carimbada, a que nunca sai, deixou de existir no álbum da Panini.

Até que o Presidente Francisco Horta foi a São Paulo trazer o Rivelino.

Como num passe de mágica, um Celta se tornou uma Máquina.

O Hotel Paineiras não mais comportava sua idolatria. E o Fluminense foi se concentrar no Hotel Nacional. O Torneio de Florianópolis deu lugar ao de Paris, os voos rasteiros deram lugar ao Jumbo da Air France.

E num drible em forma de elástico, o encanto se espalhou. E o Fluminense voltou a ganhar. Mais do que isto, se exibir, realizar concertos ao ar livre.

Com Rivelino veio PC Caju, Mário Sérgio, Doval, Dirceu e Edinho, Cleber e Pintinho foram revelados.

Neste momento em que nosso time alcança um dos seus títulos mais significativos, sempre é bom lembrar daqueles que o engrandeceram. Lendas como Valdo, Assis, Denilson, o Rei Zulú, Deco, Conca e Fred que mantiveram acesos os sonhos de um dia acordarmos campeões da América.

O que ninguém iria prever é que os grandes craques desapareceriam do cenário. Que a Bola de Ouro da FIFA nunca mais seria entregue a um brasileiro.

E embora todos os atuais campeões sejam bons jogadores, possuam seus méritos, quem diria que as melhores assistências pertenceriam a um colombiano e a artilharia a um argentino.

Mais do que isto, o treinador fosse um dia considerado o melhor do nosso time.

Os tempos mudam. E se o futebol brasileiro perde quando precisa importar, não mais exportar idolos, o Fluminense continua enorme porque sempre se supera. E se reinventa porque sua aura jamais deixa de nos encantar.

MOINHO DE VENTOS

por Eliezer Cunha

Os campeonatos iniciam-se periodicamente. Pelo princípio da igualdade todos os times partem da mesma condição na tabela, primícia básica de uma competição. As vantagens que por ora ocorrem são impostas pela camisa do time e sua tradicionalidade, pelo apoio presencial das torcidas, pelas tendências decisórias dos árbitros ou até pelo apoio obscuro das entidades que organizam as disputas. Fora isso, o jogo é jogado.

Espantam-nos que times sem infraestrutura midiática e que possuem um elenco sem estrelismos possam abrir uma vantagem considerada de pontos em cima dos outros adversários com elencos bem mais estruturados em um campeonato competidíssimo. Mas o jogo é jogado e os resultados de alguma forma se justificam e precisam ser respeitados, embora não nos mostre consistência e certa confiança.

É assim para com o time do Botafogo, lidera o campeonato a várias rodadas, porém nos transmite de alguma forma certa desconfiança. Sabemos que as regularidades dos resultados e o comportamento coletivo durante as partidas se tornam fundamentais para fortalecer o mérito da conquista do campeonato. Se deparar com um cenário em que um time abre três gols de vantagens no primeiro tempo e no segundo permite que o adversário vire o placar nos minutos finais é no mínimo frustrante para a torcida, enfraquecedor para o nível do campeonato e utópico para com o fato e o mérito de ser campeão. Evidência notória que o time não está estruturado psicologicamente para uma possível pressão e ao treinador carece de experiência para tomar ações necessárias para imobilizar a pressão adversária. Desta maneira o time se inferioriza; não se estabelece e os resultados não se traduzem em vitórias.

“Somos todos iguais nessa noite” diz o poeta em um panorama artístico social. “Não devemos ser todos iguais nessa partida” deve dizer um comandante esportivo focado no título Brasileiro.

FLUMINENSE DA AMÉRICA E DE NELSON RODRIGUES

por Paulo-Roberto Andel

Horas atrás, numa das partidas mais tensas e emocionantes de sua história, o Fluminense enfim conquistou o único título que lhe faltava: venceu o Boca Juniors, hexacampeão da América, e levantou a sonhada Copa Libertadores.

A emoção tomou conta dos milhões de tricolores por todo o Brasil, especialmente no Rio de Janeiro e no Maracanã, palco da festa maior. Nos últimos dias, o barulho tricolor foi tão grande que deve ter constrangido alguns institutos de pesquisa, acostumados a estimar a torcida do Fluminense num tamanho bem abaixo do razoável.

Mas o que importa aqui é falar da conquista, da glória eterna que a Libertadores ganhou por finalmente ter o Fluminense, artifíce e aríete do futebol brasileiro, em sua galeria de campeões. E, se a campanha teve menos dificuldade do que o esperado, a partida final multiplicou a angústia. Primeiro, porque o Flu tinha o jogo nas mãos mas deixou a vitória escapar nos 90 minutos. Segundo, por conta da pancadaria argentina, deixada solta pelo árbitro Roldán. E terceiro, por perder o jovem craque John Kennedy, expulso imediatamente após ter feito o golaço do título num chute magistral.

Acontece que o Fluminense é o time mais preparado do mundo para encarar dramas. À feição de seu ídolo, torcedor e maior escritor da história, Nelson Rodrigues, o Flu parece incorporar na alma roteiros dignos do maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos, como se o êxtase da vitória andasse de mãos dadas com a tragédia no parapeito de uma cobertura, até que um trai o outro e o joga para a morte. Para a sorte do Flu, quase sempre quem vence é o êxtase, e foi isso que aconteceu mais uma vez neste sábado.

Quando um time ganha um título desse tamanho, todos estão de parabéns, dos funcionários mais humildes ao presidente do clube, dos jogadores iniciantes aos craques consagrados, dos torcedores mais dedicados aos ocasionais, todos, todos. Ninguém fica de fora. Porém, vale o destaque para nomes como o incansável Jhon Arias, o espetacular Germán Cano e o fabuloso John Kennedy, que incendiou o Maracanã como nos tempos de outro artilheiro baixinho, favelado e monstruoso: Romário. JK chegou a ser massacrado na mídia, quase foi dispensado do clube mas voltou e agora marca seu nome na história.

A decisão não foi uma partida brilhante, mas emocionante ao extremo. Lembremos o roteiro de Nelson: a glória beijando a tragédia na boca e uma pronta para assassinar a outra. Um dos jogos mais tensos da história tricolor para quem estava no Maracanã, na televisão, nos telões, radinhos e de qualquer maneira pelo país afora. Qualquer lance pronunciava a desgraça, uma simples perda de bola tirava o ar do peito. Mas como escreveu monumentalmente no hino, Lamartine Babo cravou o destino: “Vence o Fluminense”.

Lutando contra boicotes, a má vontade midiática, edições de torcida e tudo que se possa imaginar, o Fluminense repetiu sua sina: a de mosca na sopa, a de time do último minuto que desafia prognósticos e definições, que carrega uma camisa pesada de vitórias e que, para sempre, sepulta a tristeza de 2008. Mas vejam que o Flu não é de brincadeira: naquele vice-campeonato, tirou do caminho os multi campeões São Paulo e Boca Juniors. E agora, para conquistar o sonhado título, também tirou da frente quatro campeões da Libertadores: Argentinos Juniors, Olimpia, Internacional e o próprio Boca, hexacampeão.

O Rio de Janeiro, tão sofrido nos últimos anos, vive uma noite inesquecível: enquanto os Red Hot Chilli Peppers e Roberto Carlos detonam em seus shows, a mocidade independente do Fluminense faz seu réveillon particular para milhões. Há rivais que aplaudem e entendem, enquanto outros destilam rancor e inveja. Quer coisa mais parecida com os críticos de Nelson Rodrigues? Não há.

Para fechar, a data da decisão não podia ser mais propícia: 04 de novembro, logo após o Dia de Finados. É que o Fluminense tem uma multidão muito viva, mas tem um verdadeiro esquadrão já na eternidade – só que este também está muito vivo e presente. Assim sendo, formou-se um composto imbatível para que meu amigo Marcelo Diniz cunhasse a expressão definitiva: a paz eterna.

Diante do grande campeão da América me ajoelho e choro, recordo meus pais, sonho com meu irmão, penso em minha mulher e em todas as pessoas, todas, que choraram e riram muito nas últimas horas. Afinal, tal como tem sido há mais de 120 anos, o Fluminense venceu, o Fluminense é o espetacular campeão da América e pouco importa se não é um time perfeito. Tem defeitos, é humano e vitorioso.

Mais uma vez parafraseando o maior dramaturgo brasileiro: “E é só”.

A MAGIA DE ENDRICK

por Paulo-Roberto Andel

Numa das partidas mais espetaculares dos últimos anos no Brasil, o Palmeiras conquistou uma virada antológica sobre o Botafogo no Estádio Nilton Santos, pelo placar de 4 a 3.

No primeiro tempo o Botafogo foi absoluto em campo, fez golaços e poderia ter feito um placar ainda maior do que os 3 a 0, mas na volta o Palmeiras deu um verdadeiro show e conquistou a virada, liderado por um garoto de 17 anos que pode ser o novo xodó do nosso futebol: Endrick.

O resultado incendiou a briga pelo Brasileirão e fez lembrar de outras grandes jornadas do futebol brasileiro, como a decisão da Mercosul 2000, na grande virada de 4 a 3 do Vasco sobre o próprio Palmeiras, bem como outras partidas que alimentam o imaginário esportivo dos anos 1960 e 1970.

É muito cedo para cravar o tamanho que Endrick terá no futebol brasileiro, mas o que se espera está à altura do nosso melhor futebol. O menino joga uma bola redonda, limpa, provocante.

O nosso jogo de bola ainda pode oferecer surpresas maravilhosas como a deste Botafogo x Palmeiras. Quando parece que tudo está perdido no futebol brasileiro, vem um jogo assim para nos mostrar do que já fomos e ainda somos capazes. Um ponto fora da curva no marasmo de retrancas enfadonhas que temos vivido. Jogadas, passes, grandes gols, ofensividade e surpresa.

Os mais jovens podem até estranhar, mas esse clássico do Nilton Santos é uma amostra do que já foi muito comum nos campeonatos que subsidiaram o melhor da nossa história futebolística, especialmente entre os anos 1950 e 1970. Não por coincidência, das seis Copas do Mundo disputadas neste período, o Brasil esteve em quatro finais e ganhou três.

@pauloandel

OS FINADOS TRICOLORES ESTÃO VIVOS DEMAIS

por Paulo-Roberto Andel

Tudo é Fluminense.

Antes que a luz do sol chegue para homenagear os que já se foram, mas que ainda estão vivos demais nas retinas da memória, tudo é Fluminense.

A nossa história tem um passado colossal, de modo que os nomes mais antigos são falados como se estivessem por aqui até a semana passada. Falamos de Castilho e Batatais, de Bigode e Romeu, de Marcos Carneiro de Mendonça – com seu maravilhoso escudão tricolor ornamentando a camisa branca – e o tanque Welfare como se ainda fossem jogadores da ativa, felizmente. Afinal, ser Fluminense atende a um princípio filosófico basilar: recordar é viver.

O que dizer de Assis e Washington? De Zezé? De feras da Máquina como Carlos Alberto Torres, Rodrigues Neto, Cléber, Doval e Dirceu? De um tanque como Waldo? De Zezé Moreira e Nelsinho? De Ximbica? E de monumentais presidentes como David Fischel, Manoel Schwartz e Arnaldo Guinle?

Mais de 40 anos depois de sua morte, Nelson Rodrigues continua tão vivo no imaginário do Fluminense que não seria surpresa encontrá-lo à saída da Leiteria Mineira ou do Paladino. Tão vivo que só os de alma bem pequena o desprezam. Nelson, o maior dramaturgo brasileiro da história, injetou poesia e drama no teatro tricolor e isso continua porque não há ribalta maior do que a nossa.

Mas até aqui falamos dos famosos. Não podemos esquecer que a glória do Fluminense foi também escrita por milhões de anônimos, que dos tempos da rua Guanabara até os atuais do Novo Maracanã abarrotado, empenharam seus tostões para ver e rever o grande amor em três cores da glória e vitória, que rimam como nunca. Gente que veio de todas as classes e cores, de balneários e subúrbios, gente das artes e letras culturais – celebremos Bibi Ferreira, Sérgio Britto, Sérgio Sant’anna, Paulo Cezar Saraceni, Mário Carneiro, Bárbara Heliodora e uma multidão.

O sol já se põe, antes das seis da manhã. Todos os mortos tricolores se prepararam para despertar e sonhar nesta quinta-feira, porque a descoberta da América é logo ali. Logo eles vão ocupar as ruas de Copacabana – sempre! -, do Largo do Machado, de Vaz Lobo, do Andaraí e de Campo Grande. E vão espiar os irmãos vivos que, neste feriado, estarão descansando ou trabalhando, todos suspirando sem parar pela decisão do próximo sábado.

Nós, tricolores, formamos dois países. O do presente, onde somos milhões num só coração, e o do passado, também de milhões que, se não podem nos oferecer a presença física, cantam, vibram e choram com suas almas que são rios de curso interminável, nos banhando para que sigamos rumo ao futuro. E aí, caros amigos, é novamente o farol de Nelson Rodrigues que ilumina nosso destino: “Se quereis saber o futuro do Fluminense, olhai para o seu passado. A história tricolor traduz a predestinação para a glória”. E é assim que caminhamos para o sábado que se aproxima.

Os mortos tricolores estão vivos demais. E estão conosco. São muitos e muitos nomes de uma lista interminável, que pode ser representada por um sinônimo de gols, alegrias, humildade e a maior vitória de todos os tempos: Super Ézio, eterno, eterno.

Recordar é viver. Tudo é Fluminense.

#

Em memória de Helio Andel (1941-2008) e Maria de Lourdes Andel (1945-2007)

@p.r.andel