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LUCIDEZ

por Zé Roberto Padilha

Não é fácil alcançar a lucidez. Ser iluminado pelo equilíbrio, ponderado nas declarações, coerente em suas posturas. Ainda bem. Pois ninguém se torna um Zico por acaso. Uma unanimidade esportiva, capaz de gerar orgulho até nos mais fanáticos torcedores adversários.

Ainda bem que o futebol tem um ídolo lúcido em meio a um mar de denúncias de venda de resultados, que tanto o denigre. Que atenua os efeitos dos que querem torná-lo um circo, como Deyverson, do Atlético-MG, vem tentando. Que consegue manter o seu fascínio mesmo diante da mediocridade da atual seleção brasileira.

Em uma entrevista que vi há pouco, lhe perguntaram se ele, Zico, foi melhor que o Maradona, Messi e Cruyff. Ele disse que não.

Quando a Neymar e Ronaldinho Gaúcho, disse que dava empate. São mais habilidosos e ele era mais objetivo, afirmou. Eles ganham de um lado, eu de outro.

E quando ousaram falar do Rei, nem permitiu tal comparação. Disse que Deus, quando fez um jogador de futebol, lhe concedeu todas as valências. Aos demais, um pouco de cada uma.

Foi modesto. Teve uma exceção. Porque Deus reservou a um deles talento, para o encantar, e lucidez, para não desencantá-lo. E essa exceção tem um nome. Zico.

SE PERDER, É PRECISO RECONHECER E NÃO LAMENTAR

por Zé Roberto Padilha

Essa agonia que o mundo do futebol joga nas costas do Botafogo, de precisar ser campeão, esbarra na falta de reconhecimento da qualidade do adversário que lhe pode roubar o título.

Se o Botafogo, com sua SAF, deixou de lutar para não cair, tentar uma vaga na Sul-Americana e se tornar candidato a buscar conquistas maiores há dois anos, como podemos esquecer do Palmeiras dos últimos anos?

De 2020 pra cá, foram 2 Libertadores (20/21), 4 títulos estaduais (20, 22, 23 e 24), 1 Recopa (22), 1 Supercopa (22) e 1 Brasileiro (22).

Responda rápido: é o Botafogo que não tem sorte ou é o Palmeiras que tem um trabalho consolidado há mais tempo? Seja qual for o campeão brasileiro, melhor reconhecer do que lamentar.

Dói menos.

O DANADINHO

por Elso Venâncio

O locutor Maurício Menezes, o Danadinho, marcou época no rádio esportivo. Criativo, lançou bordões que são lembrados pela galera, como “ao povão Fluzão, o abraço do nosso timaço”; “mas que joguinho gostoso”; “deu um jeitinho e entrou na casa do vizinho”; “lá vai Dedé, na pontinha do pé”. No momento do gol, surgia a marca que o identificava: “Romário, o 11, é danadinho, foi lá e deixou o dele”; “Túlio, o 7, é danadinho, foi lá e deixou o dele”.

O Danadinho se inspirava no mestre Waldir Amaral, que, na Rádio Globo, líder de audiência, usava expressões que o aproximavam dos ouvintes: “deixa comigo”; “o relógio marca”; “tem peixe na rede”; “indivíduo competente o Zico. Deeeez, é a camisa dele”; “Roberto Dinamite tem bala na agulha” (faltas na entrada da área); “estão desfraldadas as bandeiras do Vasco”.

Naquela época, quem não estava nos estádios, acompanhava os jogos pelo Rádio. Afinal, as TV’s não transmitiam futebol ao vivo. O hábito era tão forte que, no Maracanã, era comum ver torcedores colando seus radinhos de pilha no ouvido.

Certo dia, Maurício Menezes procurou Canor Simões Coelho, jornalista que representava o futebol mineiro no Rio. Canor fez contato com Luiz Mendes, “o comentarista da palavra fácil”, que, após ouvir uma narração do Danadinho numa fita cassete, o indicou a José Carlos Araújo. Os famosos Waldir Amaral e Jorge Curi não davam espaço a um jovem destaque. Por isso, José Carlos, terceiro narrador, com 38 anos, trocou a Globo pela Nacional. Nomes consagrados como Washington Rodrigues, Deni Menezes e Luiz Mendes o acompanharam.

Ao observar que José Carlos chamava os amigos e colegas de garotinho, Deni Menezes sugeriu que ele passasse a ser anunciado como o Garotinho José Carlos Araújo, “o que transmite o jogo inteiro”, já que Waldir e Curi se revezavam, cada um transmitindo um tempo.

Em 1978, pouco antes da Copa do Mundo na Argentina, Maurício Menezes chegava para integrar a equipe do Garotinho na Rádio Nacional. Passou a trabalhar, portanto, no histórico Edifício A Noite, na Praça Mauá, construído no final da década de 1920, sendo por muitos anos o maior arranha-céu da América Latina. Em pouco tempo, a equipe do Garotinho começou a se destacar no Ibope. Até Roberto Carlos, o Rei da Música Popular Brasileira gravou uma mensagem alusiva à troca de emissora: “Garotinho, eu também mudei e gostei”.

Cinco anos depois, uma nova revolução no mercado. A outrora poderosa Rádio Globo liberou Waldir Amaral, Jorge Curi, João Saldanha e Kléber Leite. O Garotinho, por sua vez, voltou à Globo com sua vitoriosa equipe, tendo o Danadinho ao seu lado. 

Botafoguense, o hoje advogado Maurício Antônio Menezes está com 76 anos e mora em Juiz de Fora, sua terra natal, tendo se especializado em Direito do Trabalho.

TENHO CERTEZA QUE NOSSOS FÉLIX NÃO ACEITARIAM

por Zé Roberto Padilha

Segundo minhas fontes esportivas, sempre renovadas e reativadas nas minhas idas ao Rio para rever a boleirada — como no último fim de semana, no bar Bigorrilho, no Leblon, durante o lançamento do livro sobre a vida de Doval —, esta é a nova orientação dada aos goleiros.

O mais novo “jeitinho brasileiro” de exportar esperteza e malandragem por meio de seus agentes de marketing.

“Quando vocês realizarem uma grande defesa, caiam e peçam atendimento médico. Assim, em vez de passar uma vez, a televisão vai exibir sua defesa várias vezes, dobrando o número de visualizações em horário nobre!”.

E tem mais: “Se for um frango, uma falha, mesmo que doa, levante rápido. Assim, esquecem disso mais depressa!”.

No tempo em que Dindon jogava no Andaraí, não sei. Mas no tempo em que eu era ponta-esquerda do Fluminense, tenho certeza absoluta de que Félix, Nielsen, Roberto, Jorge Vítorio, Paulo Sérgio, Paulo Goulart e Jairo jamais aceitariam fazer esse triste papel.

Onde pisavam, nem a grama nascia. E saíam para o jogo. Agora, com esses tapetinhos, querem permanecer caídos e atrasar a partida.

Eles nem tinham treinadores de goleiros, quanto mais influencers ou marqueteiros massificando seus feitos e amenizando seus defeitos.

Brazil! Zilda Zil Zil…

SÃO CRISTÓVÃO, OUTRA VEZ

por Paulo-Roberto Andel

Na segunda-feira passada eu tive a agradável surpresa em assistir o amistoso São Cristóvão versus Rússia Sub23 em Figueira de Melo, um acontecimento marcante e que, por parte da imprensa esportiva, foi tratado até com certo deboche inconveniente – se pensassem no vocabulário pernóstico que ostentam, talvez fosse diferente. De toda forma, o amistoso em casa fez do time cadete um assunto nacional.

Neste domingo, mal acordei para trabalhar e ploft: dei com a cara no celular em carregamento. Ainda meio grogue de sono, peguei o smartphone e logo surgiu uma foto espetacular, publicada pelo Marcelão, que faz um trabalho fantástico de valorização dos times do passado nas redes sociais. Quando me dou conta, é ele de novo: o São Cristóvão, posando antes de uma partida válida pela Segunda Divisão carioca no ano de 1986.

Não reconheci o estádio com sua arquibancada deserta, mas a foto indicava a escalação. Ao lado do goleiro Toninho, estavam perfilados em pé Carlão, Índio, Galocha, T. Roma e Palito. Agachados, Romeiro, Tiganá, Peu, Marconi e Helinho.

Ultimamente, o que mais se ouve nas transmissões de futebol é a expressão “jogador histórico”, geralmente atribuída aos craques vencedores, um equívoco porque a história é o conjunto total, não apenas de quem triunfou. A história não se limita às conquistas, há muito mais do que isso. A história é tudo, tudo, e não está amarrada exclusivamente aos super vencedores e protagonistas.

Logo que me tornei um torcedor mirim, aos dez para onze anos de idade, o meu Fluminense aplicou algumas goleadas sobre o querido São Cricri. Mas também perdeu uma por 1 a 0. Nunca mais me esqueci.

O futebol brasileiro terá grandes jogos neste domingo na Série A, como sempre acontece, e também terá dezenas de partidas com pouco ou nenhum público nos quatro cantos do país. Em todas elas, a história deste apaixonante jogo de bola ganhará mais um capítulo, pouco importando se numa arena confortável e economicamente poderosa ou em campos humildes subestimados.

De algum jeito, aquela foto publicada pelo Marcelão, feita há quase quarenta anos, carrega consigo um monte de história, mesmo que nenhum de nós saiba ao certo quais exatamente são. Não importa. Mesmo massacrados pela cartolagem, desprezados pelos veículos de comunicação, às vezes sobrevivendo em condições precaríssimas, os times brasileiros de menor visibilidade e investimento persistem e sobrevivem. Aí está o belo e valoroso São Cristóvão, eterno bicampeão carioca – clube de coração de um dos maiores pesquisadores da história do nosso futebol, Raymundo Quadros – que não nos deixa mentir, seja num inesperado amistoso internacional em Figueira de Melo, seja na simples lembrança de uma postagem no Facebook.

@pauloandel