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CASTILHO, O MAIOR ÍDOLO TRICOLOR, FARIA 90 ANOS

por Suellen Napoleão


São interessantes os desejos que temos ao longo da vida. Ademir de Menezes pedia insistentemente ao seu técnico do clube do colégio, em Recife, que o colocasse no gol. Queria agarrar de qualquer jeito, talvez para forçar o aumento na estatura a que tanto desejava. Carlos José Castilho, goleiro carioca de qualidade performática e técnica exímia, atuava como ponta-esquerda no Rivoli, em Olaria, e o destino de defender as redes de seu clube veio com uma vontade arrebatadora de, um dia, tornar-se um grande “goalkeeper”.

O pai de Ademir, seu Menezes, foi quem levou Castilho, em 1949, ao Fluminense. Era o “Leiteria” prestes a fazer história.

Família Marques de Menezes e família Castilho. Uma união que originou dois dos maiores e inesquecíveis ídolos do futebol brasileiro e, sobretudo, do Maracanã.

Castilho passou no teste de resistência emocional ao defender, num amistoso, a baliza do Rivoli, que foi alcançada nada mais nada menos que meia dúzia de vezes. Para uma estreia, nada mais frustrante. Mas há pessoas, com qualidades dignas dos deuses, que não desanimam diante dos embates e transformam os percalços em oportunidades de vitórias.


O carioca nascido no dia 27 de novembro de 1927 seguiu para os juvenis do Olaria, em 1945, embolsando um ordenado de 400 cruzeiros entre 1 de setembro de 1946 e 30 de setembro de 1947. Não tardou a proposta de negociação com o Fluminense e os cartolas tricolores pagaram 2 mil cruzeiros ao clube da Rua Bariri para contar com o jogador que valeria por um time inteiro.

Estreou no time de aspirantes das Laranjeiras contra o Fluminense, de Pouso Alegre (MG). Ainda em 1947, assumiu a titularidade no lugar de Robertinho.

Em sua primeira Copa do Mundo, em 1950, no gramado do Maracanã, Castilho foi reserva do goleiro vascaíno Barbosa. No Mundial de 1954, na Suíça, foi titular, mas em 1958, na Suécia, e em 1962, no Chile, foi reserva de Gilmar dos Santos.

Ao goleiro tricolor foram atribuídos apelidos alusivos à boa sorte (“Leiteria”, “Leiteiro”) e para os torcedores que vibravam com suas defesas ele era o ” São Castilho”. Colega de concentração da seleção brasileira na Suécia, em 1958, Garrincha desvirtuou a série de apelidos sortudos e, bem-humorado, apelidou Castilho de “Boris Karloff”, ator famoso que protagonizou inúmeros filmes de terror em Hollywood.


Castilho foi o primeiro a estudar como os cobradores batiam pênaltis. A sorte dele, aliada à capacidade técnica e ao aperfeiçoamento profissional constante, rendeu-lhe, como titular, a conquista do Pan-Americano de Santiago, contra o Uruguai, em 1952. Sofreu 28 gols em 29 partidas pela seleção.

A sina de contundir pela quinta vez o dedo mindinho da mão esquerda, em 1957, não abalou o goleiro. Ao saber que o tratamento o deixaria dois meses “de molho”, Castilho não pensou duas vezes. Optou pela alternativa que o permitiria voltar aos gramados em apenas duas semanas: a amputação do dedo. “Estudaram o caso e resolveram que um enxerto ou correção do eixo seriam medidas aconselháveis. O fato concreto é que, no meu entendimento, meu dedo continuaria imóvel, e isso me roubava a autoconfiança”, disparou o “Leiteria”.

Contrariando o médico das Laranjeiras que o operou e que o chamou de louco pela decisão, Newton Paes Barreto, e a própria esposa, Castilho comprovou que a sorte andava mesmo ao seu lado. A operação deu certo e, depois disso, conquistou o Bicampeonato Mundial.


As inúmeras contusões no dedo, no nariz, no maxilar e no joelho nunca fizeram de Castilho um derrotado. Isso sem falar no daltonismo que o fazia enxergar as bolas sempre com a cor vermelha. Para o próprio Castilho, o daltonismo seria decisivo (sic) para que fosse tão bom embaixo das traves, embora o problema se acentuasse em jogos noturnos.

Treinava incansavelmente e deu a maior prova de amor que um jogador pode dar a seu clube. Dedicou-se ao Fluminense de corpo, alma e sangue, e no dia 20 de outubro de 2006, ano em que o jogador completaria 60 anos de sua estreia, recebeu da diretoria tricolor um presente digno de sua grandeza de espírito. Um busto de Castilho foi erguido na sede do Clube, com uma placa que diz o seguinte: “Suar a camisa, derramar lágrimas e dar o sangue pelo Fluminense, muitos já fizeram. Sacrificar um pedaço do próprio corpo por amor ao Tricolor, somente um: Castilho.”

Arrebatou os campeonatos cariocas de 1951, 59 e 64 e o torneio Rio-São Paulo de 1957 e 60. Em 1952, conquistou a Taça Rio, organizada no Rio de Janeiro, mas sem o reconhecimento oficial da Fifa. Castilho defendeu ainda o Paysandu, em 1965, quando consagrou-se campeão estadual.

Seguiu em sua trajetória no futebol, treinando o próprio Paysandu, onde conquistou o campeonato paraense em 1967 e 69. Comandou também o Operário do Mato Grosso do Sul e à frente do Santos foi campeão paulista, em 1984. O mesmo Santos que um dia o quis goleiro na Vila Belmiro. Mas não teve conversa. O cartola tricolor Dilson Guedes encerrou: “Castilho é absolutamente inegociável”.

O hércules dos campos não mostrou-se tão forte diante de uma depressão que o levou ao suicídio, quando pulou da cobertura do prédio de sua esposa, em Bonsucesso, no Rio, em 2 de fevereiro de 1987. Nessa época, Castilho comandava a seleção da Arábia Saudita.

Uma frase do filósofo Friedrich Nietzsche define a vida de Castilho, que superou a amputação de uma parte do corpo em prol de seu trabalho digno e fiel: “O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte”.

***

Esta linda narrativa sobre Castilho, que faria 90 anos nesta segunda-feira (27), foi escrita pela jornalista e atriz Suellen Napoleão, minha companheira de jornada e meu grande amor. Tricolor desde tempos imemoriais, Suellen tem Castilho como seu grande ídolo e se dispôs a ajudar-me em um antigo projeto editorial, que não foi publicado, mas que está pronto desde 2010, quando o Estádio do Maracanã completou 60 anos. A obra contaria a vida dos maiores monstros sagrados que pisaram no gramado do “maior estádio do mundo” desde a Copa do Mundo de 1950 e citaria os jogos em que os craques brilharam mais intensamente.

Suellen Napoleão é autora do livro “O JORNALISTA GILBERTO FREYRE: A FUSÃO ENTRE A LITERATURA E A IMPRENSA”, Editora Luminária Academia, de 2015.

FEIJOADA DO MUSEU

Foi do jeito que a gente mais gosta: amigos, pelada, feijoada e resenha! Mesmo com a previsão de chuva, foi lindo ver todos vocês na festa de dois anos do Museu da Pelada, no Caldeirão do Albertão, no Grajaú.

Teve craque campeão do mundo, músico, ídolos do futebol de areia, do salão, peladeiros, ou seja, teve de tudo. Uma resenha plural e democrática que fez do nosso domingo inesquecível.

Com a colaboração de amigos vamos equipando escolinhas de futebol e seguimos na luta para salvar acervar pessoais e ajudar ex-jogadores que já nos deram muitas alegria e, hoje em dia, não têm o merecido reconhecimento.


A corrente dos amigos é mais forte do qualquer lei!!!! O Museu nos dá essa disposição!!!! Ele une, agrega e emociona!

Como diz o capitão Sergio Pugliese: “A rapaziada é uma só, a intenção é uma só, estarmos juntos, sempre, abrindo portas para quem precisa e celebrando a vida em nossas resenhas memoráveis”.

Aos que não puderam comparecer, ano que vem tem mais. É só o começo de uma longa caminhada que temos pela frente junto com vocês!

 

A PELADA ORIGINAL

por André Felipe de Lima


O jornalista Paulo Varzea — antes mesmo de Tomás Mazzoni, o “Olimpicus” — identificara (ou especulara?) que o futebol no Brasil surgira antes de 1895, quando rolou oficialmente, e sob regras primevas, a primeira partida de futebol organizada por Charles Miller, o aniversariante do dia. Assim escreveu Varzea no jornal Gazeta Esportiva, em maio de 1942: “O futebol teria sido exibido na Argentina e no Brasil por volta de 1864, por marinheiros dos barcos mercantes e de guerra estrangeiros, particularmente ingleses. Na Argentina, porém, sua verdadeira prática pelos nacionais data de 1865, entre os sócios do B. Aires Cricket Club, sendo que no Uruguai apareceu por volta de 1880, entre os marinheiros, ali por Punta Carreta. Mas só passou a ser divulgado entre os orientais e argentinos depois que se divulgou nas escolas, por iniciativa de Watson Hutton, na Argentina, e Henry Castle, no Uruguai. No Brasil foi trazido também pelos marujos britânicos, que efetuaram as suas primeiras práticas nos capinzais desertos do litoral norte e sul do país, nos tempos coloniais, do fim do Império e da guerra do Paraguai”.

Varzea — como o cita Mazzoni no célebre “História do futebol no Brasil”, de 1950 — afirmara, com base em jornais da época, que em 1874 a praia da Glória, no Rio, abrigara uma empolgante pelada de marujos ingleses. Houve outra registrada em 1878, quando os marinheiros do navio Criméia se esbaldaram num capinzal entre as ruas Paissandu e a antiga Roso em frente ao antigo palácio em que morava a Princesa Isabel e hoje é conhecido como Palácio da Guanabara, “casa” dos governadores do estado. Pena os marinheiros terem levado o futebol de volta com eles no navio. Mas a alma do novo esporte bretão permanecera no local. Tanto é verdade que ali, naquele território, divisa entre os bairros do Flamengo e das Laranjeiras, brotaria futebol pela primeira vez em solo carioca poucos anos após a pelada dos marujos ingleses.


Entre 1875 e 76, segundo Varzea e Mazzoni, um tal “Mr. John” organizara uma pelada no mesmo local em que seria realizada a “pelada” de 1878. O britânico mobilizou vários funcionários (ingleses e brasileiros) das companhias de navegação inglesas, de bancos, docas, cabos submarinos e da The Leopoldina Railway Company, a ferropvia carioca.

Salomão Scliar e Marco Aurélio de Oliveira Ribeiro Cattani, dois pesquisadores do futebol brasileiro, lançaram, em 1968, e em quatro volumes, a obra a “História Ilustrada do Futebol Brasileiro”. Nela, eles narram que marujos ingleses e holandeses promoveram peladas com a população nativa. Isso em 1878. Não se sabe ao certo em que parte do litoral nordestino as tais peladas aconteceram.

Em São Paulo teria acontecido um pouco antes. Testemunhas oculares da história contaram ao Varzea que as primeiras peladas em território paulista ocorreram entre 1872 e 73 no Colégio S. Luiz, de Itu. Não teria sido propriamente, como descrevera Varzea, uma pelada como a dos marujos no Rio. Na verdade, um padre professor vivia chutando um balão contra o muro, igualmente ao que os jovens ingleses faziam no tradicional Eton College, na Inglaterra.

Varzea era um farejador de informações. Ótimo repórter. Um dos melhores cronistas eportivos de seu tempo. O cara descobriu também, e Mazzoni endossou o fato em sua obra, que houve outro indício de que o futebol já era praticado por aqui antes de 1894. O episódio foi registrado em 1882, em Jundiaí, quando um camarada conhecido como “Mr. Hugh” promoveu uma pelada entre brasileiros e ingleses, todos operários da antiga The São Paulo Railway Company, a ferrovia paulista.


Eis, portanto, fatos (ou seriam lendas peladeiras?) que marcaram a chegada do futebol Brasil. É possível que todas essas peladas, inclusive ocorridas em estados do Norte, do Nordeste e do Sul, tenham realmente acontecido. Mas a bola rolou oficialmente, com base nas regras trazidas da Inglaterra por Miller, em 1895. Mas, parafraseando o “profeta” Nelson Rodrigues, “estava escrito há mil anos” que o futebol brasileiro nasceria no cabalístico 1895. E isso graças ao Miller.

Segundo filho do escocês John Miller, engenheiro transferido para o Brasil para a São Paulo Railway Company, e da brasileira descendente de ingleses Carlota Alexandra Fox, e sócio do São Paulo Athletic Club [SPAC]), Charles Miller foi estudar, em 1884, na Bannister Court School, em Southampton, na Inglaterra. Esse menino tinha nove anos e chamava-se Charles William Miller. O velho John Miller enviou para terra da rainha o garoto, o irmão mais velho dele, John, e o primo de ambos, William Fox Rule. Os três desembarcaram em Southampton no dia 29 de julho.

Charles chegou a defender o selecionado de seu condado, o Hampshire. Disputou jogos contra o Corinthians F.C., que mais tarde viria ao Brasil e inspiraria jovens para a criação da versão paulistana do time inglês, e defendeu o St.Mary’s, que mudaria de nome, tempos depois, para Southampton F.C.. Aos 17 anos, destacava-se na escola, mas com a bola e com o críquete. Chegou a enfrentar o time do Exército da Divisão de Aldershot. Perdeu o jogo [3 a 1], mas foi o autor do gol do St. Mary’s.


Charles Miller com a bola

Na temporada de 1893-94, Charles Miller disputou 34 jogos pela Banister School, marcando 51 gols, com a média de 1,59. Na edição de Natal da revista da escola em que estudava, foi publicado o seguinte comentário: “Charles W. Miller é o nosso melhor atacante. Seu drible é como uma fagulha e seu chute, devastador. Poderia ser mais esforçado, mas, mesmo assim, trata-se de um goleador incorrigível”. Sempre atuando como left-winger, ou simplesmente ponta-esquerda.

Pelo St. Mary’s, Charles disputou 13 partidas e fez três gols, pelo Condado de Hampshire marcou o mesmo número de gols só que em seis partidas.
Retornou ao Brasil em 18 de fevereiro de 1894, com um par de bolas de capão e um livro de regras do association football, que conheceu por aquelas bandas frias, no colégio em que estudava.

A rapaziada, a maioria inglesa, da The Gaz Co. (fornecedora de gás da capital), da São Paulo Railway Company [SPR] e do London Bank, organizaram uma peleja em 14 de abril de 1895 na Várzea do Gasômetro, na Chácara Dulley, situada entre os bairros da Luz e do Bom Retiro. O jogo colocou frente a frente o time da SPR e o da The Gaz Co. A primeira partida (em tese) oficial disputada no Brasil terminou 4 a 2 para a SPR, com dois gols de Charles Miller. O SPAC foi depois o primeiro tricampeão da Liga Paulista de Futebol, fundada em 19 de dezembro de 1901, vencendo os certames de 1902, 03 e 04. Charles Miller foi artilheiro em 1902, com 10 gols, e em 1904, com nove.

O alemão Hans Nobiling, que tinha uma enorme paixão pelo futebol, foi um grande incentivador do esporte bretão, ao lado de Charles Miller. Nobiling chegou de Hamburgo, no dia 13 de fevereiro de 1896. Trouxe na maleta uma bola e os estatutos da Deutschland S. V..


Em 1898, os estudantes do Mackenzie College fundaram a Associação Atlética Mackenzie College e, no ano seguinte, a colônia alemã, com Nobiling a frente, fundou o Germânia [atual E.C.Pinheiros].

Charles Miller e Oscar Cox, que havia voltado da Suíça para o Rio de Janeiro, organizaram os primeiros jogos entre Rio e São Paulo. Em 1º de agosto de 1901, no campo do Rio Cricket, brasileiros enfrentaram membros da colônia inglesa. Apenas 15 pessoas presenciaram a partida.

Cox trocava cartas com Renê Vanorden, um dos fundadores do Sport Club Internacional de São Paulo, Charles Miller e Antonio Casemiro da Costa, este fundador e primeiro presidente da Liga Paulista de Foot-Ball, no dia 14 de dezembro de 1901, na Rua São Bento, nº 3, sala 1, no centro paulistano. Cox queria agendar o primeiro jogo “pra valer” entre cariocas e paulistas, sem a escalação de ingleses. E o primeiro confronto aconteceu em 19 de outubro de 1901, no campo do São Paulo Athletic Club.

Engana-se, contudo, quem pensa que os primeiros jogadores de futebol eram tratados com regalias. Cox estava sem dinheiro para levar a moçada do Rio para o “match” em São Paulo. Pediu à companhia do trem cortesia para as passagens de todos ou, no mínimo, um desconto. Recebeu um sonoro não para os dois pedidos e teve de ouvir do representante da Estrada de Ferro que o trem não era local para passeio de “malandros” e “desocupados”.

Mas Cox conseguiu — não se sabe como — embarcar os jovens pioneiros da bola.


O primeiro e o segundo jogo terminaram empatados, em 1 a 1 e 2 a 2, respectivamente. Logo após o “match” derradeiro, os paulistas ofereceram um banquete na Rotisserie Sport. Oscar Cox e Charles Miller falaram a todos os jogadores sobre a importância da alvorada do futebol no Brasil.

A imprensa acompanhou a jornada dos altivos jovens futebolistas.

O Jornal do Brasil, de 21 de outubro, anunciava que “O match de foot-ball ficou empatado novamente, sem que nenhum dos lados fizesse ponto algum” e o jornal O Comercio, do dia 17, que “No sábado à tarde, 19, e no domingo de manhã, se realizarão dois matchs nesta cidade, entre rapazes dos clubes daqui e os do Rio, que para esse fim vieram a esta capital especialmente […] Esta é a primeira vez no Brasil que se joga um match deste interessante sport entre dois Estados, e se acrescentarmos que são brasileiros os rapazes que, na maior parte, vem do Rio disputar o campeonato Brasil-1901, há um justo motivo de nos regozijarmos, porque finalmente a nossa gente começa a se dedicar com afinco a estes utilíssimos exercícios, cujos benefícios para nossa futura geração, se hão de patentear na sua robusta physica, condição essencial em todos os ramos do labor humano. Aos nossos leitores, que aconselhamos não perderem um minuto deste interessante encontro, prometemos todos os pormenores que se possa guiar e conduzir nessa curiosa prova de foot Ball.”

Miller amava o futebol, mas era, antes de tudo, um exemplo de desportista. Na Inglaterra, jogou críquete, rúgbi, tênis e futebol. Foi fundador da Associação Paulista de Tênis. Quando abandonou a carreira futebolística, tornou-se árbitro e dirigente esportivo.

O inventor da “charles” ou “chaleira”, jogada em que o jogador passa bola por trás do pé, tocando-a de calcanhar, nasceu no dia 24 de novembro de 1874, no bairro paulistano do Brás, na rua Monsenhor Andrade. Nos dias que antecederam o jogo entre cariocas e paulistanos, em 1901, procurou insistentemente os jornais de São Paulo para que anunciassem o marco esportivo que aquela partida representaria para o País. Ouviu o seguinte da maioria dos redatores: “Não nos interessa semelhante assunto!”. À Gazeta Esportiva de 1944, ele comentou: “E hoje em dia como é diferente…”

Se há um “pai” da bola no futebol brasileiro, este é Charles Miller.

CHAMPIONS LIGAY

A equipe do Museu da Pelada marcou presença no animado sorteio dos grupos da 1ª edição da Champions Ligay, o inédito Campeonato Brasileiro de Futebol Gay, que acontece amanhã, no Complexo Esportivo Rio Sport Center, na Barra da Tijuca. Quem nos ajudou a contar essa história foi Bárvarah Pah, a mestre de cerimônia e nossa repórter por um dia.


Tudo começou em maio deste ano com uma pelada no Só 5 – Futebol Sem Parar, em Botafogo. A cada semana, o grupo dobrava e o organizador André Machado, do BeesCats, viu que era a hora de promover um torneio.

– O nosso grupo é bem heterogêneo e o mais importante é o respeito que temos um pelo outro. Tem um pessoal que não gosta de jogar, mas está sempre aqui assistindo. É proibido brigar – explicou o “capitão” André Machado. 

Com o intuito de quebrar preconceitos e mostrar que não há distinção para a prática do esporte mais popular do Brasil, a competição vai das 13h às 19h e vai reunir oito times de diferentes cidades: Beescats e Alligaytors (RJ), Futeboys e Unicorns (SP), Bharbixas (BH), Bravus (DF), Magia (RS) e Sereyos (SC). A expectativa é que 600 pessoas compareçam ao torneio e assistam ao campeonato.


Vale destacar que depois das partidas haverá uma premiação e os organizadores vão promover uma grande festa, a partir das 20h, com direito a show do grupo Candybloco, praça de alimentação, pista de dança, performances musicais de drag queens, DJs, entre outras atrações.

O ingresso para a festa de encerramento custa R$ 30,00 e deve ser adquirido pelo site https://goo.gl/tV1NVM ou pelo telefone e Whatsapp (21) 99801-2211. 

– Apesar de ser um campeonato de futebol envolvendo times gays, o evento é para todos, sem distinção! – ressaltou André Machado.

SERVIÇO

Champions LiGay – 1ª Edição

Quando: 25 de novembro de 2017


Horário: Campeonato das 13h às 19h. Festa das 19h à 1h

Onde: Rio Sport – Av. Ayrton Senna, 2541 – Barra da Tijuca, Rio de Janeiro

Ingressos: Gratuita entrada para o campeonato das 12 hs às 19hs. 
Festa de encerramento: a partir das 20 hs, valor inicial de R$30,00 (1º lote). R$40,00 (2º lote) e R$50,00 (no dia)

Redes sociais: @ligaybr e https://www.facebook.com/events/114852155891744/?ti=cl

 

GEOVANI E ADÍLIO

por Rubens Lemos


Quando o tema é meio-campo, nem pensar em meio-termo. Os retranqueiros do Brasil assassinaram o sarau literário de um time de futebol. A estrada por onde enchemos os olhos do mundo com luminosos craques e arquitetos, planejadores e cérebros de uma partida de futebol.

Me causa tanto desânimo o futebol patropi que voltei ao redemoinho dos anos 1980. Da minha década. Do meu tempo. Do brilho dos jogos a cada trama de categoria e talento criativo. Fixei minha saudade em dois exemplares preciosos do dom de fazer feliz um amante da arte sepultada: Geovani, camisa 8 do Vasco, Adílio, camisa 8 do Flamengo.

Geovani e Adílio nunca disputaram Copas do Mundo. São dois injustiçados incríveis. Geovani poderia ter ido em 1986 e em seu lugar jogou Alemão. Geovani seria o titular mais aclamado em 1990, na insossa equipe de Sebastião Lazaroni e não viajou para a Itália. Alemão novamente, com Tita aos pedaços na reserva, foram convocados.


Adílio surgiu com a morte de outro solista, Geraldo Assobiador, de choque anafilático em operação para retirada de amígdalas. Adílio, juvenil nascido na Cruzada São Sebastião, conjunto de apartamentos para pobres, criado por Dom Hélder Câmara em plena área nobre do Rio de Janeiro, foi o companheiro perfeito de Zico.

Adílio de Oliveira Gonçalves era o típico carioca de morro. Negro, pernas arqueadas, andar gingado, malabarista com a bola. Criava no meio-campo e, se o treinador quisesse, driblava até a sombra de Nelson Rodrigues, deslocado para a ponta-esquerda. Teria vaga em 1978, seguiram Chicão e Batista, em 1982, na vaga de Renato Pé-Murcho, do São Paulo. Adílio jogou uma só partida pela seleção brasileira, em março de 1982 e foi excepcional diante de 150.289 pagantes.

Deu o passe medido para Júnior fazer o gol da vitória de 1×0 sobre a Alemanha Ocidental. É ela sim, a Alemanha que hoje põe na roda os pernas-de-pau de camisa amarela. Recebeu nota 10 da imprensa e Telê Santana o preteriu. Adílio também tinha vaga em 1986, Copa do Mundo em que foram passear Valdo e o falecido Edivaldo.


Geovani ganhou o Mundial de Juniores de 1983 pela seleção brasileira sub-20. Foi artilheiro e melhor jogador. Nasceu no tempo errado. Deveria ter surgido antes. A síndrome dos brucutus se alastrava e o seu estilo elegante, cadenciado, imperial na armação de jogadas era considerado lento e em desuso.

Geovani foi o jogador que conquistou o maior número de títulos cariocas pelo Vasco juntamente com Roberto Dinamite: Foram cinco, todos vencendo ao Flamengo. Geovani foi o melhor jogador das Olimpíadas de Seul em 1988. Tomou um cartão amarelo na semifinal contra a Alemanha (coincidência lamentável) e o Brasil perdeu a final contra a URSS. Neto ocupou o seu lugar e nada fez.

O capixaba Geovani foi o melhor jogador da América do Sul em 1988 e em 1989, venceu a Copa América pela seleção de Lazaroni, já na reserva, vítima do esquema de cinco zagueiros e menos um inteligente no meio e sobrou da lista porque Lazaroni tinha um compromisso de camaradagem com o seu “compadre” Tita.


Nos jogos entre Vasco e Flamengo na década de 1980, Geovani e Adílio coadjuvavam, ainda que tão brilhantes quanto às estrelas. A Geovani, Romário deve muitos dos seus gols, recebendo livre na área lançamentos de 40 metros, fita métrica na chuteira do Pequeno Príncipe, assim batizado o regente cruzmaltino.

Adílio destruía adversários quando Zico era anulado por três marcadores. Até dois ele resolvia fácil, fácil. Adílio, tendo mais atrás Andrade, ritmava o sensacional Flamengo campeão da Libertadores e do Mundial Interclubes de 1981.

Geovani e Adílio se respeitavam. Geovani, embora mais novo, aparentava a maturidade de um Gerson, mais toque e passes longos do que rapidez. Raciocínio genial na antevisão dos lances. Adílio, manhoso, balançava o corpo e se sobrepunha a qualquer marcador, desnorteado com tanta beleza afro-carioca.

Geovani e Adílio, observando emocionado o velho jogo – tenho muitos no acervo para me encantar mais adiante , pouco se encontravam, nunca trombavam um no outro. Eram clássicos, sutis, desconcertantes. Eles pensavam, traziam do ventre de suas mães, a intelectualidade boleira que desapareceu para sempre.

Geovani e Adílio jogavam num tempo de sábios: Havia Sócrates, Pita, Zenon, Delei, Silas, Mário Sérgio em fase vinho puro, Raí começando. Sobravam virtudes.

Lamentáveis do baixo nível atual, naquele tempo, com muito esforço, disputariam a quarta divisão de Ariquemes em Rondônia. Meninos de hoje, se vocês tivessem visto Geovani e Adílio, falar em Renato Augusto, Lucas Lima, seria blasfêmia. Penso em Geovani e Adílio. Com saudade e revanche.