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O CICLO CHINÊS

por Idel Halfen

Quando vimos o futebol árabe iniciar sua política de investir fortemente na contratação de expoentes do futebol mundial, certamente nos lembramos do futebol chinês que passou por um movimento similar na década passada.

Sob a influência do presidente Xi Jinping e dos Jogos Olímpicos realizados em Beijing em 2008, o governo da China resolveu apostar no desenvolvimento do futebol e para isso elaborou um planejamento visando se tornar uma potência até 2050.

Os chineses projetaram criar 50 mil escolas de futebol no intervalo de dez anos, porém, não se atentaram para uma questão: como fazer com que mais crianças se envolvessem como praticantes e não apenas como torcedores, afinal, o futebol não faz parte da cultura do país. Não vamos entrar aqui nos problemas relacionados à má gestão e corrupção.

Paralelamente, algumas academias privadas foram criadas, valendo destacar a do Guangzhou com 50 campos de futebol, construída em dez meses ao custo de £ 140 milhões.

Resolvidos os problemas estruturais, faltava convencer os pais de que o futebol poderia proporcionar um bom futuro para os filhos, para isso as academias operaram em formato de internato, propiciando também educação, o que remetia de alguma forma ao modelo norte-americano.

Como parte do processo de fomento, grandes corporações, principalmente as do setor de real estate, compraram equipes, visando, entre outros objetivos, estreitarem o relacionamento com o governo.

Diante dessa maior capacidade de investimentos, contratações caríssimas foram feitas, atraindo tanto técnicos como jogadores, ainda que parte destes estivessem no ciclo final de suas carreiras, como foi o caso do argentino Tevez. Posteriormente, num movimento parecido com o da MLS, a liga chinesa passou a atrair profissionais desejados pelas grandes equipes do mundo, Hulk, por exemplo, custou £ 48 milhões, já o Oscar, com 25 anos, foi adquirido por £ 60 milhões. 

A presença de público nos estádios chineses, que era de 10 mil pessoas em 2006, cresceu para 24 mil em 2018, uma média muito boa, superior aos campeonatos português e holandês, por exemplo. Os direitos de TV, que em 2015 foram comercializados por £ 6 milhões, chegaram a £ 195 milhões anuais no contrato assinado em 2016 com a duração de cinco anos.

Apesar dos expressivos números, a seleção local – vetor importante para solidificação da modalidade -, não conseguia deslanchar mesmo com a naturalização de alguns jogadores, o que levou a associação chinesa de futebol (CFA) a adotar medidas que restringiram o número de estrangeiros, inclusive taxando em 100% a contratação deles cujos valores fossem superiores a £ 5 milhões. Além dessa iniciativa, incentivavam a utilização de jogadores locais com idade inferior a 23 anos e instruíram os clubes a adotarem um teto salarial para as novas contratações.

Como consequência dessas medidas, a audiência baixou a níveis que levaram os valores dos direitos de transmissão à casa dos £ 8 milhões por temporada em 2021, uma queda de 95,8%.

Mas não parou por aí, a CFA determinou ainda que os clubes não poderiam mais ostentar o nome do seu patrocinador, ou seja, de uma hora para outra o Guangzhou Evergrande se tornou o Guangzhou FC, por exemplo. Tal fato, evidentemente, afastou os patrocinadores que também sofriam com o efeito da pandemia, visto que o segmento de real estate foi um dos mais atingidos, o que fez com que as dívidas se avolumassem, contratos com jogadores foram rescindidos e muitos times fossem descontinuados.

Tentei ser bem sucinto no artigo, mas recomendo aos que gostam e acompanham gestão esportiva pesquisarem e lerem sobre todo o ciclo chinês.

As lições que podem ser extraídas são ricas, mas para finalizar vou assinalar duas situações que podem ser derivadas para inúmeras situações.

1 – O esporte, de forma geral, precisa ser visto de forma macro, para daí trabalhar todas as componentes, sendo que a dependência entre elas jamais deve ser desprezada. Um campeonato forte, não necessariamente redunda numa seleção forte, sendo que essa tem bastante importância para a atração de praticantes, fãs e, consequentemente, para a sustentabilidade da modalidade.

2 – Sem o correto entendimento dos benefícios do esporte como ferramental de marketing, a atração de patrocínios ficará dependente à mera exposição da marca ou de interesses políticos. No primeiro caso, passam a ter os veículos de comunicação como concorrentes e no segundo ficam à mercê da conjuntura política.

APREENSIVO

por Elso Venâncio

O semblante fechado do técnico Dorival Júnior na beira do campo reflete o atual momento da Seleção Brasileira. Rafinha, Vinicius Júnior e Rodrygo são astros mundiais e titulares em qualquer time ou seleção do planeta, assim como Neymar, ainda fora por lesão. Mas, falta ao Brasil confiança, que só se constrói com um esquema de jogo definido. Por isso os craques em questão são decisivos nas equipes, mas não na Seleção. Ainda temos Endrick, principal goleador no início da era Dorival. Uma recente postagem nas redes sociais de Cíntia Souza, mãe do atacante, indica problemas do filho com a comissão técnica. Ela fala de forma enigmática em “dias difíceis”. A história de esquentar o banco para Matheus Cunha, por ter 11 centímetros a menos, é ridícula.

Sob comando de Raphinha, que pode resgatar a importância do camisa 10 no futebol brasileiro, a Seleção começou bem contra a Colômbia. Mas surgiu o apagão e, com ele, o gol do empate. No segundo tempo, os colombianos foram melhores, ainda que Vinicius Júnior tenha garantido a vitória brasileira nos acréscimos.

O código de ética da CBF permite que pai e filho trabalhem juntos? Sim, o auxiliar do Dorival é Lucas Silvestre. Os dois estão lado a lado há 10 anos. Aliás, o gaúcho Tite já teve o seu primogênito, Matheus Bachi, como assistente em duas Copas. Segundo Tite, ele é quem cuida do setor defensivo nos seus times.

Voltando a Dorival, é natural que esteja apreensivo, pois a Copa do Mundo já é ano que vem. Por mais que tenha subido da quinta para a terceira colocação nas Eliminatórias, a Seleção continua travada, sem conseguir convencer mesmo nas vitórias.

No futebol, é fundamental ter esquema e time definidos. Basta lembrar o que fez João Saldanha, em 1969, quando assumiu a Seleção Brasileira. Logo na primeira coletiva veio a pergunta: “Você já pensou em quem convocar para as Eliminatórias?”. O “João sem medo” tirou do bolso da calça um papel amassado, colocou os óculos e apontou o dedo para os jornalistas:

— Anotem aí os titulares! Félix; Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo; Piazza e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. Quero 11 feras em campo!

Assim nasceu a equipe imortalizada como “As Feras do João”, abrindo o caminho para a conquista do tricampeonato mundial, México, em 1970.

Vamos agora enfrentar a Argentina, nosso maior rival. Você apostaria no Brasil?

CARTA ABERTA A MÁRIO BITTENCOURT

por Zé Roberto Padilha

Caro Presidente. Bom dia.

Sei que não foi formado nas divisões de base do clube, muito menos teve como mestres Zezé Moreira, Píndaro, Pinheiro e Telê Santana. Desse jeito, fica mesmo difícil explicar o que é ver crescer, dentro de você, o amor pelo Fluminense.

Eu, e minha geração, com Abel, Nielsen, Rubens Galaxe, Cleber, Pintinho, Edinho chegamos ao clube aos 16 anos. E o deixamos com 24 anos. Percorremos cada vestiário, bar do Fidelis, cantinho do Ximbica e Salão Nobre, com vitrais franceses.

Mais do que títulos, nos formamos em dignidade, respeito ao clube, aos adversários e à profissão. Jamais fomos expulsos de campo porque fidalguia e gentileza caía na prova. Além de jogadores, nosso clube formava homens. Cidadãos do bem.

Esse legado, de Preguinho, Valdo e Denilson, de tão nobre, não encontrou ainda uma palavra que explique a você, presidente, o que é, de fato, ser Fluminense.

Por ter essa essência estampada na alma, não nas bets, no balanço e distribuição de lucros, como na Petrobras, é que se torna impossível, acredite, ao Fluminense se tornar um clube empresa.

O nosso lucro sempre foi buscado durante os 90 minutos. Não na venda de um Luiz Henrique e Almada, porque Textor corre atrás de lucros. E joga no lixo e descarta um time quase imbatível. Entrosado. E entrosamento vem com o tempo, dentro de campo. Não na Bovespa.

Definitivamente, pergunte ao Pedrinho, SAF combina com RedBull Bragantino. É o produto à frente do clube. De clubes que se unem e trocam mercadorias, não jogadores. E formam atletas frios e calculistas que passam a beijar a logo, não ao escudo.

Caro Presidente, esqueça a SAF. Dê uma volta na sala de troféus e veja o quanto minha geração conquistou, por amor ao clube e respeito a nossa camisa. E por aí deixaram suor e levaram gratidão e saudades de volta.

O ser Fluminense transcende o ser lucrativo que toda empresa busca. Ele vai além porque carrega a paixão, a tradição pelas ruas, cidades e arquibancadas por todo o nosso país. Tente, hoje, ser diferente. No lugar de ir ao seu gabinete encontrar investidores, vista nossa camisa e dê uma volta correndo em torno do campo.

Jamais vai sentir a emoção que senti quando Rivelino, no final da prorrogação, soltou uma bomba, venceu o País, e conquistamos a, então, cobiçada Taça Guanabara sobre o América. Há 50 anos, com a Máquina Tricolor.

Mas você vai perceber um vazio. Um silêncio danado à sua volta. Porque do cofre de uma SAF só sai dividendos. Porque da torcida, única e envolta pelo pó-de-arroz, historicamente só sai amor ao clube.

Uma pena que você, que não recebeu essa energia dentro de campo, continue a pensar que ações poderão substituir essa bonita e inexplicável paixão. Entender o que Francisco Horta percebeu mais do que você.

Vencer ou vencer, não render ou render.

NOVA CARTA AO TORCEDOR VETERANO

por Cláudio Lovato Filho

Passa o tempo, você envelhece, mas a emoção continua.

Ainda que alguns de nós digamos que não, que já foi bem melhor, que no nosso tempo que era bom etc etc etc.

Sempre vai ser bom.

E, mesmo que quisesse, você não conseguiria viver sem isso.

A loucura pela camiseta, pelo escudo, pela bandeira nunca morre.

Nunca vai morrer.

Isso é coisa que vem de longe, da infância; vem de antes mesmo de termos nascido.

Está no sangue, na alma, nos dedos cruzados, no soco no ar, no palavrão impossível de segurar.

Está na pele e chega até os ossos, aos nervos, ao centro da existência.

É assim mesmo: ainda hoje, depois de todas essas décadas, você acorda pensando no jogo, no clássico que não se pode perder de jeito nenhum.

E, quando percebe, já está nervoso e não consegue pensar em outra coisa.

A chegada ao estádio, a subida da rampa, as luzes, o canto da torcida, o coração batendo como um bumbo.

Ou então no recolhimento do lar, que se transforma em estádio; a poltrona que vira arquibancada; o coração saltando para dentro da TV; o xingamento em altos brados, como se o juiz pudesse ouvi-lo (e o vizinho que se estrepe!). 

É, meu amigo, eu sei e todo mundo sabe: mesmo que quisesse você não conseguiria viver sem isso.

Porque está na sua essência. Não é que esteja em você; é você.

É você.

A você, meu amigo, faço novamente a pergunta de Neruda (já sabedor da resposta, é claro):

“Onde está o menino que fui

Segue dentro de mim

Ou se foi?”

(A primeira carta, escrita em 2019.)

ECOS DE UMA DESPEDIDA

por Zé Roberto Padilha

Sou festeiro, vocês sabem, durante meus 21 anos como diretor à frente do CAER o que não faltou foram Bailes à Fantasia, Gincanas, de aniversários, shows da nossa gloriosa MPB. Fora os desfiles do Bloco da Barão no nascedouro de cada ano novo.

E para meu jogo de despedida do futebol não faria diferente. Convidei Zico e Rivellino para a partida, os dois maiores craques com quem joguei.

Zico, agenda cheia, disse que só tinha data um ano depois. Que dia e mês do ano que vem? Perguntei. E ele veio com o Master do Flamengo, completinho. E Rivellino, a quem dei todo um ano para se organizar, jogou ao meu lado e dos atletas que atuaram em Três Rios.

Foi uma festa incrível, em dezembro de 1997, com recorde de público no Estádio Odair Gama. E o Master do Flamengo, com Andrade, Adilio, Zico e Junior, com Cláudio Adão e Júlio César mais à frente, meteu 5×0. Só no primeiro tempo.

No intervalo, Rivellino, que jamais soube perder, estava irritado. Quando me aproximei, desabafou: “Zé, que time é esse que você convocou?”. “São meus amigos aqui de Três Rios!”, respondi.

Antes de embarcar rumo ao aeroporto, João Botão, meu primo saudoso e querido o levou, mas antes levei um puxão de orelhas : “Amigos a gente leva para o botequim. Para o campo, quem sabe jogar!”.

O pior é que meus amigos sabiam jogar, mas contra o Campeão Mundial de Clubes, completinho, foi impossível.

Como nunca mais vi o bigode, digo, Príncipe das Laranjeiras, essa frase ficou martelando na minha consciência.

E a partida terminou 9×0. Ainda bem que a esta altura da goleada, reforçados de Elói, Paulinho Carioca e Caio Cambalhota, ele estava no voo da Ponte Aérea, bem longe do Estadio Odair Gama.

Depois, só restou-me, ao lado dos meus goleados amigos, aceitar seu conselho. E sair em busca de um botequim.