UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 44
por Eduardo Lamas Neiva
Após todo mundo, especialmente Didi e dona Guiomar, se divertirem com “O nosso dia chegou”, João Sem Medo retoma a pelota.
João Sem Medo: – É bom que o brasileiro saiba que a Europa se atrasou perante nós por causa de uma guerra que dizimou quase toda a juventude entre 15 e 45 anos. Isso não se refaz com decreto-lei nem com planos quinquenais. É preciso esperar que nasçam outros, formem-se e reaprendam. A Europa teve grandes prejuízos com a Guerra, o que nos permitiu um avanço enorme. Quando pegamos a Europa em 58 e 62, ela estava, exatamente, num período de decadência esportiva, porque lhe faltou a juventude que tinha morrido na guerra. E foi uma vantagem que nós tivemos. Nosso futebol, no entanto, é do melhor nível. Nós estamos na primeira turma do futebol mundial e nos mantivemos nela ao longo do tempo, ainda que a duras penas nos últimos anos.
Ceguinho Torcedor: – Desde 50 que o nosso futebol tinha o pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios foi uma humilhação nacional, que, imaginávamos, jamais seria superada. Porém, até o mais vertiginoso e convicto pessimista não conseguiria prever algo como o que ocorreu na última Copa, com aquele estrondoso, retumbante, escandaloso, histérico 7 a 1 para os alemães. Mas em 58, negávamos o escrete porque a frustração de 50 ainda funcionava. Havia um pânico de uma nova e irremediável desilusão.
João Sem Medo: – Era o complexo de vira-latas, né, Ceguinho?
Ceguinho Torcedor: – Sim, João. A inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, face ao resto do mundo em todos os setores, sobretudo, no futebol. O problema do escrete não era de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. Era um problema de fé em si mesmo.
Garçom: – Hoje em dia acho que muitos jogadores da seleção se acham importantes e bons demais pro que realmente são.
Ceguinho Torcedor: – Eles têm um complexo de vira-latas às avessas.
João Sem Medo: – Complexo de lulu de madame.
Todos riem.
Idiota da Objetividade: – Em 58 a seleção brasileira foi para a Suécia desacreditada.
Ceguinho Torcedor: – Aqui o escrete já se sentia no estrangeiro; lá, é como se estivesse em casa. Esse foi o drama da seleção: encontrar lá fora o tratamento humano que lhe negamos aqui.
Idiota da Objetividade: – O Brasil estreou na Copa com uma vitória de 3 a 0 sobre a Áustria, com dois gols de Mazzola e um de Nilton Santos.
Ceguinho Torcedor: – Mazzola arrombou duas vezes a rede adversária e Nilton Santos fez um gol fulgurantíssimo.
Todos os outros: – Fulgurantíssimo, Ceguinho?
Ceguinho Torcedor: – Muito mais que espetacular. Ele se desgarrou da defesa, foi dizimando até meter o gol. Mas Gilmar defendeu tudo, até pensamento.
Idiota da Objetividade: – Na segunda partida, a seleção brasileira empatou sem gols com a Inglaterra.
João Sem Medo: – Gilmar fez outra grande partida, salvando inclusive um gol contra de Orlando no fim do jogo. O goleiro inglês McDonald também teve grande atuação. O Brasil foi melhor no primeiro tempo, os ingleses, na etapa final.
Ceguinho Torcedor: – Feola, que já havia trocado Dida por Vavá para enfrentar os ingleses, mudou mais três jogadores para a partida contra a Rússia e tivemos os três minutos mais sensacionais da história do futebol. Nos primeiros três minutos da batalha, já o Garrincha tinha derrotado a colossal Rússia, com a Sibéria e tudo o mais. E bastava o empate.
Idiota da Objetividade: – O técnico Vicente Feola tirou o volante Dino Sani e os atacantes Joel e Mazzola para as entradas de Zito, Garrincha e Pelé.
Ceguinho Torcedor: – Garrincha não acreditava em empate e foi driblando um, driblando outro e consta, inclusive, que, na sua penetração, fantástica, driblou até as barbas de Rasputin.
O público se diverte, principalmente Garrincha, que dá uma sonora gargalhada.
Garçom: – Vamos aproveitar pra ver no telão lances maravilhosos desses 3 minutos estupendos e outros da vitória sobre a União Soviética, em 1958, com narração em francês.
O público aplaude e reverencia mais uma vez Garrincha e Didi, que agradecem sorrindo.
Ceguinho Torcedor: – Amigos, a desintegração da defesa russa começou exatamente na primeira vez que Garrincha tocou na bola. O jogo Brasil e Rússia acabou nos três minutos iniciais. Só um Garrincha poderia fazer isso contra o time poderosíssimo da Rússia. Porque Garrincha não acreditava em ninguém, só em si mesmo.
Sobrenatural de Almeida: – Naquele dia, acho que nem eu conseguiria parar o Garrincha.
Mané Garrincha se levanta e responde.
Garrincha: – Não, Almeida. Naquele dia, nem você!
Todos riem.
Garçom: – Vou aproveitar a deixa pra que a gente possa fazer outra homenagem ao grande Mané Garrincha, que nos dá a gigantesca honra de estar aqui presente. Venha ao palco, por favor, Angelita Martinez!
Todos aplaudem a ex-vedete.
Angelita Martinez: – Muito obrigada, Zé Ary, muito obrigada a todos. Bom, não sei se vocês sabem, mas meu pai foi jogador de futebol, zagueiro. Ele está ali, viemos juntos. Levante-se, por favor, Barthô Gugani!
Gugani se levanta e agradece os aplausos do público.
Idiota da Objetividade: – Gugani foi zagueiro do São Bento, do Paulistano e do São Paulo, pelo qual foi campeão paulista em 1931. E atuou pela seleção brasileira, fazendo parte do time que conquistou a Copa Rocca, em 1922.
Gugani é muito aplaudido. Ele agradece.
Barthô Gugani: – Muito obrigado! É uma honra muito grande estar aqui ao lado da minha filha Angelita e toda minha família. Vim pro Mundo Espiritual com 36 anos de idade, em 1935, e estou muito feliz de estar aqui hoje revivendo grandes momentos do nosso futebol com todas essas feras.
Todos aplaudem mais uma vez.
Angelita Martinez: – Te amo, pai! Bom, é com muita honra que gravei esta música, em 1958, e venho aqui a este palco para prestar uma homenagem ao nosso grande craque Mané Garrincha. A composição é de Jorge de Castro, Wilson Batista e Nóbrega de Macedo e se chama “Mané Garrincha”.
Angelita é muito aplaudida e deixa o palco. O jogo Brasil x URSS volta à mesa de nossos amigos.
Ceguinho Torcedor: – Calculo que lá pelas tantas os russos, na sua raiva obtusa e inofensiva, devem ter imaginado que o único meio de destruir Garrincha fosse caçá-lo a pauladas. Talvez nem assim. No segundo tempo, Garrincha resolveu caprichar no baile, foi um carnaval sublime. As cinzas do czar devem ter ficado humilhadíssimas. O marcador do “seu” Manoel já não era um: eram três. E então começou a se ouvir aqui no Brasil, na Praça da Bandeira, a gargalhada cósmica, tremenda, do público sueco.
Todos riem e aplaudem. Garrincha se levanta novamente e agradece.
Garrincha: – Seu Ceguinho, o senhor é craque! Muito obrigado.
Ceguinho Torcedor: – Não chego a seus abençoados pés, Mané!
Garçom: – Aquela foi mesmo uma atuação histórica! De recuperar o orgulho brasileiro, não é “Seu” Ceguinho?
Ceguinho Torcedor: – Aqui, em toda extensão do território nacional, começávamos a desconfiar que era bom, que era gostoso ser brasileiro.
Idiota da Objetividade: – E foi a primeira vez que Garrincha e Pelé jogaram juntos numa Copa do Mundo.
Garçom: – Então, como Garrincha já foi homenageado, agora será a vez de Pelé. Aliás, já soube que ele virá aqui mais tarde.
O público vibra.
Vou pôr aqui no som uma música gravada pelo Clube do Guri, com Denise e coro nos vocais. Tenho certeza de que todos vão gostar. O nome da música é “Homenagem a Pelé”. Ouçam e divirtam-se.
Fim do capítulo 44
Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).
Saiba mais sobre o projeto Jogada de Música clicando aqui.
Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).
AS FINAIS DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE 1988
por Luís Filipe Chateaubriand
Em 1988, Internacional e Bahia chegavam às finais do Campeonato Brasileiro.
O Bahia chegou à decisão ao suplantar o Fluminense nas semifinais.
Já o Internacional chegou à decisão ao eliminar o rival Grêmio, com o segundo jogo entre os dois tendo ficado conhecido como “O Grenal do Século”.
O primeiro jogo das finais foi no Estádio da Fonte Nova, em Salvador, com mando de campo para o Bahia.
No primeiro tempo, Leomir fez 1 x 0 para o Internacional.
Ainda no primeiro tempo, Bobô empatou para o Bahia, em 1 x 1.
No segundo tempo, Bobô, novamente, marcou, e o placar final foi 2 x 1 para o Bahia.
O segundo jogo das finais foi no Estádio Beira Rio, em Porto Alegre, com mando de campo do Internacional.
Um empate sem graça, de 0 x 0.
Com isso, o Bahia sagrou-se campeão daquele ano.
ADEUS AO DEUS DA BOLA
por Marcos Eduardo Neves
Um dia depois de Zagallo foi-se Franz Beckenbauer. Agora, só resta um único ser humano campeão de Copas do Mundo como jogador e técnico: o nem um pouco genial francês Didier Deschamps.
Zagueiro, líbero ou volante, Beckenbauer, o ‘Kaiser’ – uma espécie de ‘Sir’, caso fosse inglês – foi um dos maiores do futebol. Ganhou a Copa de 1974 e três Champions League por seu Bayern de Munique, inclusive impedindo o título mundial do Cruzeiro em 1976.
Mais tarde, como treinador, faturou a Copa de 1990, na Itália. Aliás, fez História contra os italianos na semifinal de 1970, quando jogou boa parte do jogo, inclusive a prorrogação, com uma tipoia, por ter luxado o ombro.
Presidente do Bayern de Munique por quinze anos, nasceu no dia 11 de setembro, sim, mas para implodir torres gêmeas adversárias em qualquer parte do campo. Veio ao mundo em 1945, ano do fim da Grande Guerra, para promover a paz nos gramados do planeta. Aos 78 anos, despediu-se hoje da existência terrena para se tornar o que nunca deixou de ser desde que começou a desfilar seu talento pelos tapetes verdes: uma lenda do esporte.
Com pesar o mundo dá adeus a esse deus da bola. Já se foram Pelé, Garrincha, Puskas, Nilton Santos, Didi, Carlos Alberto Torres, Maradona, Cruijff, Roberto Dinamite, Zagallo e tantos outros, que às vezes me dá até aflição: quem será a próxima vítima?
Só sei que essa novela eu dispenso, não vejo e nem quero saber. O problema é que sempre acabam me dizendo o final.
GIGANTE DO FUTEBOL
por Elso Venâncio
Ao tomar posse na Presidência do América, no Salão de Honra do Clube Municipal, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, o baixinho Romário declarou:
“Zagallo é do tamanho de Pelé.”
Treinador tetracampeão do mundo em 1994, Carlos Alberto Parreira referendou:
“Pelé e Zagallo são os dois maiores nomes do futebol brasileiro.”
O ‘Velho Lobo’ é sinônimo de Copa do Mundo. Foram sete no total, com quatro títulos, o que o faz o único verdadeiramente tetracampeão do planeta: duas vezes como jogador (1958 e 1962), uma como técnico (1970) e outra como coordenador do próprio Parreira, comandando o genial Romário, em 1994.
O alagoano Mário Jorge Lobo Zagallo iniciou carreira jogando pelo América. Não demorou para se transferir para o Flamengo, onde tornou-se tricampeão carioca (1953, 1954 e 1955). Pelo Botafogo ele ganhou dois Estaduais (1961 e 1962) como atleta. Pouco tempo depois, na função de treinador, foi bicampeão da Taça Guanabara e do Rio de Janeiro pelo Glorioso (1967 e 1968). No Fluminense, venceu o Estadual de 1971. Pelo Flamengo, levantou as taças tanto em 1972 como em 2001.
Na Copa da França, em 1998, na semifinal contra a Holanda, antes da decisão por pênaltis, Zagallo fez uma de suas mais históricas preleções. Parecia mediunizado enquanto passava vibrações positivas para cada atleta:
“Vamos vencer! Vamos vencer!”
Segurou a cabeça de Taffarel com as duas mãos e inflamou a alma do goleiro:
“Você é campeão. E pegador de pênaltis. E vai pegar hoje!”
Fez o mesmo com Ronaldo Fenômeno:
“Só nós temos o melhor do mundo.”
Taffarel, que brilhou em 1994 defendendo o pênalti de Massaro na final contra a Itália, dessa vez, em Marselha, contra os holandeses, fez duas defesas, colocando o Brasil na final.
Zagallo gostava de lembrar do tricampeonato mais emocionante da história do Flamengo, o de 2001, obtido com um gol antológico, numa cobrança de falta do sérvio Petkovic. Haroldo Couto, rubro-negro e conselheiro do Flamengo, me passou mensagem na madrugada do sábado que antecedeu essa partida:
“Lembra que almoçávamos com o Júlio Lopes e você indicou o Zagallo?”
Respondi que não. Haroldo completou:
“Ligamos para o Celso Garcia (locutor esportivo que levou Zico para a Gávea) e ele consultou o Zagallo, que topou no ato.”
Um dos heróis do tricampeonato mundial de 1970, Paulo Cézar Lima, o Caju, falou por telefone na semana passada com Mário Jorge, filho do imortal Zagallo. Disse que ele e eu queríamos visitá-lo:
“Vai ser um prazer!” – ouvimos juntos a voz fraca do ‘Velho Lobo’.
Paulo Cézar, no ano passado, conseguiu revê-lo no Recreio, bairro onde morava. Mário Jorge perguntou ao pai:
“Esse cara aqui jogou bola mesmo, pai?”
Em vídeo que viralizou na Internet, Zagallo brincou:
“Jogou pouco…”, balbuciou, sorrindo.
A vida é um sopro! Temos que procurar e sempre que possível estar com nossos amigos. Não podemos desperdiçar o tempo que temos, até porque não sabemos quando ele se esgotará.
Descanse em paz, Mestre Zagallo!
13 motivos para nunca esquecermos
por Marcos Eduardo Neves
Zagallo morreu tem treze letras. Temos que engolir o Velho Lobo. Afinal, lendas não se vão: letras renascem. Constantemente.
Como homenagem a um dos mais vitoriosos treinadores de todos os tempos, que faleceu na última sexta, aos 92 anos, cito aqui 13 motivos pelos quais jamais o esqueceremos:
1) Único ser humano que venceu quatro Copas do Mundo;
2) Campeão mundial em 1958 exercendo uma função relativamente nova em campo: a do ponta que volta para marcar no meio, como Telê Santana houvera feito no Flu anos antes. Contudo, consagrou-a em âmbito internacional. Assim como apostou em Zinho para fazer o mesmo no Mundial de 1994;
3) Aceitou sem medo a pressão de substituir João Saldanha às vésperas do Mundial do México, em 1970, e trocando peças e esquema tático do antigo técnico, ganhou a Copa dando show;
4) Único técnico que dirigiu a seleção em três Copas do Mundo (1970, 1974 e 1998);
5) Bicampeão mundial como jogador da seleção (1958 e 1962);
6) Bicampeão carioca (1961 e 1962) como atleta do Botafogo;
7) Bi carioca (1967 e 1968) e campeão brasileiro (1968) como técnico do Botafogo;
8) Campeão carioca de 1971 pelo Fluminense, contra o temido ‘Selefogo’;
9) Venceu duas Copas Américas (1997 e 2004) e uma das Confederações (1997) pela seleção;
10) Ganhou uma Copa dos Campeões (2001) e dois Cariocas (1972 e 2001), sendo este último com aquele golaço de falta de Petkovic sobre o Vasco;
11) “Só faltam dois (jogos)”. Prometeu e cumpriu, devolvendo-nos a Copa em 1994, torneio que o Brasil não vencia há 24 anos;
12) “Vocês vão ter que me engolir”, seu bordão, viralizou, virou meme;
13) Relacionava quase tudo ao número 13 – e não estava errado.
Poderia tecer outros feitos marcantes desse ícone, mas prefiro acabar por aqui. Afinal, ‘acabar por aqui’… tem 13 letras!
Vida longa ao mestre. Nunca te esqueceremos!