A FINAL DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE 1989
por Luis Filipe Chateaubriand
No ano de 1989, São Paulo e Vasco da Gama chegaram à decisão do Campeonato Brasileiro.
A vaga do São Paulo foi garantida ao vencer o Grupo A, com oito clubes, em uma acirrada disputa com Botafogo e Corinthians.
A vaga do Vasco da Gama foi garantida ao vencer o Grupo B, também com oito clubes, em uma acirrada disputa com Cruzeiro e Palmeiras.
O regulamento da competição garantiu ao Vasco da Gama, por ter somado maior número de pontos que o São Paulo, a vantagem de escolher se faria o primeiro jogo como mandante de campo ou como visitante, além da possibilidade de assegurar o título no primeiro jogo, caso vencesse, sem a necessidade de um segundo jogo.
Foi o que aconteceu!
O Vasco da Gama optou por jogar o primeiro jogo com mando de campo do São Paulo, no Estádio do Morumbi.
Ainda assim, mesmo jogando “fora de casa”, venceu por 1 x 0, com gol de Sorato no início do segundo tempo.
O Vasco da Gama era campeão!
E começou a festa.
Uma festa portuguesa, com certeza!
A MORTE DE UM JOGADOR DE FUTEBOL
por Marcos Vinicius Cabral
Em um momento de introspecção que só as mentes brilhantes como a do não menos brilhante Paulo Roberto Falcão é capaz de pensar, o lendário camisa 5 do Sport Club Internacional disse, certa vez, que “o jogador de futebol morre duas vezes: uma quando para de jogar e a segunda quando se despede da vida”. Mal sabe o rei de Roma que se o jogador de futebol morre duas vezes, nós, torcedores, morremos muitas.
A questão é que não temos explicação para o desaparecimento físico em definitivo de alguns expoentes no mundo da bola e tampouco acostumamos-nos a conviver com a tanatologia deles. Quando a interrupção definitiva da vida é de um familiar ou pessoa próxima, a dor não é efêmera. Mas se tratando de um jogador de futebol, esporte que mexe com a paixão, forja idolos, e altera o sentimento dos torcedores. Pior ainda.
Nunca é demais dizer que temos dificuldade em compreender a morte, que surgiu na história da humanidade como um ‘recall’, pois, originalmente, ela não fazia parte de nossos ‘acessórios’. O desafio é, até aqui, administrar a ausência que o ‘nosso’ jogador faz e que isto não torne-se algo depressivo. Muito pelo contrário, lembrar deles nos liberta das ‘algemas da saudade’ de quem os viu em campo com atuações estupendas, gols inesquecíveis, títulos que permanecem no hipocampo (localizada nos lobos temporais do cérebro humano, considerada a principal sede da memória), a entrega a todo instante dos 90 minutos de um jogo de futebol, e o amor irrestrito que cada um demonstrou à camisa que vestiu. Ou seja, motivos mais do que suficientes que alegram o coração de quem é, na essência conquistada por quem alimenta-se de futebol, respira futebol, e é apaixonado por futebol.
Mas venho por meio deste texto, quiçá crônica, como você preferir, fazer jus ao recrudescimento de quem foi gigante dentro de campo como Pelé, Roberto Dinamite, Zagallo e Franz Beckenbauer.
Para sintetizar os gols, ninguém melhor do que Pelé, que saiu de cena no dia 29 de dezembro de 2022, às 15h27, em decorrência da falência de múltiplos órgãos, resultado da progressão do câncer de cólon. O rei, verbete no dicionário, obrigou pobres camisas 1 a irem buscar a bola no fundo das redes 1.281 vezes.
Quis o destino que dez dias depois, no dia 8 de janeiro de 2023, um outro exuberante camisa 10 do futebol brasileiro saísse de cena. Maior nome da história do Vasco e uma máquina imparável de fazer gols chamada Roberto Dinamite, aos 68 anos, repousou para a eternidade após tentar desvencilhar-se da marcação implacável de um câncer de intestino. Bob, lembrado carinhosamente até hoje, mantém insuperáveis 190 bolas nas redes em toda história do Campeonato Brasileiro.
Já Zagallo, que cultivou a superstição do número 13 nos lugares onde esteve e clubes que dirigiu, elevou o verde e amarelo nas conquistas das Copas do Mundo de 1958, 1962, 1970 e 1994 mundo afora. Se Pelé é verbete de dicionário, Mário Jorge Lobo Zagallo, único tetracampeão em Copas do Mundo, é sinônimo de vitória.
E, por fim, Franz Beckenbauer, gênio a quem a bola obedecia, morreu dormindo no domingo (7) de janeiro deste ano. O Kaiser, como era chamado, lutava contra a doença de Parkinson e demência, além de ter passado por várias operações cardíacas nos últimos anos. A cena com um braço enfaixado em razão do ombro direito deslocado em plena prorrogação na semifinal contra a Itália, na Copa do Mundo de 1970, em gramado mexicano, mostra a entrega de um craque que vestia a camisa 5 elegantemente e serviu de exemplo.
A vida segue o rumo. É como a correnteza de um rio que vai numa única direção desviando das pedras até desaguar em um lago, um mar ou um oceano. Não sabemos o destino exato. Parte da magia do futebol que aprendi a amar está indo embora. Resta-me o fio de esperança para que esta geração e as próximas venham saber quem foram – além de Pelé, Roberto Dinamite, Zagallo e Franz Beckenbauer – Maradona, Cruijff, Garrincha…
O SONHO DA BOLA
por Paulo-Roberto Andel
Thomaz Farkas, brilhante fotógrafo consagrado na arte brasileira, registrou essa imagem em 1947.
O local não podia ser outro: a praia de Copacabana.
Nascido em 1921, Thomaz tinha 26 anos de idade.
No gol, voa o menino desconhecido que entrou para a história da fotografia brasileira. Talvez tivesse dez ou doze anos. Seria maravilhoso saber que se trata de um velhinho octogenário em ótima forma.
Foi um golaço? Um defesaço? Bola pra fora? São várias possibilidades. Em todas elas, uma coisa as une: sonho. O sonho do futebol, a liberdade de jogar bola à beira do Atlântico Sul. O sonho que eu vivi uns trinta anos depois do registro fotográfico. O sonho de muitos, inclusive famosos. João Saldanha passou por lá, Heleno de Freitas também. Paulo Cezar Caju, Fred, Edinho, os goleiros Renato e Paulo Sérgio, Júnior, o saudoso Rocha, Rodrigo Souto, tanta gente. E o mitológico dirigente Tião Macalé, à frente do Dínamo?
Alguns conseguiram viver o sonho profissionalmente. Outros mal saíram das fronteiras de Copacabana. Todos viveram o sonho, e pouco importa se por muito tempo ou alguns minutos – é que a eternidade do sonho não depende de cronômetro. Quanto vale o sonho da bola para um garoto numa tarde ensolarada e vazia?
A bola no gol, o garoto no ar, a defesa, o drama, o gol, o escanteio, tudo isso fica para sempre em cada um de nós que pode experimentar esse momento. O sonho da bola salva vidas, dá sentido à vida, ajuda a sobreviver. Nele, somos garotos para sempre, vivendo os segundos mais divertidos das nossas vidas.
Eu vivi esse sonho há muito tempo atrás. Agora estou sozinho. Muitos amigos foram embora, outros talvez sequer tenham existido além da minha cabeça. Eu não tenho mais um time na praia. Agora, a geometria que a bola pratica quando se mistura ao vento e ao céu, essa eu conheço muito bem.
Quem já sentiu, sabe do que se trata.
@p.r.andel
O SONHO DA COPINHA
por Paulo-Roberto Andel
Há pouco mais de uma semana, 128 equipes dos quatro cantos do país se digladiaram em 32 chaves de quatro times cada, pelo torneio de base mais importante do Brasil: a Copinha, Copa São Paulo de Futebol Júnior. Cada grupo numa cidade e num campo, geralmente com o gramado machucado.
Copinha, não: um Copão. Quase 2.600 jogadores em busca de um sonho. Garotos que jogam em grandes clubes. Outros em médios e muitos em times pequenos. Garotos que viajaram por dias em ônibus para disputar a competição. Salvo as naturais exceções, todos cronicamente pobres, moradores de regiões precárias, loucos pelo sonho de seguir no futebol e conseguir uma fortuna. Ser um craque. Ter o nome gritado no Maracanã ou no Morumbi. Ou no Beira-Rio.
Num estalar de dedos, caem 64 equipes e tchau. Adeus. As outras 64 seguem no emocionante mata-mata até a grande decisão no dia 25 de janeiro, dia do aniversário de 470 anos de São Paulo.
Até lá, não vai faltar sangue, suor e lágrimas. Ainda temos muitos garotos na briga. Alguns vão chegar ao sonho. A maioria não, mas a Copinha segue enfeitiçando e apaixonando torcedores enquanto a temporada brasileira comercial não começa.
Será que na Copinha estão os craques que vão redimir o futebol brasileiro? Será que está acontecendo algo maravilhoso e ainda não sabemos? Será? A confirmar.
@p.r.andel
O GANDULA DO ALÉM
por Victor Kingma
O futebol era a grande atração da pequena Sotéria do Norte. Aos domingos, a cidade parava para assistir às acirradas disputas que se realizavam no “Estádio Caveirão”. O nome vinha da proximidade do
campo com o cemitério local.
No passado dois coronéis da região, vizinhos de terra e arqui-inimigos políticos, viviam às turras. Um deles, eleito prefeito e sabendo que o vizinho detestava futebol, construiu o estádio bem na divisa das fazendas,
só para provocar o inimigo.
Tempos depois, com a mudança do comando político no lugar, o outro vizinho vingou-se de seu desafeto: doou à Prefeitura o terreno para construção do novo Cemitério Municipal, exatamente nos fundos do campo, a grande obra da administração do rival.
A cidade até se divertia com a briga. Um dos times locais passou a se chamar Caveirinha, em clara alusão ao cemitério. Os locutores do local, acostumados com a situação, quase sempre soltavam pérolas do tipo:
– O chute saiu torto! E a bola caiu lá no túmulo da beata Carlota!
Ou então:
– A redonda bola passou rente ao ângulo e explodiu na torre do necrotério!
Às vezes, porém, surgia imprevistos, como ter que parar o jogo para que passasse algum enterro.
Havia, porém, algumas conveniências. Por exemplo: Zé Coveiro um sujeito magro, que cultivava uma longa barba, e cujo nome denunciava a profissão, nos dias de jogos fazia um extra trabalhando como gandula. Era
extremamente útil. Ainda mais quando a bola caia no seu local de trabalho. Sempre devolvia rapidamente a bola, conhecedor que era do seu terreno.
Naquele dia, entretanto, em que o Caveirinha enfrentaria o time de Sobradinho, cidade vizinha, Zé Coveiro, porém, não apareceu. Com o Caveirão lotado a peleja começa. Sem gandula.
Quando a bola saia pela linha de fundo (onde ficava o cemitério) eram os próprios jogadores que tinham que buscá-la. E a tardinha ia caindo…
Foi então que num chute mais forte de um atacante do Caveirinha a bola transpôs o muro do cemitério e sumiu.
Os jogadores do time visitante, que perdia o jogo, apressam em pegar a bola para recomeçar a partida. Entrando pelo portão central do cemitério, acabaram perdidos em meio ao matagal e ruínas de sepulturas. E nada da bola…
Eis que de repente, ouve-se um barulho! A tampa de uma tumba se abre e de dentro dela surge Zé Coveiro, sem camisa, cabelos despenteados e barba revolta, na maior ressaca do porre da véspera:
– Quanto tá o jogo companheiros? – Perguntou com voz pastosa e arrastada.
O time inteiro do Sobradinho saiu em disparada! E o jogo não acabou por absoluta falta de jogadores.