HOJE É DIA DE BEIJOCA
por André Felipe de Lima
Era apenas um garoto de dezesseis anos quando, em pleno “Robertão”, a antiga Taça de Prata e o principal campeonato nacional até aquele emblemático ano de 1970, o treinador do Bahia, o “bruxo” paraguaio Fleitas Solich, decidiu colocá-lo em campo no lugar do craque argentino Sanfilippo. Uma arriscada audácia. Afinal, o adolescente conhecido apenas por Beijoca era ainda um garoto imberbe que mal saíra do dente-de-leite e do juvenil e que disputara apenas um jogo pelo time da base.
Curiosamente, Beijoca e Sanfilippo tinham mais em comum do que se imagina. De cara, ambos foram artilheiros ao longo de suas carreiras.
Com quatorze anos, o jogador argentino estreara no San Lorenzo e, aos dezesseis, assinara o primeiro contrato como profissional. Mas Sanfilippo não era mais o impetuoso jovem que encantou os argentinos no final dos anos de 1950. Era a hora e a vez do menino Beijoca brilhar. Um centroavante moleque, que daria muito o que falar. E como…
Jorge Augusto Ferreira de Aragão, esse é o nome de batismo do Beijoca, nasceu no dia 23 de abril de 1954, no Pelourinho, em Salvador, e foi criado no bairro Rio Vermelho. Antes de ingressar no dente-de-leite do Bahia, atuava no Vila Real, da Baixa do Sapateiro, um modesto clube comandado pelo seu Antenor. Foi nessa época que o pai, Manoel Aragão, presenteou-o com o primeiro par de chuteiras. O Vila jogava no campo da Graça e num daqueles “babas” o Quileco, um ex-goleiro do júnior do Bahia, viu Beijoca e decidiu convidá-lo para treinar na Fazendinha.
O inusitado apelido recebeu, porém, na infância. Os meninos da vizinhança implicavam com ele, chamando-o de “Beijoca”, nome de uma boneca da irmã de Jorge, que, fulo da vida, perseguia a molecada para tirar satisfações. O “batismo” que tanto o irritava permaneceu.
Boêmio inveterado, Beijoca, que foi pai com apenas 17 anos e tinha um inconfundível perfil de transgressor, muitas vezes escapou das concentrações para cair na noite. Um espírito aventureiro que, sabe Deus o porquê, acabou caindo nas graças da torcida do Bahia. No Fortaleza, experimentou o doping, como declarou ao jornalista Bob Fernandes. Apesar das dificuldades, foi campeão cearense no ano seguinte e artilheiro do mesmo campeonato. Os cartolas do Bahia trataram imediatamente de repatriá-lo.
Em 1975 e 76, Beijoca fazia a festa de gols, mas não havia abandonado, digamos, o notório lado festeiro. Duas facetas conviviam juntas: o gol e a esbórnia.
Certa vez, os jogadores do Bahia preparavam uma surpresa para um companheiro que comemorava aniversário. Beijoca tratou de cuidar da “festa”, arrastando todos, inclusive o técnico Orlando Fantoni, para a boate Maria da Vovó, muito popular nos anos de 1970, localizada na zona do baixo meretrício de Salvador. Pela madrugada, um torcedor do Vitória o chamou de pau d’água. Para quê?… Beijoca desceu a lenha no sujeito desaforado. A polícia levou todos em cana. Até mesmo o “Titio” Fantoni.
Aliás, os dois também protagonizaram outra famosa história extra-campo, em Salvador. Era véspera da final do campeonato baiano de 1976, Beijoca chegou à concentração Dias D’Ávila, do Bahia, com indícios de que teria tomado umas e outras. Fantoni, claro, ficou fulo da vida. Paulo Maracajá, na época diretor de futebol do clube, resolveu trancar Beijoca no quarto e declarou à imprensa que o craque estava “passando muito mal” e que a “recomendação médica” era para que ficasse em absoluto repouso. Beijoca nem percebeu a manobra, pois dormia feito um “anjo”. Só acordou horas antes do jogo. “Cheguei à concentração num estado deplorável, e só me lembro que me deram banho, comida e glicose. Acordei direto no ônibus, de ressaca, mas pedi para descer e tomar uma cerveja. O técnico Orlando Fantoni disse que não ficaria no clube se eu jogasse. Mas entrei em campo, fiz 1 x 0 e pedi pra sair, porque não agüentava mais. Aí o Fantoni disse: ‘Não, você está bem, vai até o fim’. O jogo terminou 1 x 0, e o Bahia foi o campeão.”
Aliás, quando teve uma fugaz passagem pelo Flamengo, em 1979, Beijoca e a palavra confusão eram sinônimos. “Cheguei no [sic] Flamengo já no aeroporto, sete da noite, e a delegação me esperando. Embarquei pra Europa, pra disputar o torneio Ramón de Carranza. Passamos trinta dias na Europa. Fiz gol por lá. Conheci um bom pedaço da Europa, da África, mas deu uma encrenca no vôo… Vôo Madri-Paris. Tomei umas, passei a mão na bunda da aeromoça. Escândalo. Todo aquele timaço, Zico, Júnior, Raul, Andrade; o Márcio Braga tinha convidado o juiz Francisco Horta, que foi presidente do Fluminense, pra chefiar a delegação. O comandante, depois de muita negociação, avisou que toda a delegação seria presa em Paris se eu não pedisse desculpas. E eu: ‘Preso em Paris? Já fui preso no brega da ladeira da Montanha. Preso em Paris vai ser chique’. Todo mundo pediu, e, no finalzinho da viagem, fui lá no microfone e falei: ‘Peço desculpas porque passei a mão na bunda da aeromoça.”
A despeito das confusões que permearam sua carreira, Beijoca foi um vencedor com a camisa do Bahia. Foram sete anos de clube [1969, 70, 75, 76, 77, 78 e 84], cinco títulos baianos [1970, 75, 76, 77, 78] e 106 gols. É o 11º maior artilheiro do Bahia em todos os tempos.
Nos estádios, a torcida reverenciava-o até mesmo com música: “Eu quero ver Beijoca jogando bola, eu quero ver Beijoca bola jogar”. O artilheiro retribuía o carinho caindo literalmente nos braços do povo, descendo a ladeira do Otávio Mangabeira abraçado aos torcedores. Principalmente após as vitórias no Ba-Vi da Fonte Nova. E foi após um outro Ba-Vi, em 1980, que quase matou de susto a esposa, que chorava copiosamente o seu sumiço. “Eu não aguento mais esse homem!”. Paulo Maracajá, agora presidente do Bahia, vociferava: “Agora chega, ele não veste mais a camisa do clube”. Nas rádios, todos perguntavam em que lugar se metera Beijoca. Encontre Beijoca e ganhe um radinho de pilha”. Era reincidente. No ano anterior, antes de ir para o Flamengo, ficou oito dias desaparecido. Encontraram-no em um motel distante de Salvador.
Tomando emprestado a famosa personagem do livro “Gabriela, cravo e canela”, do célebre Jorge Amado, Beijoca foi o “Vadinho” do futebol, um rei da malandragem no Pelourinho e rei da Fonte Nova, com gols e títulos que fizeram dele um dos maiores ídolos de todos os tempos do futebol baiano. Se fazia das suas fora do campo, dentro dele sabia do que a torcida mais gostava, e magistralmente o fazia com os dois pés: “Já sei que o negócio é fazer gols, aparecer no Fantástico [da TV Globo] todo domingo e mostrar a muita gente que tenho muita bola.”
Hoje, uma terça-feira de São Jorge, todo torcedor do Bahia sorri mais feliz. Afinal, é dia do aniversário do Beijoca, o “santo” guerreiro do altar Tricolor.
ZICO E EU, PARTE 2
por Luis Filipe Chateaubriand
Em 2002, escrevi um artigo no Jornal do Brasil, analisando o calendário quadrienal do futebol brasileiro, que havia sido lançado.
Tive a honra de, em uma página inteira do JB, ter a metade superior da página preenchida com um artigo do Zico e a metade inferior da página preenchida pelo meu artigo.
Em 2003, a Instituição de Ensino Superior que eu lecionava fechou um convênio com o Centro de Futebol Zico (CFZ) para ministrar cursos de pós graduação.
No evento de lançamento da parceria, no CFZ, lá estava eu.
O Zico falou, o representante da Instituição de Ensino Superior que eu lecionava falou, houve uma confraternização.
Ao final do evento, esperei o momento em que o Zico ficou sozinho. Abordei-o.
– Zico, desculpe incomodar, mas posso falar com você rapidinho?
Ele respondeu:
– Pois não.
Saquei do bolso a página recortada do JB com nossos artigos e indaguei:
– Você lembra deste artigo no JB que você publicou ano passado?
Zico respondeu:
– Lembro sim!
Eu prossegui:
– O teu artigo é o da parte de cima, o de baixo é meu. Dá um autógrafo na página?
Zico sorriu e assinou.
Em seguida, me perguntou:
– Você é professor, vai dar aula na parceria?
Respondi:
– Sim, sou professor, leciono algumas disciplinas relacionadas à gestão de organizações
Zico disse:
– Vamos marcar um jogo entre o pessoal aqui do CFZ e os professores.
E, sacana, emendou:
– Nosso meio campo vai ser Andrade, Adílio, eu e Junior!
O jogo não chegou a acontecer… Ainda bem: sempre fui goleiro, iria tomar dezenas de gols!
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebolhá 40anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.
Calazans
O HERÓI DE 60
entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Felipe de Lima | fotos e vídeo: Daniel Planel
‘CONDENADO’ NO BANGU E ‘ABSOLVIDO’ NO AMÉRICA, CALAZANS FOI UM DOS MELHORES PONTAS DE SUA ÉPOCA
O ponta-direita José Alves Calazans nasceu em 16 de agosto de 1934, em Salvador. Lançado pelo treinador Tim, iniciou a carreira no Bangu, onde jogou entre 1953 e 1957 ao lado do irmão Zózimo, bicampeão mundial pelo Brasil nas Copas de 1958 e 1962, e de Zizinho, Nívio, Décio Esteves, Moacir Bueno, dentre outros. Do Bangu, clube com o qual foi bicampeão juvenil [hoje juniores] em 1952 e 53, transferiu-se para o América em 1958, quando foi contratado para a vaga deixada pelo ponta Canário, que seguiu para o Real Madrid.
Calazans chegou a defender a seleção brasileira. Foi campeão da Taça Oswaldo Cruz, disputada sempre contra o Paraguai, em 1955, e da Taça do Atlântico, contra Uruguai e Argentina, em no ano seguinte.
Quando jogou no Bangu, Calazans submeteu-se, como destaca reportagem na Manchete Esportiva de 1957, a uma espécie de tribunal entre os atletas e a comissão técnica. No comando, Gentil Cardoso. Julgavam e puniam… ou absolviam. Calazans foi o primeiro, digamos, réu, do “tribunal” banguense, e Gentil Cardoso uma espécie de promotor. Teria dito Gentil o seguinte: “O réu desrespeitou a chefia da delegação em viagem. Alimentou discussão e recusou-se a parar quando foi advertido. No Rio, concedeu entrevista e disse inverdades, colocando seus superiores em situação difícil. O júri não tem outro remédio. Há necessidade de um corretivo. Por isso, embora contrariado, peço que seja proclamada a condenação dentro do que reza o seguimento interno: multa de 60% dos vencimentos, ou exclusão sumária do clube!”
A punição pedida pelo “promotor” era pesada. O “advogado de defesa” do ponta Calazans pede a palavra. Aliás, o “doutor” em questão era Zózimo, irmão do craque-réu.
“Tenho em mim, que, por justiça o réu não pode ser acusado de indisciplinado. Qual foi o seu crime? Discutir com um bêbedo! Sim, porque o sr. José Pinto de Oliveira [massagista Pastinha] chegou embriagado ao Hotel e foi quem iniciou a discussão. Aqui, o réu deveria ser outro e não o meu constituinte. E vou mais longe, culpado também é o chefe da delegação. Naquele instante, o sr. José Pinto de Oliveira deveria ter sido cortado da delegação. Mas houve falta de pulso para fazer isso.”
Deu para perceber que o bate-boca “jurídico” entre “promotoria” e “defesa” futebolísticas ia longe. Com o fim das performances, o júri, composto pelos jogadores sorteados Ubirajara Motta, Décio Esteves, Hilton, Alcides, Joel, Nilton e Darcy, retirou-se para deliberar a sentença ou inocentar o “réu”. Calazans foi considerado culpado, mas com atenuantes. Ficou, de acordo com o código disciplinar do “tribunal” banguense, multado em 30% de seus vencimentos. Coube recurso. Zózimo ponderou à “instância máxima” no Bangu: a presidência do clube. O zagueiro alegou que Calazans era réu primário. Mesmo assim, no ano seguinte a este episódio Calazans trocou o Bangu pelo América.
Lendas à parte, o excelente ponta esteve na final do último título estadual do América, em 1960, contra o Fluminense, numa espetacular virada de 2 a 1, gol do lateral-direito Jorge, sob o comando do técnico Jorge Vieira, que tinha apenas 20 anos na ocasião. Para Calazans, o vaticínio do craque Didi, do Botafogo, estimulou o time: “Quando nós empatamos [no primeiro turno] com o Botafogo em 2 a 2, o Didi me disse que ninguém poderia vencer o América. Dito e feito. Dali para frente disputamos outras 13 partidas e não perdemos mais nenhuma.”
Veio o returno e o time de General Severiano cedera novamente um empate para o América, que perdia de 3 a 2. O gol salvador de Calazans, que garantiu o empate, abriu o caminho para a grande conquista diante do Fluminense, no jogo seguinte. “O Antoninho cruzou e não tive dúvida. Bati de primeira, da linha de fundo, sem ângulo, entre a trave e o Manga.”
José Trajano relembra o destino de alguns dos campeões do América após a antológica conquista, entre os quais Calazans: “Veio o gol de Jorge, o título de primeiro campeão do estado da Guanabara, e a dura realidade. Amaro foi vendido para o futebol italiano. Djalma Dias se transferiu para o Palmeiras. Ivã saiu para o Botafogo. Calazans e Quarentinha para o Fluminense e acabou o time campeão de 1960 […] Calazans, quando chegou ao América, levava um grande cartaz, pois tinha jogado numa linha de cobras do Bangu e ao lado de Zizinho. Quando saiu para o Fluminense tinha uma mágoa do América – ‘Nem faixa de campeão me deram. A única que tenho é uma azul e branco dada pela Rádio Guanabara’. Hoje, aos 40 anos, trabalha na Secretaria de Segurança e joga no time da repartição dirigida pelo ex-goleiro Ari.”
Como Trajano recordou, depois do América, Calazans se transferiu, em maio de 1961, para o clube das Laranjeiras, mas sem o brilho que obteve no América. Sobre a ida para o Fluminense, o jornal O Globo escreveu: “De Campos Sales para Laranjeiras, Calazans, o ótimo ponta-direita campeão da cidade pelo América, esteve ontem à noite na residência do vice-presidente de Futebol do Fluminense, Dilson Guedes, e assinou contrato com o grêmio das Laranjeiras. O ex-rubro receberá por dois anos, entre luvas e ordenados, 45 mil cruzeiros mensais, e a sua estreia na equipe tricolor poderá ser feita amanhã mesmo, diante do Bahia, nas Laranjeiras. Hoje pela manhã o craque esteve em Campos Sales, despedindo-se de seus antigos companheiros e dirigentes.”
No dia seguinte após a negociação com o Tricolor, José Fenerich, contador do Fluminense, foi à sede do América, na rua Campos Sales, entregar o cheque de um milhão e meio de cruzeiros, referente ao pagamento do passe de Calazans. Mas, no Fluminense, Calazans não brilhou no time principal. Atuava mais no time de aspirantes e amadores, com o qual foi bicampeão carioca da categoria, em 1962 e 63. Seguiu para uma curtíssima temporada no Bahia, que durou apenas seis meses, em 1964, e voltou a futebol carioca para ser o capitão do São Cristóvão, em 1965, sendo peça decisiva no time campeão da segunda divisão do campeonato carioca.
O craque deixou os gramados sem muitos recursos. Foi motorista de deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Apesar de aposentado pela Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, Calazans passou a trabalhar para um projeto esportivo da Prefeitura do Rio que atende crianças de toda a cidade.
ZICO E EU, PARTE 1
por Luis Filipe Chateaubriand
Apesar de não torcer pelo Flamengo, sempre reconheci no clube, na Instituição, uma importância enorme não só no futebol brasileiro, mas na sociedade brasileira.
Neste sentido, em 1995 estive em um evento no Museu da Imagem e do Som, acompanhado de um amigo flamenguista, de comemoração do centenário do Flamengo.
Depois de alguns debates muito interessantes, inclusive com o mítico Zizinho, no início da noite chega a celebridade mais esperada, Zico.
Um aglomerado de pessoas chega próximo ao ídolo, loucos por uma foto ou por um autógrafo. Zico, pacientemente, atende a todos, exemplo de humildade.
Eu e meu amigo somos contemplados com um autógrafo.
Passados alguns minutos, meu amigo havia desaparecido. Fui procurá-lo.
Encontrei-o… chorando!
A emoção de apertar a mão de Zico e de receber o autógrafo dele fez as lágrimas escorrerem do rosto de meu brother.
O cara é meu amigo até hoje, são quase 35 anos de amizade. Não o tinha visto chorar até então.
Só mesmo Zico – exemplo de craque, exemplo de profissional, exemplo de ser humano – para fazer as pessoas chorarem de emoção.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebolhá 40anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.
A CULPA É SEMPRE DO OUTRO
“É sempre mais fácil achar que a culpa é do outro”. (Hemingway apud Raul Seixas”)
por Luiz Ricas
Vou confessar aqui que tem algo que não consigo mais fazer é ver redes sociais após os jogos de futebol. Ontem, vendo um reprisado programa de entrevistas na tv aberta, Zico comentava da ausência de qualidade técnica e por consequência de resenhas de futebol no dia seguinte. Concordo com ambos as constatações, mas não vejo uma como causa da outra, mas sim uma arrogância hedonista e fugitiva da comunidade futebolística. SE FALA DE TUDO APÓS O JOGO, MENOS DO JOGO!
A imprensa, em busca de audiência, curtidas e visualizações, se dedica a caçar polêmicas e caso não tenha nenhuma muito aparente colocam um articulista para falar algo que saiba que virará discussões inócuas e sem nenhum ou com pouco contato da realidade e da racionalidade (“Neymar é maior que Pelé”?, “(insira aqui o time de mais investimento na temporada) é o Real Madrid das Américas”?, ou cunhar termos como “apito amigo” sempre para o time de maior torcida do Estado do veículo garantindo a polêmica, entre muitas outras).
O torcedor, quando não se baseia nesses comentários e sempre vê lances polêmicos contra seu time e conspirações diversas, cria muitas dessas polêmicas em redes sociais pelos mesmos motivos da imprensa (audiência, curtidas e visualizações) e assim retroalimenta essa técnica de “não” comunicação muito usada em política por exemplo, se falar da moral do oponente e não do assunto a ser debatido em si. Uma forma de fugir do debate que sabe que irá perder sem “fugir” dele. Outra furtiva de torcedores é eleger algum culpado pela derrota dentro do próprio elenco tornando ele o imoral que atrapalhou o natural, a óbvia vitória do meu time, ignorando uma coletividade que jogou contra eles durante mais de 90 minutos e que também estava em busca da vitória.
Esse sintoma já seria grave se não houvesse algo ainda pior, o desejo dos profissionais de esconder e não falar sobre o mal desempenho em teorias conspiratórias quase sempre envolvendo juízes, federações e rivais. Nota-se que qualquer time quando perde acha um lance que ele considera capital para o resultado da peleja. Busque na memória e garanto que terá dificuldades em lembrar de alguma entrevista que o técnico, dirigente ou jogador derrotado reconhece o mérito da equipe oponente no resultado.
Alguns de forma completamente irresponsável chegam a incitar sua própria torcida em suas acusações só para não admitir a vitória do oponente. O cerne do debate é a fuga dele. É não aceitar que o jogo é disputado por duas equipes e não importa quão díspares são qualquer uma delas poderá vencer, como diz o consenso geral, essa é uma das grandes graças do futebol. E que sim, outra equipe pode jogar melhor que a sua e, olha lá, vencer! E se tu criar diversas chances e a outra equipe apenas uma e ela fizer e seu time não, quem mereceu vencer foi quem fez, não quem criou e não concluiu as diversas criações durante o jogo.
Note que é tão generalizado isso que não citei nenhuma equipe ou região nesse artigo. Esse sintoma vale para o país todo. Sim, concordo com o Zico, falta jogador bom no futebol profissional masculino jogado no Brasil. Falta jogo bom. Mas um sintoma maior impede as resenhas sobre futebol: elas foram sequestradas pela vontade de não assumir falhas próprias ou méritos rivais, afinal a culpa da derrota é daquele lance (sete centímetros) impedido que o bandeirinha validou, na próxima vez vamos tirar o time de campo…