SEMPRE SEM MEDO
por João Máximo
Certa vez, apresentando João Saldanha ao público que lotava um teatro para vê-lo, defini-o como um carioca de Alegrete que podia orgulhar-se ser o único técnico de seleção brasileira abençoado com as graças da unanimidade. Aquele homem que acabara de palestrar sobre uma de suas paixões – o futebol – fora responsável por devolver à seleção, nas eliminatórias de 1969, a credibilidade que ela perdera na Copa do Mundo de três anos antes. Como? Combinando ao seu conhecimento o charme, o carisma, a astúcia, a simpatia, o humor e o jogo de cintura do bom carioca nascido nos Pampas.
Só depois, em conversa com pessoas da plateia, descobrimos que elas admiravam João Saldanha por razões diversas: o técnico, o comentarista de rádio, o dos cinco minutos de TV, o cronista de jornal, o homem que vira “todas as Copas do Mundo”, o conversador de tiradas saborosas, o contador de histórias, o grande personagem. Eram tempos de chumbo. E muitos dos que ali estavam viam no palestrante a figura que, no futebol, simbolizava a oposição à ditadura que acabara de faturar, indevidamente, o tri brasileiro no México.
Ninguém chegou a falar do João Sem Medo, brigão, destemido, ou do ex-garotão de praia, amigo de Heleno de Freitas, Sandro Moreyra e Salim Simão, todos botafoguenses. Muito menos do candidato a vice-prefeito do Rio, do ator de cinema ou da autoridade em escolas de samba, papéis que, afinal, ele só representaria mais tarde.
O centenário de João Saldanha é mais uma oportunidade para repetir que ele foi muitas pessoas para muita gente. Não há como defini-lo sem o risco de nos perdermos pelos atalhos de sua personalidade. Nada a ver com os cinco casamentos. Nada a ver com sua eterna fidelidade ao Partido Comunista. Nada a ver com as tantas viagens com que confundiu nossas cabeças (na Normandia com Montgomery, na Grande Marcha com Mao Tsé-Tung, na Coreia como correspondente de guerra), mas tudo a ver com seu fascinante modo de ser. No futebol, único.
O Botafogo deve muito a ele o Campeonato Carioca de 1957 (naturalmente, menos do que deve a Garrincha e a Paulo Valentim). Também deve a ele, novamente em parte, o Brasil do tri. A quantidade de trapalhadas que cometeu nos primeiros meses de 1970 (sair armado atrás de Yustrich, tentar ser técnico e jornalista ao mesmo tempo e apregoar as limitações visuais de Pelé) deram armas para que os homens da ditadura, que o detestavam, o substituíssem. Isso depois de João Saldanha ser, à frente da seleção, a figura mais popular do Brasil em 1969. Nem Roberto Carlos, nem Chacrinha, nem Pelé, mas ele, João. Até os paulistas aprenderam a gostar dele, depois de o rejeitarem em manchete de jornal: “Perdemos a seleção!”.
João Saldanha nunca se referiu ao substituto com inveja, nunca criticou o seleção da qual fora banido, nunca se ressentiu do médico e do preparador físico que o boicotaram. Era das melhores facetas de seu caráter. A outra, a lealdade aos amigos. Quem conviveu com ele em redação de jornal, nos últimos 14 anos de sua vida, é testemunha disso. E de como ajudava os mais jovens, o estagiário, garotos e garotas que se aproximavam como quem se chega a uma lenda e que encontravam nele um igual. Leal e companheiro, deixou no jornalismo esportivo um vazio.
Passional, fez pela vida afora muitos inimigos. Na política, claro, e no futebol. De revólver em punho, correu atrás de Manga quando soube que o goleiro queria refutar no braço a sugestão de que tinha se vendido. Na véspera, a briga foi com o contraventor Castor de Andrade, que dizia ter comprado Manga. De outra feita, deu um tiro nas prateleiras do comerciante que vendera pilhas gastas à sua empregada. Sua noção de justiça, sua defesa do que achava certo, também era parte do caráter que dizia ter herdado do pai, bravo maragato das querelas gaúchas do começo do século passado. Ele e o irmão Aristides, também valente. Os dois só não combinavam como torcedores: João, do Grêmio, Aristides, do Inter.
As histórias são muitas, as vividas e as imaginadas. Como disse Marcos de Castro, ao escrever sobre ele, João Saldanha não mentia. Mitômano, simplesmente acreditava nas coisas que contava, às vezes para perplexidade de quem as ouvia. E, no entanto, muitas daquelas histórias eram pura verdade. O desafio ao general Médici, que queria Dario na seleção, realmente aconteceu: “O presidente escala o ministério dele e eu escalo o meu time”. Ficou assim como uma declaração de princípios: não haveria de ser com sua ajuda que os generais da vez iriam vestir a faixa do tri.
É irônico que tenha morrido na Itália, durante uma Copa do Mundo em que a seleção brasileira passou a praticar o mau futebol que ele tanto combatia. Sempre sem medo, viajara muito doente, sem ouvir conselhos médicos, para se despedir, do futebol e da vida, em pleno campo de batalha.
O DRIBLE IMAGINÁRIO
Texto: Roberta Saboya | Ilustração: MAM
Durante a minha infância, os domingos eram de festa. Os almoços eram rápidos: cachorro quente e sanduíche de queijo. Íamos todos – do priminho melequento ao tio-avô surdo – para o templo do futebol: o MARACANÃ. Era uma época em que o tempo passava devagar, sem a pressa dos celulares. Os lances da partida eram registrados só pelas retinas e corações.
À noite, “almoçávamos” em volta da mesa redonda da bisa, onde comentávamos cada lance, criávamos teorias. Tinha um primo meio cego que inventava jogadas geniais.
Os dias de Fla X Botafogo eram os mais animados. Minha avó, botafoguense roxa, quase deserdou meu pai, Flamenguista nato. Eu gostava das discussões, podia imaginar vividamente os lances que nunca vi ao vivo.
Através da vovó, conheci o seu maior ídolo, Garrincha, o anjo das pernas tortas. Ela narrava com detalhes cada drible, cada jogada espetacular. “Uma obra de arte”, dizia.
Já meu pai falava da inteligência e precisão das jogadas de Zico, o craque ambidestro que enlouquecia os goleiros com suas batidas de falta. “Uma obra de arte”, meu pai dizia.
Com o passar do tempo, os craques, os domingos animados ficaram esquecidos em uma gaveta da memória. Ontem à noite, embalada pela nostalgia, sonhei com uma partida atemporal. O Maraca estava lotado para ver Flamengo X Botafogo. Os times reuniam jogadores de todos os tempos: de Túlio Maravilha, a Bruno Henrique. Eu na geral! Na Geral, vendo tudo, sem entender nada. No meio daquela miscelânia estavam os craques… os artistas favoritos da minha avó e do meu pai.
Quando os vi, parei de me questionar que diabos estava acontecendo. Só apreciei… Vi Garrinha, o anjo das pernas tortas, deixar Ronaldo Angelim de bunda no chão e mandar um balaço na rede. Vi o Galinho fazer uma jogada genial e deixar Gabigol de cara pro Jefferson. Em algum momento dessa loucura, o maior ponta direita do Botafogo ficou cara a cara com o maior camisa 10 do Flamengo. Foi aí que o mundo parou. O Garrincha ia driblar o Galinho?
Eu, na ponta dos pés, suspensa pela tensão da partida, vi surgir do meu lado direito a minha avó, que profetizou que o Garrincha driblaria sim o Zico. Do meu lado esquerdo apareceu meu pai, que garantiu que o Galinho de Quintino se daria melhor. Parei de olhar o campo. Queria matar saudades da minha avó, do meu pai. A multidão berrou!
Não sei quem driblou quem, sei que tanto a minha avó quanto o meu pai aplaudiram o lance. Acordei em um domingo sem almoço de família, mas com o coração preenchido de amor, de história, de futebol.”
PARABÉNS, AMIGO
por Zé Roberto Padilha
Tem jogadores que passam pela suas partidas, lutam pelo mesmo títulos, sofrem juntos as consequências da mais difícil e cobradas das profissões, mas… conseguem te levar além.
São jogadores abençoados pelos Deuses do Futebol que se colocam acima das funções em campo. E nos dão exemplos fora dele.
Se aprendi um pouco a arte de bater na bola com o Gerson, Rubens Galaxe me ajudou ainda mais a amar o Fluminense. Se Zico nos proporcionou comprar um imóvel quando tive a honra de jogar ao seu lado, seu irmão, Edu, me concedeu o privilégio de ser um cidadão melhor.
E assim fui, carreira afora, conhecendo craques da bola, como Rivelino, PC Caju, e cidadãos notáveis como Totonho, no Goytacaz, Té, no Americano, e Zé Mário, Abel Braga, Marinho, Nielsen Elias no Fluminense. Entre muitos.
Sobre Zé Mário, que hoje faz aniversário, ouso dizer que foi o mais equilibrado jogador de futebol que conheci. Como marcador, não caía, chegava antes, cobria a zaga e nunca precisou dar carrinho.
Como homem, seu equilíbrio acalmava a impetuosidade do Toninho Baiano, amenizava o ímpeto de Mário Sérgio e, por diversas vezes, guardou no escaninho meus exemplares de O Pasquim e Movimento.
“Calma, Zé!”, me respondia quando lhe enviava cartas e panfletos de Recife enquanto distribuía, nos vestiários do Arruda, santinhos de Jarbas Vasconcelos contra Cid Sampaio, da Arena.
Me acalmei, não deixei de lutar pelos meus ideais, mas me tornei um cidadão melhor desde o dia em que joguei ao lado de Dustin Hoffman.
Parabéns pelo seu aniversário, meu amigo.
NA MESA DE BAR DO FUTEBOL, DA RESENHA & CIA
por Kawer Anderson
– Quem é melhor da dupla Ro-Ro; Romário ou Ronaldo?
– Romário.
– Por que?
– Ronaldo, só o fez copiar, inspirado no baixinho, ele mesmo já admitiu isso em entrevista.
– E precisava admitir?
– Claro que não, quem acompanhou o fenômeno, via não só o dribles que ele fazia, as arrancadas, mas até o dedinho “Brahma Chopp a n°1” na comemoração do Gol, ele fazia igual o baixinho.
– Mas nem tudo era igual…
– Gol de cabeça??? O baixinho subia muito e fez alguns belos e importantes gols de cabeça na carreira, como na semifinal da Copa de 94 no meio de gigantes suecos.
– Copa, aliás, que ele praticamente sozinho ajudou a ganhar, isso sim, era um fenômeno.
– Ronaldo???? Gol de cabeça??? Como diria o apresentador Raul Gil:
“xiiiiiiiii !!!!”
– Sem falar que, Romário vindo de trás, driblando em velocidade e fazendo Gol, já fazia muito isso antes de surgir Ronaldo para o Futebol, o baixinho era um azougue!
– Corria, pensava e definia rápido, não podia ver um goleiro adiantado que, dava aquela cavada por cima e, caixa!!!
– Ronaldo??? Vindo de trás??? Cavando por cima do goleiro??? Que eu lembro, só no goleiro do Santos na Vila Belmiro em 2009, final de carreira e só.
– Romário??? Olha os jogos do Vasco na década de 80, pelo PSV entrando na década de 90…
– Barcelona, Flamengo, seleção brasileira e até na volta ao Vasco, tem tudo no Youtube.
– Mas é fato que, o aluno e, nesse caso, o Ronaldo; seguiu a cartilha direitinho…
– Sucesso nos gramados e no marketing esportivo.
– Mas na bola, nem os mil gols do baixinho.
– O único pesar para a Copa do Mundo de 1998…
– Não ter visto essa dupla voar nos gramados Franceses.
– Teria sido tão histórico, quanto Bebeto e Romário em 1994.
– Aliás até essa Copa, que o Fenômeno tem no currículo, deve mais a quem?
– Foi mais completo, mais recurso técnico, mais goleador, mais marrento e menos amigo do Edmundo e do próprio Ronaldo, ou seja, Romário – o Peixe.
– Parabéns, Ronaldo!
– E Feliz aniversário para você Romário! “o gênio da grande área!”
Sem mais.
AH, O CAMPEONATO CARIOCA…
por Paulo-Roberto Andel
Começou o Carioca 2024. Se o campeonato já não é o mesmo de antigamente – e poderia muito bem ser remodelado -, ele desperta grandes lembranças para os torcedores com mais de trinta anos. Cinquentões e sessentões, nem se fala.
Os garotos de hoje talvez nem possam imaginar, mas um dia o Campeonato Carioca foi o mais importante do Brasil. Seus craques a granel, seus incontáveis clássicos que já lotavam nos anos 1920 e aumentaram de tamanho com a inauguração do Maracanã – aquele outro, o então Distrito Federal que fervilhava com a apoteose do esporte. Dos anos 1960 a 1980 você pode listar pelo menos dez incríveis decisões de campeonato. Brasileiro? Libertadores? Não estávamos nem aí para isso: a onda era o Maraca lotado e as multidões em êxtase. Pense numa lista de craques, craques mesmo do futebol carioca entre os anos 1950 e 1990 e você passará de cem nomes brincando.
Enfim, estamos em 2024, os tempos mudam, o poder está na Champions e não há hoje a menor chance de algum jogador brasileiro estar entre os dez melhores do mundo. Paciência. Pior ainda é ler ou ouvir idiotas da objetividade bostejando que os jogadores de antigamente não conseguiriam atuar agora. Piada de mau gosto. Craque é craque sempre, pereba é pereba sempre.
Diante da realidade, a saudade é inevitável. Jogos encardidos contra o São Cristóvão, o Olaria e o Campo Grande. Tempos depois, Americano e Goytacaz sempre aprontando contra os grandes. E o querido Bonsucesso? Todas essas equipes, mais o Madureira e a Portuguesa – ainda hoje na primeira divisão e bem arrumados – davam um sabor ao campeonato, porque tinham sempre bons jogadores e não facilitavam a vida dos grandes. Jogar em Ítalo Del Cima, Teixeira de Castro e na Bariri era sinônimo de pressão e dificuldade, mesmo para os grandes craques.
Num capítulo à parte, ficam duas glórias do Rio. Primeiro o Bangu, que luta com suas forças e quase nenhum apoio, mas nem de longe lembra seus esquadrões do passado. Quem dera o Alvirrubro de Moça Bonita pudesse ter força econômica para encarar as disputas como postulante ao título. Em segundo, o velho e querido America. Como faz falta não ter algo como as comemorações de Luisinho Tombo, as jogadas de mestre de Edu e Bráulio, a imponência de Alex na zaga e País voando para impedir um grande gol. Como faz falta o America de 1974 e 1960. Como é difícil ver a tabela do campeonato sem o Diabo. Vida que segue.
Ok, agora tudo é Copa do Brasil, Libertadores e Sul-americana – daqui a pouco desprezam até o Brasileirão, mas nunca é demais lembrar: se o futebol deste país um dia chegou a cinco títulos mundiais, é porque deve muito de sua história aos veteranos campos da então capital da República e posteriormente Guanabara – foi dele que surgiram vários dos jogadores que ergueram o que, no passado, se chamou de melhor futebol do mundo. E não é coincidência que, desde que passamos a desprezar as conjunturas locais, dentre outras coisas, o futebol brasileiro passou de principal protagonista para figurante com grife. No mínimo, um caso a se pensar. A força da grana acabou nos colocando em um atoleiro e precisamos sair dele.
Viva Bariri! Viva Aniceto Moscoso! Salve Campos Sales, salve Moça Bonita! Viva o Luso-Brasileiro! Viva Leônidas da Silva!
@pauloandel