O DRIBLE IMAGINÁRIO
Texto: Roberta Saboya | Ilustração: MAM
Durante a minha infância, os domingos eram de festa. Os almoços eram rápidos: cachorro quente e sanduíche de queijo. Íamos todos – do priminho melequento ao tio-avô surdo – para o templo do futebol: o MARACANÃ. Era uma época em que o tempo passava devagar, sem a pressa dos celulares. Os lances da partida eram registrados só pelas retinas e corações.
À noite, “almoçávamos” em volta da mesa redonda da bisa, onde comentávamos cada lance, criávamos teorias. Tinha um primo meio cego que inventava jogadas geniais.
Os dias de Fla X Botafogo eram os mais animados. Minha avó, botafoguense roxa, quase deserdou meu pai, Flamenguista nato. Eu gostava das discussões, podia imaginar vividamente os lances que nunca vi ao vivo.
Através da vovó, conheci o seu maior ídolo, Garrincha, o anjo das pernas tortas. Ela narrava com detalhes cada drible, cada jogada espetacular. “Uma obra de arte”, dizia.
Já meu pai falava da inteligência e precisão das jogadas de Zico, o craque ambidestro que enlouquecia os goleiros com suas batidas de falta. “Uma obra de arte”, meu pai dizia.
Com o passar do tempo, os craques, os domingos animados ficaram esquecidos em uma gaveta da memória. Ontem à noite, embalada pela nostalgia, sonhei com uma partida atemporal. O Maraca estava lotado para ver Flamengo X Botafogo. Os times reuniam jogadores de todos os tempos: de Túlio Maravilha, a Bruno Henrique. Eu na geral! Na Geral, vendo tudo, sem entender nada. No meio daquela miscelânia estavam os craques… os artistas favoritos da minha avó e do meu pai.
Quando os vi, parei de me questionar que diabos estava acontecendo. Só apreciei… Vi Garrinha, o anjo das pernas tortas, deixar Ronaldo Angelim de bunda no chão e mandar um balaço na rede. Vi o Galinho fazer uma jogada genial e deixar Gabigol de cara pro Jefferson. Em algum momento dessa loucura, o maior ponta direita do Botafogo ficou cara a cara com o maior camisa 10 do Flamengo. Foi aí que o mundo parou. O Garrincha ia driblar o Galinho?
Eu, na ponta dos pés, suspensa pela tensão da partida, vi surgir do meu lado direito a minha avó, que profetizou que o Garrincha driblaria sim o Zico. Do meu lado esquerdo apareceu meu pai, que garantiu que o Galinho de Quintino se daria melhor. Parei de olhar o campo. Queria matar saudades da minha avó, do meu pai. A multidão berrou!
Não sei quem driblou quem, sei que tanto a minha avó quanto o meu pai aplaudiram o lance. Acordei em um domingo sem almoço de família, mas com o coração preenchido de amor, de história, de futebol.”
PARABÉNS, AMIGO
por Zé Roberto Padilha
Tem jogadores que passam pela suas partidas, lutam pelo mesmo títulos, sofrem juntos as consequências da mais difícil e cobradas das profissões, mas… conseguem te levar além.
São jogadores abençoados pelos Deuses do Futebol que se colocam acima das funções em campo. E nos dão exemplos fora dele.
Se aprendi um pouco a arte de bater na bola com o Gerson, Rubens Galaxe me ajudou ainda mais a amar o Fluminense. Se Zico nos proporcionou comprar um imóvel quando tive a honra de jogar ao seu lado, seu irmão, Edu, me concedeu o privilégio de ser um cidadão melhor.
E assim fui, carreira afora, conhecendo craques da bola, como Rivelino, PC Caju, e cidadãos notáveis como Totonho, no Goytacaz, Té, no Americano, e Zé Mário, Abel Braga, Marinho, Nielsen Elias no Fluminense. Entre muitos.
Sobre Zé Mário, que hoje faz aniversário, ouso dizer que foi o mais equilibrado jogador de futebol que conheci. Como marcador, não caía, chegava antes, cobria a zaga e nunca precisou dar carrinho.
Como homem, seu equilíbrio acalmava a impetuosidade do Toninho Baiano, amenizava o ímpeto de Mário Sérgio e, por diversas vezes, guardou no escaninho meus exemplares de O Pasquim e Movimento.
“Calma, Zé!”, me respondia quando lhe enviava cartas e panfletos de Recife enquanto distribuía, nos vestiários do Arruda, santinhos de Jarbas Vasconcelos contra Cid Sampaio, da Arena.
Me acalmei, não deixei de lutar pelos meus ideais, mas me tornei um cidadão melhor desde o dia em que joguei ao lado de Dustin Hoffman.
Parabéns pelo seu aniversário, meu amigo.
NA MESA DE BAR DO FUTEBOL, DA RESENHA & CIA
por Kawer Anderson
– Quem é melhor da dupla Ro-Ro; Romário ou Ronaldo?
– Romário.
– Por que?
– Ronaldo, só o fez copiar, inspirado no baixinho, ele mesmo já admitiu isso em entrevista.
– E precisava admitir?
– Claro que não, quem acompanhou o fenômeno, via não só o dribles que ele fazia, as arrancadas, mas até o dedinho “Brahma Chopp a n°1” na comemoração do Gol, ele fazia igual o baixinho.
– Mas nem tudo era igual…
– Gol de cabeça??? O baixinho subia muito e fez alguns belos e importantes gols de cabeça na carreira, como na semifinal da Copa de 94 no meio de gigantes suecos.
– Copa, aliás, que ele praticamente sozinho ajudou a ganhar, isso sim, era um fenômeno.
– Ronaldo???? Gol de cabeça??? Como diria o apresentador Raul Gil:
“xiiiiiiiii !!!!”
– Sem falar que, Romário vindo de trás, driblando em velocidade e fazendo Gol, já fazia muito isso antes de surgir Ronaldo para o Futebol, o baixinho era um azougue!
– Corria, pensava e definia rápido, não podia ver um goleiro adiantado que, dava aquela cavada por cima e, caixa!!!
– Ronaldo??? Vindo de trás??? Cavando por cima do goleiro??? Que eu lembro, só no goleiro do Santos na Vila Belmiro em 2009, final de carreira e só.
– Romário??? Olha os jogos do Vasco na década de 80, pelo PSV entrando na década de 90…
– Barcelona, Flamengo, seleção brasileira e até na volta ao Vasco, tem tudo no Youtube.
– Mas é fato que, o aluno e, nesse caso, o Ronaldo; seguiu a cartilha direitinho…
– Sucesso nos gramados e no marketing esportivo.
– Mas na bola, nem os mil gols do baixinho.
– O único pesar para a Copa do Mundo de 1998…
– Não ter visto essa dupla voar nos gramados Franceses.
– Teria sido tão histórico, quanto Bebeto e Romário em 1994.
– Aliás até essa Copa, que o Fenômeno tem no currículo, deve mais a quem?
– Foi mais completo, mais recurso técnico, mais goleador, mais marrento e menos amigo do Edmundo e do próprio Ronaldo, ou seja, Romário – o Peixe.
– Parabéns, Ronaldo!
– E Feliz aniversário para você Romário! “o gênio da grande área!”
Sem mais.
AH, O CAMPEONATO CARIOCA…
por Paulo-Roberto Andel
Começou o Carioca 2024. Se o campeonato já não é o mesmo de antigamente – e poderia muito bem ser remodelado -, ele desperta grandes lembranças para os torcedores com mais de trinta anos. Cinquentões e sessentões, nem se fala.
Os garotos de hoje talvez nem possam imaginar, mas um dia o Campeonato Carioca foi o mais importante do Brasil. Seus craques a granel, seus incontáveis clássicos que já lotavam nos anos 1920 e aumentaram de tamanho com a inauguração do Maracanã – aquele outro, o então Distrito Federal que fervilhava com a apoteose do esporte. Dos anos 1960 a 1980 você pode listar pelo menos dez incríveis decisões de campeonato. Brasileiro? Libertadores? Não estávamos nem aí para isso: a onda era o Maraca lotado e as multidões em êxtase. Pense numa lista de craques, craques mesmo do futebol carioca entre os anos 1950 e 1990 e você passará de cem nomes brincando.
Enfim, estamos em 2024, os tempos mudam, o poder está na Champions e não há hoje a menor chance de algum jogador brasileiro estar entre os dez melhores do mundo. Paciência. Pior ainda é ler ou ouvir idiotas da objetividade bostejando que os jogadores de antigamente não conseguiriam atuar agora. Piada de mau gosto. Craque é craque sempre, pereba é pereba sempre.
Diante da realidade, a saudade é inevitável. Jogos encardidos contra o São Cristóvão, o Olaria e o Campo Grande. Tempos depois, Americano e Goytacaz sempre aprontando contra os grandes. E o querido Bonsucesso? Todas essas equipes, mais o Madureira e a Portuguesa – ainda hoje na primeira divisão e bem arrumados – davam um sabor ao campeonato, porque tinham sempre bons jogadores e não facilitavam a vida dos grandes. Jogar em Ítalo Del Cima, Teixeira de Castro e na Bariri era sinônimo de pressão e dificuldade, mesmo para os grandes craques.
Num capítulo à parte, ficam duas glórias do Rio. Primeiro o Bangu, que luta com suas forças e quase nenhum apoio, mas nem de longe lembra seus esquadrões do passado. Quem dera o Alvirrubro de Moça Bonita pudesse ter força econômica para encarar as disputas como postulante ao título. Em segundo, o velho e querido America. Como faz falta não ter algo como as comemorações de Luisinho Tombo, as jogadas de mestre de Edu e Bráulio, a imponência de Alex na zaga e País voando para impedir um grande gol. Como faz falta o America de 1974 e 1960. Como é difícil ver a tabela do campeonato sem o Diabo. Vida que segue.
Ok, agora tudo é Copa do Brasil, Libertadores e Sul-americana – daqui a pouco desprezam até o Brasileirão, mas nunca é demais lembrar: se o futebol deste país um dia chegou a cinco títulos mundiais, é porque deve muito de sua história aos veteranos campos da então capital da República e posteriormente Guanabara – foi dele que surgiram vários dos jogadores que ergueram o que, no passado, se chamou de melhor futebol do mundo. E não é coincidência que, desde que passamos a desprezar as conjunturas locais, dentre outras coisas, o futebol brasileiro passou de principal protagonista para figurante com grife. No mínimo, um caso a se pensar. A força da grana acabou nos colocando em um atoleiro e precisamos sair dele.
Viva Bariri! Viva Aniceto Moscoso! Salve Campos Sales, salve Moça Bonita! Viva o Luso-Brasileiro! Viva Leônidas da Silva!
@pauloandel
UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 47
por Eduardo Lamas Neiva
A festa revivida pelo título mundial de 1958 parecia que não acabaria nunca. Pelé, Didi, Garrincha, Nilton Santos e outros integrantes daquele time fantástico foram muito aplaudidos e reverenciados. João Sem Medo, Ceguinho Torcedor, Sobrenatural de Almeida e Idiota da Objetividade, então, os convidaram a ir à mesa para falarem um pouco com o público sobre a primeira Copa do Mundo conquistada pela seleção brasileira. Didi começou lançando, mas Pelé e Garrincha acabaram tomando conta da peleja.
Didi: – Eu fazia um lançamento e tinha vontade de rir. O Mané ia passando e deixando os homens de bunda no chão.
Garrincha: – Em 1958 era muito jovem e tinha uma velocidade bárbara. As pernas corriam mais do que eu queria e as jogadas saíam-me quase sempre bem.
Pelé – Cada vez mais sinto saudades de você em campo, daqueles dribles, do povo nos estádios que vibrava com tuas entortadas nos “Joões”. Cada vez vejo menos habilidade no jogador brasileiro.
Garrincha – A pelada está perdendo espaço, só tem garotos jogando em campos cercados.
João em Medo: – E agora com grama sintética até nos campos oficiais, Mané.
Garrincha: – Verdade, seu João. Cadê o moleque de pé no chão batendo bola em terra dura? O pior é que todo mundo põe a culpa na retranca, mas continua bolando esquemas cada vez mais fechados. Parece saudosismo, mas na Copa de 1958 também éramos muito marcados.
Pelé – Pois é, eu era um garoto de 17 anos, mas tinha gente boa fazendo a minha cabeça. Aliás, você lembra por que o Paulo Amaral (preparador físico) acabou com as corridas depois dos treinos?
Garrincha – Claro, o pessoal corria até o lago não para melhorar o preparo físico, mas para ver as garotas tomando banho nuas. Daí o Paulo Amaral proibiu a corrida e o remédio foi aturar você tocando violão.
Todos riem muito.
Pelé – Tocar não é bem a palavra: eu batucava no violão.
Garrincha – E já aprendeu?
Pelé – Tocar eu ainda não toco, mas componho mais ou menos.
Garrincha – Já ouvi o Jair Rodrigues cantando uma música tua. Pega o violão e mostra aí.
Garçom: – Vamos aproveitar, então, e chamar mais uma vez Jair Rodrigues ao palco pra cantar com Pelé.
Todos aplaudem e vibram.
Pelé: – Dá um abraço aqui Jair. Que felicidade estar com você novamente.
Jair Rodrigues: – A felicidade é toda minha poder abraçar você, Mané e toda essa turma boa de 58 e 62.
Pelé: – Vamos cantar “Cidade grande”?
Jair Rodrigues: – Vamos lá, meu Rei?
Pelé: – Vamos sim. O Mané pediu, então…
Jair Rodrigues: – É uma ordem! (dá aquela risada gostosa que todo o Brasil se acostumou a ver e ouvir)
A dupla é aplaudidíssima e os dois se abraçam. Enquanto Jair Rodrigues volta à sua mesa, Pelé retorna pra continuar a resenha com Garrincha.
Pelé – Bons tempos…
Garrincha – Bons mesmo. Na Copa de 1962 foi uma pena você ter se machucado. Eu dei sorte, fiz gols… Mas jamais vou esquecer da partida contra os russos em 1958.
Pelé – Foi a primeira partida que disputamos juntos. Era a estreia de nós dois na Copa e vencemos por 2 a 0, dois gols do Vavá (aponta pro amigo que é muito aplaudido). Você enlouqueceu os russos, Mané! Logo na primeira bola, entortou três. Dali em diante, só deu você. Nosso futebol está precisando de um novo Garrincha, de outro “Alegria do Povo”.
Didi: – Convencemos o técnico Vicente Feola a colocar Pelé no lugar do Dida, que sentia uma contusão. Feola temia lançar Pelé, que tinha apenas 17 anos, mas concordou. Também pedimos que ele escalasse Garrincha no lugar de Joel. Feola nos atendeu, o time embalou e fomos campeões.
Vicente Feola, também presente, preferiu não interromper, nem concordar com o que Didi revelava.
Pelé: – Eu não imaginava que seria convocado.
Ceguinho Torcedor: – Mas você tinha feito uma promessa ao seu pai de que ganharia uma Copa pra ele…
Pelé: – É, seu Ceguinho… Eu engraxava as chuteiras e os sapatos dos jogadores do BAC na época da Copa de 50.
Idiota da Objetividade: – Peço desculpas por interrompê-lo rapidamente, Pelé, mas só pro público saber: BAC é o Bauru Atlético Clube. Prossiga, por favor.
Pelé: – Sem problemas. Bom, nós ouvimos a final de 50 no rádio e vi depois do jogo o meu pai e aqueles jogadores que eram companheiros dele chorando e todo mundo triste porque estava preparada uma festa lá em casa em Bauru. Aí eu falei pro meu pai brincando: “não liga, não, que eu vou ganhar uma Copa pra você”. E oito anos depois meu pai estava chorando, ouvindo o mesmo rádio, mas a gente ganhando a Copa do Mundo na Suécia.
Sobrenatural de Almeida: – Assombroso! Assombroso! (dá sua risada tenebrosa)
Risada geral.
Idiota da Objetividade: – Mas qual foi o jogo mais difícil na Copa, Pelé?
Pelé: – Olha, nós não tínhamos o teipe naquela época, né? Nós tínhamos os olheiros que viam os jogos e todos diziam que a gente ia ter mais dificuldade contra a França, porque era a melhor equipe. Mas pra mim foi o País de Gales. Era um time que jogava na retranca, foi difícil, ganhamos de 1 a 0, com um gol que eu fiz, né. Depois que nós ganhamos da França, com a Suécia eu tinha certeza absoluta, nós tínhamos uma confiança que nós não perderíamos pra Suécia, porque o nosso time era melhor.
Todos aplaudem e os companheiros de 58 se confraternizam e abraçam também João Sem Medo, Ceguinho Torcedor, Iditoa da Objetividade e Sobrenatural de Almeida. Zé Ary percebe a dispersão e não perde tempo.
Garçom: – Meus amigos, que grande felicidade, né? Pois então, uma festa tão bonita como essa merece mais futebol e música, então, enquanto imagens daquela seleção fantástica vão sendo mostradas no telão, ao som novamente de “A taça é nossa” e depois nas nossas caixas de som vocês vão ouvir o “Hino aos campeões do mundo”, de David Nasser e Vicente Paiva, cantado pelo Coro de Severino Filho. Divirtam-se!
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Um gol desse não se perde!