KRÜGER, O MAIOR
por André Felipe de Lima
Mil novecentos e sessenta e nove. O time do Coritiba estava em Hamburgo, uma das cidades mais importantes da Alemanha, para o início de uma jornada pelo Velho Continente. O primeiro embate aconteceu contra o clube da cidade — o mesmo que o Grêmio derrotaria na final do Mundial de Clubes, em 1983. Terminou 1 a 1, com o craque do time brasileiro marcando um gol. Ele, o tal craque, nunca mais esqueceu aquela partida e tampouco os dias em que esteve em Hamburgo. Em cada esquina lia em uma placa a palavra “Krüger”. A coincidência chamou-lhe a atenção. Mas só associou o nome à pessoa — no caso, ele próprio — quando a delegação do Coritiba retornou ao Paraná. Certificou-se de que suas origens estavam lá, sob os seus pés, em Hamburgo. Obviamente sabia ser descendente de alemães, mas nem desconfiava de que os bisavós eram hamburgueses. Chegaram ao Brasil no final do século 19. O alemãozinho Dirceu Krüger apenas intuiu. Uma intuição que fez dele um dos mais célebres jogadores do Paraná.
Krüger, maior ídolo daquele Coxa dos anos de 1960, assinalou um gol na terra de seus antepassados e — o que mais o gratificou — com a camisa que aprendeu a amar ainda garoto graças ao pai, seu Acácio.
Desde pequeno, o menino acompanhava o pai aos jogos do Coritiba, no estádio Belfort Duarte. Seu Acácio torcia para o Coritiba, mas também era Botafogo. Fato comum no passado. Quem não morasse no eixo Rio-São Paulo torcia para o time da casa e para outro, de fora, geralmente do Rio de Janeiro, então capital federal, centro político, polo cultural… aquelas coisas bairristas de sempre, que hoje, com a globalização, perderam força.
Foi assim que o Coritiba entrou na vida de Dirceu Krüger e ele, sem saber, também começava a entrar para a vida do seu time de coração.
Um jogo que o menino lourinho nunca esqueceu mostrou a ele que Rio e São Paulo não eram os únicos “paraísos” do futebol brasileiro e que toda essa fama dos chamados “grandes clubes” não passava de uma grande bobagem. Bequinha, ele mesmo, o zagueiraço do Coxa, provou isso ao garoto Dirceu.
Em campo, Santos, com Mengálvio, Coutinho, Zito, Pepe, Dorval e… Pelé. O rei. O gênio. O maior de todos. O insuperável, imarcável… espere aí! Imarcável, não. Tudo bem que ele passou a bola por entre as pernas de Bequinha, mas o zagueiro devolveu com a mesma moeda. Aplicou um balãozinho no Rei. Restou a Pelé, humildemente, encaminhar-se a Bequinha e cumprimentá-lo pelo feito.
Na arquibancada, o menino via aquilo tudo com excitação. Era isso que ele queria ser um dia: craque do Coxa, igualmente ao Bequinha, ao Fedato, ao Duílio Dias…
Mas até chegar ao Coritiba, Krüger queimou muita lenha.
Já rapazinho, com 16 anos, Dirceu esboçou seus dotes futebolísticos que anos depois inspirariam o jornalista Albenir Amatuzzi a chamar-lhe de “Flecha Loira”. O primeiro a vê-lo jogar foi o Combate Barreirinha, time amador do bairro. No ano seguinte, 1962, chegou ao União Ahú. Inscreveu-se na peneira como ponta-esquerda, posição pouco procurada pela molecada que queria ser “Pelé”. Todos queriam mesmo é jogar como ponta-de-lança. Mas o treinador do time viu que Dirceu tinha pinta de ponta-de-lança e o escalou no meio de campo.
Do modesto União Ahú foi para o Britânia, anos antes, portanto, de o tradicional papão de títulos do início do século 20 se fundir ao Ferroviário e ao Palestra Itália para formarem o Colorado. Dirceu permaneceu no Britânia até 1965. Ora no time juvenil, ora no profissional. Ninguém o chamava mais de Dirceu. Era Krüger. Aquele menino lourinho, cuja perna esquerda dava muito canseira no chamado “trio-de-ferro” formado por Coritiba, Atlético e Ferroviário.
No campeonato estadual de 64, O “Flecha Loira” marcou seis gols contras os três rivais. Sobrou até para Nico, ídolo do Coritiba. Durante um jogo entre o Coxa e o Britânia, Krüger pressentiu a chegada de Nico, aplicou-lhe um drible e o zagueirão despencou com a bunda no gramado.
A ficha caiu — não é assim que dizem? — e o presidente do Coxa, Lincoln Hey, mandou imediatamente que trouxessem aquele tal de Krüger para o Alto da Glória. Antero, lateral do Britânia, também veio após uma negociação que movimentou 20 milhões de cruzeiros. Dinheiro para chuchu. Era muito arriscado. Afinal, o lourinho era apenas uma “promessa”.
Mas a especialidade dele era deixar grandes zagueiros — Nico que o diga — a ficarem enrubescidos de vergonha após serem driblados com galhardia, molecagem mesmo, por um lourinho bom de bola.
A vítima da vez, logo na estreia de Krüger no Coritiba, foi ninguém menos que Aírton Pavilhão, o maior zagueiro de todos os tempos do Grêmio. O jogo valia para um torneio de verão realizado em fevereiro de 1966. Os gremistas saíram na frente, mas o lourinho, no último minuto do tempo regulamentar, cismou com a cara do Pavilhão, partiu para cima dele com a bola, o driblou e marcou o gol de empate. Nos sete jogos seguintes do Coxa, segundo os pesquisadores do Helênicos, Krüger fez gol. Uma façanha que, se bobear, nem mesmo Pelé conseguiu durante seus primeiros meses de Santos.
Krüger, em campo, inventava moda. E dava certo. Que o diga o Atlético, vítima [é lógico!] predileta do “Flecha Loira”. Durante um Atletiba inesquecível, que aconteceu no dia 16 de setembro de 1967, no estádio Durival de Britto, nasceu o conhecido “drible com o olhar”.
“Cobraram a lateral para mim, a bola veio rasteira e forte na grande área adversária. O zagueiro atleticano Charrão correu em minha direção. Olhei para ele e fiz um movimento com o olhar. Ele imaginou que eu fosse tentar driblá-lo e gingou para evitar. Eu simplesmente passei reto por ele e fiz o gol. Driblei-o, aliás, sem ter tocado na bola.”
No final, Coxa 5 a 0, com shows de Krüger, que assinalou os seus primeiros gols contra o Atlético, e de Walter Correa, o mesmo que um dia jogou pelo Atlético. O resultado foi o tiro de misericórdia no rival, que naquele certame estadual terminou em último na tabela. Só não caiu para a segunda divisão devido a uma virada de mesa.
Tudo estava às mil maravilhas. Krüger, embora ainda jovem, ostentava o galardão de craque maior do futebol paranaense. Vieram as contusões. Em sequência. Cada uma mais grave que a outra.
Após aquela chinelada no Atlético, o Alviverde não foi campeão. Perdeu o título para o São Paulo de Londrina, na casa deles, e Krüger, para o hospital.
O jogo estava 0 a 0, empate favorável ao time do norte do estado. No início do segundo tempo, o zagueiro Sebastião foi driblado por Krüger e o agarrou pela camisa. Na sequência do lance, Sebastião caiu em cima de Krüger, que teve a clavícula quebrada. Resumo da ópera [trágica, por sinal]: dois meses afastado dos campos.
No ano seguinte, em maio, outra fatalidade. Uma dividida com o zagueiro Vermelho, do Britânia, e o tornozelo fraturado. Mas craque é craque. Não há delongas. Retornou em julho para, em agosto, decidir o título com o Atlético. Fez o segundo gol na vitória de 2 a 1 do primeiro jogo da final. Na partida posterior, um empate em 1 a 1 garantiu novo troféu para a galeria do Alto da Glória e mais um gol contra o rival. Foram seis ao longo da carreira.
O ano de 1969, o mesmo em que Krüger descobriu suas origens em Hamburgo, foi tranquilo. Nada de contusões graves. A figa, ao que parece, funcionou. Mas veio o dia 11 de abril de 1970. Aniversário do cidadão curitibano Dirceu Krüger, que completava 25 anos. Era para ser uma grande festa, mas o prazo de validade da figa, tudo indica, expirou.
O placar estava zero para o Coritiba e zero para o Água Verde. Krüger recebeu um passe de Werneck, na entrada da área. Estava sozinho cara a cara com Leopoldo, goleiro do time adversário. Matou a pelota no peito e encobriu o arqueiro, quando se afastou para checar se a bola balançaria mesmo o filó, não escapou do encontrão com o goleiro.
O massagista Lubian entrou rapidamente no gramado e começou a flexionar as pernas do jogador. Em seguida, veio o médico que constatara a gravidade da contusão. O técnico Filpo Nuñes mandou Joaquim aquecer-se para entra no lugar de Krüger. Na secretaria do estádio, um desesperado funcionário telefonava pedindo uma ambulância com urgência.
“A dor foi imensa. Fui internado de urgência no Hospital do Cajuru e, quando acordei, soube que minhas alças intestinais haviam se rompido.”
A bola entrou e o gol valeu, mas o preço foi alto demais. “Seu estado é grave e não permite qualquer prognóstico prematuro”, descrevia o primeiro boletim médico.
Se nada acontecesse naquele trágico sábado, um delicioso bolo de nata [o de que mais gostava] o esperava na casa dos pais, Acácio e Marta. Estava tudo pronto para recebê-lo com festa. “Não sei se meu filho volta. Não sei se foi intencional. Coitado do meu filho”, declarou o pai de Krüger.
Deu pena do goleiro Leopoldo: “Juro que não entrei com má intenção. Queria evitar o gol. A bola ficou para nós dois e houve o choque. Nem sei como foi. Não vi que tinha atingido o Krüger. Estou transtornado. Depois do jogo fui à capela do Água Verde e rezei duas horas pela vida de Krüger. Rezei e chorei, não tenho vergonha de dizer isso.”
Nas primeiras semanas internado, a vida do ídolo maior do futebol paranaense estava por um fio. Até extrema-unção recebeu. Durante os 70 dias hospitalizado, o craque recebeu os cuidados de Bezed Nassif Júnior, chefe da equipe médica e, ironia ou não do destino, atleticano. Foram dias de romaria constante ao hospital. Torcedores do Coxa — e até mesmo de outros times — rezavam. Lauro Rego Barros, então presidente do Atlético, encomendou uma missa pela melhora de Krüger. Deus foi piedoso, mas o destino não. Aquela contusão deixaria sequelas e, prematuramente, tiraria Krüger dos gramados.
Tentou retornar. Mas os treinadores o colocavam em campo paulatinamente. Jogou bem em algumas partidas, como aquela, na Romênia, durante a excursão do Coxa, em novembro de 1970. No país europeu, marcou o primeiro gol após o fatídico acidente. “Foi grande a emoção que esse gol causou em mim, nos atletas e nos dirigentes do Coritiba. Engraçado é que, encerrada a partida, um jornalista curitibano, que narrava o jogo, pediu para que eu viesse transmitir minha emoção ao povo curitibano. De camisa, calção, meias e chuteiras, subi pelas arquibancadas até as cabines, provocando muita curiosidade no povo romeno.”
O ídolo recuperou a confiança. Sentia-se refeito do grande susto do ano anterior. Ávido por futebol. Contra a seleção argelina, quase sem ângulo, marcou o gol que define como mais bonito em toda a carreira.
Krüger era um gênio. Algo inconteste. Um dos melhores jogadores que o Paraná já produziu. Praticamente óbvio que os olhos dos cartolas de clubes de outros estados crescessem. Batata! O primeiro a coçar o bolso foi o Atlético Mineiro, em 1970. Desembolsariam um milhão de dólares por Krüger. Evangelino da Costa Neves, o velho “Chinês”, disse que nem pelo dobro o craque deixaria o Alto da Glória. Krüger, aliás, o chamava de “segundo pai”. O carinho era recíproco. Para Evangelino, Krüger representava mais um “filho” que “jogador de futebol”.
No mesmo ano da oferta do Galo, o Vasco também queria um craque do Coxa. Mas os cartolas luso-cariocas não sabiam bem quem era esse craque. Ouviram falar apenas de um “lourinho bom de bola, cujo nome começava com a letra K”. Apenas isso. Dizem tratar-se de lenda, mas um cartola do clube carioca realmente apareceu no Coritiba para levar o tal craque da letra K. Chinês não pestanejou. Como tinha dois jogadores com a letra K, passou adiante Kosilek, que não fez muita coisa no Vasco. Krüger afirmou aos Helênicos, contudo, que essa história quem inventou foi Evangelino e que no final de 1969 os vascaínos foram derrotados pelos coritibanos em dois jogos. O bastante para conhecer quem era o verdadeiro craque da letra K. E não foi só o Vasco que desejou ter Krüger. Corinthians e Flamengo também sondaram o Chinês. Em vão porque o ídolo sempre afirmou nunca deixar o Coritiba. E cumpriu a promessa.
Há outra tese, porém, sobre o esforço hercúleo de Evangelino para manter Krüger. Como o lourinho era o principal jogador do time, popular ao extremo, era ele quem, involuntariamente, é claro, atraía torcedores para a compra de carnês de loteria, que ajudaram a bancar grande parte da reforma do estádio Belfort Duarte.
Mas o que importa mesmo é que Krüger conquistou muitos títulos pelo Coxa. Foi campeão estadual em 1968, 69, 71, 72, 73, 74 e 75; do Torneio do Povo, em 1973, e do o “Fita Azul”, em 72, um prêmio concedido ao Coritiba por ter concluído de forma invicta uma excursão à Europa e à África.
O ano de 1972 foi especial. O do sétimo bicampeonato da história do Coritiba, que coroou a volta de Krüger. Foi uma decisão encarniçada, com dois jogos diante do Atlético. No primeiro deles, 1 a 0, gol do ídolo. Após um cruzamento de Hélio Pires, Krüger, diante do zagueiro Alfredo Gottardi Jr., chutou, sem chance para o goleiro Picasso. A segunda peleja terminou 0 a 0 e sacramentou a conquista do Coxa. O gol do título foi, porém, de Krüger, que mereceria uma oportunidade na seleção brasileira, mas o bairrismo, o privilégio para o eixo Rio-São Paulo, prevalecia. Não tinha jeito de aquela situação mudar.
E olhe que no final de 1968, o ídolo defendeu o Coritiba contra o escrete nacional.
No gramado, Krüger enfrentou Gérson, Rivelino, Paulo César Caju, Carlos Alberto Torres e, claro, Pelé. O jogo, que terminou em um apertado 2 a 1 para os bambas da seleção nacional, foi um “bota-faixa” nos jogadores do Coxa, então campeões estaduais. O único jogador do Coritiba do lado amarelo foi o lateral-esquerdo Nilo Neves. Dirceu Krüger nunca esteve tão próximo e ao mesmo tempo tão distante de uma seleção brasileira.
Desde a trombada com o goleiro Leopoldo, o “Flecha Loira” jogava com uma cinta elástica para proteger o abdômen. Não foi fácil superar 70 dias de padecimento em um hospital. Quase morreu.
Tudo parecia mais ou menos normal até disputar uma bola durante um jogo de 1975. O adversário, involuntariamente, bateu com a mão na barriga de Krüger. “Senti uma dor horrível, semelhante a do acidente. Foi então que percebi que, desde 1970, colocava minha vida em risco cada vez que jogava ou treinava. Também os antibióticos que tomei para me recuperar acabaram prejudicando minha visão”. Em fevereiro do ano seguinte, fim de linha para Dirceu Krüger.
Parou de jogar, mas não deixou o clube, tornando-se auxiliar técnico de Jorge Vieira. A primeira vez em que assumiu para valer como treinador do Coritiba foi em novembro de 1979, quando substituiu Elba de Pádua Lima, o Tim.
Após idas e vindas no comando técnico, Krüger, em 1984, recuperou a autoestima dos jogadores e os conduziu a uma boa campanha no campeonato brasileiro, parando apenas nas quartas-de-final diante do fortíssimo Fluminense, de Assis, Romerito, Washington, Delei e Ricardo Gomes, que acabaria campeão para cima do Vasco. No ano seguinte, veio a forra. Mesmo como auxiliar de Ênio Andrade, valeu a pena para Krüger participar do grupo campeão brasileiro. Não há o que se queixar. Pesquisa dos Helênicos não deixa dúvida: Krüger, além de grande ídolo do Coritiba ao lado de Fedato, é o segundo técnico que mais vezes dirigiu times do Coritiba, ficando atrás apenas de Félix Magno.
Até hoje, dia 25 de abril de 2019, o “Flecha loira” podia ser visto no clube que aprendeu a amar desde pequenininho, graças ao seu Acácio. Naturalmente “São Acácio” para a torcida do Coritiba. Já sentimos muita saudade do maior ídolo do Coxa.
QUANDO BATI BOLA COM JOHAN CRUYFF
por Claudio Lovato
A primeira Copa do Mundo que acompanhei de fio a pavio foi a de 1974, na então Alemanha Ocidental. Eu tinha 9 anos. Cruyff foi o grande destaque e imediatamente tornou-se um herói para mim. Herói, exemplo e lenda. A camisa 14 da Seleção da Holanda jamais me saiu da cabeça.
Em 1977, eu tinha 12 anos e meu pai estava fazendo doutorado na Espanha. Morávamos em Madri, mas meu velho, querendo dar um presente ao filho, resolveu aproveitar um intervalo nas aulas na universidade para irmos a Barcelona.
Foi no dia seguinte à nossa chegada a Barcelona, logo de manhã cedo, que meu pai, ciente de que não haveria como estender aquela espera, me disse:
– Vamos conhecer o Camp Nou!
Dentro do táxi, eu quase não conseguia ficar sentado.
Não havia treino naquele dia; eu teria que me conformar com uma visita guiada, mas já estava ótimo. Ou quase ótimo.
Terminada a visita fomos até a lojinha do estádio e meu pai me deu uma bola com o escudo do clube. Depois resolvemos dar uma volta pelas redondezas do estádio, por conta própria. Meu pai tinha uma espécie de curiosidade inerente à sua personalidade e isso ajudou para que um dos momentos mais inesquecíveis da minha vida se materializasse.
Entra aqui, sai ali, aproveita aqui o descuido do cara na guarita de segurança, diz ali para um porteiro que somos brasileiros, e vai-se entrando e saindo e entrando de novo, até que chegamos a uma área de estacionamento, e foi então que vimos dois sujeitos saindo juntos por uma porta e se despedindo e se dirigindo a seus carros, e de repente tive a certeza de quem era o cara caminhando em direção ao carro verde escuro e não havia qualquer dúvida na minha cabeça.
Eu e meu pai caminhamos em direção a ele, devagar, mas com convicção, e foi então que ele, percebendo nossa aproximação, em vez de abrir a porta do carro voltou-se para nós, tirou os óculos escuros e falou em espanhol, com toda a calma do mundo, a voz grave, o sorriso cúmplice:
– Estão visitando o clube?
Diante do meu mutismo, meu pai respondeu:
– Sim, somos do Brasil.
Ele caminhou em nossa direção até chegar à distância de um aperto de mãos.
– Brasil… Tivemos um jogo duro contra vocês na última Copa! – ele disse, enfatizando cada sílaba.
Meu pai sorriu e, em seu espanhol fluente, disse:
– Vocês foram melhores.
– Jogamos do que jeito que vocês jogavam antes! – ele disse, e agora estava muito sério.
O gênio holandês, filho de uma faxineira do Ajax, clube que o lançou, então olhou para mim.
– O que é que tem aí dentro? – perguntou, apontando para a sacola que eu carregava.
Com as mãos trêmulas, tirei a bola de dentro da sacola.
– Vamos ver se é boa! – ele disse, enquanto caminhava de costas, até parar, dar meia volta e colocar as mãos na cintura.
Deixei a bola quicar duas vezes e a passei a ele, usando a parte interna do pé. Ele a recebeu, fez uma quantidade de embaixadas que poderia ser de dez, de cem ou de mil e passou de volta para mim. Tentei fazer alguma coisa, mas estava nervoso demais, então só mandei a bola de volta. Ele fez mais dez, cem ou mil embaixadas e meu passou a bola de novo. A sequência se repetiu mais uma vez, e então ele disse:
– Bom, preciso ir, porque se o nosso médico me vê aqui vou ter problemas.
Ele tirou os óculos escuros do bolso da camisa, fez um sinal de positivo com o polegar em nossa direção e disse:
– Tchau!
Depois entrou no carro e foi embora.
Quando meu pai conseguiu me tirar do transe em que eu me encontrava já era quase noite, e foi só no hotel, quando estávamos jantando e enquanto meu pai contava a história para minha mãe, que eu consegui voltar a falar. E tudo o que eu conseguia dizer naquela noite foi:
– Eu bati bola com o Cruyff!
E sigo repetindo isso até hoje, passado muito, muito tempo – às vezes enquanto conto para o meu filho quem foi Johan Cruyff.
QUEM MAIS FATUROU EM 2017-18
por Idel halfen
Baseados no estudo publicado pela Jambo Sport Business que tem como fonte o relatório “Football Money League” produzido pela Deloitte, apresentamos a seguir uma breve análise das receitas dos principais clubes no período 2017-18.
A título de esclarecimento, recapitulamos a seguir a segmentação adotada em relação às receitas recorrentes: Matchday – bilheteria; Broadcast – direitos de transmissão; Commercial – patrocínios + licenciamentos.
Os números apresentados nos mostram que em doze edições, de 2016-07 até 2017-18, houve um incremento de 119,5% no total das receitas dos 10 clubes que mais faturam.
É possível constatar também que as receitas de Matchday pela primeira vez superaram o patamar de € 1 milhão, o que corresponde a um aumento de 39,7% em relação ao primeiro período analisado, enquanto que o faturamento através de Broadcast subiu 114,3% e o de Commercial 237,4%.
Esse resultado nos traz a seguinte distribuição percentual: Matchday – 18,3%, Broadcast – 37,7 e Commercial – 44,0%.
A expressiva participação das receitas advindas da linha Commercial pode ser explicada pela maior maturidade dos clubes e patrocinadores que passaram a enxergar que a operação de patrocínio não se resume simplesmente à exposição da marca. O patrocínio, na verdade, é um processo de associação entre marcas.
Em termos de desempenho dos clubes, temos o Real Madrid como o clube de maior faturamento, posição que ocupa pela 10ª vez, mas que nas edições de 2015-16 e 2016-17 a perdeu para o Manchester United.
A 2ª colocação ficou com o Barcelona, entretanto, apesar de ter os dois clubes com maiores receitas, a La Liga (Espanha) tem apenas estas duas equipes entre as TOP10, enquanto que a Premier League (Inglaterra) tem seis equipes nessa relação.
A recuperação de liderança por parte do clube de Madrid é fruto, provavelmente, dos resultados esportivos pouco expressivos do clube inglês que, mesmo com bons patrocínios, não conseguiu sequer ser campeão nacional.
Diante do cenário apresentado é factível presumir que uma boa gestão de marketing é fundamental em qualquer organização, inclusive no futebol, entretanto, não é razoável supor que a independência entre os resultados esportivos e operacionais se mantenham por longos períodos.
O estudo da Jambo Sport Business pode ser visto através do link https://www.slideshare.net/jambosb/os-clubes-de-futebol-que-mais-faturam-200607-a-201718
OS TREINADORES VIRARAM ESTRELAS
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Uma das manias atuais é dizer que determinado treinador é ultrapassado, desatualizado. O que isso quer dizer? Como um treinador se atualiza? Cercando-se de uma comissão técnica que anota quantos passes determinado jogador acertou, seu preparo físico e estado psicológico? Ou os treinadores transformaram-se apenas em gestores de grupos, profissionais bons de vestiário?
Outro dia alguém me falou que os treinadores atuais viraram tiozões de churrasco e limitam-se a distribuir coletes. Esqueçam isso tudo. A verdade é que os treinadores ganharam status de estrelas, muitos com empresários e salários astronômicos. Consequentemente viraram despeitados e arrogantes. Basta ver a postura de alguns nas entrevistas. Não admitem erros, são os donos da verdade, zero humildade.
Sinceramente, acham que algum treinador brasileiro merece ganhar R$ 600 mil e até R$ 1 milhão? Alguém precisa frear essa farra. E o pior é que nenhum deles reconhece que Sampaoli é um dos poucos que aposta em um jogo ofensivo, alegre e investe no futebol que aprendemos a amar. Mas é a estrela de Carile que brilha. E as de Felipão, Abelão, Odair Hellmann…e o me engana que eu gosto continua reinando.
Tive ótimos técnicos. Meu pai Marinho, o Meiúca, exerceu essa estressante função por muitos anos e foi fundamental em minha carreira. Seu Nilton, um advogado, me treinou em um campo pelada de terra batida, na Gávea, onde hoje é o parque aquático. Quem me deu a primeira chance foi Admildo Chirol, no Botafogo. Entrei e fiz três contra o América.
Zagallo foi um paizão e além de técnico era psicólogo, um grande amigo. Nunca levantou a voz. Por dez anos o Lobo fez parte da minha vida, no Flamengo, Botafogo, Vasco e seleção brasileira. Didi me treinou na Máquina. Era um monstro! Parava o treino várias vezes, não admitia erros de passes e posicionamento. Repetia as jogadas, repetia e repetia, era um perfeccionista. Cruzava as bolas para os jogadores e pedia que a dominassem e devolvessem para ele. Era uma fila, um time inteiro, eu, Cléber, Marco Antonio, a Máquina completa! Certa vez, Cafuringa e Mário Sergio tentaram “desmoralizá-lo” e mandaram a bola cheia de graxa. Ele dominava com a habitual categoria e devolvia com mais graxa ainda, Kkkkk!!! E ainda respondia: “Vão cansar, garotos!”.
Faz muita diferença ser treinado por quem conhece, ter referências é fundamental. Também trabalhei com Orlando Fantoni, no Grêmio, que jogava pif-paf conosco. O treinador sempre fez de tudo um pouco.
Hoje são cercados por uma penca de auxiliares, fisiologistas, estatísticos e sei lá mais quem. Viraram reizinhos, mas se perderam em suas estratégias. É uma grande panela e ficam se revezando. A elegância, o talento e a humildade de Didi contrastam com os “professores” atuais que torcem para a partida terminar empatada e serem salvos na disputa de pênaltis.
A covardia reina, a mentalidade mudou. Não tem jeito, temos que nos conformar. Zagallo aposentou-se, Didi partiu e os tiozões do churrasco estão fazendo a festa.
CORITIBA 1973
por Marcelo Mendez
Para que se entenda a grandeza desse time se faz necessário uma viagem no tempo, um tempo outro.
Era um Brasil cujo Campeonato Brasileiro ainda era imberbe, as linhas aéreas e suas conexões eram precárias, o Brasil, assim como é hoje, era uma país enorme de proporções continentais cujas fronteiras não eram estreitadas pela tecnologia que há hoje, que nos aproxima.
Era um Brasil onde o Sul era bem longe das capitais, como cantou um outro.
Dessa forma, um campeonato pensado para reunir os times de maior torcida do País acabava por ter um ônus de grandiosidade considerável. Assim se fez o “Torneio do Povo” em 1973. E o Esquadrões do Futebol Brasileiro vem para contar a história do time que venceu esse campeonato.
Com vocês, o Coritiba de 1973.
A formação desse timaço passa sem dúvida pela chegada do treinador que por lá esteve. Elba de Pádua Lima, o Tim, Mestre de todos os Técnicos, conhecedor profundo das táticas e das mumunhas da bola, baixou no Couto Pereira e por lá montou um baita de um time de futebol.
Pegou um time que vinha de um bicampeonato estadual, havia sido quinto colocado no Brasileirão de 1972 e estava pronto para conseguir dar um salto maior em sua história. Começou o treinamento a escolha dos jogadores que formariam a base para o time:
Jairo, Orlando, Oberdan, Pescuma Claudio Marques e Nilo. Dreyer, Negreiros, Sergio Roberto, Tião Abatiá, Leocádio, Zé Roberto, Dirceu, Aladin… Não havia mais porque ter dúvidas; O Coxa tava pronto e o Torneio do Povo iria provar isso…
O Coxa voava no campeonato!
Vitórias parrudas em cima de Flamengo, Atlético Mineiro, Bahia, segurando o Corinthians em dois jogos que foram duas guerras e a classificação para a segunda fase onde o Coxa também nadou de braçada. Tanto, que na partida contra o Bahia em Salvador, jogava por apenas um empate para conseguir o primeiro titulo nacional para o um time do Sul do País.
Outra guerra!
Uma pancadaria na Fonte Nova, custou ao Coxa dois jogadores a menos; Claudio e o Capitão Hidalgo, expulsos. Ainda assim, o time vencia por 1×0, gol de Aladim e se manteve o quanto pode. Até que num pênalti mandraque, o Bahia empatou e foi com tudo pra cima do Coxa.
Não adiantou.
Com o 1×1 no placar final o Coxa sagrou-se campeão do Torneio do Povo. Um título de retumbância tamanha, que fez com que o Coritiba mudasse até o seu hino para incluí-lo. Anos depois, Tim viria a dizer que tinha sido um dos melhores times com quem já trabalhou e aqui, fazemos a devida homenagem.
Coritiba de 1973, bem-vindo ao ESQUADRÕES DO FUTEBOL BRASILEIRO.