MUSEU, MALOCA E BOTECO #5
Lá vamos pro nosso quinto programa, apesar dos sacrifícios e dificuldades para conseguir entrar ao ar em cada edição, continuamos na resistência por fazer a nossa resenha com os ídolos.
Nesta quinta, 09 de Maio, estaremos de novo no nosso boteco resenheiro, Repancho’s Bar, na Rua André de Leão, 330, na Mooca. O programa vai ao ar pela página do Museu da Pelada pelo Facebook a partir das 20 horas e quem quiser comparecer no bar para assistir a gravação será um prazer fazer aquele brinde com uma gelada.
Nesta edição estaremos com:
Gerd Wenzel: jornalista e especialista em futebol alemão.
Silvio Valente: jornalista e diretor de rádio.
Além dos nossos convidados, contaremos com nosso time com Helvidio Mattos, Marcelo Mendez e Paulo Escobar.
Assista, espalhe, nos ajude e compareça na gravação se estiver em Sampa.
LÁGRIMAS POR FOLHAS. E PELO PAPEL
por Zé Roberto Padilha
A Bienal do Livro significa, para todo autor pouco conhecido, o mesmo que a Taça São Paulo para jogadores desconhecidos: uma enorme vitrine para mostrar o seu trabalho. E em 2013, ela abriu um espaço para mim. Pela primeira vez em suas edições um clube de futebol, o Fluminense FC, montaria um estande. E como sou seu jogador que escreve livros, recebi o convite. Com quatro livros publicados, até então, descobri, decepcionado, que não tinha um só exemplar em minha casa. Faltavam três semanas para a Bienal e tratei de correr a reunir textos. E correr atrás de patrocínio.
A Copa do Mundo de 2014 estava se aproximando e saiu do forno “Arquibaldo, o Saudosista”, aquele que era do tempo em que a FIFA não mandava nos estádios da gente. Pela programação, a abertura seria na quinta feira, e mesmo fazendo plantão na Gráfica Boa União, da minha cidade, só consegui retirá-lo do forno às 15h00 da sexta feira. Entre busca de patrocínios, revisões, capa, formatação, fotos e licença junto ao jornalista Washington Rodrigues para dar vida a um personagem seu, não foram semanas de Paulo Coelho. Que apenas experimenta o terno e manda aparar o cavanhaque. Quando recebi as quatro caixas, coloquei no carro e parti para o Rio de Janeiro, estava uma pilha porque perdera justamente a festa de abertura.
Após enfrentar aquele engarrafamento na chegado do Rio, consegui estacionar no Riocentro às 18h00. E bem longe da entrada. E sai carregando uma caixa nos braços até a entrada em busca de um crachá. Quando o afixei, e perguntei pelo estande tricolor, me disseram que era no setor amarelo. O penúltimo naquela imensidão de editoras. E de livros. Após uma longa travessia, pedi desculpas à organização, deixei a caixa e voltei para buscar as outras três. Já duvidava ali se conseguiria. Ao retornar pela portaria, notei uns carrinhos de criança para alugar, e perguntei se era permitido carregar crianças-livro. Ao concordarem, coloquei duas caixas em cima e fui atravessando multidões, e alguns curiosos ainda paravam para ver se havia crianças nas caixas. Como eram duas, deveriam pensar que eram gêmeos pequeninos.
Livros entregues, carrinho devolvido, faltava ainda buscar a ultima caixa. Quando retornava e me aproximava da entrada, já não tinha nem pernas nem equilíbrio emocional. E pensava: o que é que estou fazendo aqui? Ninguém, absolutamente ninguém, foi capaz de entender minha luta para colocar aqueles livros ali. Sonhos de escritor são de uma solidão só. “-Vá vender hambúrgueres! Já me dizia um tio.” “Escrever livros? E de futebol que só tem leitores…? Esta ouvi de vários amigos.” E as despesas? Minha sábia esposa, vivendo realidades em meio a meus devaneios, sempre disse: “Você nem precisa dar mais lucro, mas já passou da idade de dar prejuízo”. Quando fiz a conta, a gasolina, o pedágio, o estacionamento,….daí me veio, ao me reaproximar da entrada, uma imensa vontade de sentar no meio fio e chorar em meio aquela confusão. Nelson Rodrigues, tricolor como eu, que estava com seus livros expostos por lá também, já havia escrito que era uma honrosa solução. Era o que me restava com aquela ultima caixa na mão, que parecia pesar 100 quilos, quando avistei a família do goleiro Félix, meu companheiro das Laranjeiras, ,recém falecido, saindo da Bienal.
Corri em direção da sua mulher e filhas e desabei. Quase em uma convulsão. Nunca chorei tanto em minha vida. Gostava dele, do Papel, seu apelido, mas, confesso, pegava ali uma carona na dor da perda e juntei a conta das minhas perdas e despesas. Lembram-se? Não havia vendido um só livro para amenizar e justificar minha presença por lá.
Quem passou naquele momento, pensou diante da cena, e as filhas imaginaram ante tamanho soluços: “Este gostava mesmo do meu pai!”. Me perdoe, Papel, o Gato Félix, por ter chorado um dia, embaralhado sentimentos, por nós dois. Você, tricampeão mundial, goleiro da nossa Máquina Tricolor, deve entender, com a visão aí de cima, o que é defender um sonho. Como se não bastasse ter defendido tantos sonhos de um ponta esquerda, se postara ali, através da sua família, a impedir que sucumbisse perante meus sonhos de escritor de esquerda. De verdade? Tenho saudades de você, das suas defesas, do cara bacana que foi e será sempre nas lembranças dos livros sofridos de um jogador que tanto lutou para ser um escritor.
• Esta crônica está no livro “Crônicas de um fracasso anunciado”, 2014, publicado logo após “Arquibaldo, o saudosista!”, de 2013. Oito livros depois feitos à mão, carregados em carrinhos, desde 1988, até que o Museu do Futebol, em São Paulo, resolveu conhecer esta história. De um ex-jogador de futebol insistente, que se formou jornalista e que mais livro publicou. Será neste sábado, dia 13/04, das 09h30 às 12h30, anexo ao Estádio do Pacaembú, na 109ª edição do MEMOFUT. Espero vocês porque a Luta não apenas vale a pena, como continua.
Copy of Zico e as Mulheres
O CANALHA MAIS QUERIDO
entrevista: Marcelo Mendez e Paulo Escobar | texto: Paulo Escobar | fotos e vídeo: Luiz Ricas
João Carlos Albuquerque, mais conhecido como Canalha, foi o nosso resenheiro desta semana.
Ao chegarmos no bairro do Sumaré, nos encontramos com aquele que sem dúvida deve ser um dos últimos resenheiros raiz. De bermuda, chinelo e óculos escuros aparece nosso canalha.
Com sua voz inconfundível, nos abraça e na promessa de uma cerveja pós resenha é que sentamos no parque Sabesp para conversarmos com João.
O que você vai assistir é sem dúvida a lembrança de um futebol mais alegre, dos campos mais acessíveis, dos tempos do rádio e dos boleiros mais próximos aos torcedores.
As histórias do rádio, os bastidores da televisão e claro um pouco do clube de seus amores, o Santos do rei.
Deixamos vocês com uma das resenhas mais descontraídas e à vontade que tivemos. E esperamos que sintam o prazer de relembrar os tempos que futebol era mais alegre, ao lado do nosso Canalha!!!
Divirtam-se!
O CINEMA, O FUTEBOL E JOSÉ CARLOS ASBEG
por André Felipe de Lima
O cinema brasileiro tem uma lista rica de filmes sobre futebol. O ícone talvez seja “Garrincha, Alegria do Povo”, produção de 1962 dirigida pelo gênio Joaquim Pedro de Andrade, com roteiro do próprio diretor, tendo como parceiros Armando Nogueira, Luiz Carlos Barreto, Mário Carneiro e David Neves. Mas creio que o primado de “Alegria do povo” esgotou-se, ou melhor, desde que chegou ao mercado o espetacular “1958 – O ano em que o mundo descobriu o Brasil”, de 2007, que o antológico filme de Pedro de Andrade passou a dividir com esta produção o posto de ícone da cinematografia brasileira de futebol.
Posso estar cometendo uma injustiça com outras excelentes produções nacionais, mas esta — assinada pelo bravíssimo José Carlos Asbeg — inegavelmente está no rol das legendas do cinema que procuram retratar o futebol para além das quatro linhas. Para um sonho. Um sonho de um povo em ser campeão do mundo. Sonhos que o cinema sabe muito bem descrever. Por isso chama-se “sétima arte”. Nada é à toa.
A cada entrevista, a cada passo de Asbeg pelos locais onde estiveram aqueles craques de 1958 até a final contra os suecos, conhecemos um pouco mais dessa vontade de ser brasileiro, que tanta falta faz hoje, e por motivos óbvios, que não cabem aqui descrevê-los ou debatê-los. A hora e o dia são do Asbeg.
Ele é daqueles cineastas que todos queremos um dia ser. Pelo menos um pouquinho dele. O que já seria uma enormidade para qualquer um que se meta a fazer cinema em um país onde arte e cultura não são valorizadas. Inclusive nos nossos gramados e estádios, onde o futebol perdeu a arte. Mas este grande rubro-negro — fã do Dida — não desiste de colaborar para resgatá-la. É um dos mais aguçados documentaristas da atualidade no país. Suas produções não se resumem ao futebol. Elas avançam na história e tocam a alma e identidade cultural do brasileiro. Asbeg vai além. Muito além! Hoje é aniversário dele. Tenho muito orgulho de ser seu amigo e de muito aprender com ele.
O Brasil também precisa ter orgulho de José Carlos Asbeg. Ter orgulho do nosso cinema, da nossa história escrita a ferro e fogo; a lágrima, sangue e suor. Uma história tão bem e sensivelmente narrada por José Carlos Asbeg em seus filmes.
RENATO E O PALMEIRAS
por Paulo Escobar
Do lado de baixo, onde quase nada se tem a não ser a palavra, se vive e respira futebol de um jeito especial. Pois as vezes a paixão proibida para aqueles que não tem grana, vide as arenas ou preço das camisetas, se vive de um jeito aonde a única alegria em dias tristes pode ser um gol do seu time.
Nas ruas e favelas de São Paulo, convivendo há quase duas décadas com a população de rua, tenho o prazer de ter presenciado cenas das mais emocionantes envolvendo o futebol. E um pouquinho do que vi lhes contarei nesta série.
Nesta primeira história falarei do amor de um palmeirense, que viveu e morreu a paixão pelo seu time até o último dia. Camisas doadas e surradas pelo uso e pelo tempo faziam parte do seu vestiário e a cada beijo no símbolo um grito:
– Vai Palmeiras!!!
Renato foi morar nas rua e viveu um amor com uma inglesa torcedora do Chelsea. No seu barraco viveram juntos suas paixões até ela ter que voltar forçadamente ao seu país. Mecânico de profissão, viu a pobreza chegar até sua porta e lhe tirar tudo o que tinha, a pobreza tem a capacidade de te roubar tudo, mas as paixões são coisas que a pobreza não leva.
Vi Renato vibrar e sofrer pelo Palmeiras, vi ele chorar pelo seu time e ser provocado pelos corintianos. Tiveram vezes que chegou a sumir no meio das derrotas, e naquela final recente de paulista perdida para o Corinthians o vi entrar em depressão.
Tinha no goleiro Marcos um de seus ídolos, e era justamente o nome do goleiro que ele gritava nas defesas que fazia nas peladas das quadras do viaduto Alcântara. E justamente naquelas peladas ele revivia lembranças de quando jogou na várzea no ABC paulista.
Renato chegou a ser técnico de várzea, do time do Corote Molotov, onde tinha que ser retirado de dentro de campo a cada cinco minutos. Era chamado de Sampaoli já naquela época, pois não parava de andar na lateral de campo, e a calvície também o assemelhava.
Na radial leste não era raro ver Renato puxando sua carroça acompanhado de muitos cachorros, vestindo sua camisa do Palmeiras. Muitas vezes o vi com a sete do Edmundo, e pensei em como teria sido bacana ele ter abraçado o animal.
O coração palmeirense decidiu parar de bater um dia, debaixo de um viaduto do Brás, a ambulância jamais chegou, pois pra quem mora nas ruas a saúde dificilmente chega. E ali deu seus últimos respiros, diante do desespero dos seus amigos, e numa tarde Renato deixou as ruas do Brás e as tardes de futebol um pouco mais tristes.
Renato foi chorado numa tarde de várzea antes de um jogo, em meio a pobreza foi fiel a sua paixão pelo Palmeiras. E posso dizer que muitas vezes, em meio a tristeza e a exclusão, o seu time lhe deu felicidades.
Renato nunca entrou na arena do Palmeiras, mas na sua TV debaixo de um viaduto foi devoto ao seu time, e quem dera se os jogadores tivessem sabido da vida daquele que mesmo sem nada amou muitos deles.