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O SONHO DA BOLA

por Paulo-Roberto Andel

Thomaz Farkas, brilhante fotógrafo consagrado na arte brasileira, registrou essa imagem em 1947.

O local não podia ser outro: a praia de Copacabana.

Nascido em 1921, Thomaz tinha 26 anos de idade.

No gol, voa o menino desconhecido que entrou para a história da fotografia brasileira. Talvez tivesse dez ou doze anos. Seria maravilhoso saber que se trata de um velhinho octogenário em ótima forma.

Foi um golaço? Um defesaço? Bola pra fora? São várias possibilidades. Em todas elas, uma coisa as une: sonho. O sonho do futebol, a liberdade de jogar bola à beira do Atlântico Sul. O sonho que eu vivi uns trinta anos depois do registro fotográfico. O sonho de muitos, inclusive famosos. João Saldanha passou por lá, Heleno de Freitas também. Paulo Cezar Caju, Fred, Edinho, os goleiros Renato e Paulo Sérgio, Júnior, o saudoso Rocha, Rodrigo Souto, tanta gente. E o mitológico dirigente Tião Macalé, à frente do Dínamo?

Alguns conseguiram viver o sonho profissionalmente. Outros mal saíram das fronteiras de Copacabana. Todos viveram o sonho, e pouco importa se por muito tempo ou alguns minutos – é que a eternidade do sonho não depende de cronômetro. Quanto vale o sonho da bola para um garoto numa tarde ensolarada e vazia?

A bola no gol, o garoto no ar, a defesa, o drama, o gol, o escanteio, tudo isso fica para sempre em cada um de nós que pode experimentar esse momento. O sonho da bola salva vidas, dá sentido à vida, ajuda a sobreviver. Nele, somos garotos para sempre, vivendo os segundos mais divertidos das nossas vidas.

Eu vivi esse sonho há muito tempo atrás. Agora estou sozinho. Muitos amigos foram embora, outros talvez sequer tenham existido além da minha cabeça. Eu não tenho mais um time na praia. Agora, a geometria que a bola pratica quando se mistura ao vento e ao céu, essa eu conheço muito bem.

Quem já sentiu, sabe do que se trata.

@p.r.andel

O SONHO DA COPINHA

por Paulo-Roberto Andel

Há pouco mais de uma semana, 128 equipes dos quatro cantos do país se digladiaram em 32 chaves de quatro times cada, pelo torneio de base mais importante do Brasil: a Copinha, Copa São Paulo de Futebol Júnior. Cada grupo numa cidade e num campo, geralmente com o gramado machucado.

Copinha, não: um Copão. Quase 2.600 jogadores em busca de um sonho. Garotos que jogam em grandes clubes. Outros em médios e muitos em times pequenos. Garotos que viajaram por dias em ônibus para disputar a competição. Salvo as naturais exceções, todos cronicamente pobres, moradores de regiões precárias, loucos pelo sonho de seguir no futebol e conseguir uma fortuna. Ser um craque. Ter o nome gritado no Maracanã ou no Morumbi. Ou no Beira-Rio.

Num estalar de dedos, caem 64 equipes e tchau. Adeus. As outras 64 seguem no emocionante mata-mata até a grande decisão no dia 25 de janeiro, dia do aniversário de 470 anos de São Paulo.

Até lá, não vai faltar sangue, suor e lágrimas. Ainda temos muitos garotos na briga. Alguns vão chegar ao sonho. A maioria não, mas a Copinha segue enfeitiçando e apaixonando torcedores enquanto a temporada brasileira comercial não começa.

Será que na Copinha estão os craques que vão redimir o futebol brasileiro? Será que está acontecendo algo maravilhoso e ainda não sabemos? Será? A confirmar.

@p.r.andel

O GANDULA DO ALÉM

por Victor Kingma

Charge: Eklisleno Ximenes

O futebol era a grande atração da pequena Sotéria do Norte. Aos domingos, a cidade parava para assistir às acirradas disputas que se realizavam no “Estádio Caveirão”. O nome vinha da proximidade do
campo com o cemitério local.

No passado dois coronéis da região, vizinhos de terra e arqui-inimigos políticos, viviam às turras. Um deles, eleito prefeito e sabendo que o vizinho detestava futebol, construiu o estádio bem na divisa das fazendas,
só para provocar o inimigo.

Tempos depois, com a mudança do comando político no lugar, o outro vizinho vingou-se de seu desafeto: doou à Prefeitura o terreno para construção do novo Cemitério Municipal, exatamente nos fundos do campo, a grande obra da administração do rival.

A cidade até se divertia com a briga. Um dos times locais passou a se chamar Caveirinha, em clara alusão ao cemitério. Os locutores do local, acostumados com a situação, quase sempre soltavam pérolas do tipo:

– O chute saiu torto! E a bola caiu lá no túmulo da beata Carlota!

Ou então:

– A redonda bola passou rente ao ângulo e explodiu na torre do necrotério!

Às vezes, porém, surgia imprevistos, como ter que parar o jogo para que passasse algum enterro.

Havia, porém, algumas conveniências. Por exemplo: Zé Coveiro um sujeito magro, que cultivava uma longa barba, e cujo nome denunciava a profissão, nos dias de jogos fazia um extra trabalhando como gandula. Era
extremamente útil. Ainda mais quando a bola caia no seu local de trabalho. Sempre devolvia rapidamente a bola, conhecedor que era do seu terreno.

Naquele dia, entretanto, em que o Caveirinha enfrentaria o time de Sobradinho, cidade vizinha, Zé Coveiro, porém, não apareceu. Com o Caveirão lotado a peleja começa. Sem gandula.

Quando a bola saia pela linha de fundo (onde ficava o cemitério) eram os próprios jogadores que tinham que buscá-la. E a tardinha ia caindo…

Foi então que num chute mais forte de um atacante do Caveirinha a bola transpôs o muro do cemitério e sumiu.

Os jogadores do time visitante, que perdia o jogo, apressam em pegar a bola para recomeçar a partida. Entrando pelo portão central do cemitério, acabaram perdidos em meio ao matagal e ruínas de sepulturas. E nada da bola…

Eis que de repente, ouve-se um barulho! A tampa de uma tumba se abre e de dentro dela surge Zé Coveiro, sem camisa, cabelos despenteados e barba revolta, na maior ressaca do porre da véspera:

– Quanto tá o jogo companheiros? – Perguntou com voz pastosa e arrastada.

O time inteiro do Sobradinho saiu em disparada! E o jogo não acabou por absoluta falta de jogadores.

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 44

por Eduardo Lamas Neiva

Após todo mundo, especialmente Didi e dona Guiomar, se divertirem com “O nosso dia chegou”, João Sem Medo retoma a pelota.

João Sem Medo: – É bom que o brasileiro saiba que a Europa se atrasou perante nós por causa de uma guerra que dizimou quase toda a juventude entre 15 e 45 anos. Isso não se refaz com decreto-lei nem com planos quinquenais. É preciso esperar que nasçam outros, formem-se e reaprendam. A Europa teve grandes prejuízos com a Guerra, o que nos permitiu um avanço enorme. Quando pegamos a Europa em 58 e 62, ela estava, exatamente, num período de decadência esportiva, porque lhe faltou a juventude que tinha morrido na guerra. E foi uma vantagem que nós tivemos. Nosso futebol, no entanto, é do melhor nível. Nós estamos na primeira turma do futebol mundial e nos mantivemos nela ao longo do tempo, ainda que a duras penas nos últimos anos.

Ceguinho Torcedor: – Desde 50 que o nosso futebol tinha o pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios foi uma humilhação nacional, que, imaginávamos, jamais seria superada. Porém, até o mais vertiginoso e convicto pessimista não conseguiria prever algo como o que ocorreu na última Copa, com aquele estrondoso, retumbante, escandaloso, histérico 7 a 1 para os alemães. Mas em 58, negávamos o escrete porque a frustração de 50 ainda funcionava. Havia um pânico de uma nova e irremediável desilusão.

João Sem Medo: – Era o complexo de vira-latas, né, Ceguinho?

Ceguinho Torcedor: – Sim, João. A inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, face ao resto do mundo em todos os setores, sobretudo, no futebol. O problema do escrete não era de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. Era um problema de fé em si mesmo.

Garçom: – Hoje em dia acho que muitos jogadores da seleção se acham importantes e bons demais pro que realmente são.

Ceguinho Torcedor: – Eles têm um complexo de vira-latas às avessas.

João Sem Medo: – Complexo de lulu de madame.

Todos riem.

Idiota da Objetividade: – Em 58 a seleção brasileira foi para a Suécia desacreditada.

Ceguinho Torcedor: – Aqui o escrete já se sentia no estrangeiro; lá, é como se estivesse em casa. Esse foi o drama da seleção: encontrar lá fora o tratamento humano que lhe negamos aqui.

Idiota da Objetividade: – O Brasil estreou na Copa com uma vitória de 3 a 0 sobre a Áustria, com dois gols de Mazzola e um de Nilton Santos.

Ceguinho Torcedor: – Mazzola arrombou duas vezes a rede adversária e Nilton Santos fez um gol fulgurantíssimo.

Todos os outros: – Fulgurantíssimo, Ceguinho?

Ceguinho Torcedor: – Muito mais que espetacular. Ele se desgarrou da defesa, foi dizimando até meter o gol. Mas Gilmar defendeu tudo, até pensamento.

Idiota da Objetividade: – Na segunda partida, a seleção brasileira empatou sem gols com a Inglaterra.

João Sem Medo: – Gilmar fez outra grande partida, salvando inclusive um gol contra de Orlando no fim do jogo. O goleiro inglês McDonald também teve grande atuação. O Brasil foi melhor no primeiro tempo, os ingleses, na etapa final.

Ceguinho Torcedor: – Feola, que já havia trocado Dida por Vavá para enfrentar os ingleses, mudou mais três jogadores para a partida contra a Rússia e tivemos os três minutos mais sensacionais da história do futebol. Nos primeiros três minutos da batalha, já o Garrincha tinha derrotado a colossal Rússia, com a Sibéria e tudo o mais. E bastava o empate.

Idiota da Objetividade: – O técnico Vicente Feola tirou o volante Dino Sani e os atacantes Joel e Mazzola para as entradas de Zito, Garrincha e Pelé.

Ceguinho Torcedor: – Garrincha não acreditava em empate e foi driblando um, driblando outro e consta, inclusive, que, na sua penetração, fantástica, driblou até as barbas de Rasputin.

O público se diverte, principalmente Garrincha, que dá uma sonora gargalhada.

Garçom: – Vamos aproveitar pra ver no telão lances maravilhosos desses 3 minutos estupendos e outros da vitória sobre a União Soviética, em 1958, com narração em francês.

O público aplaude e reverencia mais uma vez Garrincha e Didi, que agradecem sorrindo.

Ceguinho Torcedor: – Amigos, a desintegração da defesa russa começou exatamente na primeira vez que Garrincha tocou na bola. O jogo Brasil e Rússia acabou nos três minutos iniciais. Só um Garrincha poderia fazer isso contra o time poderosíssimo da Rússia. Porque Garrincha não acreditava em ninguém, só em si mesmo.

Sobrenatural de Almeida: – Naquele dia, acho que nem eu conseguiria parar o Garrincha.

Mané Garrincha se levanta e responde.

Garrincha: – Não, Almeida. Naquele dia, nem você!

Todos riem.

Garçom: – Vou aproveitar a deixa pra que a gente possa fazer outra homenagem ao grande Mané Garrincha, que nos dá a gigantesca honra de estar aqui presente. Venha ao palco, por favor, Angelita Martinez!

Todos aplaudem a ex-vedete.

Angelita Martinez: – Muito obrigada, Zé Ary, muito obrigada a todos. Bom, não sei se vocês sabem, mas meu pai foi jogador de futebol, zagueiro. Ele está ali, viemos juntos. Levante-se, por favor, Barthô Gugani!

Gugani se levanta e agradece os aplausos do público.

Idiota da Objetividade: – Gugani foi zagueiro do São Bento, do Paulistano e do São Paulo, pelo qual foi campeão paulista em 1931. E atuou pela seleção brasileira, fazendo parte do time que conquistou a Copa Rocca, em 1922.

Gugani é muito aplaudido. Ele agradece.

Barthô Gugani: – Muito obrigado! É uma honra muito grande estar aqui ao lado da minha filha Angelita e toda minha família. Vim pro Mundo Espiritual com 36 anos de idade, em 1935, e estou muito feliz de estar aqui hoje revivendo grandes momentos do nosso futebol com todas essas feras.

Todos aplaudem mais uma vez.

Angelita Martinez: – Te amo, pai! Bom, é com muita honra que gravei esta música, em 1958, e venho aqui a este palco para prestar uma homenagem ao nosso grande craque Mané Garrincha. A composição é de Jorge de Castro, Wilson Batista e Nóbrega de Macedo e se chama “Mané Garrincha”.

Angelita é muito aplaudida e deixa o palco. O jogo Brasil x URSS volta à mesa de nossos amigos.

Ceguinho Torcedor: – Calculo que lá pelas tantas os russos, na sua raiva obtusa e inofensiva, devem ter imaginado que o único meio de destruir Garrincha fosse caçá-lo a pauladas. Talvez nem assim. No segundo tempo, Garrincha resolveu caprichar no baile, foi um carnaval sublime. As cinzas do czar devem ter ficado humilhadíssimas. O marcador do “seu” Manoel já não era um: eram três. E então começou a se ouvir aqui no Brasil, na Praça da Bandeira, a gargalhada cósmica, tremenda, do público sueco.

Todos riem e aplaudem. Garrincha se levanta novamente e agradece.

Garrincha: – Seu Ceguinho, o senhor é craque! Muito obrigado.

Ceguinho Torcedor: – Não chego a seus abençoados pés, Mané!

Garçom: – Aquela foi mesmo uma atuação histórica! De recuperar o orgulho brasileiro, não é “Seu” Ceguinho?

Ceguinho Torcedor: – Aqui, em toda extensão do território nacional, começávamos a desconfiar que era bom, que era gostoso ser brasileiro.

Idiota da Objetividade: – E foi a primeira vez que Garrincha e Pelé jogaram juntos numa Copa do Mundo.

Garçom: – Então, como Garrincha já foi homenageado, agora será a vez de Pelé. Aliás, já soube que ele virá aqui mais tarde.

O público vibra.

Vou pôr aqui no som uma música gravada pelo Clube do Guri, com Denise e coro nos vocais. Tenho certeza de que todos vão gostar. O nome da música é “Homenagem a Pelé”. Ouçam e divirtam-se.

Fim do capítulo 44

Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).

Saiba mais sobre o projeto Jogada de Música clicando aqui.

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AS FINAIS DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE 1988

por Luís Filipe Chateaubriand

Em 1988, Internacional e Bahia chegavam às finais do Campeonato Brasileiro.

O Bahia chegou à decisão ao suplantar o Fluminense nas semifinais.

Já o Internacional chegou à decisão ao eliminar o rival Grêmio, com o segundo jogo entre os dois tendo ficado conhecido como “O Grenal do Século”.

O primeiro jogo das finais foi no Estádio da Fonte Nova, em Salvador, com mando de campo para o Bahia.

No primeiro tempo, Leomir fez 1 x 0 para o Internacional.
Ainda no primeiro tempo, Bobô empatou para o Bahia, em 1 x 1.

No segundo tempo, Bobô, novamente, marcou, e o placar final foi 2 x 1 para o Bahia.

O segundo jogo das finais foi no Estádio Beira Rio, em Porto Alegre, com mando de campo do Internacional.

Um empate sem graça, de 0 x 0.

Com isso, o Bahia sagrou-se campeão daquele ano.