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ETERNA HUMILDADE

por Rubens Lemos

O maior ídolo do meu clube, Carlos Roberto de Oliveira exibia um sorriso quixotesco, hoje arquivo de tradição: Roberto Dinamite viveu para morrer na humildade unida à timidez ostensiva. Foi o melhor centroavante brasileiro dos anos 1970.

Se alguém retrucar propondo um duelo técnico com Reinaldo, o mignon maravilhoso do Atlético Mineiro, a Copa do Mundo de 1978 desempata: Reinaldo sucumbiu às contusões e expectativas, Roberto fez o gol que manteve o escrete na disputa até ser terceiro colocado invicto, “Campeão Moral”, uma balela do falecido técnico Cláudio Coutinho em alusão às pernas abertas pelo Peru para a Argentina(0x6), que eliminaram o Brasil.

Quando as alegrias de infância eram parcas, havia Roberto Dinamite com sua cabeleira de roqueiro internacional e a interminável vocação para pulverizar defesas. Cresci vendo o supertime do Flamengo de Zico, Carpeggiani, Adílio, Júnior, Toninho Baiano depois Leandro, Raul e Cláudio Adão. O Vasco tinha Roberto e um amontoado comprado por avarentos portugueses.

O Garoto Dinamite, que explodiu ao detonar um golaço contra o Internacional em 1971, aos 17 anos, enfrentava com dignidade serena o adversário mais poderoso tendo que se contentar com a companhia limitada de Renê, Gaúcho, Galdino, Zandonaide, Amauri, Ticão e Peribaldo, anomalias em chuteiras.

Com Roberto Dinamite, o maior clássico do Rio de Janeiro deixou de ser o Fla x Flu elitista dos tempos dos irmãos Rodrigues(Mário Filho e Nelson) para se deixar levar às multidões do Vasco x Flamengo.

Sempre com times abaixo da tradição, o Vasco encarava sem medo o rubro-negro, derrotado na Taça Guanabara de 1976 com pênalti perdido por Zico e no título de 1977, Roberto Dinamite mandando pênalti no canto direito de Cantarelli diante de 152 mil pessoas.

O estilo secos e molhados a granel dos Manoéis e Joaquins dos grandes frigoríficos do Rio de Janeiro, visava o dinheiro e Roberto Dinamite, para meu luto, aquele pedacinho de pano preto no bolso na camisa, partiu para uma temporada irregular no Barcelona. O Flamengo anunciou que iria trazê-lo para fazer dupla com Zico (juntos na seleção brasileira, nunca perderam).

Meu rádio de pilha à noite não saía da sintonia 1220 da Rádio Globo AM. O presidente do Flamengo, Márcio Braga, cantava vitória antes do tempo e mandou gravar uma tabelinha de Zico e Roberto Dinamite – ambos hipoteticamente vestindo vermelho e preto, destruindo a defesa do Vasco.

Sou um incoerente assumido. Sofrimentos me fizeram duvidar de Deus. Perseguições, amigos que acreditava me virando o rosto, cheguei a publicar que sou agnóstico. Mas, invariavelmente e desde garoto, rezo o Santo Anjo, o Padre Nosso e a Ave-Maria. Então, na prática, temo o Supremo e nele respeito sua força superior.

Uma das lições deste questionamento religioso, deu-se no drible de um jovem cartola chamado Eurico Miranda, único a desejar a volta de Roberto Dinamite, que terminou conseguindo ao dispensar a dívida do Barcelona pelo passe do ídolo. Roberto Dinamite retornou fazendo os cinco de Vasco 5×2 Corinthians. Roberto e Eurico eram siameses O poder afastou os dois. Eurico tem minha gratidão por trazer de volta o símbolo de um povo cheio de bravura e eternamente confiante.

Dia 8 de janeiro, fez um ano da morte física de Roberto Dinamite. A morte limitou-lhe a arte e a vida. A repercussão muito inferior à destinada a personagens sem seu carisma, sem sua disponibilidade incansável no atendimento ao torcedor.

Estive com ele em Natal em 1982 com a seleção de Telê Santana, o idolatrado que perdeu um Mundial por ignorar Roberto Dinamite e num jogo promocional no demolido Ginásio Machadinho. Suave timidez me fazendo feliz.

A era da internet é tímida quando se propõe a divulgar números de Roberto Dinamite, ser humano maior que a frieza estatística.

Pois Roberto Dinamite é o maior matador no Vasco(708 gols), goleador máximo do Campeonato Brasileiro(190 gols) e do Campeonato Carioca(284 gols) e quinto maior do mundo em campeonatos de primeira divisão(470 gols).

Chorar Roberto Dinamite é lembrar cada arrancada da intermediária até a trave contrária. É rever suas tabelas com Romário arquitetadas pelo gênio Geovani em seus lançamentos. Roberto Dinamite emociona a cada fotografia, economizando o sorriso, eternizando a humildade, nitidez dos verdadeiros ídolos.

BRASIL, IL, IL!!!

por Elso Venâncio

Zarife, com a filha Fiamma, ao lado de Zico e Júnior

O locutor da famosa vinheta ‘Brasil, il, il!’, que marca as transmissões esportivas do Sistema Globo de Rádio e da Rede Globo de Televisão, especialmente nos jogos da nossa seleção, nasceu em Nova Friburgo, a Suíça brasileira. Edmo Zarife, o inesquecível ‘Zazá’, para os amigos, começou a trabalhar aos 15 anos de idade, na Rádio Sociedade da sua terra natal. Ao se mudar pouco depois para Niterói, destacou-se como locutor comercial, sendo contratado pela Rádio Globo do Rio de Janeiro, onde se tornou a voz padrão do rádio nacional.

Na véspera de um Natal, prestes a entrar de férias, grava o programa que apresentava: ‘Rio Total Show das 5’. Fita rodando, programa no ar, entrou esbaforido no estúdio, diante do olhar surpreso do operador de som Jorge ‘Brinquinho’:

“Vou fazer ao vivo. Não gostei da parte final”.

Profissional ao extremo, perfeccionista, chegava a ficar horas no estúdio gravando um texto. Emotivo, chorava ao saber que um colega seria dispensado, em alguma reformulação da empresa. Subia e descia nervoso as escadas até o quarto andar, na Rua do Russel, 434, no bairro da Glória – sede da Rádio Globo – repetindo para quem lhe surgisse pela frente:

“Sacanagem. Isso é sacanagem” – sua voz potente ecoava pelos corredores.

Rubro-negro fanático, recebeu a visita inesperada do Zico em sua sala. Abraçou o ídolo e não conteve as lágrimas:

“Zico, Zicão, Zicaço” – falava, imitando o locutor esportivo Jorge Curi.

O cantor paraguaio Fabio Rolon, amigo de Tim Maia, gravava as vinhetas ‘Rádio Globooo’, ‘Flamengooo’, ‘Vascooo’, ‘Fluminenseee’ e ‘Botafogooo’, que logo caíram no gosto popular. Mário Luiz, diretor de programação, conversa com sua equipe e sugere a criação de um bordão, frase ou sinal eletrônico, para enriquecer as transmissões de futebol, líder de audiência em todo o país.

O sonoplasta José Cláudio Barbedo garante que a vinheta “Brasil, il, il’ foi criação dele, que dirigiu Zarife na locução. Formiga, como é conhecido, brigou na justiça com a Rádio Globo após descobrir que a emissora registrou a vinheta em nome dela. Zarife alegava ter ficado mais de duas horas trancado no estúdio, em um domingo à tarde, gravando com Formiga.

Zarife era encontrado com frequência, nas folgas de fins de semana, andando pela Rua do Russel. Estacionava seu fusca branco e dava comida aos gatos, que eram levados por ele até a entrada da Rádio Globo.

Ele faleceu no dia 27 de dezembro de 1999, aos 59 anos, devido a problemas cardíacos, na clínica Pro-Cordes, no bairro Santa Rosa, em Niterói. Durante o seu sepultamento, em Friburgo, familiares e amigos destacaram a paixão que ele tinha pela profissão. O inseparável radinho de pilha do Zarife foi colocado sobre o caixão.

Edmo Zarife é um dos ídolos eternos da História do Rádio Brasileiro.

O CANHOTINHA DE OURO

por Zé Roberto Padilha

Em 1974, com a venda do Lula para o Internacional, finalmente chegara a minha vez de vestir a camisa 11 tricolor. O treinador era Carlos Alberto Parreira e Gerson, nosso Canhotinha de Ouro, iria disputar sua última temporada.

Segundo José Carlos Araújo, o Garotinho, fui denominado o “Pulmão do Gerson”. Ele devolvia, quando lhe entregava a bola, a gentileza nos concedendo passes e lançamentos geniais.

Na concentração, todos ficavam zoando seu jeito de falar pelos cotovelos. E não era poupado. “Papagaio! Papagaio!: Ele ficava muito bravo.

Dois anos depois virou comentarista. E eu, Roberto e Toninho fomos para o Flamengo, trocados por Renato, Doval e Rodrigues Neto. E entramos no mesmo ônibus que levaria a delegação do Flamengo, e de carona a equipe da Rádio Globo, para o Estádio Brinco de Outo da Princesa.

Já estávamos fazendo nosso sambinha no fundo do ônibus quando ele entrou. E se acomodou nas primeiras poltronas. E começamos a chamar o que menos ele gostaria de ouvir: “Papagaio! Curupaco! Papagaio!”.

Ele nem deixou quicar. Levantou da poltrona e soltou as últimas palavras que ouvimos do nosso ídolo tagarela: “Roberto, Toninho e Zé Roberto, não pertenço mais a laia de vocês!. Quero respeito!”.

Enfiamos a viola no saco, as cabeças debaixo das poltronas e nos silenciamos até o estádio debaixo da maior gozação.

Chegando ao Flamengo e indo enfrentar o Guarani, irritar quem tinha o microfone e a audiência da Rádio Globo era tudo que não precisaríamos. Chegando em casa, tirando o Roberto, que ficara no banco, ouvimos que ele elogiou bastante as nossas atuações.

Realmente ele provou que já não pertencia a mesma laia!”

A FINAL DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE 1989

por Luis Filipe Chateaubriand

No ano de 1989, São Paulo e Vasco da Gama chegaram à decisão do Campeonato Brasileiro.

A vaga do São Paulo foi garantida ao vencer o Grupo A, com oito clubes, em uma acirrada disputa com Botafogo e Corinthians.

A vaga do Vasco da Gama foi garantida ao vencer o Grupo B, também com oito clubes, em uma acirrada disputa com Cruzeiro e Palmeiras.

O regulamento da competição garantiu ao Vasco da Gama, por ter somado maior número de pontos que o São Paulo, a vantagem de escolher se faria o primeiro jogo como mandante de campo ou como visitante, além da possibilidade de assegurar o título no primeiro jogo, caso vencesse, sem a necessidade de um segundo jogo.
Foi o que aconteceu!

O Vasco da Gama optou por jogar o primeiro jogo com mando de campo do São Paulo, no Estádio do Morumbi.
Ainda assim, mesmo jogando “fora de casa”, venceu por 1 x 0, com gol de Sorato no início do segundo tempo.

O Vasco da Gama era campeão!

E começou a festa.

Uma festa portuguesa, com certeza!

A MORTE DE UM JOGADOR DE FUTEBOL

por Marcos Vinicius Cabral

Em um momento de introspecção que só as mentes brilhantes como a do não menos brilhante Paulo Roberto Falcão é capaz de pensar, o lendário camisa 5 do Sport Club Internacional disse, certa vez, que “o jogador de futebol morre duas vezes: uma quando para de jogar e a segunda quando se despede da vida”. Mal sabe o rei de Roma que se o jogador de futebol morre duas vezes, nós, torcedores, morremos muitas.

A questão é que não temos explicação para o desaparecimento físico em definitivo de alguns expoentes no mundo da bola e tampouco acostumamos-nos a conviver com a tanatologia deles. Quando a interrupção definitiva da vida é de um familiar ou pessoa próxima, a dor não é efêmera. Mas se tratando de um jogador de futebol, esporte que mexe com a paixão, forja idolos, e altera o sentimento dos torcedores. Pior ainda.

Nunca é demais dizer que temos dificuldade em compreender a morte, que surgiu na história da humanidade como um ‘recall’, pois, originalmente, ela não fazia parte de nossos ‘acessórios’. O desafio é, até aqui, administrar a ausência que o ‘nosso’ jogador faz e que isto não torne-se algo depressivo. Muito pelo contrário, lembrar deles nos liberta das ‘algemas da saudade’ de quem os viu em campo com atuações estupendas, gols inesquecíveis, títulos que permanecem no hipocampo (localizada nos lobos temporais do cérebro humano, considerada a principal sede da memória), a entrega a todo instante dos 90 minutos de um jogo de futebol, e o amor irrestrito que cada um demonstrou à camisa que vestiu. Ou seja, motivos mais do que suficientes que alegram o coração de quem é, na essência conquistada por quem alimenta-se de futebol, respira futebol, e é apaixonado por futebol.

Mas venho por meio deste texto, quiçá crônica, como você preferir, fazer jus ao recrudescimento de quem foi gigante dentro de campo como Pelé, Roberto Dinamite, Zagallo e Franz Beckenbauer.

Para sintetizar os gols, ninguém melhor do que Pelé, que saiu de cena no dia 29 de dezembro de 2022, às 15h27, em decorrência da falência de múltiplos órgãos, resultado da progressão do câncer de cólon. O rei, verbete no dicionário, obrigou pobres camisas 1 a irem buscar a bola no fundo das redes 1.281 vezes.

Quis o destino que dez dias depois, no dia 8 de janeiro de 2023, um outro exuberante camisa 10 do futebol brasileiro saísse de cena. Maior nome da história do Vasco e uma máquina imparável de fazer gols chamada Roberto Dinamite, aos 68 anos, repousou para a eternidade após tentar desvencilhar-se da marcação implacável de um câncer de intestino. Bob, lembrado carinhosamente até hoje, mantém insuperáveis 190 bolas nas redes em toda história do Campeonato Brasileiro.

Já Zagallo, que cultivou a superstição do número 13 nos lugares onde esteve e clubes que dirigiu, elevou o verde e amarelo nas conquistas das Copas do Mundo de 1958, 1962, 1970 e 1994 mundo afora. Se Pelé é verbete de dicionário, Mário Jorge Lobo Zagallo, único tetracampeão em Copas do Mundo, é sinônimo de vitória.

E, por fim, Franz Beckenbauer, gênio a quem a bola obedecia, morreu dormindo no domingo (7) de janeiro deste ano. O Kaiser, como era chamado, lutava contra a doença de Parkinson e demência, além de ter passado por várias operações cardíacas nos últimos anos. A cena com um braço enfaixado em razão do ombro direito deslocado em plena prorrogação na semifinal contra a Itália, na Copa do Mundo de 1970, em gramado mexicano, mostra a entrega de um craque que vestia a camisa 5 elegantemente e serviu de exemplo.

A vida segue o rumo. É como a correnteza de um rio que vai numa única direção desviando das pedras até desaguar em um lago, um mar ou um oceano. Não sabemos o destino exato. Parte da magia do futebol que aprendi a amar está indo embora. Resta-me o fio de esperança para que esta geração e as próximas venham saber quem foram – além de Pelé, Roberto Dinamite, Zagallo e Franz Beckenbauer – Maradona, Cruijff, Garrincha…