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A Canção do Coração Alvinegro

por Alexandre Sá

Carlito Rocha, Biriba, Carvalho Leite, Heleno de Freitas, Geninho, Tio Gaspar, Major, Garrincha, Didi, Nílton Santos, Zagallo, Quarentinha, Valtencir, Vinícius de Moraes, Beth Carvalho e tantos outros alvinegros ilustres que estão lá em cima!

Pelos que já se foram, pelos que estão aqui, pelos que virão.

Só a torcida alvinegra sabe o que é torcer, sofrer, resistir e seguir em frente. Resistir e morder!

Não é o quanto se bate, mas o quanto se apanha e ainda assim se vai em frente. E ninguém bate mais duro que a vida.

O botafoguense é, acima de tudo, um forte. Um obstinado. Quando é escolhido, ele é forjado no fogo. Ele ouve o chamado e não hesita — segue em frente.

Ele torce, sofre, rasga o coração e transborda a alma de paixão. Na hora da felicidade, ele se lembra de onde veio e explode em alegria, cantando uma canção que o mundo inteiro escuta: a Canção do Coração Alvinegro.

Que se calem os críticos mal-intencionados. O Botafogo NUNCA se renderá!

Parabéns, Campeões da América!

HOMENAGEM AOS BOTAFOGUENSES E AO MEU PAI

por Bismarck Faria

“Sou Bismarck Barreto Faria, tenho 55 anos, um ex-jogador profissional do Clube de Regatas Vasco da Gama. Apaixonado pelo meu Vasco e filho de seu Faria de São Gonçalo.

No sábado, 30 de novembro, quando acabou o jogo do Botafogo pela Libertadores, a primeira pessoa que me veio à mente, por incrível que pareça, não foi nenhum dos muitos amigos botafoguenses que tenho. Mas sim o cara mais bacana, mais especial e mais amoroso que eu conheci na vida: meu pai, falecido há três anos e cinco meses.

Acho que no fundo, meu pai que era muito Vasco, tinha a Cruz de Malta no coração e na alma, nutria um respeito e admiração ímpares pelo Botafogo.

Acredito eu, que muito por causa da época do time Glorioso que ele viu jogar tantas e tantas e tantas vezes com Manga, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Zagallo, Jairzinho, Gérson e Mendonça, esse último, inclusive, eu vi jogar.

Pela Fogonçalo, papai levava eu e meu irmão James em vários jogos do Botafogo. As partidas eram contra o Flamengo, no final da década de 70 e início da de 80.

Sabe, não entendia muito bem porque meu pai, muito vascaíno, nos levava em jogos de um time que não era o nosso de coração. Mas era legal aquelas aventuras futebolística e nós, no fundo, adorávamos, pois era sempre muito especial ir ao Maracanã.

Poucas não foram as vezes em que vi Mendonça jogar. Batendo bola em um campinho perto de casa em São Gonçalo, dizia sempre para meu pai que um dia seria igual ao Mendonça. Eu era uma criança de 10 anos e com essa idade a gente quer ser tudo. Mas o Mendonça, convenhamos, era diferenciado.

Mendonça era craque. A cabeça pensante. O cérebro de um time que contava com Paulo Sérgio, Rocha, Perivaldo, Jerson, com J, Gaúcho e Ademir Lobo. Foi esse Botafogo que perdeu injustamente a semifinal contra o São Paulo, no Morumbi, em 1981, por 3 a 2.

Apaixonante, o futebol é, ao mesmo tempo, injusto. Mas no sábado passado, quando acordei estava com a sensação como se o Vasco fosse jogar a final contra o Atlético Mineiro. Não sei explicar, mas havia em mim uma misto de euforia e preocupação.

Todavia, não entendi muito bem, mas acho que é porque gostaria que meu pai, se estivesse vivo e com 88 anos, pudesse ver o Botafogo em uma final de Libertadores depois de tantos títulos, jogos e campeonatos perdidos.

Imediatamente, lembrei da célebre frase: ‘Coisas que só acontecem com o Botafogo’. Somos pequenos demais para compreender os mistérios da vida, porém, acho que meu pai estaria feliz pelo Botafogo e pelos tantos amigos dele que eram botafoguenses.

No momento do hino nacional, ali, jogadores dos dois times perfilados no gramado do Monumental de Núñez, vi o que para muitos seria sinal de fraqueza, para mim foi um sinal de comprometimento e responsabilidade perante o jogo que tornaria-se os 90 minutos mais importantes do século na história do Botafogo.

Quando notei o capitão Marlon Freitas chorando (esse jogador foi um monstro nessa final), me fez pensar quando eu ainda era jogador profissional. Sim, pois eu chorava de emoção e comprometimento em um jogo de final de campeonato, muito em razão não do medo do jogo e sim em sair de campo derrotado.

Quando Gregore foi expulso, aos 40 segundos de jogo, meu inconsciente falou: ‘Coisas que só acontecem com o Botafogo’.

Confesso que a expulsão de um atleta importante taticamente me preocupou muito. Até porque, em uma final, já é difícil enfrentar um adversário qualificado como o Atlético Mineiro em condições iguais, imagina com um jogador a menos?

Em um primeiro momento, o treinador alvinegro pensou em colocar um volante no lugar de um atacante. Era a mexida mais acertada a ser feita.

Mas quem tirar?

Luiz Henrique, voando? Almada, o cérebro do time? Savarino, jogador incansável? Ou Igor Jesus, atacante que consegue segurar até três zagueiros?

No momento difícil é que o grande treinador aparece. Artur Jorge deixou Danilo aquecendo e esperou para ver como o time iria reagir. Em seguida, ele puxou o Marlon Freitas para fechar a defesa como terceiro zagueiro e fez uma linha de seis.

O time ganhou solidez. Foi equilibrando a partida. Ao final do primeiro tempo, o placar já estava 2 a 0.

No segundo tempo, ao tomar o gol de Vargas, pensei novamente: ‘Coisas que só acontecem com o Botafogo’.

Tomar um gol no início do segundo tempo, você pensa: ‘Serão os 45 minutos mais longos da história de clube’. No entanto, o Botafogo suportou e aos 30 minutos novamente o treinador aparece colocando dois atacantes agudos na frente e não dois volantes para tentar segurar o jogo. Foi ousado.

O técnico conhece a matéria-prima que tem nas mãos. Não à toa, acabou sendo coroado com o gol do jogador mais importante do primeiro semestre do clube quando faltava 30 segundos para acabar o jogo.

Certamente, os deuses do futebol não poderiam deixar de fora Júnior Santos nesse capítulo. Foi um drama tão bem escrito que deixaria até Nelson Rodrigues com inveja.

Entre lembranças e saudosismo, acordei hoje com saudades do meu pai. Segurei minhas lágrimas ao ir comprar pão pela manhã. Esbocei um sorriso puro e sincero ao notar tantas crianças, jovens e adultos com a camisa do Botafogo.

Os títulos perpetuam esse amor alvinegro. É um sentimento que transcende a alma e passa de avós para os pais e dos pais para os filhos.

Que o meu Vasco possa ser inspirar neste Botafogo que ressurgiu e que poucos acreditavam. E faça do trecho do hino do atual campeão da Libertadores que diz: ‘Botafogo, Botafogo não podes perder, perder para ninguém’, uma lei em São Januário.

Parabenizo a todos os meus amigos botafoguenses e a toda torcida do Botafogo espalhada no Rio de Janeiro, no Brasil e no mundo.

E a seu Faria – que está no céu festejando junto com os jogadores botafoguenses do passado que ele tanto assistiu no Maracanã – esse título também é seu”.

COM A BENÇÃO DA SANTÍSSIMA TRINDADE ALVINEGRA

por Kadu Braga

Armando Nogueira foi o anfitrião da resenha no céu iniciada ao lado de Nilton Santos e Garrincha no épico 30 de novembro de 2024.

O cronista alvinegro declarado entusiasmado com a nova fase do time mais encantador da temporada, uma equipe que joga por música, iniciava sua apresentação em Buenos Aires.

Na terra do Tango, Gregore, quem bem samba, às vezes, perde o compasso.

A perna alta demais rendeu sangue no rosto de Fausto fazendo a cor de um cartão amarelo, virar vermelho, no primeiro minuto de jogo.

Dali em diante, o tom musical passou a ser outro. Virou ópera, um drama, para o torcedor alvinegro e para o maestro Arthur Jorge.

Na roda entusiasmada liderada pelo cronista, apareceu o bom e “Velho Lobo” Zagallo.

A “Santíssima Trindade alvinegra” estava formada. Ele chegou acompanhado do carismático canino Biriba, aquele mesmo,
o canino da sorte.

Em coro, aos poucos, foram se juntando outros alvinegros ilustres à mesa: De Beth Carvalho puxando um samba ao lirismo de Vinicius de Morais, até o místico jornalista e treinador João Saldanha.

Eis que ele surge passando as orientações das mais sábias através de anjos para o comandante do glorioso.

A mensagem é de coragem para que mantenha suas feras em campo.

Dito e feito.

E a corrente regida pelo anfitrião Nogueira começam a fazer efeito. Garrincha só vestia calção e sandálias.
Ele havia emprestado sua mística camisa sete a Luiz Henrique.

Biriba com sua confiança inabalável latia e abanava o rabo esperando uma sobra. Não de petisco. Ele queria ver a bola sobrar uma bola para o atacante, inspirado no anjo das pernas tortas, encher o pé esquerdo e abrir o placar.

Se jogador decide jogo, time ganha campeonato. Uma equipe vencedora precisa se despir das vaidades.

Luiz Henrique cai dentro da área. Zagallo e Saldanha conversam entreouvidos.

Não caberia ao Campeão do Mundo Almada, nem mesmo o camisa nove da seleção Igor Jesus ou ao dez Savarino a missão de cobrar o pênalti.

Percebe-se então que Zagallo não tinha número nas costas da sua camisa.

Se “Tellesnofogão” tem 13 letras, quis o destino oferecer ao lateral a responsa.
Desta vez, sem a loucura de Abreu, encheu o pé para ampliar a contagem.

A etapa final ganha uma pitada de emoção com gol de Vargas. Tudo parece se desenhar para um sonho virar pesadelo.

Beth abaixa um pouco o tom. Respira fundo. Garrincha vê seu discípulo dar sinais de fadiga e acende uma vela.

Vinicius segue dedilhando melodias no violão com calma e recita o pernambucano Geraldo Vandré, “quem sabe faz a hora e não espera acontecer”.

E aí o Espírito Santo sopra mais uma vez no ouvido de Arthur Jorge. Ele obtém a benção de Nilton Santos. O mais calmo de todos no encontro, sabia bem o que o destino reservava para o fim de tarde mais épico da história do clube.

Muito além de uma mensagem, o eterno camisa seis do glorioso enviou mais que um sobrenome imponente, também seu espírito à terra para abençoar Júnior Santos.

Ele faz um drible desconcertante e mais uma vez, sem vaidades, serve ao jovem e veloz Matheus. Biriba late e pula alcançando à mesa!

Todos se levantam. Assim na terra como no céu.

E mais uma vez o destino, implacável, deixa a bola cair nos pés do artilheiro da competição para selar a glória eterna.

Armando Nogueira finaliza repetindo sua frase icônica:
“O Botafogo é bem mais que um clube – é uma predestinação celestial”.

EU, O DOUTOR IVO E O BOTAFOGO

por Pedro Barcelos

Os dias anteriores da final foram tensos. Noites mal dormidas, pouca alimentação e algumas palpitações preocupantes na região do peito. Estava indo para a minha primeira final de Libertadores e nada me preocupava mais do que isso.

Ano passado, também em novembro, fui até um cardiologista por conta de palpitações semelhantes. Quando cheguei ao consultório do Doutor Ivo, ele perguntou:

– Estou vendo no seu cadastro que você só tem 33 anos, aparentemente está saudável, qual grande problema você veio trazer hoje? – seu tom de ironia não abalou minha missão.

– Doutor, eu sou fumante há 17 anos, bebo mais que um Opala e ultimamente tenho sentido umas dores estranhas na região do coração. Vim aqui hoje só pra saber se eu consigo chegar ao final do Campeonato Brasileiro vivo.

Entre ignorar a parte de “dores estranhas no coração” e focar em “chegar ao final do Brasileirão”, ele preferiu não se preocupar (o que me preocupou ainda mais). Prescreveu dois exames quaisquer, apertou minha mão e praticamente me expulsou do consultório.

Nunca fui muito bom com exames médicos, mas dessa vez eram necessários. Eu precisava estar vivo no primeiro título revelante do Botafogo neste século.

Saiu o resultado e, de fato, para minha sorte, Doutor Ivo estava certo. Tudo “normal” com meu coração. 2023 terminou e todos sabem o desfecho. Foi horrível, mas sobrevivemos (eu e o Botafogo).

Dito isso, pensei bastante no Doutor Ivo nas últimas semanas. Mais até do que eu gostaria. As palpitações voltaram, mas não valeria a pena voltar ao consultório. Provavelmente ele se preocuparia tanto quanto no ano passado: muito pouco ou quase nada.

Cheguei em Buenos Aires na quinta, encontrei a torcida do Botafogo e não consegui dormir direito. Na sexta, o roteiro foi bem parecido. No sábado, se eu consegui dormir 30 minutos seguidos acho que foi muito. Pesadelos recorrentes, uma azia violenta e as tais palpitações. Só conseguia pensar: “Porra, Doutor Ivo, você deveria ter me ouvido! Isso não pode ser normal”.

Quando desisti de tentar dormir e levantei da cama, rapidamente a azia passou. Pelo menos isso. Tomei um café da manhã pouco reforçado e comecei a peregrinação para o estádio.

Marquei um ponto de encontro com um grupo de amigos botafoguenses em Palermo e de lá partiríamos andando pro Monumental, cerca de 3,5 Km de caminhada.

Todos almoçaram bife à milanesa, menos eu. A única coisa que cabia no meu estômago era a quantidade de adrenalina que eu mesmo produzia. Só isso e nada mais.

Chegamos ao estádio com duas horas de antecedência. Eu e João subimos para a arquibancada superior, enquanto o restante foi para a inferior.

O estádio ainda estava começando a encher. Andei por toda a arquibancada tentando encontrar o lugar ideal para assistir o jogo. Não encontrei. O desespero foi batendo. Não era culpa do estádio, o Monumental é excelente, mas aquela não era a minha casa.

João, meu irmão de Botafogo desde sempre, concordou que só pararíamos quando achássemos o lugar certo. Problema que o tempo passa e, faltando apenas 10 minutos pra começar a partida, a situação só piorava.

Quando aquela festa da Conmebol acabou (festa estranha, com gente esquisita), achamos o lugar para assistir o jogo: um corredor de acesso às arquibancadas. Eu conseguiria assistir o jogo em pé sem atrapalhar alguém, a visão do campo era excelente, não tinha luz do sol na cara, aparentemente nenhum chato por perto… “é aqui”!

Os times entraram em campo e o jogo mais importante da minha vida ia começar.

Esse momento de tranquilidade não deve ter durado 30 segundos. Eu ainda não sabia, mas claramente este era um sinal do que estava por vir: os tais trinta segundos.

Minha tranquilidade acabou quando um grupo de pessoas atrasadas chegou correndo nos acessos das arquibancadas. O empurra-empurra foi geral.

Inconformado com a situação, falei pro João: “vamos procurar outro lugar”. Os times já estavam perfilados, hinos tocando… pensando racionalmente, seria uma péssima estratégia sair dali, mas não teria jeito.

Procuramos até encontrar um lugar. Era meio ruim, longe do ideal, mas teria que ser ali. Nós não escolhemos.

Jogo começou. Não deu tempo de pensar em nada, Gregore foi expulso. Dos trinta segundos de jogo até os 30 minutos do primeiro tempo, eu não sei o que aconteceu. Não faço ideia. Só lembro de olhar pro nada, sem saber o que estava acontecendo a minha volta. Na expulsão, eu perdi minha visão do gramado e não lembro de ter feito esforço algum pra tentar ver de novo.

Ver o jogo já não era uma prioridade pra mim, eu só queria entender o que estava acontecendo. Não tive sucesso. Essa meia hora passou em cinco minutos pra mim. Foi uma merda, eu me endividei para estar ali, era o dia mais importante da minha vida e eu simplesmente não sabia que o estava acontecendo. Nada, naquele momento, fazia sentido pra mim.

Por volta dos trinta minutos, me encostei numa parede de concreto do estádio. Ao fundo, bem longe, conseguia ver parte do telão do estádio. Ver o gramado não era um objetivo meu. Aos poucos, minha consciência foi voltando. A única informação que eu conseguia processar era o som da torcia, e mesmo assim com certa dificuldade.

Alguns segundos depois, já comecei a entender as imagens que o telão transmitia. Aparentemente, tudo certo comigo. “Doutor Ivo tinha razão”, pensei.

Almada pega a bola e fica parado na frente do marcador. Fica um segundo parado. Dois segundos parado. Três segundos parado. Seis segundos parado. Ali, ele me conectou ao jogo. “A gente vai vencer essa porra”.

Consciência de volta, gol do Botafogo.

Lembro de algumas pessoas desconhecidas virem falar comigo, baterem nas minhas costas, mas eu não tinha reação. Aquela parede que eu tava encostado era a única coisa que me entendia naquele momento.

Pouco tempo depois, pênalti pro Botafogo. Alex Telles cobra: 2 a 0.

Para fugir de pessoas que tentavam socializar comigo na comemoração do gol, fui andando meio que sem rumo, na direção oposta da arquibancada, e acabei chegando no final da escada que dá acesso às arquibancadas superiores. Olhei o horizonte, fora do estádio, tentando buscar algum ponto de referência com a realidade. No meio dessa loucura, ouço:

– Irmão, irmão!!

Alguém me chamava. Olhei pra escada, e alguns lances abaixo, bem abaixo, provavelmente uns vinte metros abaixo de mim, vi um torcedor do Botafogo, com a camisa listrada e óculos escuros.

– Irmão, quanto tá o jogo aí? – perguntou gritando.

A cena foi tão absurda que minha única reação foi levantar a mão com dois dedos e gritar o resultado de volta pra ele. A felicidade dele foi instantânea. Provavelmente aquele cara estava sem receber qualquer informação da mundo exterior há 40 minutos.

– Porra, muito foda!! Vamos vencer, Fogo!!! – respondeu gritando de volta.

Aquele cara me salvou. Não foi o Luiz Henrique, não foi o Telles, o Almada ou o Arthur Jorge. O herói daquele jogo foi aquele completo desconhecido que provavelmente nunca mais verei na vida e nem saberei o nome.

Terminou o primeiro tempo e estávamos no caminho certo. No intervalo, consegui achar um lugar na arquibancada pra ficar. Ali, eu conseguiria ver o gramado pela primeira vez depois de muito tempo. “Excelente, está tudo dando certo”, pensei.

Juíz apita o início do segundo tempo, gol do Atlético.

“Não é possível, eu vou voltar pra parede do corredor de acesso. Eu não vim pra assistir o jogo, eu vim pra ser campeão”. Esse pensamento me acompanhou pelos próximos 50 minutos, mas eu não conseguia me movimentar. Estava paralisado.

Júnior Santos entra e o Atlético se caga de medo. Ensaiou primeiro, perdeu a bola. Tentou de novo, conseguiu, entrou na área, arriscou a assistência, não deu certo, lutou, insistiu, gol!! Não um gol qualquer: o gol do título! Expressão muitas vezes banalizada, mas que aqui faz total sentido.

Chorei igual uma criança. Provavelmente o choro entalado na garganta desde o tempo em que eu era criança. Doutor Ivo tinha razão, eu estou bem, vou sobreviver. E o Botafogo? O Botafogo também vai sobreviver e muito bem, obrigado.

Acaba o jogo, tento sair da arquibancada, mas não consigo. Os policiais travaram o corredor de acesso, de forma que nem ao banheiro os torcedores do Botafogo poderiam ir. Esse bloqueio duraria uma hora. “Questão de segurança”, disseram.

Lembro vagamente de um idoso vindo correndo da arquibancada e tentando furar o bloqueio.

– O meu voo é daqui a meia hora. Eu preciso ir ao aeroporto se não eu vou perder minha passagem.

– Lo siento, pero ningún aficionado del Botafogo puede salir del estadio ahora – respondeu um dos policiais.

Nesse princípio de confusão que começou, vejo o tal desconhecido da escada correndo desesperado para entrar, pela primeira vez, na arquibancada. Aos prantos, só conseguia dizer: “somos campeões, somos campeões”.

Passou pelo cinturão de policiamento e encontrou alguns conhecidos seus, provavelmente familiares. Chorou copiosamente. Aquele era o ponto de encontro da ilusão com a realidade. As coisas ali fizeram sentido. Todos os torcedores do Botafogo sabiam que dali em diante, tudo seria mudar.

Aquele maluco da escada foi o herói improvável do meu jogo. Ele me fez ser mais Botafogo, coisa que eu achava que seria impossível até aquele momento.

Essa final me fez ser mais Botafogo, assim como algumas derrotas pesadas do passado também fizeram. O Júnior Santos e o Arthur Jorge me fizeram ser mais Botafogo, assim como o Gregore também fez. O Monumental de Nunez me fez ser mais Botafogo, por mais bizarro que isso possa parecer.

Não é fácil entender o Botafogo ou o que se passa na cabeça de um botafoguense. Mas uma coisa o Doutor Ivo tinha razão: nós sobrevivemos.

O Doutor Ivo também me fez ser mais Botafogo, mesmo sem saber disso.

RONALDO QUER GUARDIOLA

por Elso Venâncio

Ronaldo Fenômeno agendou reunião com o presidente da FIFA, Gianni Infantino, para demonstrar sua preocupação com o futebol brasileiro e falar que pretende disputar a presidência da CBF. O movimento inicial de Ronaldo, se for eleito, seria contratar o técnico Pep Guardiola, atualmente no Manchester City. O próprio Guardiola já está ciente do projeto.

Ronaldo já esteve visitando políticos em Brasília, inclusive buscando apoio do Judiciário. Mas a tarefa não é fácil, mesmo com seu carisma e o acesso tanto aos maiores grupos de mídia quanto à elite empresarial.

A CBF pode marcar a eleição a partir de abril, durante o período de um ano. Hoje, o presidente Ednaldo Rodrigues está fechado com 20 federações, o que garantiria a sua reeleição. Para concorrer, Ronaldo Fenômeno precisa ter apoio de pelo menos quatro federações e quatro clubes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro. Antes, votavam as 27 federações. Mesmo de forma desproporcional, os 40 clubes das Series A e B passaram a participar do pleito, em que as federações têm peso 3 (81 pontos); os clubes da elite nacional, peso 2 (40 pontos); e os clubes da segunda divisão, peso 3 (20 pontos).

Durante décadas, o ex-presidente da FERJ Eduardo Viana, o Caixa d’Água, era quem dava as cartas. Falecido em 2006, ele era presidente da Assembleia Geral e sempre apadrinhava o candidato a ser eleito na CBF. Após uma palestra, ao ser perguntado sobre quando deixaria a presidência da federação do Rio de Janeiro, respondeu rispidamente: “Só saio morto ou se aparecer alguém mais inteligente que eu”.

Antes da Copa do Mundo de 1986, no México, houve a mais acirrada eleição na CBF, com Caixa d’Água recorrendo ao contraventor Castor de Andrade, que mandava no samba, no futebol e na cidade do Rio. Castor agiu rapidamente e financiou a ida dos presidentes aliados para o Copacabana Palace, sem direito a deixar o hotel. A estratégia deu certo, pois a chapa de oposição, formada por Otávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid, venceu o vascaíno Medrado Dias, apoiado por Giulite Coutinho.

No dia em que faleceu, antes do arbitral da segunda divisão fluminense, Eduardo Viana chamou para uma conversa o então presidente do Goytacaz, Valtair Almeida.

— Não quero deixar essa vida com o remorso de ter prejudicado o Goytacaz (time de maior torcida em Campos dos Goytacazes). Faz um time razoável, que você vai subir — disse Eduardo Viana, fanático torcedor do Americano. 

Na reunião, Caixa D’Água se estressou num bate-boca e acabou não resistindo a uma parada cardíaca.

O polêmico jurista Eduardo Viana foi afastado algumas vezes pela Justiça, mas sempre voltava ao cargo de presidente da FERJ. Ao seu lado, o jovem advogado Pedro Trengrause o acompanhva nas reuniões. Trengrause, que trabalha nos bastidores, é considerado por muitos

o segundo homem mais influente do futebol brasileiro. Consultor jurídico da CBF, foi ele quem atuou junto ao STF

para garantir a liminar que mantém o presidente Ednaldo Rodrigues no poder.