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DENÍLSON, REI ZULU, CACIQUE DE RAMOS

por Paulo-Roberto Andel

Foto: Marcelo Tabach

Garoto ainda, Denílson já tinha atitude. Aos dezoito anos, em 1961, jogava no Madureira. Cansado dos salários com meses de 150 dias, deu no pé.

Tomou coragem e foi no Fluminense. Cortou um dobrado na portaria, mas conseguiu entrar e, no estádio lendário, conseguiu chegar perto do Mestre Zezé Moreira. Deixou o medo pra trás e simplesmente pediu uma chance para treinar. Só saiu do clube treze anos depois. E cinco anos passados do pedido para treinar, estava na Copa do Mundo defendendo o Brasil.

Nelson Rodrigues, eterno, o apelidou de Rei Zulu com a estupenda precisão de sempre. Waldyr Amaral, a voz do rádio carioca, o chamou de Cacique de Ramos. Preciso também.

A Era Denilson começou de vez com o título carioca de 1964. Depois demorou um tempinho, mas o fim da década seria esplêndido: o Fluminense foi campeão carioca nas decisões apoteóticas de 1969 e 1971. Entre ambas, campeão brasileiro de 1970. Uma potência. Depois voltou a ganhar o Carioca em 1973. No meio do caminho, faturou três Taças Guanabara – uma façanha para qualquer jogador da história tricolor.

O Mestre Nelson era encantado com as passadas largas e elegantes de Denílson. A torcida tricolor inteira era. O futebol foi sendo lapidado por Tim e Telê Santana. Precisa mais? Sim. O querido e amado Helio Andel dizia “Ele era implacável”, e creio que Mendel Chapiro diria o mesmo.

Quando deixou o Fluminense para jogar no Rio Negro do Amazonas, Denílson já estava consagrado como um símbolo do clube. A revista Placar em outubro de 1970 cravava: “Não tente passar por Denílson. Ninguém passa”. Era quase uma premonição do título nacional que estava a caminho. Ninguém passava por Denílson naquele que, para muitos especialistas, foi o Campeonato Brasileiro mais difícil de todos os tempos, com todos os craques tricampeões no México presentes, além de outros 30 que não foram à Copa. O Rei Zulu encarou todos, viu e venceu. Foi campeão com a mesma coragem que um dia empenhou para jogar no Fluminense.

Nos últimos 50 anos, ele foi um discreto ícone do clube, unanimidade entre todos que o viram jogar. A elegância carregava um tonel de garra que poucas vezes se viu no Maracanã com a mesma intensidade, nos anos em que o Brasil realmente tinha o melhor futebol do mundo.

O Fluminense e sua torcida precisam enaltecer o Rei Zulu. Ele pode ter ido embora fisicamente, mas sua presença na eternidade tricolor é certa. São muitas e muitas histórias. Ninguém aprende com Zezé Moreira, Tim e Telê à toa.

@pauloandel

Hasta la vista

por Val Zeca

O árbitro nem havia apitado o fim da partida quando
ele foi convidado a se retirar. Partiu amparado pela
mano D10S ao som do último Tango de Gardel,
alguns dizem que foi jogar lá o céu, outros nem tanto.
Mas, creio que ele ainda passeia pelos campos, nos
pensamentos, nos corações dilacerados de nossos
hermanos, napolitanos, gregos, ingleses e Troianos.
Na terra venceu várias batalhas como aquela mundial
de 1986. Gênio, quando deixou caído ao chão vários
soldados da Rainha. Era odiado por muitos e sempre
adorado, amado e venerado por seu povo e pelos
amantes do futebol arte. Era verdadeiro anti-Herói
canhoto, já nasceu torto, avesso aos imperialistas. Seus
adversários ficaram vesgos ao vê-lo desfilar nos
tapetes verdes do mundo. Pediam clemência mas
vossa majestade não tinha complacência. Era
implacável com sua metralhadora giratória de canhota
que assassinava em campo todos os incautos e fora
dele também os hipócritas com sua maledita Boca F.C.
hastá lá vista Dieguito.

ABANDONADOS F.C.

por Val Zeca

foto: Alex Ribeiro

A se não fosse os campos 
de lama, as bolas de meia 
que rolavam num chão sem grama chutando pedras e o asfalto

com os pés descalços, despidos 
e descamisados e um sonho de ser Garrincha ou Pelé sem lápis nem caderno só a alegria  

De canetas, carretilhas 
E lambretas não tinha medo 
Nem receio de caras feias
caretas e músculos 

Podiam fazer fila que fintávamos 
até maus pensamentos, fome, 
Tristeza até mesmo a desilusão. 

Os choros de alegria eram
com golaços e bolas na trave 
da imaginação sem impedimento, 

sem árbitro, juiz ou julgamento 
O que valia era aquele momento 
Onde tudo valia na disputa da bola 
De três dedos, trivela ou de sola 

Assim era famoso ranca toco 
rua dos abandonados contra 
rua dos excluídos O pau quebrava,
O coro comia só não valia xingar a mãe por que as vezes nem tinham

Ali se estreitava os laços, 
se fazia amigos e muitas Amizades Mesmo sem nunca ter ganhado um jogo.

FLUMINENSE

por Rubens Lemos

Com 27 pontos namorando a Zona de Rebaixamento e apanhando até mesmo do Vasco da Gama por 2×0, o Fluminense nem é sombra do timaço montado pelo presidente Francisco Horta em 1975 muito menos do outro esquadrão vitorioso tricampeão em 1983/84/85 e campeão brasileiro de 1984.

Há um livro que faz comparação entre as duas forças de expressão superior. Em 1975, ano que vem 50 anos, para dar uma reviravolta no futebol carioca, Francisco Horta topou com os outros grandes a permuta de jogadores. A média de público no Ex-Maracanã chegava a 100, 150 mil pessoas nos clássicos.

O ponto de partida para a euforia foi a contratação do gênio Rivelino ao Corinthians, uma transação para lá de confusa. Rivelino saía humilhado pelo Timão após a perda do Campeonato Paulista para o Palmeiras em 1974, fazendo completar 20 os anos sem conquistas.

Rivelino não teve culpa nenhuma de jogar com colegas de baixo nível, se desdobrou, deu carrinho, driblou elasticamente, mas perdeu o duelo para o estilo cerebral e cadenciado de Ademir da Guia, que controlou a partida até o gol do mineiro Ronaldo, fazendo vibrar 20, das 120 mil pessoas presentes ao Morumbi.

Então, Horta concluiu: vou trazer o melhor jogador do país para sacudir o Fluminense e conseguiu, reunindo banqueiros e emitindo promissórias para garantir o preço exigido pelo duro na queda Vicente Matheus.

O Fluminense montou a primeira versão da Máquina Tricolor com Félix; Toninho, Assis, Silveira e Marco Antônio; Pintinho, Rivelino e Paulo César Caju; Cafuringa, Manfrini e Mário Sérgio. Esse time foi supercampeão num triangular com o Botafogo. Na estreia impôs 4×1 no Vasco dando toquinhos exuberantes e passes de curva. O Vasco apelou para a violência.

O Campeonato Brasileiro seria o objetivo seguinte do tricolor e nas semifinais o jogo foi contra o Internacional de Falcão, Carpegiani, Figueroa e Lula. Era um jogo só e no Rio de Janeiro. Frio e técnico, o Internacional meteu 2×0 sem dificuldades com gols de Lula e Carpegiani. Horta sofria a primeira decepeção com seus excepcionais jogadores.

Em 1976, trouxe Renato, do Flamengo, para o gol, Carlos Alberto Silva para a lateral-direita, trocou o vascaíno Miguel por Abel, Zé Mário e Marco Antônio do Vasco, do Botafogo chegou Dirceu, trocado por Mário Sérgio e o Campeonato Carioca foi outro passeio. Na final, vitória sobre o Vasco por 1×0, gol de Doval, no minuto final da prorrogação.

Só restava esperar o Brasileirão. Semifinal contra o Corinthians e 70 mil paulistas invadiram o Rio de Janeiro e foram ao estádio guerrear berrando. Temporal na cidade, gramado pesado, o Fluminense fez um golaço com Pintinho batendo de chapa na bola no canto de Tobias. Logo, Ruço, de meia-puxeta, empatou para o Timão.

Nervoso, o tricolor perdia a segunda semifinal nos pênaltis e Francisco Horta perdeu a racionalidade, fazendo um terceiro troca-troca em que cedeu ao Botafogo três craques de seleção: o lateral Rodrigues Neto, o ponta-direita Gil e o meia e ponta-esquerda Paulo Cézar Caju por Marinho Chagas, que jogava tudo, mas o negócio foi mal feito. O Fluminense não decidiu o Carioca e ficou entre os 30 primeiros colocados no Campeonato Brasileiro.

Nos anos 1980, o jogo coletivo se sobrepunha ao individualismo e o Fluminense, com sua tradição de formar “timinhos”, montou um time baseado nos atacantes Assis e Washington, trazidos do Atlético Paranaense. Trouxe os ex-juniores do Internacional Branco e Tato e efetivou o goleiro Paulo Vítor.

Ganhou o campeonato de 1983 no minuto final: 1×0 no Flamengo, gol de Assis. Que arrebataria o bicampeonato vencendo por 1×0 em 1984, ano em que Romerito matou o habilidoso Vasco vencendo por 1×0.

Em 1985, o árbitro José Roberto Whrigt deixou de marcar um pênalti sobre Cláudio Adão do Bangu, evitou o empate e o Fluminense venceu por 2×1. Dois times muito bons, mas a verdadeira diferença estava no pé canhoto de Rivelino, o ídolo de Maradona. Foi para ter um pretexto de falar sobre ele que escrevi este texto.

O BOTAFOGO NOS REPRESENTA

por Zé Roberto Padilha

Quando comecei a torcer pelo Fluminense, quem dava as cartas no Rio era o Botafogo. Era de General Severiano que saía a base da seleção brasileira. Tínhamos o nosso time, Felix, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio. Mas nossos representantes nas Copas do Mundo eram Nilton Santos, Didi, Gerson e Jairzinho.

Na imprensa, a briga era mais equilibrada. E de altíssimo nível. Nós, tricolores, tínhamos Nelson Rodrigues escrevendo no Jornal dos Sports. Eles, Armando Nogueira, no JB.

Flávio, o Minuano, comandava o nosso ataque, e meu ídolo era Jairzinho. Se o gol sempre foi o grande momento do futebol, suas arrancadas em sua direção levantavam as arquibancadas. E de tanto temê-las em preto e branco, quando suas vestes amarelavam, aí sim levantavamos juntos.

Hoje, o Botafogo e o Flamengo, pelo que representam de paixão pelos meus filhos, são meus segundos times. Portanto, somos todos Botafogo rumo à gloria eterna.

Tenho certeza que na próxima encarnação voltarei Botafogo. Há algo diferente, supersticioso, inexplicável até para eles mesmos como tal amor sobrevive, resiste e supera seguidas adversidades.

Algo cult, místico, que se soubesse definir talvez desistisse de voltar toda uma existência torcendo por eles.