PARABÉNS, PAI!
por Marco Antônio Rocha
Meu pai hoje faz 91 anos. E, ainda que tenha partido há quase três, às vezes faço menção de pegar o telefone para ligar e comentar algum jogo com ele. Mas nossa ligação vai muito além disso…
É como se transbordasse em seus olhos que se emocionavam a cada história que ouvia; é como se concretizasse nos braços pequenos que eram capazes de acolher o mundo.
Para algumas pessoas, a morte não interrompe a vida, é apenas uma mínima parte dela, que de alguma forma segue.
Parabéns, pai! A gente se fala…
QUANDO O SUPERMERCADO VALE MAIS QUE A TAÇA
por Zé Roberto Padilha
Sou do tempo em que final da Taça Guanabara tinha recorde de renda e passeata, além de valer uma vaga na final do Carioca. Tinha prestigio, público, charme e rivalidade. E todos os jogos eram disputados no Rio.
O Flamengo acaba de levantar a Taça Guanabara e nem torcedores com camisas foram vistos. Se passaram trinta minutos da conquista e nem um carro buzinou nos ouvidos tricolores.
Foram 10 jogos disputados fora do Rio. Os jogos são em Brasília, Manaus, Aracaju, João Pessoa, Natal, Belém, Cariacica, Uberlândia. Quem pagar mais pelo mando de campo dos times pequenos leva a atração para o seu estado.
E como os times pequenos pouco representam seus bairros, como eram Olaria, Campo Grande e Bonsucesso, e se tornaram Audax, Sampaio Corrêa, Boavista, e seguem o lucro, não a tradição, a Guanabara mais valiosa no Rio de Janeiro, hoje, é o Supermercado. Não a Taça.
Pelo menos todas as suas 26 filiais estão com preço bom e atuando dentro do nosso estado.
QUE AS NOVAS GERAÇÕES SE ESPELHEM EM VOCÊ
por Zé Roberto Padilha
Zico completa 71 anos. E eu, que tive o privilégio de conviver e jogar ao seu lado, não poderia deixar de lhe agradecer. E lhe desejar um Feliz Aniversário.
Em todas as profissões existem os que as diminuem, ferem seu conceito junto à sociedade, como tantos que estão se defendendo em tribunais mundo afora.
E outros que nos fazem ter orgulho de ter sido um atleta profissional de futebol. Chegar para filhos e netos e dizer: eu fui jogador de futebol no país do futebol. E não esconder a camisa, álbuns e pôsteres após as penas serem aplicadas em tribunais mundo afora.
Zico nos representa, como atleta e cidadão. Porque ninguém alcança uma unanimidade, respeito e admiração, entre todas as torcidas, se não for um cara do bem. De berço e de família.
Parabéns, amigo.
“uma coisa jogada com música” – capítulo 51
por Eduardo Lamas Neiva
A declaração do Ceguinho Torcedor de que a distensão de Pelé foi para a seleção brasileira o que a Revolução Francesa foi para Napoleão Bonaparte causou um certo burburinho, mas logo a Copa de 62 continuou sendo o tema da mesa principal do Bar Além da Imaginação.
Idiota da Objetividade: – Para se classificar, a seleção brasileira precisava ganhar da Espanha, que foi ao Chile com o húngaro Puskas e o argentino Di Stéfano, naturalizados.
Sobrenatural de Almeida: – Tapei os olhos do juiz pra ele não ver o pênalti de Nilton Santos em Collar.
Garçom: – Vi esse lance mil vezes na TV e em vídeo e ainda acho que o espanhol se jogou quando viu Nilton Santos se aproximar.
Nilton Santos se levanta em sua mesa e participa da conversa.
Nilton Santos: – Eu não podia arriscar, senti que o árbitro ia marcar a falta, então dei aqueles dois passos pra fora da área e ele caiu.
João Sem Medo: – O Nilton foi malandro, pois o árbitro viu falta e daria pênalti se percebesse que o lance tinha sido dentro da área.
Ceguinho Torcedor: – Foram os dois passos mais geniais da História do futebol!
Idiota da Objetividade: – Na cobrança da falta, Adelardo marcou de bicicleta para a Espanha, mas o juiz chileno Sergio Bustamante anulou o gol. A Espanha ficaria com 2 a 0 a seu favor e seria bem complicado para o Brasil virar. Mas a seleção brasileira teve um pênalti não marcado pelo árbitro, de Etxeberría em Amarildo, mais pro fim do jogo.
Ceguinho Torcedor: – Naquele dia fomos uma nação em pileque unânime. De pileque sem ter bebido nem água da bica. E é lindo, é gostoso, é sublime quando não há entre milhões de sujeitos, não há um sóbrio.
Todos riem.
Idiota da Objetividade: – Os espanhóis abriram o marcador aos 34 minutos do primeiro tempo, com um gol de Adelardo.
João Sem Medo: – A Espanha era formada por uma verdadeira legião estrangeira. Puskas já havia defendido o seu país, a Hungria, em 54. E ainda tinha o Di Stéfano, argentino.
Ceguinho Torcedor: – O primeiro gol do Brasil foi a obra de um possesso. Apesar da estúpida distância física, todo o Brasil era testemunha visual e auditivo de cada lance da partida. E eu vi, no momento do gol, vi Amarildo, a cara, o peito, a loucura de Amarildo.
Idiota da Objetividade: – Amarildo empatou para a seleção brasileira aos 26 minutos da etapa final e marcou o da virada aos 40.
João Sem Medo: – Foi um jogo dificílimo, como era previsto, aliás. Mas estávamos certos de que Amarildo seria uma solução feliz na triste emergência de não podermos mais contar com Pelé. E o garoto abusado do Botafogo não nos decepcionou. O que nos surpreendeu foi sua timidez inicial naquele jogo. Mas no segundo tempo foi um deus nos acuda. Parecia que a jaula tinha sido aberta naquele momento e a fera estava solta. Com que ímpeto, com que disposição, com que peito, Amarildo entrou no meio de quatro espanhóis para marcar o primeiro gol. Com que coragem enfrentou a dura defesa espanhola nos momentos mais difíceis e, apesar disso, com que paciência suportou as entradas violentas. Desmentiu assim os que diziam que sua escalação era uma expulsão em potencial, pois julgavam que se irritaria no primeiro encontrão. Mas ele não ficou no primeiro gol e soube aguardar, no lugar exato, o cruzamento de Garrincha, limitando-se a cumprimentar o goleiro com uma cabeçada digna de Heleno de Freitas, pela consciência com que foi desferida.
Ceguinho Torcedor: – No segundo gol, Mané deu uns dez salames dionisíacos. Comeu, com aquele apetite imortal, toda a defesa inimiga. E comeu o juiz, comeu o bandeirinha…
João Sem Medo: – Ô, Ceguinho, foi então uma suruba!
O público cai na gargalhada.
Ceguinho Torcedor: – É que às vezes uso palavras e termos antigos, meu amigo. Comer era driblar. Você bem sabe, João.
João Sem Medo: – Sei sim, falei de Amarildo, mas Garrincha teve tantos méritos quanto ele, acho que até mais, pois foi agressivo em toda a partida, enquanto só abriram a jaula do Amarildo no segundo tempo.
Garçom: – É só falar em Garrincha que vou logo me lembrando das várias músicas que ele ainda recebe como homenagem. Se me permitem, vou pôr aqui no nosso som, uma do flautista Márcio Menezes, instrumental, muito boa. Chama-se “De Mané pra Garrincha”.
O povo do bar curte muito a música, cumprimenta ou acena para Mané, que ao lado de Elza Soares apenas sorri. Enquanto faz os seus pedidos aos garçons, a turma do Além da Imaginação bate um papo, vai ao banheiro, dá uma esticada nas pernas… Finalizada a música, que agradou bastante a todos, João Sem Medo retoma a pelota com rapidez para concluir seu raciocínio.
João Sem Medo: – Talvez eu tenha me empolgado por Amarildo pelo fato de ser o seu jogo de estreia, enquanto que já estávamos acostumados com o Garrincha, que aliás tinha mesmo um apetite imortal. Fui técnico e diretor dele no Botafogo e o cara driblava todo mundo também fora das quatro linhas.
Mané solta uma sonora gargalhada e é acompanhado pelo público.
Garçom: – Na minha infância, a garotada falava que tinha dado um “come” quando driblava alguém.
Ceguinho Torcedor: – Viu, o Zé Ary me entende. Mas o Mané fez tudo isso com uma saúde de passarinho. E tudo isso com alegria, com bondade, com pureza. No fim, não havia mais ninguém pra driblar, ninguém. E então Mané, que tudo via, tudo sabia, passa para Amarildo. Mas não foi um passe qualquer. Nem a cabeça de São João Batista foi tão na bandeja como aquela bola do Garrincha. E estava lá o possesso, Amarildo, o rútilo epilético. E então ele enfiou a sua cabeçada mortal. Aquilo era o Brasil!
João Sem Medo: – Garrincha fez de tudo naquela Copa. Fez até o que não estava habituado a fazer, gols de fora da área, de cabeça, de canhota…
Garçom (aos músicos e à mesa principal): – Vamos a mais uma pra homenagear o grande Mané?
Todos concordam. E Garrincha é todo sorriso.
Músico: – Zé Ary, vamos convidar ao palco, então, o Manduka. Onde você está, Manduka?
Manduka: – Opa, aqui. Vamos lá!
Manduka vai ao palco, mas antes dá um forte abraço em Garrincha, e é aplaudido.
Manduka: – Obrigado. Muito obrigado. Grande Mané, que prazer! Prazer estar aqui e ouvir tantas histórias maravilhosas. “Mané Garrincha” é o título desta música. Simbora!
https://www.youtube.com/watch?v=_eKhGYjqLMM
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Um gol desse não se perde!
O MARECHAL DA VITÓRIA
por Elso Venâncio
Empresário e advogado paulista, Paulo Machado de Carvalho foi um personagem importante nas Copas de 1958, na Suécia, e 1962, no Chile, quando o Brasil se tornou bicampeão mundial. Chefiando a seleção com plenos poderes, o dirigente ficou conhecido como o “Marechal da Vitória”, apelido que recebeu do jornalista Joelmir Beting.
Na véspera da partida contra a União Soviética, em 1958, ele notou o meia Didi triste, cabisbaixo. Como sabia que o ídolo do Botafogo não dispensava uma boa dose de uísque, chamou-o no bar do hotel onde a delegação estava concentrada, em Hindas:
–Tudo bem, meu craque?
– Tudo, Dr. Paulo.
– Vou pedir duas doses de uísque.
– O senhor não vai me acompanhar?
– Eu não bebo. A outra também é para você.
Didi, o “Gênio da Folha Seca’, grande estrela do time brasileiro, foi claro:
“Sem Pelé e Garrincha a gente não ganha essa Copa”.
Eis que, justamente diante da URSS, o técnico Feola escalou os dois. Para isso, sacou Dida e Joel do time. De quebra, pôs o líder e raçudo Zito na vaga do contundido Dino Sani.
Supersticioso ao extremo, o ‘Marechal’ usou o mesmo terno marrom em todos os jogos das Copas em que esteve presente. Na decisão da primeira, suou frio. A Suécia não abriu mão de entrar com o uniforme amarelo, fato que o preocupou bastante.
Usar o branco, nem pensar. Afinal, perdeu a final de 1950 assim, em pleno Maracanã. Resoluto, Paulo Machado de Carvalho reuniu o grupo e decretou:
“Vamos para o título com a camisa azul, a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida”.
Na Copa do Chile, quatro anos depois, a base da equipe estava mantida. Apenas Mauro tomou o lugar do capitão Bellini, que ao se machucar perdeu a posição. O treinador Aymoré Moreira substituía Vicente Feola, que adoecera. No jogo contra a Tchecoslováquia, Pelé sentiu a coxa e, consequentemente, ficou fora do Mundial. O Brasil se abateu e a partida terminou empatada sem gols. Paulo Machado percebeu que o ‘drama’ de Pelé atingiu os companheiros e chamou o médico Hilton Gosling para uma conversa crucial:
– Doutor, os jogadores estão deprimidos – disse o cartola.
– O que podemos fazer? – retrucou o médico.
– Leve-os para um lugar bem alegre, mas longe daqui, onde a imprensa não tenha acesso.
Garrincha foi o mais empolgado no prostíbulo de Valparaiso, assim como no jogo seguinte, quando liquidou a ‘Fúria’ espanhola dentro de campo. Amarildo, o substituto de Pelé, marcou dois gols.
Na semifinal, diante dos anfitriões, a vitória estava garantida: 4 a 2 no Chile. Nos minutos finais, Garrincha, o melhor jogador da Copa, cansado de apanhar, deu um chute no adversário e foi expulso. O árbitro peruano Arturo Yamasaki não viu o lance, mas foi chamado pelo bandeira uruguaio Esteban Marino. Contudo, este auxiliar desapareceu misteriosamente na data do julgamento. Sem a testemunha que pediu a expulsão de Mané, o ponta-direita foi absolvido. Mendonça Falcão, presidente da Federação Paulista, convenceu seu velho amigo, o bandeira Esteban, que ao longo de anos apitou em São Paulo, a receber duas passagens e se mandar da Copa, para passar uma temporada em Paris.
Na Copa da Inglaterra, em 1966, João Havelange, com ciúmes de Paulo Machado e buscando projeção internacional, já de olho na FIFA, decidiu que ele próprio, Havelange, seria o chefe da delegação. Faltou planejamento e mais de 40 jogadores foram convocados. Além disso, um bando de amistosos sem pé nem cabeça foram feitos, visando atender pedidos políticos. Tudo resultou num vexame histórico, que adiou o sonho do tricampeonato mundial e, por consequência, a posse definitiva da Taça Jules Rimet, para 1970, no México.