Escolha uma Página

ESPELHOS

por Eliezer Cunha

O futebol é uma arte supra detalhada, contudo seus objetivos são claros, determinantes, lógicos e atingíveis. Vejamos algumas considerações reflexivas.

As Décadas de 70 e 80 foram atingidas pelos respingos das exuberantes atuações campais e pela conquista da Copa de 1970. Desta forma, este escrete de “canarinhos” passou então a ser referência de craques para as gerações futuras, pelas belas jogadas, pela eficiência conclusiva e pelo entrosamento peculiar. Vale destacar que esta seleção possuía em sua formatação seus pontos fracos e vulneráveis sobre tudo defensivamente, mas, através da competência e talento individual do meio de campo e atacantes atingimos nossos objetivos e nos tornamos tri campeão Mundial.

Em 1974 e 1978 se sucederam seleções desorganizadas, sem padrão de jogo definido, bairrismos, intolerâncias, medos, surpresas e sem um sistema tático transparente e objetivo, ficamos na dúvida entre a renovação de um novo plantel de jogadores ou o reaproveitamento e reajuste dos jogadores de 70. Isso foi fundamental para que não houvesse um padrão de jogo e esquema tático definido organizado. Conclusão: seleções acuadas pelo desconhecimento, nervosismo e medo.

A seleção brasileira de Telê Santana até hoje é objeto de estudo, análise e sub conclusões. Existem ainda pelos corredores questionamentos e narrativas sobre o comportamento desta seleção dentro e fora dos gramados espanhóis, gerando discussões que envolvem o estilo, padrão de jogo e pelos objetivos alinhados por seus comandantes e comandados.

Em 1982 resgatamos novamente o valor do “futebol arte” padrão de jogo baseado no estilo clássico e básico de jogar futebol, valorizando o domínio, o passe e a posse de bola. Tínhamos a clara percepção que poderíamos vencer a partida a qualquer momento, não saber administrar essa percepção foi nosso grande erro na fatídica partida entre Brasil X Itália.

Pois bem, os anos se sucederam e daí pra frente nos tornamos pequenos frente à força, à tática e à eficiência do futebol Europeu e abandonamos nosso peculiar e tradicional futebol arte, que sempre foi nosso diferencial. Resumimo-nos somente ao talento individual de poucos jogadores e as suas jogadas ineficientes e poucos objetivas.

Atualmente estamos perdidos, sem rumo, sem destino e sem nenhuma esperança. O horizonte de conquistas está nebuloso e encoberto por interesses financeiros. Não temos jogadores à altura dos estrangeiros e a comissão técnica seja ela qual for não possui competência desafiadora e a mesmice continua prevalecendo e, o pior, se perpetuando. Somos uma nação futebolística desacreditada e omissa, desta forma, o meu medo maior é que o espelho se quebre em definitivo e a imagem que outrora refletia glórias e soberania se apague e permaneça destorcida para todo o sempre.

UMA GELADEIRA POR PELÉ

por Rubens Lemos

O aprendiz de cronista é guardião das migalhas das histórias que para a maioria nada significam. A crônica é olhada com desprezo pelo novo jornalismo, mas é a sobra da sensibilidade oxigenando a vida e expulsando as toxinas do cotidiano movido pela ganância, o pisar no outro sem piedade para superá-lo pela deslealdade.

Natal é desmemoriada. Seus mortos viram borrões na semana do sepultamento e recolhidos na alma dos viúvos e filhos, quando muito. Natal é cruel. Foi-se à época – arrebatada num vento sudoeste, de uns oferecendo ombros aos outros em emoções fraturadas.

A cidade deletou, ou suas gerações até 50,60 anos de idade, sequer ouviram falar em Gutemberg Marinho, diretor das rádios Trairi e Nordeste, amigo de duas lendas potiguares: os políticos Djalma Maranhão e Teodorico Bezerra.

Gutemberg Marinho, homem bom e homem pobre, amava o rádio, era alucinado por futebol e soube que Pelé jogaria amistoso pelo Santos contra o Santa Cruz dia 19 de maio de 1959, menos de um ano depois o Menino-Rei se tornar aumentativo de futebol. Iria porque iria entrevistá-lo.

Obstinado, combustível dos sonhadores, fincou pé e decidiu ir a Recife. Sem um tostão, vendeu a geladeira de casa, suficiente para custear acomodações modestas e alimentação controlada e levar a sua mulher, de traços delicados e mediterrâneos. Dona Maria Sônia de Lucena Marinho.

Cumpriram as seis horas de viagem no tranco do ônibus caindo aos pedaços na estrada, à época, irregular. Enfrentaram – estavam injetados de perseverança, a multidão em frente ao charmoso Hotel São Domingos, o melhor de Recife, ancoradouro de artistas de todo o mundo.

Em transe, sentimentalista empedernido, repetiu a história da geladeira vendida depois de insistir em relatar seu sacrifício à delegação santista. Sou cético, mas o milagre da santa loucura de um repórter fez Pelé atender o apelo de Gutemberg Marinho.

Reparem na fotografia, o olhar predador de Pelé no início da conversa, para depois ir cedendo, cedendo e sendo “muito simpático”, segundo a memória de Dona Maria Sônia, hoje aos 86 anos.

Confúcio ensinou: transportai um pedaço de sonho e fará uma montanha, bom mantra para Gutemberg e Maria Sônia. Estupefatos, viram, no Estádio da Ilha do Retiro, o Santos massacrar o Santa Cruz por 5×1, três gols de Pelé em atuação redundantemente extraterrena, Coutinho e Doval com Humaitá descontando para os tricolores.

Quem seria outro Gutemberg capaz de desfalcar a parca mobília em nome de um devaneio? Ninguém, porque ele foi um típico personagem de palavras pescadas. Foi porque morreu do coração no Dia dos Pais de 1966, diante de Maria Sônia e três filhos pequenos.

Gutemberg era um coronariano literal. Visionário indomável. Alguém que o aprendiz de cronista admira no afeto transcendental. Pela coragem de ontem, pela eternidade da solidão dos bravos. Dos que jamais perdem por antecipação. Aí, já é a sina do aprendiz de cronista.

TEMPOS DOURADOS

por Péris Ribeiro

Com o Santos consagrado como grande campeão, Pelé era a atração máxima de Paris, naquele ínicio da década de 1960

As décadas de 1950, 60 e 70 significaram a Era de Ouro do futebol brasileiro. Foi, sem dúvida, um tempo de total visibilidade para os nossos clubes, que realizavam seguidas e rentáveis excursões pelo mundo. E, nelas, participavam dos tradicionais (e prestigiosos) torneios de verão na Espanha, França, Itália, Casablanca e Cidade do México, e também na América do Sul.

Havia exageros, é bem verdade, mas isso era o preço a ser cobrado pelo sonhado intercâmbio com a Europa e a América do Sul. Um intercâmbio vital, ultranecessário. E que hoje infelizmente já não existe mais, limitando os nossos clubes a um calendário anêmico, de bem poucos atrativos. Sem maiores possibilidades, portanto, de uma participação destacada no cenário internacional.

Por último, um lembrete. Foi naqueles tempos dourados, que o Santos de Pelé ensaiou a conquista do mundo. Bastou sair campeão do Torneio de Paris. E convém não esquecer do Flamengo de Zico, bicampeão do Torneio Ramon de Carranza, na Espanha, bem pouco antes de levantar o Mundial do Japão.

Saudades daqueles tempos de glórias. Tempos, efetivamente, em que podíamos tudo…

MAIS DO QUE UM TORCEDOR, UM AMANTE DO FUTEBOL RAIZ

por Reinaldo Sá

Como definir esse maranhense que tinha como sonho ser um jogador de futebol profissional? Porém, as peneiras com poucos recursos, levaram a outros caminhos. Precisou desenvolver diversas habilidades para o sustento do seu dia a dia e a viagem de sua terra natal (São Luiz) até São Paulo não atravessou os rios e mares, mas sim a então desfalcada estrada BR 116, cortando com a BR 101.

Nessa longa viagem, um público com o mesmo objetivo – buscar um lugar ao sol -, sem secas, sem mágoas, mas com saudade das tardes de quando jogavam futebol com uma bola de meia ou com uma imitação de uma bola de dezoito gomos.

A vinda para o Rio de Janeiro, onde viveu até seus últimos dias, foi uma questão de tempo. Sempre antenado, mesmo com pouco estudo, colecionava livros, revistas e camisas de clubes de futebol dentro dos rincões brasileiros. Além disso, o hábito de recuperar relíquias perdidas pelo tempo e pelo esquecimento das pessoas não passava desapercebido do grande Serjão, zagueiro raiz, da boa época do futebol de praia disputado aos domingos na Praia de São Conrado, jogando pelo Raiz da Rua. O então Beque Roxo ficou famoso pelo seu vigor físico e também pela forma viril sem ser desleal.

Assim se vão muitas histórias desse amigo que partiu no dia do padroeiro da cidade em que adotou para viver e formou a sua família. Em seu jardim, deu três belos frutos, que mantiveram o jardim suspenso com os seus netos.

Durante vinte e sete anos, trabalhou como porteiro no Carioca Esporte Clube e suas histórias eram o ponto de encontro da cultura futebolística, voltada para os clubes de menores expressões e de grandes paixões como os de sua terra natal,o Maranhão, Moto Clube e o Sampaio Corrêa. Foi destaque a sua presença no décimo Cinefoot, onde, em quarenta minutos, foi o centro das atenções da noite cinematográfica voltada ao contexto futebolístico naquela primavera setembrina de 2019.

Já nos últimos tempos o atacante Cirrose foi hepático e letal, driblando a marcação implacável do zagueiro Serjão, que nos deixou para a eternidade, tendo como plateia os seus filhos, a nora, o genro e dois amigos cariocas que são verdadeiramente raiz. O homem se foi e ficaram as boas lembranças sem estar sentados à beira de um caminho, como diriam os poetas.

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 50

por Eduardo Lamas Neiva

Após a apresentação de Jackson do Pandeiro, com o “Frevo do bi”, a Copa de 62 passou a ser relembrada com detalhes e brilhantismo pelos amigos no bar Além da Imaginação.

Idiota da Objetividade: – A seleção brasileira em 1962 não deu show como em 58, mas jogou pra ganhar, que é o que interessa.

Ceguinho Torcedor: – Foi um futebol sofrido, quase feio, um duro futebol de cara amarrada. Jogávamos sim, pra vencer. Amarildo, o dostoeivskiano, enfiava-se pela área como um rútilo epilético. Ao marcar os dois gols da vitória sobre a Espanha já pendia do seu lábio uma baba elástica e bovina. Na final, quando os tchecos fizeram o primeiro gol, pensamos em 50, mas Amarildo apanhou a bola e partiu para o gol. Antes que o adversário pudesse esboçar o ferrolho, Amarildo dribla um, dois. O goleiro sai para cortar o centro. Era chegado o grande momento. E, então, o Possesso enfia uma bomba entre o goleiro e a trave. Amarildo nunca foi tão dostoeiviskiano como no segundo gol. Driblou não sei quantos e deu para Zito marcar. Após o terceiro gol, a Tchecoslováquia estrebuchou, pôs fogo nas narinas como o Dragão de São Jorge. Naquele dia, o Brasil mostrou a potencialidade criadora de um povo de napoleões.

João Sem Medo: – Que maravilha, Ceguinho!

Músico: – Depois de toda essa efusividade de nosso brilhante Ceguinho Torcedor, só tocando uma, ou melhor, duas músicas que têm o mesmo nome, “Brasil bi-campeão”, uma gravada antes e outra após a Copa de 62.

A banda que está no palco com auxílio de um coro infantil executa, então, a composição do Padre Ralfy Mendes, que originalmente havia sido gravada pelos Pequenos Cantores da Guanabara, e logo em seguida, a música de Umberto Silva e Lewis Jr., que havia sido gravada ainda em 62 pelo Coro do Clube do Guri.

https://discografiabrasileira.com.br/composicao/154828/brasil-bi-campeao

Muitos aplausos. E o papo volta à mesa.

João Sem Medo: – Pelé se machucou na segunda partida e não pôde jogar mais naquela Copa.  

Músico: – Sim, na próxima música, gravada após a conquista do bi, fala do desfalque do Rei, cita todos os jogadores convocados e já se anuncia o tri.

Garçom: – Que não viria em 66, mas em 70, como todos sabem… Vamos ouvir, então, “Brasil bi-campeão”!

https://discografiabrasileira.com.br/fonograma/147327/brasil-bi-campeao

Todos dançam e curtem muito como se comemorassem de novo o bicampeonato mundial. No fim, muitos aplausos. E rápido como uma flecha, o nosso copydesk pega a bola e parte pro ataque.

Idiota da Objetividade: – O técnico Aymoré Moreira levou para o Chile 14 jogadores que haviam sido campeões em 58. Trocou apenas De Sordi por Jair Marinho, na lateral-direita; Orlando por Jurandyr, na zaga; Oreco por Altair, na lateral-esquerda; Dino Sani, Moacir e Dida por Zequinha e Mengálvio no meio; Joel por Jair da Costa na ponta-direita, e Mazola por Amarildo e Coutinho no ataque.

João Sem Medo: – Apesar da experiência e de termos praticamente o mesmo time de 58, estreamos contra o fraco time do México com uma vitória de 2 a 0 que não credenciaria ninguém a ser campeão do mundo. Pelé sofreu com Vavá, que estava uma gracinha. O ataque esteve muito mal mesmo, nunca se entrosou naquele dia. Mas vencemos o primeiro jogo e o que mais interessa senão a vitória?

Idiota da Objetividade: – Os gols do Brasil foram feitos no segundo tempo, por Zagallo e Pelé.

Ceguinho Torcedor: – Amigos, qualquer brasileiro, vivo ou morto, só pensava no escrete. Até o grã-finismo se incorporou à torcida brasileira e com que ferocidade! Na tarde de Brasil x México eu fui dar uma olhada no Country. Todo mundo lá estava atracado ao radinho de pilha. Quando Zagallo enfiou o primeiro gol, vi um grã-fino tornar-se elástico, alado, acrobático e virar uma delirante cambalhota.

Risada geral no bar.

Idiota da Objetividade: – O segundo jogo foi contra a Tchecoslováquia e houve empate sem gols. Pelé se machucou aos 27 minutos de jogo e, como não era permitido fazer substituições, ele ficou em campo fazendo número apenas.

Pelé se levanta e pede a palavra.

Pelé: – Eu senti que era grave depois que eu chutei a bola. Não sei se quem esteve lá se lembra, eu bati de esquerda, a bola bateu na trave e quando quis acompanhar a jogada, eu senti que a perna bambeou. Mas eu tentei ir e aí não deu pra firmar a perna e eu caí, pois teve um desagarro muito grande no adutor. O músculo desprendeu. Ainda forcei, saí de campo pra ver se dava pra voltar, mas não deu.

João Sem Medo: – E talvez tenha agravado a sua lesão, Pelé. O Brasil ficou praticamente com um jogador a menos até o fim.

Pelé: – É, João. Nesse jogo teve um fato bonito. Tem uma hora que eu já estou machucado e estou com a bola mais ou menos na lateral, acho que foi o Masopust, não sei qual jogador da Tchecoslováquia que ele para e não dá o combate, ele espera eu fazer a jogada.   

João Sem Medo: – Talvez tenha sido a primeira vez que presenciei dois times satisfeitos com um resultado, contentando-se com o empate em branco, sem que ninguém possa afirmar que o jogo tivesse sido marmelada.

Pelé concorda com a cabeça e se senta novamente, enquanto o papo continua à mesa principal.

Idiota da Objetividade: – Mas o Brasil pôs duas bolas na trave…

João Sem Medo: – A verdade é que aquele jogo teve o grande mérito de mostrar a personalidade do quadro brasileiro. Mesmo sem uma peça-chave, como Pelé, nossos jogadores nunca se perturbaram. E nisso tudo é justo que se destaque a categoria, a frieza, a inteligência, inconfundíveis do extraordinário Didi. Os tchecos também não se empolgaram com a vantagem numérica, entraram em campo para obter a classificação. Jogaram como se fosse 11 contra 11. Não fosse isso e nos teríamos estrepado de verde e amarelo. Vavá, embora lutasse muito, foi mal outra vez.

Ceguinho Torcedor: – E Amarildo não ia entrar, em hipótese nenhuma. Com suicida teimosia, o Aymoré estava disposto a deixar o Amarildo na cerca. Não percebia que o craque alvinegro é possesso e que o ataque precisava de possessos. E, súbito, a Fatalidade põe o dedo no escrete do Brasil. Pelé, o Divino, sofre a distensão mágica. Não recebeu nem um leve, imponderável toque. E caiu. Caiu como e por quê? Ninguém soube, mas eu sim: – a Fatalidade de Perez Escrich, que reabilitava e promovia suas adúlteras invocando a Fatalidade. A distensão de Pelé foi como a Revolução Francesa para Napoleão.

Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).

Saiba mais sobre o projeto Jogada de Música clicando aqui.

“Contos da Bola”, um time tão bom no papel, como no ebook. 

Tire o seu livro da Cartola aqui, adquira aqui na Amazon ou em qualquer das melhores lojas online do Brasil e do mundo.
Um gol desse não se perde!