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PATROCÍNIO SE NEGA?

por Idel Halfen


O anúncio do patrocínio da rede varejista Havan ao Vasco da Gama provocou nas redes sociais uma discussão que julgo bastante emblemática, principalmente a título de reflexão sobre as relações das empresas com o esporte.

A ala que se posiciona contra alega que o dono da empresa tem posições extremadas em defesa da direita, fato que guarda certa incoerência com as tradições populares do clube patrocinado.

Ora, inicialmente é preciso ficar claro que a pessoa jurídica não pode ser confundida com a pessoa física, ou seja, mesmo sendo a empresa de um dono a marca é outra, e como tal deve ter vida própria.

Claro que há o risco da contaminação, contudo essa avaliação requer análises menos rasas do que as que estão sendo feitas pelos ditos especialistas.

Um bom parâmetro que contribuiria nessa decisão pode vir do próprio resultado das lojas, isto é, se a participação de mercado da mesma está sofrendo com o jeito “extravagante” do seu dono, isso sem falar nas pesquisas de mercado para avaliação de eventual rejeição.

Já a discussão que coloca o clube como um bastião das tradições populares não me parece razoável pois o futebol é um esporte popular, não sendo o atributo popularidade um monopólio deste ou daquele clube, portanto, a eventual busca por se posicionar desta maneira contraria o princípio básico do posicionamento: ser diferente na mente dos públicos-alvos.

Confrontando os opositores do patrocínio estão os que defendem a iniciativa com a alegação de que o clube precisa de dinheiro e, dessa forma, não pode recusar nenhum tipo de verba. Argumento que, no meu mode ver, reforça a imoral frase de que os fins justificam os meios e sobre a qual discordo veementemente.

Por mais que se necessite de dinheiro, é preciso pensar no longo prazo, ou seja, de nada adianta receber uma verba significativa hoje se houver um risco considerável de a base de torcedores não aumentar de forma sustentável.

Ressalto que falo em tese e não em relação ao caso da Havan.

Feitas as devidas argumentações, teria tudo para terminar o artigo sem uma posição definitiva sobre o tema, visto faltarem pesquisas e informações sobre o patrocínio, inclusive em relação aos valores. Entretanto, a declaração do dono da empresa ao anunciar a parceria: “Quero dizer para todos os vascaínos que em 2020 vai ter um patrocínio da Havan aqui. Está confirmado. É um presente de ano novo para todos os vascaínos. Obrigado”, me faz tender a ser contra a iniciativa, na medida em que o empresário interpreta o patrocínio como um presente, ou seja, está fazendo um favor para os torcedores e não pensando no retorno que as partes poderão auferir, demonstrando claramente que não enxerga o esporte como uma ferramenta de marketing.

MIXTO 83 ANOS: RELEMBRE A EMOCIONANTE HISTÓRIA DO TIGRE

por Fabio Ramirez

No coração do Centro-Oeste nasce uma paixão em Preto e Branco


Em plena Cuiabá da década de 30, no centro geodésico da América Latina, nascia o clube que tempos depois se tornaria o Mais Querido de Mato Grosso, símbolo esportivo e cultural da “Cuiabania”.

A história do Mixto Esporte Clube se confunde com a história de Cuiabá no século passado, sendo parte das tradicionais marchas carnavalescas e festas populares. O Mixto se tornou o orgulho dos cuiabanos, levando o nome da cidade por vários cantos do Brasil até os dias de hoje. Fortificando-se como o clube das massas, do sotaque, da culinária, das crenças e do modo de vida do cuiabano.

Uma História Emocionante


Dia 20 de maio de 1934, na Rua Sete de Setembro no centro de Cuiabá, quase em frente a Igreja Senhor dos Passos, mais especificamente na antiga Livraria Pepe (um casarão construído em estilo colonial e tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) é fundado o ‘Mixto Sport Club’ (Assim era a grafia original do nome do clube).

Reunidos neste casarão, Ranulfo Paes de Barros, Maria Malhado, Gastão de Matos, Naly Hugueney de Siqueira, Avelino Hugueney de Siqueira (maninho) e Zulmira Dandrade Canavarros decidiram fundar um clube esportivo, mas estavam determinados que ele fosse diferente: um clube que reunisse homens e mulheres para o entretenimento cultural e esportivo, algo incomum para a época, na qual os clubes esportivos eram majoritariamente para homens.

As Raízes do clube
Dois outros clubes influenciaram na criação do Mixto E.C., o Clube Esportivo Feminino (dedicado a discussões e saraus sobre a literatura mato-grossense, brasileira e europeia) e o Clube Esporte Pelote (liderado por Nali Hugueney e também por Zulmira Canavarros).


O Pelote era um time de vôlei feminino que funcionava numa quadra de esportes no bairro da Boa Morte, próximo à antiga sede do Mixto, entre as ruas Cândido Mariano e Campo Grande. Ao final dos jogos de vôlei, eram realizados no mesmo local bailes tradicionais, que continuaram como tradição na vida do clube alvinegro.

Já o Clube Esportivo Feminino foi fundado em 1928 pela professora Zulmira Canavarros, que liderando um grupo de moças cuiabanas criou um clube para recreação, esporte e cultura. Após a fundação do Mixto ambos se separaram em suas trajetórias, tornando assim o Mixto um clube centrado no lazer esportivo e o Clube feminino no lazer cultural. O Clube Feminino possui sua sede na Rua Barão de Melgaço, esquina com a rua Campo Grande, próximo à antiga sede do Mixto, num casarão tombado pelo Patrimônio Histórico de MT.

Nas origens do Mixto uma mescla de cultura, tradições regionais e esportes praticados por homens e mulheres. Assim começa o legado do Mais Querido.

A origem do nome e as cores


Decididos pela criação do novo clube, Zulmira, Ranulfo de Barros e companhia, debruçaram-se a escolher um nome e as cores para o clube. Várias opções de nomes surgiram mas o consenso era o nome MIXTO. Essa palavra tem o significado de mistura de coisas diferentes ou opostas. O nome representava perfeitamente a ideologia do novo clube, formado sem preconceitos, por mulheres e homens.

Segundo a grafia atual da língua portuguesa, o vocábulo “misto” deve ser escrito com “S”, no entanto, o uso da letra “X” no lugar do “S” se deve ao fato de que na época da criação do clube a palavra era grafada dessa forma. Os tempos mudaram, houve reformas ortográficas na língua portuguesa alterando a grafia de diversas palavras, inclusive dessa, mas preservou-se a grafia original do nome do time, alterando com o tempo o restante do nome: de ‘Sporte Club’, para ‘Esporte Clube’.

As cores do Mixto não podia ser outra senão o preto e branco. Duas cores opostas mais ao mesmo tempo essenciais. Branco e preto, homens e mulheres, assim nasce as cores do alvinegro mais querido do Centro-Oeste.

A Construção da Sede Mixtense


O Patrimônio Mixtense era a prioridade dos fundadores e de seus recém-associados, que crescia rapidamente e, assim, levantaram recursos que foram investidos na construção de uma sede física e de espaços recreativos e esportivos.

O trecho abaixo foi retirado do livro Egéria Cuiabana, de Benedito Pedro Dorileo (1976), e narra este fato:

A Sede própria passa a ser logo a primeira preocupação e no mesmo ano é adquirido de João Batista de Oliveira, Batinga, o imóvel da Rua Cândido Mariano, com recursos provindos dos primeiros associados. Uma área, com pequeno alojamento, cercada por um muro, tinha ingresso por um portão, que ostentava ao lado o emblema criado por Zulmira; seria o símbolo bordado nas jaquetas e na bandeira do Clube. A identificação geográfica estava definida (…). O entusiasmo já era intenso com poucos dias de existência do Clube, que nascia forte. A 18 de setembro do mesmo ano (1934) inaugurava solenemente a quadra de esporte, com palavras da 1ª Oradora Maria Alderett”.

Discurso de inauguração da Sede Mixtense

“Meus Senhores,
Escolhida, embora imerecidamente para o honroso cargo de oradora do Mixto Sport Club, eis-me escalada para esta delicada missão de dizer-vos algumas palavras no momento em que a bandeira alvi-negra se desfralda galhardamente.
Inaugura o nosso Club o seu campo desportivo, marco decisivo de sua vida brilhante e auspiciosa, que ora se abre à frente de nosso grêmio.
O prestígio de que goza o Mixto Sport Club no nosso meio está significativamente testificado pela presença a esta festa dos elementos dos mais representativos da sociedade cuiabana.
O desenvolvimento da cultura physica é um índice de progresso e de aperfeiçoamento das raças e dos povos e é com satisfação que assignalamos em nosso meio êste phenômeno promissor.
Em nome do Mixto Esporte Clube eu vos agradeço a honra da Vossa presença a êste acto e encerro esta ligeira oração com os votos a Deus para que propicie à nossa agremiação longa vida, cheia de prosperidade e de graças, para o bem de
nossa terra natal e progresso cada vez maior do Brasil”.

Discurso de Maria Alderett (primeira oradora do Mixto), publicado no Livro Egéria Cuiabana – de Benedito Pedro Dorileo – Ed. 1976

O Mixto ‘Sporte Club’ agora se apresenta com um dos mais belos hinos do Brasil

Com o auxílio do piano, Zulmira Canavarros compôs o hino oficial do Mixto, com assistência do Acadêmico Ulisses Cuiabano:


*** O Mixto Sporte ClubAgora se apresenta. E pelo branco e negro, As cores que ostenta No seu pavilhão.
Seremos sempre unidos E sempre destemidos. Havemos de lutar E também trabalhar De todo coração.
Hurra! Hurra!
O Mixto Sporte Club Será o lema Desta nossa sociedade. A união e também a lealdade.
Debaixo do nosso céu de anil, Tremula altaneira Nossa gentil bandeira. E pelo sport, em nossa Cuyabá, Teremos por fanal, Luctar, luctar, luctar Por nosso ideal.

Quem foi Zulmira Canavarros

Era exímia musicista e também escrevia peças de teatro. Projetou-se numa época em que a mulher não tinha muitas chance de mostrar o seu valor.


Zulmira está entre as mulheres mais marcantes da história da cultura cuiabana, umas das fundadoras do Mixto Esporte Clube, e criadora da obra de arte que é o hino do clube alvinegro, ela dirigiu 18 peças entre elas “Branca de Neve” em Cuiabá e “Cala a boca Etelvina” (os arquivos estão localizados no Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso).

“A considero como um esteio das manifestações culturais do século 20”, relata Adriana Nascimento, que estudou sobre Zulmira. Um dos trabalhos de Zulmira que mais chama a atenção é a peça “A noiva e a égua”, em que a artista mostra em sua visão como eram “noivas”, criadas para serem submissas e as mulheres “égua”, que eram as rebeldes na época. Personalidades que, segundo Viviane, Canavarros sabia dosar muito bem. Todo o trabalho pode ser conferido na Biblioteca Central da UFMT.

Zulmira Canavarros é uma personagem que realmente merece a redescoberta de sua obra. Como musicista nos tempos do cinema mudo, ela atuava como pianista do Cine Parisiense. Compunha músicas e hinos para solenidades numa época em que a mulher tinha pouco destaque no cenário artístico nacional. Marcou a história de Mato Grosso onde, juntamente com Dunga Rodrigues, começou a desenvolver o rasqueado no piano solo. Zulmira ainda foi a fundadora do primeiro clube feminino (1928), depois o Mixto Esporte Clube e a rádio A Voz do Oeste.Fonte: Fábio Ramirez/Mixtonet, com informações de Benedito Pedro Dorileo e Adriana Nascimento/Diário de Cuiabá

A NOBREZA NO FUTEBOL, SEGUNDO JORGE CURI

por Jorge Lasperg 


Que Pelé é o “Rei do Futebol”, o mundo inteiro sabe e, à exceção dos “Hermanos”, concorda plenamente. Mas, e os outros títulos de nobreza? Será que existiram?

A resposta é SIM, prezado leitor! Pelo menos, na ótica do saudoso Jorge Curi, meu narrador favorito, e que dividia a preferência dos ouvintes com os também saudosos Waldir Amaral, Doalcei Bueno de Camargo e Orlando Baptista.

Corria o ano de 1968, quando meu interesse por futebol tornou-se uma obsessão quase patológica. Não só por causa do meu amado Flamengo, mas por toda a aura de magia que circundava o esporte. Decorava tudo: o nome completo dos jogadores. Sabia de cor a escalação de todos os times grandes do Brasil, incluindo Grêmio, Internacional, Cruzeiro, Atlétio Mineiro, Corinthians, Palmeiras, Santos, São Paulo, Flamengo, Vasco, Fluminense, Botafogo e os tristemente apequenados, como Bangu, América e Portuguesa de Desportos. E, claro, os narradores esportivos.

Meu coração de menino vibrava quando ouvia Jorge Curi, ainda pela Rádio Nacional AM,narrando, com sua voz  tonitroante: “Bola para Tostão, o VICE-REI do futebol”. Para mim, nada mais justo. Aliás, por tudo que foi, merecia um destaque maior no Panteão dos Grandes Craques Brasileiros. Afinal, comandar o Cruzeiro, menino que era, em uma goleada acachapante de 6×1, sendo 5×0 ainda no primeiro tempo, era para ser lembrado por toda a eternidade.

Se falarmos em “IMPERADOR”, quase todos lembrarão de Adriano, certo? Pois bem: informo a todos que NÃO! Nas narrações maravilhosas de Jorge Curi, ouvia-o com frequência dizer “bola para Jairzinho, o IMPERADOR do futebol”. Pois é, caro leitor. Anos antes de adotar o apelido de “Furacão da Copa”, o grande Jairzinho foi agraciado por Jorge Curi com a nobre alcunha de “Imperador do Futebol”, incorporada décadas depois por Adriano, aquele mesmo que, para nossa tristeza, abdicou da nobreza para viver quase anonimamente, cercado pelo povo humilde que sempre o amou e respeitou.

E como toda realeza ao redor do mundo, havia também, é claro os “príncipes”: Ivair, então na Portuguesa de Desportos, exibia orgulhoso este título, juntamente com um menino lourinho que já surgia para o futebol na mesma Lusa: Leivinha, a quem Jorge Curi, inteligentemente, chamava de “Pequeno Príncipe”.

Sabendo que a lista de títulos de nobreza era muito menor do que os jogadores que ele queria homenagear, Jorge Curi inventou novos títulos de nobreza. A lista é grande, mas ainda ecoa na minha cabeça sua voz narrando uma partida entre Cariocas e Mineiros, onde ele dizia “bola para Dirceu Lopes, CLASSE A do futebol brasileiro”. Era uma forma de corrigir uma injustiça, afinal Dirceu Lopes não poderia, em hipótese alguma, ficar de fora da nobreza do futebol brasileiro.

E assim, de apelido em apelido, Jorge Curi foi conquistando minha preferência como narrador esportivo. Alguns poderão dizer que minha preferência por ele seria motivada por termos o mesmo nome. Outros dirão que seria pelo fato dele, assim como eu, ser um apaixonado torcedor do Flamengo. Deixo a cargo da imaginação de cada um.

Alguns apelidos, também veiculados por ele, beiravam a bizarrice, como chamar Paulo Cezar Caju de “Nariz de Ferro”, e Edu, ponta-esquerda do Santos, de “Urubu Bonito”. Mas isso, amigos, já é uma outra história…  

Carlos Alberto

A PROMESSA INTERROMPIDA

texto: Alex Palma

Desde cedo eu fui muito apaixonado pelo futebol. E muito curioso também. Portanto eu cresci ouvindo com muita atenção as histórias contadas pelo meu pai. A primeira de todas que me recordo foi o sufoco que ele passou com meu tio (Alfredo Bocão do Grajau, fundador do Clube dos 18 e mencionado algumas vezes no Museu da Pelada) no jogo Brasil x Paraguai pelas eliminatórias da Copa de 70.

Estimulado pela minha curiosidade e atenção, meu pai me contava muitas histórias e folclores do futebol. Em uma época sem Google era dessa fonte que eu me nutria. Pois bem, até alguns anos atrás minha família tinha uma casa em Araruama e me lembro que criança lá pelos 8 ou 9 anos eu fomos comprar pão e lá havia um quadro com um jogador do Flamengo em close em pose de pôster de campão.

Sempre que íamos lá meu Pai ficava parado fitando a imagem por alguns segundos em silêncio para em seguida repetir: “Esse aí jogou muito! “. E meu Pai me contava o jogo de 66 contra o Bangu, o salseiro que o Almir criou e também contava a admiração pelo time do Bangu. Repetia de cor a escalação: Ubirajara, Fidélis, Mário Tito……

O Novo Garrincha

Um dia fui apresentado ao personagem, o próprio Carlos Alberto, proprietário da padaria. Daí em diante os anos foram passando e sempre que eu o encontrava a gente batia um papo sobre a vida de jogador, dos “causos”, a decisão de 66 e tudo mais.

Pude confirmar com vários contemporâneos a opinião do meu Pai e a resposta sempre foi a mesma: um baita jogador do seu tempo!

Num desses encontros eu falei isso com ele, que pessoas que o viram jogar só tinham elogios grandiosos sobre ele. Eu me lembro ter comentado que ele era uma espécie de Leandro (Lateral- direito) : ele conseguia arrancar elogios de torcedores de todos os times.

Nesse dia ele estava com uma bolsa e nela havia diversos jornais antigos com matéria sobre ele . Uma das publicações (se não me engano Jornal dos Sports) bradava: “O Novo Garrincha !”.

Aquilo mexeu demais comigo: a lembrança do Carlos Alberto apenas sustentada pela tradição oral e pela lembrança das pessoas do seu tempo. O fim de sua carreira justamente num confronto decisivo no Maraca e após um ano parado por conta de uma entrada dura. Mas o que ficou na história foi a confusão armada pelo Almir.

Museu da Pelada resgatando o passado……

O Museu da Pelada começando no Jornal O Globo foi o embrião do que viria a se tornar hoje já demonstrando o apreço em resgatar as melhores histórias, lembranças e personagens. Desde o seu surgimento nas mídias sociais venho acompanhando e interagindo com as publicações.

Curiosamente alguns assuntos marcam presença no Museu e um deles é a final do carioca de 1966. Seja pela visão do Ubirajara, seja pelo Silva Batuta. Enfim numa dessas eu fiz um comentário sobre o Carlos Alberto e para minha surpresa o próprio Sérgio Pugliese me deu seu telefone porque queria saber mais sobre o Carlos Alberto. Desde então nos falamos até que surgiu a possibilidade de encaixar uma parada em Araruama para fazermos a resenha com o Carlos Alberto.

A Resenha

Eu que atualmente moro em Petrópolis não pensei duas vezes e com a ajuda do Renato, dono do “Bar do Cabeção” (reduto de vascaínos em Araruama), consegui agendar como Carlos Alberto.

Saí de Petrópolis as 6h da manhã, peguei meu amigo Alexandre Caroli (amigo e colega de profissão do Sérgio) na Tijuca e tocamos para Araruama. Encontramos o Sérgio e o cinegrafista Daniel Planel e fomos encontrar com o Carlos Alberto.

A resenha transcorreu em clima de muita descontração. Todos amantes do futebol e do mundo da pelada.

Alguns casos eu já conhecia, mas foi um prazer ver o Carlos Alberto poder contar a história do seu tempo, seu drama, a simplicidade daquele tempo onde jogadores não eram pop-stars. Ele contando que após ser campeão no Maracanã com 200 mil pessoas presentes ter voltado para sua casa de ônibus é a prova de que era preciso registrar esse personagem no acervo digital do Museu!

Espero que o público fiel do Museu da Pelada se divirta! Que desfrute dessa lembrança nostálgica assim como eu desfrutei!

Vida longa ao Museu e como escreveu o Sérgio numa linda homenagem ao Mendonça, “Qual a função do Museu da Pelada? Lustra o ídolo, regar sua história e protege-la dos efeitos do tempo”. Pois é … conseguimos fazer isso com o Carlos Alberto!

GÉRSON SEMPRE FALOU (E JOGOU) A VERDADE, POR ISSO O ADORAMOS

por André Felipe de Lima


“Quem é Gérson? Mocinho ou bandido? Artista de gênio ou homem mau? Há quem diga que ele é ausente, outros o chamam de destemido até demais (…) Quem é Gérson? Perguntei a moças em idade escolar e elas disseram que ele é um pão. Perguntei a idosas senhoras e elas acharam que ele não faz a barba. Quem é Gérson? O ex-jogador Zizinho acha que ele é um dos maiores homens de meio-campo de todos os tempos”. Assim o velho Jacinto de Thormes, pseudônimo do querido jornalista Maneco Muller, escreveu sobre o nosso Gérson, o nosso Canhotinha de Ouro. Zizinho estava coberto de razão. Gérson herdou dele e de Didi o dom do passe, o dom do lançamento. O dom da mágica com a bola nos pés. Gérson colocava-a no lugar do gramado em que desejasse ou nos pés de quem fosse o companheiro, genial ou bestial. Fez a alegria de muitos goleadores, deixando-os diante de sorumbáticos arqueiros que sabiam que pior que enfrentar um centroavante artilheiro era saber que o mesmo teria Gérson para alimentá-lo com passes e lançamentos quase inverossímeis. Foi assim durante muitos anos no futebol brasileiro. Gérson, um maestro, ditando orquestras no Flamengo, depois no Botafogo, no São Paulo e, por fim, no seu amado Fluminense.

Ah, claro! Na seleção brasileira, Gérson foi maestro também, e da superação, sobretudo. Aprendeu a dominar o temor. Era impressionante a tranquilidade que passava aos companheiros e treinadores. Acho que muito daquela Jules Rimet que o Capita levantou foi banhada mais pela calma do Gérson que pelo ouro maciço. Pouco antes da estreia na Copa do Mundo de 1970, estava machucado. Até mesmo o médico Lídio Toledo achava que Gérson seria cortado mais por abatimento que propriamente pela contusão. “Se eu perguntar hoje ao Gérson se ele está bem, ele me dirá que sim, mas não aguentará dez minutos de jogo, assim como o Rogério (do Botafogo, que acabou cortado). Entendem a diferença de estar bem e estar em condições de jogo?”. Mas o “Canhota” estava bem. Muito bem. Fez até gol na Copa e foi o indiscutível cérebro do escrete. Após a jornada épica no México, o São Paulo o contratou ao Botafogo, cuja torcida tão apaixonadamente envolveu-o. Não para menos. Foi campeoníssimo no alvinegro. Imagine jogar ao lado de cobras como Jairzinho, Roberto, Sebastião Leônidas, Paulo Cézar Lima…


Gérson sempre foi muito bem cercado por outros craques em todos os times que defendeu. No Flamengo, imagine uma meia com ele e Carlinhos “Violino”? Era fenomenal. No São Paulo, os uruguaios Forlan e Pedro Rocha e o centroavante Toninho Guerreiro. Um time memorável. No Fluminense? Ora, no seu tricolor, no seu idolatrado tricolor, Gérson teve craques aos montes também, verdadeiros “aviões” em campo. Avião, sim, avião. Não podíamos se esquecer disso. Gérson tem (ou pelo menos tinha nos tempos de jogador) pavor das aeronaves que pululam o céu. Foi motivo, inclusive, de piada do Henfil, que desenhou engraçados cartuns “denunciando” o medo do Canhota de voar. O medo — deixemos claro — era só de avião, porque com cartolas mal-intencionados a relação era direta e pragmática. Sem tergiversação. Por onde passou, Gérson teve problemas de relacionamento com dirigentes. Mas tinha lá suas razões. Tentavam passar-lhe a perna em pagamentos, bichos e etc.. Foi assim em todos, ou praticamente todos os clubes. Gérson tornava pública a indignação com os dirigentes, dizia que não entraria em campo se não pagassem o que deviam e, como resposta, ouvia que era um cara “antipático”, “rabugento” e “intratável”. Alguns jornalistas faziam coro ao discurso covarde de cartolas. Gérson não perdia a linha, mas a língua sempre foi afiada e a palavra bem emendada, tanto que hoje é um comentarista justo e preciso. Para ele, eram poucos os dirigentes verdadeiramente humanos, como Renato Estelita, do Botafogo. Disse isso ao Jacinto de Thormes. No final da carreira, emendou a seguinte reflexão: “Engraçado. Esses caras que criticam poderiam, de vez em quando, perder um tempinho e olhar o que realmente merece ser olhado. Eles metem o pau na gente, danam a falar mau, mas, quando a gente para de jogar, eles nos esquecem, ninguém mais se lembra de ninguém. Como não se lembraram de Veludo (ex-goleiro do Fluminense), que morreu com pneumonia nos dois pulmões; como não se lembram de Ipojucã (ex-meia do Expresso da Vitória vascaíno), que está doente; e como não se lembram de Garrincha, que, se não arrumasse um emprego, estaria muito mal de vida. É por isso, amigo, que eu aproveito, tiro tudo o que posso do futebol agora, nessa faixa entre os 18 e 33 anos, porque, amigo, quem não aproveita fica mal, fica esquecido, arrasado.”

Por isso que, neste dia 11 de janeiro, aniversário do Canhota, lembramos do nosso Gérson, o ídolo que jamais será esquecido, que sempre teve coragem para jogar futebol e, sobretudo, falar verdades. Sempre disse aos repórteres: “Alguém, algum dia, tem de ter coragem de falar a verdade. Se você tem de publicar, eu tenho coragem para dizer”. Esse é o Canhota de ontem e de hoje, está certo?!