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UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 54

por Eduardo Lamas Neiva

O show de Elza Soares, com Garrincha ao seu lado cantando as músicas que compôs, fez o público do Bar Além da Imaginação delirar. Muito aplaudidos, abraçados e beijados, voltaram à mesa em que estavam. Quando todos se acomodaram, Sobrenatural de Almeida levantou a bola.

Sobrenatural de Almeida: – Ninguém falou do cachorro preto que eu pus em campo… Ele driblou até o Garrincha!

Idiota da Objetividade: – Durante Brasil e Inglaterra, um cão preto invadiu o gramado no primeiro tempo e depois de muitas tentativas, o atacante inglês Jimmy Greaves, com calma e habilidade, conseguiu pegá-lo.

Sobrenatural de Almeida: – Calma e habilidade que não teve pra fazer gols contra o Brasil.

Garçom: – Ainda bem que não era um gato preto. Cão preto não dá azar.

Sobrenatural de Almeida: – Deu pros ingleses. Garrincha até me agradeceu, sem saber que tinha sido eu, de não ter conseguido pegar o cachorro. Ele mesmo percebeu que daria azar. Depois mandaram pra ele de presente. O Mané agradeceu, mas não se deu bem com aquele cão e logo o repassou pra outra pessoa.

Músico: – Essa história de bicho em campo me lembra algumas músicas. Mas quem pode falar melhor sobre isso é o grande Rolando Boldrin.

Garçom: – Isso mesmo! Rolando Boldrin, por favor, venha ao palco.

Rolando Boldrin: – Ô, minha gente, obrigado, obrigado. Cheguei tem pouco tempo e fico muito honrado pelo convite.

Todos aplaudem de pé Rolando Boldrin.

Rolando Boldrin: – Obrigado. Vocês sabem que tem muito causo de bicho, caipira inclusive. É, bicho caipira, cavalo, mula, burrinho… Mas aqui eu vou cantar o “Futebol da Bicharada”, um cateretê do Raul Torres, que está ali e já a apresentou aqui com o Florêncio. Vamos a ela novamente. É um causo cantado.

Todos se divertem e aplaudem Boldrin ao fim da apresentação. Ele agradece, deixa o palco e vai para uma mesa para acompanhar o papo dos nossos personagens, ainda sobre a Copa de 62.

Idiota da Objetividade: – Na semifinal contra o Chile, novamente Garrincha brilhou, mas foi expulso. Ele acabou absolvido e pôde jogar a final contra a Tchecoslováquia. O Brasil derrotou os donos da casa por 4 a 2, gols de Garrincha, aos 8 e 31 do primeiro tempo, e Vavá, aos 2 e 32 do segundo tempo. Jorge Toro, aos 41 da primeira etapa, e Leonel Sánchez, de pênalti, aos 15 da etapa final, fizeram os gols chilenos.

Ceguinho Torcedor: – Foi uma vitória colossal, uma selvagem vitória. Estava tudo contra nós, rigorosamente tudo. Até os Andes tinham enfiado uma máscara até as orelhas. Jamais um time de futebol ficara tão só. Mas o brasileiro é ainda maior quando solitário. Éramos onze gatos pingados contra milhões enfurecidos. O Brasil estava só, mas novamente tinha Garrincha. Feliz do povo que pode esfregar um Garrincha na cara do mundo. Ele pôs os Andes de gatinhas, ou de cócoras, sei lá.

Garçom: – Seu Ceguinho, o senhor que não enxerga, ou melhor, enxerga pouco… ops, desculpa, o senhor que antevê tudo, parece que viu mesmo todos os jogos da Copa de 62.

João Sem Medo: – Zé Ary, a TV só passou a transmitir ao vivo os jogos da Copa do Mundo para o Brasil a partir de 1970, no Mundial do México. Em 62, os torcedores acompanhavam pelo rádio e dois dias depois é que podiam ver o videoteipe.

Ceguinho Torcedor: – Pois então, os locutores disseram que o Brasil fizera, contra a Inglaterra, uma exibição deslumbrante. Pura imaginação e, por isso mesmo, altamente voraz. O videoteipe demonstrou o contrário. Azar da imagem. A verdade está com a imaginação dos locutores. Digo mais: a imaginação está sempre muito mais próxima das essências.

Garçom: – Hoje em dia é tanta imagem o tempo todo que a imaginação está ficando esquecida…

João Sem Medo: – A criatividade em campo também.

Ceguinho Torcedor: – Amigos, todo o Chile se levantou contra nós. A imprensa, o rádio, a TV, o homem de rua, as crianças. Nunca se fez um massacre psicológico tão feroz contra alguém. O futebol passou para um plano secundário. Mas o gostoso é que o escrete do Brasil em nenhum momento, antes, durante ou depois, teve medo. E já em campo apareceu um outro adversário, o mais torvo adversário: o juiz. Então, o Brasil teve de lutar contra 75 mil espectadores, contra os jornais, contra a rádio, contra a TV, contra os carabineiros, contra a cordilheira, contra tudo, contra todos e mais o árbitro.

Idiota da Objetividade: – O árbitro da partida foi o peruano Arturo Yamasaki Maldonado.

Ceguinho Torcedor: – No seu medo abjeto da multidão, no pavor de ser cuspido e malhado como um Judas em sábado de Aleluia, ele roubou com um descaro gigantesco. E no seu lúgubre cinismo, o seu sujeito só faltou apitar “hands” nos arremessos laterais brasileiros.

Garçom: – O senhor me perdoe, mas não ouvia alguém falar em “hands” desde os meus tempos de pelada na rua no subúrbio.

João Sem Medo: – Vários termos ingleses do futebol foram adotados por muito tempo no Brasil. “Hands” é mão na bola.

Ceguinho Torcedor: – Muito obrigado, João. O que esse Eichmann do apito fez com o Garrincha não tem perdão.

João Sem Medo: – Na verdade, Ceguinho, eu esperava, pela expectativa que cercou o jogo, um ambiente mais difícil do o que vi em Santiago. De queixa, queixa mesmo, só tivemos a arbitragem. Uma coisa clamorosa, como nunca havia visto em toda minha vida esportiva. O juiz era um japonesinho, disfarçado de peruano, ladrão como o diabo. Fez coisas incríveis que nem se pode contar. Anulou gol, deixou de marcar pênalti, marcou contra nós, expulsou Garrincha etc. Não fosse a extraordinária tranquilidade do nosso time, e nos teríamos estrepado de verde e amarelo. A verdade é que o jogo foi facílimo. Fácil como ninguém poderia imaginar. Basta dizer que, durante 80 minutos, Gilmar não fez uma única defesa, apesar de ter aceitado uma bola infantil. A tarefa mais árdua foi pra defesa, que não podia encostar num chileno, ainda mais dentro da área. Esbarrar num chileno por ali seria pênalti na certa. A meia cancha esteve ótima, com o Zagallo prestando um auxílio valiosíssimo a Zito e Didi. Talvez tenha recuado demais, uns cinco metros mais à frente creio que ficaria melhor. Mas foi de um coração, uma fibra, um entusiasmo impressionantes. Ele foi um dos grandes escaladores dos Andes. O ataque esteve excelente e Garrincha mais uma vez foi a grande vedete, fazendo os gols que abriram o caminho para a vitória. Vavá também esteve muito bem. Ganhou todas as disputas de cabeça, brigou como um leão, e fez dois gols ao seu melhor estilo.

Músico: – Se brigou como um leão, caro João Sem Medo, me permita  rememorar mais uma das músicas que envolve os animais no futebol. Na que me lembrei agora, “Futebol dos Bichos”, do Teixeirinha, um dos times  foi formado pelo Rei dos Animais.

João Sem Medo (rindo): – É verdade!

Músico: – Ele pode contar, ou melhor, cantar melhor e a gente ajuda aqui.

Garçom: – Venha ao palco novamente Teixeirinha, por favor.

Aplaudido, Teixeirinha vai ao palco de novo.

Teixeirinha: – Muito obrigado! Vou cantar e narrar este grande jogo entre o time do Tigre e do Leão, com participação da Mary Terezinha lá do Mundo Material novamente,

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Um gol desse não se perde!

AS FINAIS DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE 1997

por Luis Filipe Chateaubriand

Em 1997, Palmeiras e Vasco da Gama chegaram às finais do Campeonato Brasileiro.

O Palmeiras chegou às finais depois de sair vitorioso de um quadrangular, onde também disputavam Santos, Internacional e Atlético Mineiro.

O Vasco da Gama chegou às finais depois de sair vitorioso de outro quadrangular, onde também disputavam o arquirrival Flamengo, o Juventude e a Portuguesa.

O primeiro jogo das finais foi disputado no Estádio do Marumbi, em São Paulo, com mando de campo para o Palmeiras.

Jogo tenso, nervoso, encruado, terminou empatado em 0 x 0.

O segundo das finais foi disputado no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, com mando de campo para o Vasco da Gama.

Jogo aberto, cheio de alternativas e emocionante, também terminou empatado em 0 x 0.

Com os dois empates, o Vasco da Gama se sagrou, pela quarta vez, campeão brasileiro.

OS 50 ANOS DA COPA QUE TEVE TUDO

por Claudio Lovato Filho

Teve Johan Cruyff.

Teve Rinus Michels.

Teve a Holanda encantando o mundo.

Teve aquele gol do Rivelino contra a Alemanha Oriental, com o Jairzinho se abaixando na barreira e a bola passando bem onde ele estava.

Teve aquele nossa vitória contra o Zaire por 3 x 0, exatamente a diferença de gols que precisávamos para avançar, como segundo colocados do nosso grupo. (E exatamente o limite de gols estipulado pelo ditador Mobutu Seko para que os jogadores do Zaire, hoje República Democrática do Congo, não fossem mortos assim que voltassem para casa.)

Teve aquele jogo entre as duas Alemanhas, a Ocidental e a Oriental, 1 x 0 para a República Democrática sobre a República Federal, gol de Jürgen Sparwasser. (Sim, a Guerra Fria em campo.)

Teve o 9 x 0 da Iugoslávia em cima do Zaire e o 7 x 0 da Polônia sobre o Haiti.

Teve gol do Haiti contra a Itália e a Argentina. (O que não impediu que o tirano “Baby Doc” Duvalier punisse brutalmente o zagueiro Ernst Jean-Joseph, expulso do torneio, sob acusação de doping – sempre negada pelo jogador, que sofria de asma –, e depois preso e torturado em seu país.)

Teve o artilheiro Grzegorz Lato.

Teve Franz Beckenbauer.

Teve Gerd Müller.

Teve o primeiro jogador expulso de campo com o uso do cartão vermelho em Copas do Mundo: o centroavante Carlos Caszely, do Chile, que por causa da expulsão foi proibido de jogar em seu país, então governado por Pinochet. (Por causa do cartão e, principalmente, é claro, em razão da aberta oposição que fazia ao regime sanguinário do ditador.)

Teve uma tremenda, imensa decepção: o Brasil eliminado pela Holanda, gols de Cruyff e do outro Johan, o Neeskens.

Teve a briga de Leão e Marinho Chagas no intervalo do jogo contra a Polônia, na decisão do terceiro lugar, 1x 0 para a Polônia, gol de Lato.

Teve o gol de Neeskens, de pênalti, cometido no primeiro lance da final, no qual nenhum jogador da Alemanha Ocidental conseguiu tocar na bola.

Teve uma outra tremenda, imensa decepção: a derrota da Holanda na final para a grande Alemanha Ocidental de Maier, Vogts, Schwarzenbeck, Beckenbauer, Breitner, Bonhof, Hoeness, Overath, Grabowski, Müller e Hölzenbein. (O futebol, assim como a vida, é coisa muito linda e muito impiedosa.)

Teve meio século se passando. (Caramba, meio século!)

Foi a primeira Copa do Mundo que acompanhei de verdade. Eu tinha 9 anos de idade. Foi incrível.

E teve Johan Cruyff.

PARA FICAR NA HISTÓRIA

por Péris Ribeiro

Toda a vez que falarmos em Copas do Mundo, será sempre de bom tom que nos lembremos das façanhas de um certo gênio cambaio. Um jogador desconcertante. Um admirável encantador de plateias. Mas, bem mais do que isso, um jogador imarcável !

E as lembranças ganham mais força ainda, se nos reportarmos à Copa de 1962, realizada aqui do lado, no Chile. Justamente a famosa Copa em que, jogando por ele – o que já não era pouco – e também por Pelé – o gênio machucado -, Garrincha foi mais Garrincha do que nunca.

Aliás, só por isso o Brasil sairia dali Bicampeão. E ele, Garrincha, acabaria consagrado como o Maior Jogador daquela Copa disputada aos pés dos Andes.

Sem dúvida, uma épica façanha. Sem dúvida, um Bi para ficar na história.

BOTAFOGO, 1989, EM NOME DA BOLA

por Paulo-Roberto Andel

Um dos dias mais bonitos de futebol que já vivi tem mais de 30 anos e não foi com o meu time, nem no estádio.

A decisão do Campeonato Carioca de 1989 poderia ter duas ou três partidas, conforme os resultados. No primeiro match, num domingo, Botafogo e Flamengo empataram em 0 a 0. O segundo jogo, previsto para quarta-feira, 21 de junho, poderia não ser o último da competição – e por isso o Maracanã não ficou abarrotado naquela noite histórica, pois muita gente preferiu esperar que desse empate para uma grande final no domingo. Naquele tempo, cerca de 56 mil pessoas eram um Maracanã à meia boca – hoje é lotação absoluta. Eu mesmo, jovem estudante de 20 anos, preferi economizar um dinheirinho pra ver no que dava, perdi a chance de um jogo fantástico in loco mas depois lucrei muito. Agora, se o Maraca não encheu, a cidade do Rio de Janeiro parou para ver a decisão na TV.

Num jogo com os corações a mil, os dois times eram seus próprios escudos se digladiando na grama imortal do Mário Filho. Tome lá, tome cá, tensão e nervosismo. No segundo tempo, o Flamengo teve uma falta a seu favor e Zico cobrou com enorme perigo para Ricardo Cruz, fazendo a arquibancada dar aquele suspiro de UUUHHHHHH. A seguir o camisa 10 da Gávea deixou o campo, como se fosse uma senha para o que viria.

Logo depois, o saudoso Mazolinha desceu pela esquerda e o cruzamento encontrou Maurício, ponta com vocação de centroavante. Gol! Gol que seria definitivo. O gol que tiraria o Botafogo para sempre do jejum de 21 anos sem conquistas.

Perto do final, mesmo na TV, o jogo deixava a gente com os nervos à flor da pele. Era visível a enorme comoção dos jogadores em campo, da torcida alvinegra no estádio e a multidão por toda a cidade. Naquele 21 de junho, tirando os rubro-negros, todo mundo foi botafoguense por uma noite. Valter Senra encerrou o jogo e muitos olhavam incrédulos uns para os outros: o jejum acabou! Acabou! Eu também fiquei contente.

A festa se espalhou pelo Rio. A zona sul virou a noite com bares abertos e batalhões de botafoguenses indo e vindo sem parar. Merecido.

E aí, meus amigos, é que veio a linda cena para mim. Fui dormir, tinha aula cedo no dia seguinte. Acordei, peguei meu ônibus 434 e fui para a UERJ. Tudo ia tranquilo, sete da manhã, quando chegamos ao viaduto Pedro Álvares Cabral, na antiga sede do Botafogo, o Mourisco.

O ônibus parou.

Quando vimos, estávamos perto da parte mais alta do viaduto, mas sem poder passar: centenas de botafoguenses estavam deitados ou ajoelhados no caminho, afora outras centenas rolando e chorando por toda a Enseada de Botafogo, num imenso Woodstock do futebol. Finalmente, a torcida do Botafogo encontrava a paz, deitada em berço esplêndido no lugar que encantou portugueses e outros europeus desde o século XVI.

Demorou um tempo para que passássemos, mas eu nem liguei: ficaria ali tranquilamente. Saboreei cada instante. Vi famílias abraçadas, casais apaixonados, amigos abraçados, muita gente chorando de alegria e foi algo tão bonito que, 35 anos depois, também me faz chorar. Não era só um dia de título, mas também de superação e glória. Dia em que o futebol não era só vitória, mas vida. Dia em que o Rio de Janeiro acordou super carioca.

Na UERJ, procurei meu amigo Alexandre Gomes para lhe dar um abraço de parabéns, mas não o encontrei pela manhã. Nem havia como ter aulas, o campus só respirava Botafogo, Maurício, Mazolinha, Josimar, Mauro Galvão, Valdir Espinosa.

Hoje em dia não é um trajeto que faço comumente, mas toda vez que eu subo o viaduto e vejo a Enseada, me vem à mente aquela multidão que me marcou para sempre, porque ali, botafoguenses ou não, todos vivemos um amanhecer de beleza e poesia em nome da bola.