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O MARECHAL DA VITÓRIA

por Elso Venâncio

Vicente Feola e Paulo Machado de Carvalho

Empresário e advogado paulista, Paulo Machado de Carvalho foi um personagem importante nas Copas de 1958, na Suécia, e 1962, no Chile, quando o Brasil se tornou bicampeão mundial. Chefiando a seleção com plenos poderes, o dirigente ficou conhecido como o “Marechal da Vitória”, apelido que recebeu do jornalista Joelmir Beting.

Na véspera da partida contra a União Soviética, em 1958, ele notou o meia Didi triste, cabisbaixo. Como sabia que o ídolo do Botafogo não dispensava uma boa dose de uísque, chamou-o no bar do hotel onde a delegação estava concentrada, em Hindas:

–Tudo bem, meu craque?

– Tudo, Dr. Paulo.

– Vou pedir duas doses de uísque.

– O senhor não vai me acompanhar?

– Eu não bebo. A outra também é para você.

Didi, o “Gênio da Folha Seca’, grande estrela do time brasileiro, foi claro:

“Sem Pelé e Garrincha a gente não ganha essa Copa”.

Eis que, justamente diante da URSS, o técnico Feola escalou os dois. Para isso, sacou Dida e Joel do time. De quebra, pôs o líder e raçudo Zito na vaga do contundido Dino Sani.

Supersticioso ao extremo, o ‘Marechal’ usou o mesmo terno marrom em todos os jogos das Copas em que esteve presente. Na decisão da primeira, suou frio. A Suécia não abriu mão de entrar com o uniforme amarelo, fato que o preocupou bastante.

Usar o branco, nem pensar. Afinal, perdeu a final de 1950 assim, em pleno Maracanã. Resoluto, Paulo Machado de Carvalho reuniu o grupo e decretou:

“Vamos para o título com a camisa azul, a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida”.

Na Copa do Chile, quatro anos depois, a base da equipe estava mantida. Apenas Mauro tomou o lugar do capitão Bellini, que ao se machucar perdeu a posição. O treinador Aymoré Moreira substituía Vicente Feola, que adoecera. No jogo contra a Tchecoslováquia, Pelé sentiu a coxa e, consequentemente, ficou fora do Mundial. O Brasil se abateu e a partida terminou empatada sem gols. Paulo Machado percebeu que o ‘drama’ de Pelé atingiu os companheiros e chamou o médico Hilton Gosling para uma conversa crucial:

– Doutor, os jogadores estão deprimidos – disse o cartola.

– O que podemos fazer? – retrucou o médico.

– Leve-os para um lugar bem alegre, mas longe daqui, onde a imprensa não tenha acesso.

Garrincha foi o mais empolgado no prostíbulo de Valparaiso, assim como no jogo seguinte, quando liquidou a ‘Fúria’ espanhola dentro de campo. Amarildo, o substituto de Pelé, marcou dois gols.

Na semifinal, diante dos anfitriões, a vitória estava garantida: 4 a 2 no Chile. Nos minutos finais, Garrincha, o melhor jogador da Copa, cansado de apanhar, deu um chute no adversário e foi expulso. O árbitro peruano Arturo Yamasaki não viu o lance, mas foi chamado pelo bandeira uruguaio Esteban Marino. Contudo, este auxiliar desapareceu misteriosamente na data do julgamento. Sem a testemunha que pediu a expulsão de Mané, o ponta-direita foi absolvido. Mendonça Falcão, presidente da Federação Paulista, convenceu seu velho amigo, o bandeira Esteban, que ao longo de anos apitou em São Paulo, a receber duas passagens e se mandar da Copa, para passar uma temporada em Paris.

Na Copa da Inglaterra, em 1966, João Havelange, com ciúmes de Paulo Machado e buscando projeção internacional, já de olho na FIFA, decidiu que ele próprio, Havelange, seria o chefe da delegação. Faltou planejamento e mais de 40 jogadores foram convocados. Além disso, um bando de amistosos sem pé nem cabeça foram feitos, visando atender pedidos políticos. Tudo resultou num vexame histórico, que adiou o sonho do tricampeonato mundial e, por consequência, a posse definitiva da Taça Jules Rimet, para 1970, no México.

BRASIL, REI DA AREIA

por Paulo-Roberto Andel

E finalmente chegamos ao hexa no Beach Soccer em cima da Itália. É bom que se diga: hexa se considerarmos apenas os Mundiais da FIFA, a partir de 2005. Antes disso, com a organização da BSWW, foram disputadas outras dez Copas do Mundo e ganhamos nove. Seja qual for o ponto de partida da análise, o fato incontestável é que o Brasil manda na areia com sobras. Se a honrada camisa amarela tem sofrido nos gramados, no granulado ela desfila e passeia.

Tudo veio de longe, muito longe, até chegarmos a essa visibilidade e expressão mundial no esporte. Falando de 1995 até aqui, é impossível não pensar em nomes como os de Júnior Negão, Neném, Benjamim, Juninho, Jorginho, Robertinho, Bueno, Betinho, Mão, Buru, Magal, Datinha, Lucão, Bruno Malias, Catarino e tantos outros. E as feras que deram suporte bem no comecinho do BS? Edinho, Júnior, Zico, Cláudio Adão, Paulo Sérgio, depois Romário.

Agora temos os heróis de 2024, como Rodrigo, que marcou três gols na decisão contra os italianos. Tiago Bobô, eleito o melhor goleiro do Mundial. Mauricinho o segundo melhor jogador.

O esporte se espalhou pelo Brasil e pelo mundo. Países gélidos passaram a jogar o emocionante futebol de areia em sua versão adaptada, com menos jogadores, campo menor e muita dinâmica.

Para quem nasceu em Copacabana feito eu, o orgulho é enorme. O futebol sempre esteve na tônica do bairro desde os anos 1930. Gente como João Saldanha e Heleno de Freitas jogou futebol de praia. Anos mais tarde, surgiram outras feras como o goleiro Renato, multicampeão por Flamengo, Atlético Mineiro, Fluminense e Bahia, além de ter disputado a Copa do Mundo de 1974, era o guarda-metas do mitológico Lá Vai Bola. Edinho, o deus supremo da zaga do Fluminense, é cria da Constante Ramos. Paulo Cezar Caju e seu irmão Fred. Júnior, ícone do Juventus, do Flamengo e da Seleção. O saudoso Rocha, ex-Botafogo. Rodrigo Souto, que brilhou no Vasco e Santos. Adílio, cracaço do Flamengo. O goleiro Paulo Sérgio, de Botafogo, Vasco, America e Seleção Brasileira.

Os times, ainda na modalidade tradicional, com onze jogadores. Juventus, Columbia, Maravilha, Bairro Peixoto, Racing, Areia, Dínamo – do mitológico humorista Tião Macalé -, Paula Freitas, Força e Saúde, Prado Júnior. Mesmo que o Beach Soccer seja um esporte diferente, ele carrega nas veias muito da história desses times e também das ruas do bairro que nunca dorme. O futebol de areia está muito vivo na Figueiredo Magalhães, Siqueira Campos, Rodolfo Dantas, Bolívar e outras veias. Copacabana revelou até grandes árbitros para os gramados, casos de Jorge Emiliano “Margarida”, Valter Senra “Bianca”, Daniel Pomeroy e Arnaldo Cezar Coelho.

A Princesinha do Mar está tatuada no maravilhoso Beach Soccer brasileiro, que faz história pelo mundo afora.

@p.r.andel

ESPELHOS

por Eliezer Cunha

O futebol é uma arte supra detalhada, contudo seus objetivos são claros, determinantes, lógicos e atingíveis. Vejamos algumas considerações reflexivas.

As Décadas de 70 e 80 foram atingidas pelos respingos das exuberantes atuações campais e pela conquista da Copa de 1970. Desta forma, este escrete de “canarinhos” passou então a ser referência de craques para as gerações futuras, pelas belas jogadas, pela eficiência conclusiva e pelo entrosamento peculiar. Vale destacar que esta seleção possuía em sua formatação seus pontos fracos e vulneráveis sobre tudo defensivamente, mas, através da competência e talento individual do meio de campo e atacantes atingimos nossos objetivos e nos tornamos tri campeão Mundial.

Em 1974 e 1978 se sucederam seleções desorganizadas, sem padrão de jogo definido, bairrismos, intolerâncias, medos, surpresas e sem um sistema tático transparente e objetivo, ficamos na dúvida entre a renovação de um novo plantel de jogadores ou o reaproveitamento e reajuste dos jogadores de 70. Isso foi fundamental para que não houvesse um padrão de jogo e esquema tático definido organizado. Conclusão: seleções acuadas pelo desconhecimento, nervosismo e medo.

A seleção brasileira de Telê Santana até hoje é objeto de estudo, análise e sub conclusões. Existem ainda pelos corredores questionamentos e narrativas sobre o comportamento desta seleção dentro e fora dos gramados espanhóis, gerando discussões que envolvem o estilo, padrão de jogo e pelos objetivos alinhados por seus comandantes e comandados.

Em 1982 resgatamos novamente o valor do “futebol arte” padrão de jogo baseado no estilo clássico e básico de jogar futebol, valorizando o domínio, o passe e a posse de bola. Tínhamos a clara percepção que poderíamos vencer a partida a qualquer momento, não saber administrar essa percepção foi nosso grande erro na fatídica partida entre Brasil X Itália.

Pois bem, os anos se sucederam e daí pra frente nos tornamos pequenos frente à força, à tática e à eficiência do futebol Europeu e abandonamos nosso peculiar e tradicional futebol arte, que sempre foi nosso diferencial. Resumimo-nos somente ao talento individual de poucos jogadores e as suas jogadas ineficientes e poucos objetivas.

Atualmente estamos perdidos, sem rumo, sem destino e sem nenhuma esperança. O horizonte de conquistas está nebuloso e encoberto por interesses financeiros. Não temos jogadores à altura dos estrangeiros e a comissão técnica seja ela qual for não possui competência desafiadora e a mesmice continua prevalecendo e, o pior, se perpetuando. Somos uma nação futebolística desacreditada e omissa, desta forma, o meu medo maior é que o espelho se quebre em definitivo e a imagem que outrora refletia glórias e soberania se apague e permaneça destorcida para todo o sempre.

UMA GELADEIRA POR PELÉ

por Rubens Lemos

O aprendiz de cronista é guardião das migalhas das histórias que para a maioria nada significam. A crônica é olhada com desprezo pelo novo jornalismo, mas é a sobra da sensibilidade oxigenando a vida e expulsando as toxinas do cotidiano movido pela ganância, o pisar no outro sem piedade para superá-lo pela deslealdade.

Natal é desmemoriada. Seus mortos viram borrões na semana do sepultamento e recolhidos na alma dos viúvos e filhos, quando muito. Natal é cruel. Foi-se à época – arrebatada num vento sudoeste, de uns oferecendo ombros aos outros em emoções fraturadas.

A cidade deletou, ou suas gerações até 50,60 anos de idade, sequer ouviram falar em Gutemberg Marinho, diretor das rádios Trairi e Nordeste, amigo de duas lendas potiguares: os políticos Djalma Maranhão e Teodorico Bezerra.

Gutemberg Marinho, homem bom e homem pobre, amava o rádio, era alucinado por futebol e soube que Pelé jogaria amistoso pelo Santos contra o Santa Cruz dia 19 de maio de 1959, menos de um ano depois o Menino-Rei se tornar aumentativo de futebol. Iria porque iria entrevistá-lo.

Obstinado, combustível dos sonhadores, fincou pé e decidiu ir a Recife. Sem um tostão, vendeu a geladeira de casa, suficiente para custear acomodações modestas e alimentação controlada e levar a sua mulher, de traços delicados e mediterrâneos. Dona Maria Sônia de Lucena Marinho.

Cumpriram as seis horas de viagem no tranco do ônibus caindo aos pedaços na estrada, à época, irregular. Enfrentaram – estavam injetados de perseverança, a multidão em frente ao charmoso Hotel São Domingos, o melhor de Recife, ancoradouro de artistas de todo o mundo.

Em transe, sentimentalista empedernido, repetiu a história da geladeira vendida depois de insistir em relatar seu sacrifício à delegação santista. Sou cético, mas o milagre da santa loucura de um repórter fez Pelé atender o apelo de Gutemberg Marinho.

Reparem na fotografia, o olhar predador de Pelé no início da conversa, para depois ir cedendo, cedendo e sendo “muito simpático”, segundo a memória de Dona Maria Sônia, hoje aos 86 anos.

Confúcio ensinou: transportai um pedaço de sonho e fará uma montanha, bom mantra para Gutemberg e Maria Sônia. Estupefatos, viram, no Estádio da Ilha do Retiro, o Santos massacrar o Santa Cruz por 5×1, três gols de Pelé em atuação redundantemente extraterrena, Coutinho e Doval com Humaitá descontando para os tricolores.

Quem seria outro Gutemberg capaz de desfalcar a parca mobília em nome de um devaneio? Ninguém, porque ele foi um típico personagem de palavras pescadas. Foi porque morreu do coração no Dia dos Pais de 1966, diante de Maria Sônia e três filhos pequenos.

Gutemberg era um coronariano literal. Visionário indomável. Alguém que o aprendiz de cronista admira no afeto transcendental. Pela coragem de ontem, pela eternidade da solidão dos bravos. Dos que jamais perdem por antecipação. Aí, já é a sina do aprendiz de cronista.

TEMPOS DOURADOS

por Péris Ribeiro

Com o Santos consagrado como grande campeão, Pelé era a atração máxima de Paris, naquele ínicio da década de 1960

As décadas de 1950, 60 e 70 significaram a Era de Ouro do futebol brasileiro. Foi, sem dúvida, um tempo de total visibilidade para os nossos clubes, que realizavam seguidas e rentáveis excursões pelo mundo. E, nelas, participavam dos tradicionais (e prestigiosos) torneios de verão na Espanha, França, Itália, Casablanca e Cidade do México, e também na América do Sul.

Havia exageros, é bem verdade, mas isso era o preço a ser cobrado pelo sonhado intercâmbio com a Europa e a América do Sul. Um intercâmbio vital, ultranecessário. E que hoje infelizmente já não existe mais, limitando os nossos clubes a um calendário anêmico, de bem poucos atrativos. Sem maiores possibilidades, portanto, de uma participação destacada no cenário internacional.

Por último, um lembrete. Foi naqueles tempos dourados, que o Santos de Pelé ensaiou a conquista do mundo. Bastou sair campeão do Torneio de Paris. E convém não esquecer do Flamengo de Zico, bicampeão do Torneio Ramon de Carranza, na Espanha, bem pouco antes de levantar o Mundial do Japão.

Saudades daqueles tempos de glórias. Tempos, efetivamente, em que podíamos tudo…