O SÃO PAULA DESONROU O NOSSO FUTEBOL
por Zé Roberto Padilha
Sei que sou do tempo do Onça, zagueiro do Flamengo que jogava com raça, assim como todos nós, jogadores profissionais daquela época. Tínhamos honra e vergonha na cara. Jamais perderíamos uma oportunidade como a que o time do São Paulo desperdiçou. Casa cheia, transmissão para todo o país, e um cenário perfeito para mostrar o valor do nosso futebol.
Poucas vezes vi um clube tão burocrático para sair jogando, lento para transitar da defesa ao ataque e completamente omisso na busca pelo gol adversário. O São Paulo FC, de domingo, fez mais para denegrir a imagem do nosso futebol do que Bruno Henrique, caso seja provada sua culpabilidade ao forçar um terceiro cartão amarelo. Ou Paquetá, cuja ilha inteira apostou, mais que o resto do mundo, que ele também levaria um amarelinho.
Nesse caso, a culpa é do jogador, que deve responder pelos seus atos. Mas e quando é todo um elenco que entra em campo e:
a) não divide uma bola;
b) não reclama de nenhuma decisão da arbitragem;
c) nenhum jogador dá um pique sequer em direção ao gol;
d) o treinador não é visto uma única vez reclamando com o quarto árbitro;
e) e cadê o Lucas, o Arboleda, o Calleri?
Sei que, diante da superioridade do Botafogo e do favoritismo, esse olhar crítico sobre a covardia de um time que jamais buscou a vitória pode ter passado despercebido para muitos.
Não para minha geração. Fomos treinados por Pinheiro, orientados por Roberto Alvarenga, supervisionados por Zezé Moreira, e nossa formação ocorreu na Universidade da Bola e da Ética chamada Fluminense FC.
Nós, tricolores, teríamos vergonha de entrar em campo sem um desejo enorme de vencer. De buscar a vitória, do começo ao fim. De honrar nossa camisa. E o futebol.
Obs.: Nada contra o Botafogo. Pelo contrário, o clube fez a sua parte. E bem.
O PAREDÃO ACÁCIO
por Elso Venâncio
Desde Barbosa, no famoso Expresso da Vitória, o Vasco mantém a tradição de ter grandes goleiros. Na década de 1980, por exemplo, surgiu o paredão Acácio, após as lendas Andrada e Mazarópi. É sobre ele que vamos falar hoje…
Acácio, nasceu numa família vascaína, em Campos dos Goytacazes, e começou jogando nas categorias de base do Americano. Se tornou profissional aos 17 anos, sendo emprestado ao Rio Branco e depois ao Goytacaz, até chegar ao Serrano. Numa partida histórica, pelo Campeonato Carioca de 1980, ele fechou o gol na vitória por 1 a 0 sobre o Flamengo de Zico, Júnior e cia. Anapolina anotou o único gol da partida. Era uma quarta-feira à noite, com chuva e neblina em Petrópolis, e o Flamengo entrou em campo com a base do seu maior time da história, que seria campeão do mundo no ano seguinte, em Tóquio: Raul; Leandro, Luís Pereira, Marinho e Júnior; Vitor, Adílio (Andrade) e Zico; Tita, Anselmo e Edson (Júlio César Uri Geller).
Na opinião do goleiro rubro-negro, Acácio fez o jogo da sua vida. “O que Acácio fez no campo enlameado foi sobrenatural”, afirmou Raul, ídolo do Flamengo e do Cruzeiro.
Em pouco tempo, Acácio seria transferido para o Vasco, do qual se tornou titular. Inclusive, foi campeão carioca em 1982, com vitória vascaína sobre o arquirrival Flamengo, por 1 a 0, gol do ponta Marquinhos, de cabeça. Nessa partida, Acácio defendeu um chute forte de Zico, cara a cara, e garantiu o título. Também foi campeão em 1987 e bi em 1988, com o famoso gol de Cocada. Sua maior conquista, entretanto, ocorreu em 1989, com o título brasileiro ao lado de Bebeto, Mazinho, Bismarck. No jogo decisivo, outra vitória por 1 a 0, mas diante do São Paulo, no Morumbi.
Na época dos torneios de verão na Europa, em que os maiores clubes do mundo se enfrentavam, Acácio participou do tricampeonato do Vasco no célebre Troféu Ramón de Carranza, disputado, em Cádiz, na Espanha. O Vasco é a única equipe brasileira a conquistar o título três vezes consecutivas, em em 1987, 1988 e 1989.
Convocado à Seleção Brasileira, Acácio disputou alguns jogos, sendo reserva imediato de Taffarel na Copa América de 1989 e na Copa do Mundo de 1990, na Itália. Deixou o Vasco em 1991, após uma década, para defender o Tirsense de Portugal. Quem o substituiu foi Carlos Germano, segundo jogador que mais vestiu a camisa cruzmaltina, em 632 jogos. Roberto Dinamite, o ídolo maior do Vasco, atingiu a marca impressionante de 1110 partidas.
CONFISSÕES DE UM ROSEMIRO
por Zé Roberto Padilha
Era uma vez um lateral-direito que corria mais que o vento. E mais que o Apodi. Pernas finas, nariz grande e um caminho cheio de dificuldades certamente percorreu até alcançar o Palmeiras. Mais ainda, até chegar à seleção brasileira.
Naquela ocasião, o Santa Cruz, treinado por Evaristo de Macedo, tinha Nunes começando e Luiz Fumanchú fechando o ataque ao lado de uma lenda chamada Betinho. Fomos ao Pacaembu disputar uma vaga nas semifinais do Campeonato Brasileiro de 1978.
Recordista no teste de Cooper, coube a mim a dura missão de anular Rosemiro. Evaristo, implacável e irônico, não me poupou na preleção:
– Vamos ganhar se vocês dois não jogarem. Você não joga nada mesmo, e ele joga muito!
Colei no Rosemiro. Até para beber água fui atrás dele. Nunes abriu o placar, e o lateral começou a se irritar comigo.
– Vai se fu…!”, esbravejou.
Apertei ainda mais a marcação. Toninho ficou sem assistências, e Fumanchú ampliou.
Foi então que a Mancha Verde, inconformada, passou a me ajudar na provocação:
– Rosemiro, Rosemiro, vai tomar no…!
No segundo tempo, ele perdeu a paciência e entrou duro em mim. A frustração tomava conta de todos que acreditavam na classificação do Palmeiras. E, num contra-ataque, Luiz Fumanchú decretou nossa vitória.
Os olhos de Rosemiro irradiavam raiva, ira, desejo de vingança — não necessariamente nessa ordem. Quando o jogo acabou, fui até ele:
– Desculpe, mas o Evaristo sempre pede para eu colar no melhor do time!
Seu ego, então, foi massageado, e o ódio deu lugar à vaidade. Ele devolveu, ou pensou — já faz tanto tempo:
– Ele, Evaristo de Macedo, a lenda, disse mesmo que eu sou o melhor do time?
Derrotei sua tarde em campo, mas amenizei suas dores nos recuerdos da noite, que, na derrota, varam a madrugada. Às vezes, uma massagem na autoestima supera a frustração de perder, ainda mais em casa, a chance de ficar entre os quatro semifinalistas.
E quase todo o Mundão do Arruda foi ao aeroporto dos Guararapes nos esperar. Que festa! Até Jarbas Vasconcelos, do MDB, e Cid Sampaio, da Arena, foram buscar votos para governador. Afinal, vivíamos o bipartidarismo.
Naquele ano, se houvesse urnas no Pacaembu, Rosemiro não ganharia nem mesmo para vereador.
CADÊ OS ‘ZICOS’?
por Marcos Vinicius Cabral
Busquei um motivo para escrever sobre o Zico. Não encontrei. Me senti como os marcadores implacáveis que davam bote no camisa 10 rubro-negro e não encontravam nada. Mas me fiz uma pergunta que está vagando por resposta em meu inconsciente: cadê os ‘Zicos’ do futebol brasileiro?
Zico reunia magistralidade, magnificência e pluralidade. Era o jogador que todo menino na infância queria ser. Inclusive eu, em parte da vida!
Singular, Zico quis ser apenas mais um. Acabou sendo muitos em um. Arco e flecha, razão e emoção. Nos gramados da vida, principalmente no baldio Maracanã, o camisa 10 era diferentes tipos de combustão: a completa, a incompleta, a espontânea e a explosão. Explosão esta perdida em 1985, naquele taciturno 29 de agosto, no Estádio Mário Filho.
“Eu sofri muito”, defendeu-se Márcio Nunes, o culpado por ‘assassinar’ o joelho de Zico. Conversa. Zico sofreu no corpo. Nós, torcedores, na alma!
Não há como questionar o profissionalismo com que Zico tratou o assunto e conduziu a carreira até sair de cena. O pecado adâmico do senhor Arthur Antunes Coimbra foi exatamente esse: deixar 40 milhões de rubro-negros órfãos e em um pesar profundo.
Falo de um enlutamento que vai atravessar séculos e atingir gerações que não tiveram a oportunidade de vê-lo em campo.
Que os digam Vítor e Arthur – este último batizado por causa do ídolo do Flamengo -, dois dos meus sobrinhos que não tiveram o privilégio de assistir um jogador de verdade praticando futebol.
E decidindo partidas. E batendo faltas, lançando, cabeceando e dominando uma bola de futebol com a maestria que apenas os gênios têm.
Em campo, Zico era simples e objetivo. Mas ter simplicidade e objetividade no esporte em que poucos conseguem ser facho de luz no meio de uma escuridão de cabeças de bagre, Zico permanece no inconsciente dos que se aproximam dos 50 anos de idade. Faço 51 daqui a 21 dias.
Todavia, escrever sobre Zico, maior jogador do Clube de Regatas do Flamengo, autor de 334 gols no Maracanã, campeão do mundo, da Libertadores e tetracampeão brasileiro, arrepia.
Arrepia para quem era um menino pobre, que viveu uma infância muito difícil na Região Serrana de Nova Friburgo e se transformou com muito esforço em um esforçado jornalista.
Jornalista que sempre a trabalho volta a ser criança quando está na presença dele, do Zico, do Galo, do Galinho, do maior camisa 10 rubro-negro da história.
Ah, Zico, tem coisas que só você e mais ninguém consegue fazer.
Obrigado, por você existir.
O MONGE ALVINEGRO
por Renato Girão
Ele sempre achou muita coincidência se chamar Manoel Francisco dos Santos. Mas sabia que, diante da simplicidade dos nomes e da sua vida, tudo lhe era possível.
Além do sacerdócio de ser monge, que para ele era natural, também tinha predileções pelos cantos dos pássaros, principalmente o do rouxinol, que, no seu eterno amor, também era o canto do Troglodytes musculus, a cambaxirra, também conhecido como Garrincha.
Assim, com pernas tortas e vida regrada ao extremo, mas sempre transbordando amor no coração, Manoel despertou naquele 30/11/24. Fez sua meditação matinal, cuidou da orgânica horta que também era de todos os seus companheiros monges, mas deixou para cantar os seus cantos gregorianos após a decisiva partida do seu amado time, que lhe botava fogo no coração a ponto de ferver.
Assim que se postou em frente à TV, viu uma cena para lá de dantesca. “Logo com ele?”, pensou aflito. “Justo o Gregore?” Olhou para os céus e clamou: “Será o Benedito?”
Será que deveria ter cantado antes os inebriantes cantos gregorianos? Mas pensou: enquanto o adversário tem um herói verde forjado de nome Hulk, temos um Jesus lá na frente para, de costas ou de frente, segurar o ímpeto dos galos que, sozinhos, não tecem uma manhã, como bem disse o saudoso poeta.
Pensou também que há, coincidentemente, uma muralha financeira e uma muralha entre as traves, ambos de nome John. Então, vamos adiante! Será um ferimento leve, até pelo fato de eles serem os favoritos. E isto não se muda da água para o vinho.
Mas eis que, diante daquele verdadeiro sacro ofício, surge um gol de uma bola ricocheteada, que sobra magistralmente para um negro que traz o sete nas costas: LH7. Olhou para si e se lembrou de sua história de vida, do nome que carrega. Respirou fundo e pensou: “É hoje!”
Mais tarde, novamente o tal LH7 perseverou e achou um pênalti. Foi para a cobrança Alex Telles, com o número 13 às costas, fazendo a sua partida de número 13 e convertendo o seu primeiro gol com esta gloriosa camisa. Era o arco dos Telles, o arco da promessa.
Terminado o primeiro tempo, pôde tentar se recuperar daquele turbilhão de sentimentos. No início da segunda via-sacra, tomaram um gol de um chileno chamado Vargas. Mas esta era uma era há muito que se dissipara. Houve muita pressão e abnegação dos solitários estrelados e, no fim, puseram o dínamo de um número incerto de cavalos: o artilheiro que só lhe faltava o décimo mandamento, Júnior de todos os Santos.
Como o seu sobrenome também era Santos, estava coroado o ciclo. Extravasou-se o quanto pôde, mas logo veio-lhe a paz, aquela celestial. Ainda deve para si e para o mundo, principalmente ao alvinegro, aquele auspicioso canto gregoriano. Um canto de glória.