3165 DIAS SEM UMA CARREATA
por Zé Roberto Padilha
Certa vez, melhor, há três anos, meu neto, Felipe, educado e alimentado desde criancinha com as vestes tricolores, cansou de esperar por um título tricolor que o conduzisse a uma carreata.
A maioria dos seus amigos já tinha participado dessa festa pós título. E ele comunicou oficialmente sua saída para o outro lado do Fla x Flu.
Acontece naquela fase em que o ser humano recebe um terço da carga de hormônios reservada a toda a sua existência. E, adolescentes, estão expostos a toda a sorte de experimentos.
Seis meses depois do dia do “Não Fico”, nós, tricolores, realizamos, ao conquistar a Libertadores, a maior de todas as carrreatas.
Acontece.
Toda essa lembrança veio à tona porque o Vasco acaba de se aproximar de uma década sem títulos. As primeiras doses dos hormônios são introduzidas aos 10 anos. E se você tem um filho vascaíno perto dessa idade, cuidado. Porque…
Casaca, casaca, o Vasco é o time da virada!
PATADA ALVINEGRA
por Rubens Lemos
No dia 4 de julho de 1979, enquanto os norte-americanos comemoravam sua independência (para sofrer quatro anos mais tarde com a invasão iraniana à embaixada em Teerã), a canhota mais-que-perfeita do futebol brasileiro desfilava no gramado do Estádio Castelão (Machadão) com a camisa 10 do ABC.
Aos 33 anos, depois de passar a liderança artística no futebol a Zico, Rivelino disputava amistosos, de férias do Al-Hilal da Arábia Saudita, de onde sairia por desavenças com o príncipe Kaled. A ideia de trazê-lo a Natal foi do empresário e então dirigente do Alecrim, Joílson Santana (mais tarde cartola do ABC e falecido em 2013), que não tremeu diante do cachê altíssimo cobrado pelo tricampeão: 100 mil cruzeiros em dinheiro vivo, pagos antes do amistoso contra o Vasco (RJ), que excursionava pelo Nordeste e aceitou incluir Natal no roteiro.
Rivelino foi notícia durante uma semana. O governador Lavoisier Maia fez questão de visitá-lo no majestoso Hotel Ducal, no centro da cidade (o primeiro arranha-céu de Natal), próximo ao Palácio Potengi, então sede do Governo do Estado. Demonstrando tédio, Rivelino, fanático por passarinhos, perguntava a quem pedia um autógrafo onde poderia encontrar um curió cantador. Voltou sem levar nenhum.
O Vasco veio com suas principais atrações: Roberto Dinamite, o goleiro Leão, o lateral-esquerdo Marco Antônio, o zagueiro Abel Braga, e um complemento mediano. O Flamengo de Zico, Júnior, Adílio, Carpegiani e Cláudio Adão mandava no futebol carioca.
O técnico do ABC, Ferdinando Teixeira, armou um meio-campo habilidoso. Baltasar, o encarregado da marcação, ficou recuado. Rivelino tocou bola com o ex-vascaíno Danilo Menezes, uruguaio que era chamado de Rei do Castelão pela imprensa.
Indisposto, Rivelino acertou dois lançamentos preciosos que, por má vontade do destino, caíram no pé desastrado do centroavante Dentinho, de triste memória para o alvinegro local.
O Vasco se impôs com o volante Dudu e o meia Carlos Alberto Garcia (ex-Londrina e futuro jogador do ABC em fim de carreira). Pressionou e chegou ao primeiro gol aos 44 minutos do primeiro tempo. Roberto Dinamite amorteceu a bola no peito e fuzilou o goleiro Carlos Augusto.
Rivelino – seguindo o contrato – saiu e a torcida não sentiu sua falta. Xodó do abecedista, o baixinho Noé Macunaíma entrou em campo, pôs nitroglicerina no time e acabou como a verdadeira estrela.
O mítico técnico Oto Glória, comandante da seleção de Portugal que destroçou o Brasil em 1966 com a Pantera Eusébio, mandou reforçar a marcação sobre Macunaíma. O lento meia Toninho Vanuza não conseguiu domá-lo.
Cobrando escanteio, o ponta-esquerda Berg cruzou, e a bola sobrou para Noé Macunaíma se consagrar e empatar, violando o titularíssimo da seleção brasileira, o arrogante Leão. Terminou 1×1 com 24 mil pagantes. O promotor teve prejuízo.
Rivelino, que não estava a fim de muito papo, saiu do vestiário direto para o Hotel Ducal e tomou o primeiro voo da manhã de quinta-feira para São Paulo. Os torcedores que pagaram ingresso para tietar Rivelino viram Noé, o Macunaíma do povo, bom e barato.
CAPITÃO DENÍLSON
por Elso Venâncio
Denilson Custódio Machado — ou simplesmente Denilson — foi o primeiro volante a ser chamado de cabeça de área no futebol. Nasceu em Campos dos Goytacazes, no dia 28 de março de 1943. Pelo Madureira, se destacou num jogo nas Laranjeiras, contra o Fluminense, anulando o ataque tricolor. Insatisfeito com os atrasos salariais e com moral após a partida, procurou o conterrâneo Pinheiro para se aconselhar. O ídolo Pinheiro havia deixado o Fluminense após 15 anos, mas tinha influência no clube.
— Fala direto e firme com Zezé Moreira e pede para treinar. Deixa o resto comigo! — orientou Pinheiro.
Forte, com 1m80, Denilson ouviu com surpresa a pergunta do consagrado e sisudo treinador:
— Meu filho, você é goleiro?
— Não, seu Zezé, sou meio-campo e dos bons.
Denilson não apenas foi para o Fluminense, como defendeu o clube de 1964 a 1973, tornando-se o sétimo jogador com mais atuações na história tricolor. Capitão e líder em campo durante tantos anos, recebeu do jornalista Nelson Rodrigues o apelido de Rei Zulu. Logo no primeiro pelo Fluminense, Denilson foi campeão carioca e chegou à Seleção Brasileira.
Nos treinamentos para a Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra, imperava a desorganização. Foram convocados mais de 40 jogadores, reflexo de uma ditadura militar que usava o futebol do país bicampeão do mundo. Com a proximidade da Copa, o técnico Vicente Feola marcava reuniões com a presença dos convocados, para anunciar os cortes, pois só poderia levar 22 jogadores para o Mundial. Faltando poucos minutos para um desses encontros, Pelé avisou a Denilson:
— Preciso esfriar a cabeça. Vamos dar uma volta?
Denilson reagiu: “Se eu sair, estou cortado”.
— É o contrário… Se estiver comigo, ninguém mexe com você — rebateu o Rei do Futebol, que já era tetracampeão do mundo (duas vezes pelo Santos e duas com a Seleção Brasileira.
Denilson foi à Copa e atuou em duas partidas: contra a Bulgária, na vitória brasileira por 2 a 1, e contra Portugal, na derrota por 3 a 1. Pelo Fluminense, o volante teve 433 jogos. Além de 1964, também foi campeão carioca em 1969, 1971 e 1973. Conquistou a Taça Guanabara em 1966, 1969 e 1971, bem como a Taça de Prata, em 1970.
A maior decepção do Rei Zulu no futebol foi não ter sido lembrado para a Copa de 1970. No ano do tricampeonato mundial, o Campeonato Brasileiro — ainda conhecido como Taça de Prata ou Roberto Gomes Pedrosa (Robertão) — reuniu uma fartura de craques, já que os campeões no México estavam em campo e não era comum os clubes negociarem jogadores para o exterior. Enfim, o Fluminense conquistou o título no maior Brasileiro de todos os tempos. Time-base: Félix; Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denilson e Didi; Cafuringa, Flávio (Michel), Samarone e Lula.
O grande capitão faleceu no dia 1º de outubro de 2024, aos 81 anos. Residia na cidade do Rio de Janeiro e lutou, ano passado, com problemas na próstata. Denilson é um ídolo eterno na história do tricolor carioca.
TRISTE FESTA SEM O INTERIOR
por Zé Roberto Padilha
Se há algo que melhor traduz a insensibilidade da FERJ ao nos afastar do Campeonato Estadual, marcando muitos jogos fora do estado, esse algo é o alambrado. Entre o jogador e o torcedor, havia cumplicidade. Era o cara a cara. O VAR era o olhar, a manifestação da multidão por entre as brechas dos arames.
Muitas gerações tiveram o privilégio de ter o futebol como lazer e entretenimento. Assim como o cinema, o teatro e a missa, ir aos estádios fazia parte do cotidiano.
“Juiz ladrão!” Que psicóloga não adoraria que seus pacientes tivessem a chance de manifestar o “ódio do bem”, a ira espontânea, exteriorizada e cultuada às 15h de uma tarde? Para isso, tinham o seu divã ao ar livre, a bola rolando ao vivo, com o alambrado entre eles e a maior paixão: o futebol.
Para nos tornar previsíveis como os ingleses, jogar como os irlandeses, a FIFA igualou os estádios e nos privou dos arquibaldos e geraldinos. A TV Globo, com o objetivo de nos tornar insensíveis, levou nossos clássicos para Brasília. E nossos filhos, para não serem hábeis como os Ronaldinhos, perderam seus campos de pelada e passaram a jogar Real Madrid X Barcelona no Playstation.
Escrevo de Três Rios, cidade do interior que, como tantas outras, perdeu o seu América x Entrerriense. Mais do que uma doce rivalidade, as crianças tinham o direito de entrar nas escolinhas e sonharem em se tornar jogadores de futebol.
Para isso, precisavam calçar chuteiras, não empunhar um joystick. Precisavam correr, brincar e se tornar cidadãos saudáveis, que é o objetivo maior de todas as modalidades esportivas.
Meu pai jogou futebol, eu e meus irmãos jogamos futebol, mas aos meus filhos e netos foi imposto um alambrado em 4K, entre eles e o direito de exercer um dom tão belo que, em Três Rios, era a marca e o orgulho da nossa família.
Quando digo a eles como era a emoção de entrar no Maracanã para disputar um FlaxFlu, mesmo com a vocação herdada, eles nem sonham mais com isso. Se os estádios do Entrerriense e do América não recebem jogos há anos, se a liga que organiza os jogos está fechada, todos os meus netos preferem guardar suas mesadas para ir ao Rock in Rio assistir a um show do Coldplay.
E assim, na essência, no nascedouro, com o distanciamento e abandono das competições no interior, a FERJ vai continuar a ter seus cofres cheios. E o futebol brasileiro, por sua vez, testemunhará o vazio que permanece na sua alma. Esse vazio vinha todo do interior. Onde, hoje, os locais que revelaram Mané Garrincha, o nosso gênio das pernas tortas, estão abandonados.
Em Pau Grande, distrito de Magé, onde o futebol começou, como em todo o interior do estado, só é possível viver o esporte pela televisão. Até quando? E nossa imprensa esportiva, que se acovarda e não se manifesta mesmo assistindo às razões de sua profissão escorrerem entre seus dedos?
RENATO, PERDOA-LHES, POIS NÃO SABEM O QUE FAZEM
por Marcos Vinicius Cabral
“É aquela coisa de amor e ódio. Se eles soubessem um pouco mais da vida do Renato, toda vez que ele entrasse em campo a torcida aplaudiria de pé”, disse Zico, ainda no vestiário do Maracanã na festa da 20ª edição do Jogo das Estrelas que aconteceu no sábado (28).
A declaração do maior ídolo do Flamengo era para responder ao repórter sobre as vaias direcionadas para o ex-camisa 7 rubro-negro.
Ora, se for para justificar a fala de Zico sobre amor e ódio, os torcedores não têm motivos algum para vaiar Renato Portaluppi.
Campeão da Copa União, em 1987, da Taça Guanabara, em 1988, e da Copa do Brasil, em 1990, pelo Flamengo, Renato encarnou como poucos a mística de “raça, amor e paixão” cantada pela torcida rubro-negra nas arquibancadas do Estádio Mário Filho quando vestiu o Manto Sagrado.
Boa parte dos que vaiam Renato Gaúcho certamente não viram o jogar. Nem ficaram sabendo por meio de pais e tios que o ex-ponta-direita foi o responsável pelo gol da classificação na vitória sobre o fortíssimo Atlético Mineiro de Telê Santana, no segundo jogo das semifinais da Copa União de 87. A partida foi no Mineirão e, além disso, Renato Gaúcho foi eleito o melhor jogador da competição.
Renato, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.
Os mesmo torcedores que ano a ano vaiam Renato, não devem saber que na preparação para a Copa do Mundo de 1986, o ponta, mesmo chegando atrasado, entrou pelos portões da Toca da Raposa – Centro de Treinamento do Cruzeiro que era usado pela Seleção Brasileira – carregando Leandro enquanto alguns outros jogadores pularam o muro. Camaradagem, amizade e lealdade em uma única história.
O ato, de fato, custou caro a Renato que acabou não indo à Copa do Mundo no ano em que o camisa 7 voava.
Talvez alguns flamenguistas justifiquem a demonstração de desagrado coletivo pelo fato de que Renato não teve uma boa passagem quando dirigiu o Flamengo em 2021.
Mas os números não mentem: Renato Gaúcho é o segundo melhor técnico na era pós-Jorge Jesus com 72,8% de aproveitamento, ou seja, 24 vitórias conquistadas, oito empates e somente cinco derrotas. Jesus teve 81,6%.
Muitos neófitos rubro-negros não saibam que Renato chegou a ter 89,6% de aproveitamento pelo clube: em 16 jogos, obteve 14 vitórias, um empate e uma derrota. Os números, por mais irrelevantes que sejam para quem insiste em vaiar Renato, torna o treinador – atualmente desempregado e curtindo férias no Rio – como o técnico com o melhor início de trabalho na história do Flamengo, deixando para trás Sebastião Lazaroni e Jair Pereira (87,5% e 85,4% de aproveitamento, respectivamente).
Resta-me crer que as vaias toda vez que Renato Gaúcho pisa no gramado do Maracanã, seja dirigindo algum clube ou participando do Jogo das Estrelas, se devam ao gol de barriga marcado por ele no Fla-Flu de 95.
Uma baita injustiça!
Mas é preciso voltar no tempo e contar como chegavam Flamengo e Fluminense àquele 25 de junho de 1995.
O Flamengo celebrava o ano do centenário e tinha grandes jogadores. O principal deles era Romário, que chegou do Barcelona com status de melhor jogador do mundo após ser eleito pela Fifa no título da Copa do Mundo de 1994. Além dele, Branco também era uma das grandes figuras da equipe. Sem contar Sávio, um dos melhores jogadores do país na época.
Já o Fluminense convivia com salários atrasados e a chegada de Joel Santana no meio da campanha era a esperança dos tricolores que estavam com o grito de “campeão” entalado na garganta desde 1985. Renato era o destaque, mas aos 32 anos não gozava do melhor momento na carreira dentro de campo. Nos bastidores, o camisa 10 tricolor ajudava os que recebiam salário baixo e ajudava como podia.
O empate era do Flamengo, já que o time de Vanderlei Luxemburgo havia feito a melhor campanha no geral.
Mas nos Fla-Flus anteriores, o time das Laranjeiras levou a melhor duas vezes, na segunda fase: um 3 a 1 e, no turno do octagonal final, um 4 a 3. O outro jogo, na primeira fase, terminou empatado em 0 a 0.
Portanto, o último Fla-Flu daquele octagonal definiria o campeão. E foi o que fez Renato, ao marcar dois gols – um de barriga que foi creditado a Aílton na súmula pelo árbitro Léo Feldman – o camisa 10 tricolor silenciou boa parte dos quase 110 mil pagantes que eram maioria rubro-negros.
Renato, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.
Mesmo que o gol de barriga seja o motivo para Renato ser vaiado todas as vezes que reencontra a torcida do Flamengo, já passou da hora de pararem com essas vaias.
O futebol agradece. Renato vai ficar feliz. As estrelas brilharão com mais intensidade no ‘mar negro’ ao entorno do Maracanã no jogo festivo do Zico. E o bom senso, perdido com as injustas vaias, vai voltar a prevalecer.