OBITUÁRIO
por Cláudio Lovato Filho
Ergueu-se da cama num pulo, como se pregos e facas e agulhas e cacos de vidro tivessem emergido subitamente do colchão de encontro ao seu corpo. Antes mesmo de conferir o horário no celular soube que estava atrasado, e muito. Voou para o banheiro, jogou água no rosto, escovou os dentes, voltou ao quarto, vestiu as mesmas roupas da noite anterior, torceu para que a carteira e as chaves do carro estivessem no lugar de sempre – na mesinha do abajur, na entrada do apartamento – e, quase feliz por ter encontrado o que queria, saiu do apartamento.
Só quando chegou à garagem se deu conta de que não havia tomado nada para combater a ressaca, e a cabeça começava a latejar ferozmente. Ele pensou (pela quarta ou quinta vez nos últimos dez ou doze dias) que precisava mudar seu estilo de vida. Um pensamento obviamente inócuo. Então acionou o controle-remoto da garagem e tomou o rumo do jornal.
Entrou na redação sob o olhar irônico dos colegas, mas sabia que o pior viria ao ingressar no aquário da editoria de Esportes, onde trabalhava. Ali teria de enfrentar a carranca condenatória de seu editor, que, para começo de conversa e dizendo bem a verdade, não queria que ele estivesse ali; apenas o aturava em razão de um pedido feito por um velho amigo.
– João Carlos, o obituário do Valério Dias é com você! – disse o editor.
Ele ficou olhando para o editor. Teve dificuldade para vencer a pasmaceira.
– Manda brasa! – emendou o editor, apontando para o computador.
Ele se deixou desabar na cadeira. Teve de se esforçar para se livrar da prostração trazida pelo choque e ligar o computador.
Valério Dias estava morto.
O técnico que era o herói das torcidas de quatro clubes gigantes do país, com passagem muito digna pela seleção e o feito de ter criado uma vencedora e celebrada escola de treinadores. E ele de ressaca, tendo de escrever o obituário de uma lenda. Mas a coisa era muito mais complexa que isso.
Pensou que seu editor ou era um baita filho-da-puta ou um dos melhores sujeitos que já encontrara em sua vida.
Aquele bate-boca com o técnico lhe custara o emprego no jornal em que trabalhava havia mais de 20 anos. Mais que isso, lhe rendera o tipo de condenação que fica estampada na cara de cada colega, mesmo daqueles que ele considerava os mais próximos, quem sabe até mesmo amigos. Isso sem contar as portas fechadas, sabia-se lá por quanto tempo, talvez para sempre, no seu clube do coração.
Ele chamara Valério Dias de “ultrapassado” e “arrogante” no meio de uma entrevista coletiva. Valério Dias, em resposta, o chamara de “ignorante” e “venal”.
Então ocorre que, menos de um ano depois daquele evento sombrio que transformou João Carlos Nunes Filho numa espécie de pária na comunidade jornalística local (e não apenas na comunidade local), Valério Dias morre aos 67 anos, vítima de um infarto no começo de uma madrugada em que ele, o próprio estereótipo de jornalista veterano cuja carreira iniciava imparável descida em direção ao ocaso, estava enchendo a cara em um bar perto da rodoviária, sozinho e com o celular descarregado.
“Puta que pariu”, ele pensou, e decidiu que escreveria aquele obituário da melhor forma que pudesse, produziria o melhor texto que conseguisse. Que fosse seu último texto decente nesta porra de vida sacana.
Sentiu vontade de fumar. Pensou em descer para pitar, mas não levou a ideia adiante. Perguntou-se se devia ir até a copa, mas decidiu que não faria aquilo também. Era tudo procrastinação. Ele podia ter muitos defeitos, e com certeza os tinha, mas um deles não era a covardia.
Pôs-se a escrever.
A tentar escrever.
“Se liga, porra. Acerta logo o tom desse negócio”.
Então digitou:
“Morreu na madrugada desta segunda-feira…”
Deletou. Este não poderia ser um texto burocrático.
Ficou olhando para a tela em branco. Porra, um cigarro ajudaria. Só um cigarrinho.
“Um infarto na madrugada desta segunda-feira tirou a vida do técnico Valério Dias, 67 anos…”
Deletou. Começar o texto com a causa da morte? Ele se perguntou, com irritação, se não deveria pedir uns conselhos ao estagiário.
Deu uma rápida olhada para o fundo do aquário e viu que o editor o estava observando, sem sequer se dar ao trabalho de disfarçar. Pensou de novo no café. E no cigarro.
Digitou:
“O futebol perdeu na madrugada desta segunda-feira o técnico…”
Continuava protocolar, ele pensou. Continuava impessoal. Uma bela bosta.
Recostou-se na cadeira. Respirou profundamente duas, três vezes. Passou a mão nos cabelos ainda desgrenhados, um recuerdo da noite passada, tristemente embalada à cerveja e tequila. Ah, se arrependimento matasse (ou se pelo menos aliviasse a ressaca)…
Um cigarro. Um café. Talvez uma fuga a toda velocidade para casa ou para lugar nenhum. Um copo até a boca de uísque sem gelo.
Mas não era um covarde.
Abriu mais um botão da camisa, passou a mão no pescoço, tocou o terço que usava há muitos anos, presente da madrinha.
E então digitou:
“Uma vez, em uma entrevista coletiva, eu o chamei de ultrapassado e arrogante. Ele respondeu dizendo que eu era ignorante e venal. Nós nos ofendemos. Eu perdi meu emprego. Mas isso, de todos os danos, foi o menor”.
Ele olhou para as palavras que acabara de alinhar, pesando-as uma a uma. Já não sentia mais vontade de fumar nem de beber nem de fugir.
“Agora, sim, temos um bom começo”, ele pensou.
E deu prosseguimento – a muito custo, com o necessário e inevitável sofrimento, enfrentando seu ego, numa empreitada irreversivelmente transformadora – à construção daquele que seria, de todos os textos que já escrevera, o mais honesto e, exatamente por isso, o melhor.
BOTAFOGO SEGUE O CAMINHO DO CRUZEIRO
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Quando o Vasco fez 1 x 0 fui dormir porque sei que o Botafogo não tem time para reverter um resultado e, pela manhã, não fiquei surpreso ao concluir o placar final: 3×0. Tenho 71 anos e ao longo dessa estrada venho acompanhando as destruições causadas pelos dirigentes, sanguessugas, destruidores de patrimônio, coveiros da memória. Vocês têm notícia de algum presidente, diretor, gerente, conselheiro ou vice preso? Não estão encarcerados e, pior, aproveitam-se da popularidade de alguns desses clubes, candidatam-se a cargos políticos. E me expliquem o que leva alguém a querer administrar, presidir, um clube falido?
Os clubes trocam de técnico como se bebe água, acumulam dívidas e deixam o abacaxi para as administrações seguintes. A CBF deveria dar uma freada nessa dança de cadeiras, pois é um jogo de interesses que só prejudica as instituições porque de alguma forma essas dívidas terão que ser pagas. E aí começa a dilapidação do patrimônio. Na Segunda Divisão, isso foi vergonhoso. Outro dia, vi a Portuguesa de Desportos comemorar a vitória em um torneiozinho. Portuguesa, de Enéas, Leivinha, Marinho Peres, Ivair, Badeco, Elói, Dener, Zé Maria, Djalma Santos, Julinho e Servilho. Jairzinho, o Furacão da Copa, já atuou pelo Noroeste. Por anda esse clube?
Muitos jogadores em fim de carreira atuaram pelo Nacional e Rio Negro, ambos de Manaus, pelo Operário, de Mato Grosso, e tantos outros. Os clubes estão minguando, a história se esvai pelos bueiros e ninguém faz nada. Os estádios são reduzidos, a torcida migra para outras modalidades e só nos restam as lembranças. O Cruzeiro correu o risco de cair para a Terceira Divisão, os times do subúrbio carioca foram soterrados por administrações desastrosas.
O Botafogo vinha falando de clube empresa e aguardava cair do céu a ajuda de uma família rica. “Quem dorme sonha, quem trabalha conquista” ensina a mensagem que vem colada aos pacotes de balas, que os meninos penduram nos retrovisores dos carros, nos sinais de trânsito. Botafogo, Portuguesa e Cruzeiro já conquistaram, viveram dias de glória, mas pelo jeito seus últimos presidentes não seguiram os ensinamentos da garotada dos sinais e agora estão engarrafados, sem saída, presos em um sinal vermelho que talvez não fique verde nunca mais.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ACÁCIO
Nascido na cidade de Sobral, no Ceará, Antônio Carlos Gomes Moreira Belchior Fontenelle Fernandes já era o consagrado Belchior (1946-2017) quando compôs os versos de Divina Comédia Humana, em 1991, e logo na introdução da canção cita um goleiro:
“Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol
Quando você entrou em mim como um Sol no quintal
Aí um analista, amigo meu, disse que desse jeito
Não vou ser feliz direito”… ou seja, essa música é capaz de captar a realidade de uma forma logopathos (emoções+lógica), segundo o filósofo grego Aristóteles.
Mas se ouvir as músicas de Belchior é como o ato de retirar o ‘capuz mágico’ que nos impede de captar a realidade em prosa e verso de suas canções, o que dizer de Acácio Cordeiro Barreto desnudo de dúvidas botou na cabeça que seria goleiro de futebol?
Convenhamos, não existe ingratidão maior do que vestir a camisa número 1, usar as mãos para defender e não os pés para atacar, calçar luvas e ficar parado numa determinada faixa do campo (a grande área) esperando a bola chegar para participar do jogo.
Mas explica isso para Acácio, que se tornou profissional dos 17 anos no gol do Americano e pensa que ser goleiro é ser herói e vilão numa bola vadia. É querer evitar o inevitável sempre achando, lá no fundo, que dava pra defender o mais indefensável dos chutes.
Para ele que vestiu com maestria a camisa 1 do Vasco da Gama, ser goleiro é jogar um jogo coletivo de forma quase individual e depois de uma grande defesa, ainda que não te agradeçam, saiba que você é tão importante quanto o atacante.
Que os digam os 915 minutos sem tomar gol no campeonato brasileiro de 1988, tornando-se o quarto arqueiro a ficar tanto tempo sem ver suas redes desvirginadas pelo ímpeto das bolas salientes e libidinosas.
Mas Acácio soube reconhecer suas falhas em momentos inconvenientes e sabe melhor do que ninguém, que falhas fazem parte, pois só quem joga lá sob as traves sabe o quanto defesas que parecem fáceis podem ser bem mais difíceis do que se espera.
Enfim, ser goleiro como Acácio foi é ser o coração do time, mesmo num jogo onde o principal objetivo você deve evitar: o gol!
O Museu da Pelada traz Acácio, um dos maiores goleiros do Vasco, do futebol brasileiro e que bateu um papo descontraído para a série Vozes da Bola.
Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda
Como foi a infância do pequeno Acácio Cordeiro Barreto em Campos dos Goytacazes?
Minha infância foi cercada de cuidados porque eu venho de uma família de sete irmãos e sou o caçula. Minha infância resumiu-se ao colégio e jogar futebol. Eu jogava em um time chamado São Cristóvão, que ficava próximo à minha casa, e ali a coisa mais ou menos começou. Eu tinha um amigo com bom relacionamento com pessoas do Americano e acabei indo jogar lá. Na época era dente de leite e foi nesse momento que iniciei no futebol.
Acácio, como foi o começo de sua carreira em 1978?
Foi no Americano. Vale frisar que em Campos sempre existiu uma rivalidade muito grande entre três clubes: Americano, Goytacaz e Rio Branco. Lembro que fomos campeões invictos no dente de leite, e eu como goleiro menos vazado do que o rival, que era do Goytacaz, time que torcia na minha infância. Coisas do destino e do futebol. Após ter sido campeão pelo Americano no dente de leite, preferi ir para um outro clube de menor potencial que era o Municipal Futebol Clube. Lembro que essa escolha teve um peso ainda maior porque amigos meus estavam jogando no Municipal e o treinador era um ex-goleiro chamado Paulo. Na minha concepção, eu tinha certeza que eu sendo treinado por um ex goleiro eu iria melhorar muito a minha condição técnica e foi por esse motivo a minha opção de mudança do Americano para o Municipal.
Antes de chegar ao Vasco, em 1982, você foi o camisa 1 do Rio Branco-RJ, clube em que foi titular com apenas 17 anos. Como foi essa experiência?
Eu estava jogando pelo Municipal Futebol Clube aos 17 anos e aconteceu uma história curiosa, pois pouca gente sabe e vai ser legal os leitores do Museu da Pelada ficarem sabendo. Eu estava no colégio assistindo aula quando a diretora pediu licença, entrou e dirigiu-se em minha direção dizendo que tinha alguns senhores lá na sala dela que queriam falar comigo. A professora me liberou e acabei indo lá para falar com aqueles homens. Conversamos e eles falaram que tinham passado na minha casa e conversado com meu pai e que ele havia assinado um contrato, e que se eu assinasse, seria profissionalizado com 17 anos pelo Rio Branco de Campos. A gente sabe que, quando o pai assina, é uma obrigação nossa respeitar essa assinatura. O que eu fiz foi respeitar a assinatura do meu pai e assinei com o Rio Branco aos 17 anos, me tornando profissional. Basicamente, eu me tornei titular no Rio Branco e joguei por dois anos. Em seguida, fui emprestado para o Comercial-MT, onde treinei por um tempo, mas não quis ficar, pois era muito novo e estava longe dos amigos e familiares. Retornei ao Rio Branco, fui emprestado para o Goytacaz e retornei seis meses depois. Entre idas e vindas de empréstimos, em 1978, meu pai faleceu e a pessoa que me dava a maior estrutura no futebol, além dos meus irmãos. Depois disso eu pensei em abandonar o futebol. Prestei vestibular de Direito em Campos e fui aprovado. Minha ideia era essa, ou seja, largar o futebol e fazer a faculdade. Certa vez, era início de janeiro, estava em casa, e o Ronaldo Soares Bastos, supervisor do Serrano de Petrópolis, que já havia trabalhado comigo no Goytacaz, me convidou para fazer um teste no Serrano. Eu disse que não iria porque não queria mais saber de futebol e faria minha faculdade de Direito. Ele entrou em contato com o Ricardo Batata, um amigo meu, sem eu saber, para ele me convencer a treinar lá no Serrano. O Ricardo foi na minha casa, conversou comigo e me convenceu a conhecer a cidade. Como estava de férias mesmo eu fui. Era época de muitas chuvas no Rio, em 1980. Lembro-me como se fosse hoje a serra de Petrópolis quase fechada, árvores caídas, muito frio. Numa sexta-feira o Ronaldo foi me buscar na rodoviária com um casaco e tremendo de frio. Passei um fim de semana lá. Na segunda-feira, fui ao treinamento, descemos a Serra Velha e fomos em Pau Grande, Magé, cidade do Garrincha, onde o Serrano fazia alguns treinamentos para poder preservar a condição do gramado do seu estádio. Logo no meu primeiro coletivo, cujo treinador era o Denílson, ex-atleta do Fluminense, conhecido como o Denílson Rei Zulu, acabei voltando para Petrópolis onde fui selecionado para ir a Campos e que era para tentar um acordo com Rio Branco para ser contratado pelo Serrano.
Destaque no Serrano, de Petrópolis, e no Campeonato Carioca de 1980, você fechou o gol contra o Flamengo de Zico & Cia. Pode nos contar um pouco dessa partida histórica para o time petropolitano?
Em 1980, pelo Serrano, tivemos um jogo histórico que marcou todos os atletas do Serrano Futebol Clube. Foi a célebre partida contra o Flamengo de Zico, Júnior, Adílio, Tita, e Cia. Nós ganha por 1 a 0. De vez em quando as pessoas me perguntam qual a maior partida que eu fiz na minha carreira? É lógico, que fica sempre aquela que você conquista títulos, porque isso é o que marca na carreira de um jogador de futebol. E aí, as pessoas logo lembram do jogo contra o São Paulo, no Morumbi, em 1989, onde fui campeão brasileiro pelo Vasco. Mas de todas as partidas que joguei em toda carreira, sem sombra de dúvidas, a maior delas foi contra o Flamengo, em Petrópolis, vitória nossa com gol do Anapolina. E pouca gente sabe que eu estava nessa partida, porque, infelizmente, no futebol, só fica marcado quem faz o gol. Quando se fala de Serrano x Flamengo, as pessoas citam muito mais o Anapolina do que eu, e poucos sabem que eu estava nesse jogo. Mas pouquíssimas pessoas têm ciência disso. Mas reafirmo que foi a maior partida que eu fiz em toda minha carreira. Depois desse jogo contra o Flamengo, começaram a me olhar de uma outra forma. Muitas equipes se interessaram na minha contratação mas nada concreto. Fiquei mais um ano no Serrano, até 1981, e nesse período o Guarani despertou interesse em mim, mas já estávamos conversando com o Vasco e fui contratado fazendo minha estreia em 1982.
Sua chegada ao Vasco foi marcada por uma missão árdua: assumir o lugar de Mazaropi. Na reta final do campeonato de 1982, o então técnico do Vasco Antônio Lopes, modificou cinco posições do time, a começar pelo goleiro, e assim você passou a titular no lugar do Mazaropi. Como encarou o desafio?
Assinei meu primeiro contrato em janeiro de 1982 no Vasco e saí em 1991. Foram nove anos e meio como jogador do Vasco da Gama. Confesso que não foi fácil! Meu início foi muito difícil porque eu lutava pela posição de titular contra um goleiro que tinha uma história linda no clube, cria do Vasco chamado Mazaropi, goleiro este com títulos incontestáveis. Mas em 1982, ano de Copa do Mundo, no início do segundo semestre, houve a Copa dos Campeões e o Mazaropi estava sem contrato. Recordo-me que joguei essa competição e fui muito bem. Depois veio o Campeonato Estadual que o Vasco não ganhou turno nenhum, porém, somou mais pontos que os campeões do turno e returno, e se não me falha a memória, foram o Flamengo e o América. Mas houve um Flamengo e Vasco em que o nosso treinador Antônio Lopes, mesclou a equipe e um desses jogadores fui eu. Jogamos bem e ganhamos por 3 a 1 do Flamengo. Eu fiz uma partida muito boa. Na semana da decisão, estávamos sentado no gramado e alí mesmo o Antônio Lopes já começou a falar que ia fazer algumas alterações para o primeiro jogo da decisão, que seria entre América e Vasco. Uma delas seria eu entrar nesse jogo decisivo no lugar do Mazaropi. Ganhamos de 1 a 0 com gol do zagueiro Ivan e fiz uma partida espetacular. Em seguida o Flamengo vence o América, e a final fica entre Flamengo e Vasco, ano em que conquistei meu primeiro título em cima do Flamengo. Vale ressaltar que foi o mesmo Flamengo que havia perdido dois anos antes para o Serrano, quando eu era goleiro lá. Mas esse título foi especial por ser contra um grande time do Flamengo, campeão Brasileiro, campeão da Libertadores, do Mundial.
Durante nove anos seguidos, você se tornou o dono absoluto da camisa 1 vascaína, com exceção apenas no ano de 1984, quando fez revezamento com outro grande goleiro. Como era a convivência de vocês e o que aprendeu com ele?
Em 1983, o Vasco contratou um goleiro chamado Roberto Costa, que havia feito uma campanha excepcional pelo Atlético Paranaense naquele ano. A partir dali, eu tinha uma sombra, já que é muito bom para que a gente não se sinta titular absoluto e se acomode. Isso foi muito importante para mim, pois ficamos fazendo um revezamento com ele em que joguei algumas partidas e ele permaneceu titular por alguns jogos em 84 chegando a ser convocado para a seleção brasileira quando o treinador era o Edu, irmão do Zico. Mas depois eu retornei e com muito trabalho retomei a titularidade para nunca mais sair da equipe do Vasco.
Em 1987 e 1988, o Vasco conquistou o bicampeonato Carioca em cima do Flamengo que tinha um super time, campeão da Copa União.
O Flamengo sempre foi nosso maior rival, no entanto, sempre encarei qualquer jogo com seriedade e profissionalismo. Não existe jogo motivacional, pois penso que jogo é jogo, e sempre entrei nos jogos concentrados para vencer. O bicampeonato de 87 e 88, foi contra o Flamengo. Em 87, o gol do Tita, e em 88, o gol do Cocada, acabaram ficando na história porque o Cocada era reserva, entrou aos 42 minutos, fez o gol aos 43 e foi expulso dos 44. Mas foi o que ficou na história e é como eu sempre digo, é uma pena, mas o goleiro às vezes, faz uma partida espetacular, garante o resultado e não é muito comentado nem em partidas como essas duas. É bom ressaltar que estou comentando isso não porque fico triste, muito pelo contrário, me dá satisfação imensa lembrar dessas conquistas, mas parece que os gols tanto do Tita como do Cocada, parecem ter mais valor e é mais falado que a minha atuação junto com meus companheiros de defesa que foram brilhantes também nesses títulos.
Na Copa União de 1987, Flamengo e Vasco se enfrentaram em um jogo marcado pela polêmica e violência. No entanto, o segundo gol da vitória rubro-negra, em cobrança de pênalti, você abraçou o Zico e deu uma força para ele que um ano antes havia perdido um pênalti na Copa do Mundo do México em 1986. Lembra dessa partida em que o Vasco perdeu por 2 a 1? O que você disse para o camisa 10 do Flamengo?
O campeonato brasileiro de 1987 foi muito difícil para todos, pois existia uma briga pelo poder entre clubes e CBF. Tanto que o nome daquela competição foi Copa União, exatamente porque o futebol brasileiro naquele ano precisava de união. Entretanto um ano antes, em 1986, na Copa do Mundo do México, o Brasil foi eliminado nos pênaltis pela França e durante o jogo o Zico perdeu um pênalti que poderia ter levado o Brasil para próxima fase (semifinal). No retorno do Zico ao Brasil, um ano depois daquela eliminação, Flamengo e Vasco se enfrentaram pela Copa União. Lembro que nós perdemos para o Flamengo por 2 a 1 e o gol da vitória deles foi um pênalti cobrado pelo Zico, em que ele bate, eu vou na bola e ela passa próxima da minha mão. Depois do gol, eu me levanto e abraço o Zico em respeito pelo profissional, pelo ser humano, independente de ser adversário, tem que reconhecer o ser humano que ele é, a pessoa e o atleta exemplar. E eu o abracei em reconhecimento a tudo isso e também por ter, além disso, cobrado bem aquele pênalti. Mas vale frisar que durante toda semana a torcida do Vasco comentou que eu tinha deixado o gol do Zico com “peninha” dele e essas bobagens todas. Foi tanta coisa que eu ouvi do torcedor do Vasco, sabe? Jamais eu me sujeitaria a uma coisa dessa. Sempre fui profissional e se tivesse que pegar o pênalti do Zico eu pegaria, pois fui na bola para defendê-la, apesar de achar que o Zico merecia sim, fazer aquele gol e provar que todo jogador de futebol é passivo de erro. Mas por respeito aos torcedores vascaínos e pela lisura do futebol, eu sempre tive esse cuidado em respeitar as coisas e sempre fui honesto com meus princípios. Mas essa história acabou marcando porque os torcedores do Vasco acharam que eu deixei aquele pênalti entrar.
Na história do campeonato brasileiro, você é o quarto goleiro que ficou mais tempo sem tomar gols, feito de 1988, com impressionantes 915 minutos, sendo superado por Rogério Ceni do São Paulo em 2007 com 988 minutos; Leão do Palmeiras em 1973 com 1.057 minutos; e Jairo do Corinthians em 1978 com 1.132 minutos. O que esses números representam na sua carreira e o que você acredita ter sido fundamental para ficar tanto tempo sem tomar gol?
Eu joguei nove anos e meio pelo Vasco e foram nove anos e meio maravilhosos. Mas eu tive três anos importantes com a camisa do Vasco que foram em 1987, 1988 e 1989. No entanto muito mais marcante do que os outros anos foi o ano de 1988, já que que eu fiquei 915 minutos sem tomar gols e sendo superado dezenove anos depois por Rogério Ceni, em 2007. O motivo desse recorde é o goleiro reconhecer que o mérito não é só dele, e sim, de toda equipe, pois a marcação começa lá na frente com os atacantes. Então, nada mais justo do que dividir com meus companheiros essa importante marca que é um recorde que me orgulha muito. Esse período em que fiquei no Vasco me ajudou muito, principalmente, o ano de 1988, pois pude jogar a Copa América de 1989 e a Copa do Mundo da Itália em 1990. Essa longevidade sem tomar gols contribuiu para isso.
Você foi convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira em 1989 e participou da conquista da Copa América daquele ano como reserva. Como foi conquistar um título tão aguardado e como era a disputar a titularidade com Taffarel?
Vivi quatro anos consecutivos maravilhosos em São Januário. Conquistei os bicampeonatos contra o Flamengo, depois o Brasileiro de 89 contra o São Paulo e meu caminho para a seleção brasileira foi se tornando acimentado. Fui convocado pelo Sebastião Lazaroni, treinador no Vasco em 87 e 88, e em alguns momentos, até briguei com o Taffarel pela camisa 1. Mas era indiscutível que o Taffarel seria o titular, jogador que iniciou sua carreira no Internacional muito novo e já disputando títulos. Foi muito cedo para Europa jogar na Itália, então, isso tudo isso ajuda na escolha do treinador. Mas o Taffarel nem se discute, dispensa comentários e fomos campeões juntos na Copa América. Ele, titular, e eu, seu reserva, o que não me inferioriza em nada. Pelo contrário, foi uma conquista importante na carreira.
No ano de 1989, além de levantar o caneco do tricampeonato do Troféu Ramón de Carranza (em 87 e 88 os títulos foram vascaínos), você contribuiu de forma efetiva fechando o gol no segundo título nacional do Vasco, na decisão contra o São Paulo, em pleno Morumbi. Como foi aquele título?
Depois de ganhar a Copa América no Brasil, em 89, eu conquistei dois troféus Ramón de Carranza, torneio importantíssimo disputado na Espanha. Se você for visitar São Januário e entrar nasala de troféus, você vai ver três taças Ramón de Carranza, dos quais duas eu ajudei a conquistar. São os três troféus mais bonitos de São Januário, não os mais importantes, mas os mais bonitos que têm lá dentro. Para fechar com chave de ouro esses três anos espetaculares que tive no Vasco em 87, 88 e 89, vem o Brasileiro e a decisão contra o São Paulo no Morumbi. Foi um título inesquecível com a vitória por 1 a 0, gol do Sorato Fiz uma partida para ficar guardada no coração do torcedor vascaíno. Lembro de duas defesas extremamente difíceis que garantiram o título. Uma delas foi especial, milagrosa em que o jogador do São Paulo dá uma cabeçada para o chão e eu vou lá buscar. Mas graças a Deus deu tudo certo, quebramos um jejum de 15 anos sem título brasileiro e essa conquista foi muito importante para minha carreira.
Ainda em 1989, você quase barrou Taffarel às vésperas do Mundial de 1990, no entanto, após levar quatro gols em uma partida amistosa contra a Dinamarca, em uma tarde de sol em Copenhagen. Porque Acácio não repetiu as boas atuações naquele jogo? O que houve ali?
Neste jogo contra a Dinamarca só jogaram atletas que atuavam no Brasil. Infelizmente, por obra do destino, acabamos perdendo por 4 a 0 da Dinamarca. Me lembro bem desse jogo. Não tive uma boa perfomance, mas o time todo não esteve bem. Não tive culpa nos gols sofridos sendo um deles de penalti. A seleção dinamarquesa era espetacular e regida pelo grande Michael Laudrup, um grande jogador à época. Mas mesmo com essa atuação nesse jogo e bem próximo da Copa do Mundo da Itália, quase houve uma indecisão do nosso treinador sobre o goleiro que começaria jogando, porque os problemas com a premiação com o patrocinador afetaram a parte psicológica do Taffarel. Mas ele contornou a situação, foi titular daquele mundial e acabou escrevendo uma bonita história na seleção brasileira.
Na Copa do Mundo de 1990 na Itália, na condição de segundo goleiro, como foi fazer parte daquele Brasil, que até hoje, é chamado por parte da imprensa ‘Era Dunga’?
A seleção brasileira de 1990 tinha todas as condições de conquistar a Copa do Mundo da Itália. Mas ela saiu daqui com muitos problemas e isso começou quando, nós jogadores, descobrimos que o valor da premiação que nos apresentaram não era verdadeira. Isso gerou um desconforto enorme no grupo e decidimos que os jogadores e comissão técnica iriam tapar na foto oficial o patrocinador master que vocês sabem quem era. Ficou também decidido que membros da comissão técnica como roupeiros, massagistas e outros, não fariam isso, ou seja, não tapariam o patrocinador na foto oficial, para não serem prejudicados. Quando chegamos na Itália o valor total do dinheiro em dois envelopes, um sendo divididos apenas pelos jogadores, e o outro com toda comissão técnica que não taparam o patrocinador, um problema seríssimo. Este fato rachou o grupo totalmente. E aí você vai para uma Copa do Mundo com esses problemas internos que acabam interferindo no desempenho dentro de campo. E deu no que deu, fomos eliminado pela Argentina numa partida em que o Maradona fez uma única jogada e o gol do Caniggia nos eliminou. Mas depois o Brasil perdeu gols incríveis. Foi melhor na partida e acabou sendo eliminado da Copa do Mundo precocemente. Infelizmente, ficou marcado pela “Era Dunga’ injustamente, porque o Dunga foi um jogador com uma breve passagem pelo Vasco em 1987, ano em que jogou a Taça Guanabara. Foi um atleta exemplar, de um caráter irretocável e personalidade acima da média, que ficou marcado. Mas ainda bem que depois ele conseguiu reverter toda aquela situação e se tornou campeão e nosso capitão na Copa do Mundo seguinte.
Qual goleiro foi fonte de inspiração para você?
O melhor que eu vi jogar foi o Manga. Ele, na época que jogava no Botafogo, eu lembro que fui emprestado pelo Rio Branco de Mato Grosso, e na oportunidade, fui ver um jogo entre Operário x São Paulo em que o Manga teve uma atuação simplesmente espetacular. Depois desse dia eu me inspirei nele e quis ser goleiro profissional.
E o melhor preparador de goleiros com quem trabalhou?
Eu não poderia citar o melhor preparador de goleiros porque seria uma injustiça da minha parte. Na minha carreira, graças a Deus, tive bons preparadores. Alguns iniciaram a carreira comigo e se tornaram grandes profissionais. Por exemplo, eu poderia citar o Nielsen, que foi meu treinador quando iniciei a carreira no Vasco, e anos depois, chegou à seleção brasileira, treinando-me, assim como o Taffarel e o falecido Zé Carlos. Tive também um grande treinador chamado Jair e que era do Rio Grande do Sul. Ele muito importante na minha vida. Tive o Jair Bragança, ex-goleiro do Vasco na época do Andrada e do Mazaropi, campeão brasileiro em 1989 com a gente e meu amigo até hoje. Então seria muito injusto em citar o melhor, mas te afirmo que esses citados foram os melhores que passaram enquanto fui goleiro.
Ano passado o Maracanã completou 70 anos. Quais as suas recordações do estádio?
O ano de 2020 foi difícil para todos nós, mas tenho algumas lembranças boas e positivas. Uma delas foi o aniversário do Maracanã, que comemorou seus 70 anos. Foi mais que um simples estádio de futebol, pois um palco em que tive a oportunidade em ter conquistado três títulos estaduais e onde fiz grandes jogos. Costumo dizer que o Maracanã, assim como São Januário, eu conheço na palma da minha mão.
Qual foi o melhor Vasco que você viu jogar?
O melhor time que foi Acácio, Paulo Roberto, Fernando, Donato e Mazinho; Zé do Carmo, Geovani, Tita e Bismarck; Roberto e Romário.
Ao longo de sua história, o Vasco teve grandes goleiros como Nelson da Conceição, Jaguaré, Barbosa, Andrada, Mazaropi, Roberto Costa, você, Carlos Germano, Fábio e tantos outros. Na sua opinião, porque – com exceção de Barbosa em 1950 – nenhum foi titular numa Copa do Mundo?
A história do Vasco da Gama sempre foi recheada por grandes goleiros, como Nelson da Conceição, e Jaguaré. Esses eu não os vi jogar, assim como Barbosa. Depois tivemos Andrada, Mazaropi, aí vem a minha geração no início da década de 1980 e na década seguinte a do Carlos Germano, em 1990. Depois tivemos Hélton, Fábio e muitos outros que eram crias das categorias de base do clube. No meu caso, especificamente, cheguei aos 21 anos, muito jovem, me sinto como se tivesse começado ali em São Januário. Agora sobre os grandes goleiros do clube não terem sido titulares na seleção brasileira, com exceção do Barbosa, é questão de momento a explicação para isso, né? Eu acho que o futebol é momento, e quando fui convocado, lembro bem que chegamos a fazer um revezamento com o Taffarel, mas são coisas que acontecem na vida profissional do goleiro. Eu era o goleiro titular na derrota para a Dinamarca por 4 a 0 no amistoso em 89 e, em seguida, entra o Taffarel no jogo seguinte e a seleção ganha. Independente da atuação, ele permanece como titular. Assim é o futebol. E teve também a geração do Carlos Germano que escreveu uma história linda no Vasco com vários títulos conquistados e o mais importante: foi o goleiro do centenário em 1998 na Copa Libertadores, que é o título mais importante da linda história do Vasco. No entanto, ele é convocado em seguida para a seleção, mas tem que encarar o Taffarel, campeão do Mundo em 1994, para brigar pela camisa 1. É complicado, né? O mais importante na minha opinião é o Vasco ter jogadores convocados para fazerem parte do grupo na seleção, coisa que aliás, há muito tempo isso não acontece.
E como foi o “Jogador de jogo grande”, apelido popularizado por Romário na época do Vasco?
Às vezes minhas atuações em competições eram razoáveis, sem cometer falhas, no entanto eu crescia quando chegava em jogos importantes ou decisivos. E o Romário me deu esse apelido, porque ele viu as minhas atuações em grandes jogos e com toda humildade do mundo, reconheço isso (risos). Então, a gente tem que falar a verdade e eu fui um goleiro de jogos decisivos pelo Vasco da Gama. Isso não tenho dúvidas!
Como tem enfrentado esse isolamento social?
Em relação a esse momento que nós atravessamos, minha vida é como a de todos que têm consciência do momento. Tenho me preservado muito, saindo pouco, torcendo para que essa vacina venha logo e que a gente consiga passar dessa situação o mais rápido possível. Infelizmente, tem muitas pessoas que não têm a consciência do grave momento que estamos atravessando. Rezo muito a Deus que ilumine a todos e, principalmente, os governantes, que consigam liberar essa vacina e que a gente possa passar por isso com mais tranquilidade.
Como definiria Acácio em uma palavra?
Eu me definiria como uma pessoa amiga.
COMO VAI VOCÊ, ABEL?
por Marcelo Mendez
Nem tudo no mundo do futebol, mesmo esse futebol elitizado que passa na TV, é tão somente resultado. Vejamos o caso de Abel Braga; Eu não tenho outra vontade nesse caso, além de perguntar…
“Abel, como vai você?”
A primeira vez que soube de Abel treinador foi em 1988, quando ele levou um time limitado do Internacional de Porto Alegre para a decisão do Campeonato Brasileiro, frente ao ótimo time do Bahia que acabou sendo campeão daquele ano. Mas o time de Abel era diferente.
Não tinha maiores aventuras táticas, grandes craques, tão pouco maiores revoluções ludopédicas. O que diferenciava o seu time era o coração de Abel Braga. À frente daquele time, Abel jogava, vivia, sofria e amava junto com seu grupo de jogadores. Virou um Grenal no berro, na motivação, com um jogador a menos, conseguindo uma virada insólita e daí deram a alcunha de “Grenal do século” para esse jogo. Na verdade, o épico ali era o Abelão.
Abel faz parte daquilo que a gente chama de um boa gente. Cara justo, correto, bacana, humano, demasiado humano, paizão, ele tem as coisas que o futebol precisa para ser algo bom para todos nós que gostamos, que trabalhamos com essa coisa. Ao longo de décadas, à frente de dezenas de clubes, Abel não mudou essa sua característica. Seguiu sendo o amigão de geral e conquistou tudo na profissão. É um homem bem-sucedido, pelo qual mesmo de longe, a gente torce pra que ele seja feliz.
Quando aconteceu o grande drama de sua vida, a perda do filho, nós, que sabemos de Abel, sofremos junto. Bom, portanto ver que ele deu a volta por cima, voltou a trabalhar e mesmo que sem aquele brilho, sem aquela labareda de intensidade saindo dos olhos, continua indo bem na profissão. Agora, de volta ao Internacional.
Abel, que não é o mais moderno dos técnicos, já conseguiu meter cinco vitórias seguidas no Brasileirão e traz o Inter de volta ao sonho de voltar a ser campeão brasileiro. São três pontos a menos que o líder São Paulo e um confronto direto no Morumbi para voltar a sonhar. Bem…
Eu não sei se o Internacional será campeão brasileiro, tampouco tenho essa obrigação de ser adivinho. Mas os fatos já provam que Abel novamente deu a volta por cima e se reinventou para o futebol. A nós, jornalistas, fica a dica:
Criticar o que se vê, sim essa é nossa função. Mas aposentar sumariamente, não.
Deixa o Abelão emocionar!
MUNDIALITO, 40 ANOS
por Rubens Lemos
Entre 30 de dezembro de 1980 e 10 de janeiro de 1981, a FIFA reuniu as seleções campeãs do mundo e a Holanda vice nas Copas de 1974 e 1978 para o Mundialito do Uruguai. Celebração dos cinquenta anos do primeiro mundial. A Inglaterra, que fundou o futebol e assaltou a Alemanha Ocidental para conquistar sua taça em 1966, esnobou o torneio.
No grupo encabeçado pelos donos da casa, Uruguai, Itália e Holanda. Na outra chave, brindada com o clichê da morte como limite do equilíbrio, Argentina, Alemanha Ocidental e o Brasil de Telê Santana, ainda desacreditado em casa pelos resultados normalíssimos em 1980.
O Uruguai preparou tudo para repetir 1930 e dedicou-se com a velha garra e a categoria de pelo menos três craques , a seguir, famosos no Brasil: o goleiro Rodolfo Rodriguez, muralha no Santos, o capitão e caudilho Hugo De Leon, campeão do mundo pelo Grêmio em 1983 e o elegante meia canhoto Ruben Paz, ídolo no Internacional(RS).
A Argentina desceu em Montevidéu vitoriosa por antecipação. Maradona estava fulgurante no Boca Juniors, magia em cada toque curto, lançamento, drible de tango e gols de monumento.
Com Rummenige, Hansi Müller, Allofs e Fischer, a Alemanha Ocidental, campeã da Europa, assustava pelo seu porte marcial e seu estilo pragmático, tático de guerra. Favorita tanto quanto a Argentina.
O Brasil de Telê Santana viajou desacreditado e sem três estrelas: Zico, Reinaldo e Falcão. Dois machucados e o outro não liberado pela Roma(ITA).
Sócrates era ilhéu de genialidade. Ainda não havia sinais de Leandro florescendo e a camisa 2 pertencia ao troncudo Edevaldo, revelado pelo Fluminense e apelidado com sutileza de Cavalo.
Há quatro décadas , a teimosia de Telê Santana causava úlceras e urticárias. No gol, os convocados foram Carlos, da Ponte Preta e o razoável João Leite, do Atlético Mineiro, que acabaria jogando as duas partidas decisivas.
Perguntado por Leão, melhor disparado do país, Telê disse que só o chamaria para ser titular e os seus prediletos pela ordem eram Carlos, João Leite, Marola do Santos e Valdir Peres.
Com duas vitórias de 2×0, tranquilas, o Uruguai classificou-se para a final(apenas o vencedor do grupo passava de fase). A Argentina venceu de virada a Alemanha em partida épica por 2×1 e, se ganhasse do Brasil, repetiria a decisão da Copa de 1930.
Maradona deu um drible indecoroso no zagueiro Oscar e fez 1×0, ensaiando um olé que deixou o Brasil de sangue quente. Raça havia apenas no volante Batista. O mamulengo Cerezo rodopiava improdutivo.
Um canhão do lateral Edevaldo decretou o empate brasileiro(1×1) contra a Argentina, que esperaria o resultado de Brasil versus Alemanha Ocidental. Os alemães fizeram 1×0 com Allofs, o que obrigava o Brasil a vencer por dois gols de vantagem.
O time de Telê Santana era especialista em desenhar esperanças que, no painel da bola, culminavam em frustrações. Em exibição irretocável, o Brasil ganhou de 4×1, gols de Júnior, Cerezo, Serginho Chulapa e do driblador Zé Sérgio, então no máximo da forma.
O país precisava da vitória para ser o de sempre: um crédulo gigante. Naquele veraneio ensolarado, samba e festejos de vingança ainda pela nunca digerida derrota da Copa de 1950 para os uruguaios no Maracanã. Venceríamos no Estádio Nacional “para dar o troco”. O Uruguai não precisou de maiores esforços para ser campeão. Ganhou de 2×1.
Ali, com Serginho Chulapa agredindo a bola e João Leite de Valdir Peres antecipado nas falhas bizarras, a seleção de Telê sinalizava o que desabaria um ano depois contra a Itália na Copa do Mundo: era um time que encantava para depois fazer chorar.
PS. Brasil perdeu com João Leite; Edevaldo, Oscar, Luisinho e Júnior; Batista, Cerezo e Tita(Serginho Chulapa); Paulo Isidoro, Sócrates e Zé Sérgio(Eder). Apenas João Leite, Tita e Zé Sérgio não foram à Copa do Mundo de 1982.