UMA NOVA OBRA DE ARTE
por Zé Roberto Padilha
Uma ação provoca uma reação igual e em sentido contrário. Desde que você tenha os pés da reação no chão. Para lhe dar a impulsão. E evitar o gol.
Os pés do Wanderley, e Gabigol atrasou um instante, esperou um segundo, estacionavam na tecla pause quando ele tocou suavemente para virar a partida.
Se fosse no velho oeste, seria um tiro desferido no exato momento em que a bala se alinhava no cartucho. Mal deu para mirar, quanto mais se atirar na direção da bola.
No tênis, uma passada no contrapé, no vôlei uma deixadinha enquanto subia para o bloqueio e, no basquete, uma enterrada desferida em meio ao adversário que descia.
Tudo muito rápido. Tudo muito mágico.
Parece que foi simples. De tão simples. Um chute de fora da área descrever uma curva e se alinhar nas redes adversárias. A riqueza e a magia residem no compasso fora do passo, uma bola atirada no inexato instante. Como esperar?
Há muito cobrávamos do futebol brasileiro uma nova obra de arte. Uma folha seca, um elástico, a bicicleta inventada por Leônidas da Silva. Ontem, foi inaugurada na galeria um novo quadro pintado por esse menino que um visionário chamou um dia de Gabigol.
Depois do que ele fez, só nos restava levantar da poltrona, desligar a tevê e ir dormir. O que mais poderia esperar depois de um Gabigolaço daqueles?
Hoje, pelas resenhas esportivas de todo o mundo, torcedores assistirão um gol que jamais conseguirao fazer. Porque não são brasileiros. Nem passaram o que muitos por aqui enfrentaram.
Nossos gênios da bola, como o aniversariante Romário, Zico, Ronaldinho, Neymar não levam para campo apenas marcas da colonização ou feridas da escravidão. Carregam no subconsciente rotas de fuga de um antepassado diante de qualquer forma de opressão.
E levam como trunfo a plasticidade da capoeira, na batida dos tambores, na ginga do samba, que lhes moldou miscigenados e carregados de recursos para burlar a marcação e se libertar definitivamente com um grito de gol.
Parabéns. E obrigado, Gabigol, por escrever essa nova obra de arte!
HISTÓRIAS DO MARACANÃ: ADEG INFORMA
por Victor Kingma
Nos áureos e românticos tempos do futebol carioca, tempos dos geraldinos e arquibaldos, termos popularizados no rádio esportivo por Washington Rodrigues, o locutor oficial do estádio, Victorio Gutemberg Volpato, era uma atração à parte.
Com sua voz característica e o famoso bordão “ADEG informa” (posteriormente “SUDERJ informa”), fazia a alegria dos torcedores. Principalmente quando informava os gols das partidas paralelas que iam acontecendo na rodada em outros estádios.
Ele tinha uma característica peculiar: após dizer em qual estádio estava ocorrendo o jogo, sempre fazia uma pausa e criava um suspense antes de informar o autor do gol e em qual partida.
No início dos anos sessenta, o Santos tinha aquele timaço e Pelé, no auge da carreira, fazia gols todo jogo.
O locutor, então, nos jogos do time da Vila Belmiro, costumava fazer uma brincadeira com a torcida: fazia uma pausa maior, para informar o óbvio: gol do rei do futebol.
De uma delas me lembro bem. No Campeonato Carioca de 1964, Fluminense e Vasco se enfrentavam no Maracanã, enquanto, no mesmo horário, Santos x Corinthians disputavam uma partida decisiva no Campeonato Paulista.
Terminado o primeiro tempo, o clássico paulista estava empatado em 2 a 2. Pelé ainda não tinha feito gol, para frustração do locutor.
Entretanto, mal começou o segundo tempo em São Paulo e o saudoso locutor entra em cena com sua voz empostada:
ADEG informa:
No Pacaembu… (e após longos segundos de pausa)
PELÉ!!! Terceiro gol do Santos.
Santos três, Corinthians dois!
Delírio da torcida.
Poucos minutos depois ele retorna:
ADEG informa:
No Pacaembu… (longa pausa)
PELÉ!!! Quarto gol do Santos.
Santos quatro, Corinthians dois!
Nova vibração da torcida!
Cinco minutos depois e nova intervenção:
ADEG informa:
No Pacaembu…
Mas antes que ele criasse o suspense para dar a informação, os quase 70.000 torcedores tricolores e vascaínos presentes no estádio entoaram o coro:
“PELÉÉÉÉÉ!!!”
E o lendário locutor, entrando na onda dos torcedores, apenas completou a informação:
Quinto gol do Santos.
Santos Cinco, Corinthians dois.
Até o final do jogo foi uma festa pois Pelé ainda faria mais um gol. O histórico jogo daquele 06/12/1964 terminou 7 a 4 para o Santos.
Saudosas histórias dos tempos românticos do Maracanã e do futebol.
TODOS PRECISAMOS PEDIR PERDÃO A ABEL BRAGA
Por Marco Antonio Rocha
Ridicularizamos Abel Braga. Ironizamos Abel Braga. Jogamos no lixo tudo o que Abel Braga conquistou ao longo de décadas. Decretamos o fim de Abel Braga. Reduzimos Abel Braga a memes de Facebook e figurinhas de WhatsApp. A sanha da imprensa pelo julgamento travestido de análise imparcial e a compulsão das redes sociais pela condenação transformaram Abel Braga em uma caricatura do fracasso.
O massacre começou quando o treinador comandava o Flamengo. E talvez tenha sido esse seu maior pecado: estar no lugar errado na hora errada. Ou as críticas teriam sido tão duras se Abel estivesse à frente de outro time? O Flamengo realmente poderia jogar muito mais, algo que de fato aconteceu com a chegada de Jorge Jesus (e de um punhado de reforços incontestáveis, diga-se de passagem). A intensidade com que os rubro-negros passavam por cima de seus adversários, à moda portuguesa, era a mesma com que a imprensa triturava Abel a cada análise do novo Flamengo.
Abel foi escorraçado do clube, apesar de ter sido campeão estadual, encaminhado a classificação na Copa do Brasil contra o Corinthians e terminado a fase de grupos da Libertadores em primeiro. Assim que assumiu a equipe, Jorge Jesus acabou eliminado pelo Athlético-PR, em um Maracanã lotado, e por pouco não seguiu o mesmo roteiro diante do Emelec, do Equador. Ah, se fosse o Abel…
Ainda sob contrato, viu a diretoria negociar com candidatos para substituí-lo. Já dispensado, teve que lidar com frases que o desqualificavam – vice-presidente de relações externas do Flamengo, Luiz Eduardo Baptista, o Bap, ao comentar as entrevistas que Abel dava, disse que “a gente discutia que ele deveria estar de sacanagem; a gente pensava ‘ou ele bebeu, ou estava drogado’”.
Quando chegou ao Cruzeiro e ao Vasco, ainda naquele 2019, o técnico carregava sobre os ombros o estigma da derrota. E logo foi embora da Toca da Raposa e de São Januário. A redenção, àquela altura, parecia impossível. Mas ainda restavam acréscimos para buscar a virada nesse jogo: o Internacional voava no Brasileiro, até ser surpreendido pelo anúncio de Eduardo Coudet, que decidira trocar o Beira-Rio pelo Celta de Vigo, da Espanha. Caberia a Abel assumir a vaga do argentino, justamente no clube onde conquistara a Libertadores e o Mundial. Deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre… Tchau!
Mas não demorou muito e o Internacional foi eliminado da Copa do Brasil pelo América-MG, nos pênaltis, e da Libertadores pelo Boca, da mesma forma, após uma vitória pouco provável em La Bombonera. Ah, se fosse no Flamengo…
O time despencava na tabela do Brasileiro e já parecia fora de combate quando passou a enfileirar vitória atrás de vitória. No domingo (24), alcançou a oitava consecutiva ao virar o clássico contra o Grêmio no minuto final, igualando o recorde de… Jorge Jesus. Sem festa da imprensa, sem pedidos para que assumisse a seleção, sem fazer parte de enquetes sobre o melhor técnico da história da Humanidade.
Abel Braga e Internacional nasceram um para o outro. Quando o clube gaúcho parece perto de conquistar o Brasileiro após 41 anos, o técnico está no lugar certo na hora certa. E aí poderemos dizer que foi lindo, cara…
CUIABÁ: APLAUSOS PARA O NOVO INTEGRANTE DA SÉRIE A
por André Luiz Pereira Nunes
Enquanto o Cruzeiro patina na Série B e o Botafogo é o lanterna da Série A, o Cuiabá Esporte Clube, de Mato Grosso, acaba de carimbar o passaporte inédito à divisão de elite do Brasileirão. A última participação de uma equipe mato-grossense ocorreu, em 1986, através do Operário de Várzea Grande, ainda em uma época em que a disputa era muito inchada devido ao excessivo número de integrantes.
Fundado, a 12 de dezembro de 2001, pelo saudoso Luiz Carlos Tóffoli, o renomado ex-atacante Gaúcho, de Palmeiras e Flamengo, o Dourado, apelido pelo qual é conhecido, surgiria inicialmente como escolinha de futebol. No entanto, logo passou a atuar nos certames de base do estado.
Não tardaria para que a agremiação auriverde expandisse suas atividades, passando também a disputar o quadro profissional. Logo na estreia, em 2003, chegaria à final contra o Barra do Garças. O prélio decisivo aconteceu no antigo Estádio José Fragelli diante da presença de 10 mil espectadores. O Cuiabá, além de conquistar o título, ainda participou de maneira inédita do Campeonato Brasileiro da Série C, tendo liderado o seu grupo na primeira fase. Posteriormente seria eliminado pelo Palmas, de Tocantins, esse mesmo clube que acaba de vivenciar uma tragédia na qual foram vitimados o seu presidente e quatro integrantes da equipe por conta da queda do avião em que estavam viajando.
Em 2004, sagrou-se bicampeão estadual, dessa vez batendo o União Rondonópolis, fora de casa, no Estádio Engenheiro Luthero Lopes. Entre 2006 e 2008, questões de ordem política e financeira o afastaram das competições. O retorno se daria apenas, em 2009, na segunda divisão, quando o time alcançou o vice-campeonato. Dois anos depois, conseguiu o seu primeiro acesso em nível nacional. Após bater o Independente de Tucuruí, do Pará, alcançou finalmente a Série C do Campeonato Brasileiro. No ano seguinte perdeu, nas cobranças de pênalti, o título estadual para o Luverdense, em Lucas do Rio Verde. Porém, em 2013, ao ganhar do tradicional Mixto, chegou a mais um título mato-grossense. Em 2014, adveio o bicampeonato através de um triunfo sobre o Luverdense.
Em 2015, tornou-se o primeiro representante do Mato Grosso a vencer a Copa Verde, ao bater na decisão o Remo, em partida emocionante disputada na Arena Pantanal. Com esse importante resultado, habilitou-se a disputar a Copa Sul-Americana, de 2016, outro feito inédito para um time do estado. No mesmo ano, venceu o Operário Várzea-grandense, na final do estadual, chegando ao sexto título em 10 participações.
Em 2016, o Cuiabá não venceu o mato-grossense, mas disputou a Copa Verde, Copa do Brasil, Copa Sul-Americana e permaneceu na Série C do Brasileiro. No final do ano, foi campeão da Copa FMF sub-21. Em 2017, novamente conquistou o caneco no estadual. Eliminou o Luverdense na semifinal e levantou a taça contra o Sinop, em pleno estádio Gigante do Norte. Era inegável que o clube se tornava uma referência em nível regional.
O Cuiabá Esporte Clube entra para a história. Depois de 35 anos, reposiciona Mato Grosso na elite do futebol brasileiro. Mixto, Dom Bosco e Operário Várzea-grandense, nas décadas de 70 e 80, alternaram aparições, geralmente modestas, na elite nacional. Na época, somente o campeão estadual se credenciava a participar do Brasileirão. Alcançar a elite através das divisões de acesso é um feito do qual apenas o Cuiabá pode se orgulhar.
A IMPORTÂNCIA DAS BANDEIRAS PARA A FESTA DO FUTEBOL
por Luis Filipe Chateaubriand
A primeira vez que me dei conta de como as bandeiras em estádios davam um colorido todo especial à festa do futebol foi em 1978, na final da Copa do Mundo daquele ano.
Com a Argentina na final, o estádio Monumental de Nunes foi tomado por bandeiras, bandeirões e bandeirinhas, sempre em azul e branco, as cores dos Hermanos. Aquele emaranhado de bandeiras se agitando para todos os lados foi uma cena linda!
No ano de 1980, sendo disputada a final do Campeonato Paulista de 1979 entre Corínthians e Ponte Preta, o Morumbi também foi invadido por bandeiras de todos os tipos, desta vez em preto e branco. Cena igualmente linda!
A partir de então, um dos aspectos que mais me seduzia em um jogo de futebol era tentar identificar bandeiras.
Ao ir aos estádios, ficava admirando as bandeiras serem agitadas, fossem do clube para o qual estava torcendo, fossem do clube adversário.
Na televisão, ficava procurando, no fundo da tela, onde estavam as bandeiras, de que cores eram, quais eram seus tamanhos, o que estava desenhado, o que estava escrito.
Com o passar dos tempos, as bandeiras foram desaparecendo das arenas. Em muitas situações, foram até proibidas – argumentava-se que poderiam ser usadas como paus, em conflitos de torcidas adversárias.
O desaparecimento das bandeiras tirou do futebol bastante de sua graça. Onde se viam, nas dependências dos estádios, cores em movimento, agora se vê tão somente a frieza de pessoas sentadas.
Será que, algum dia, veremos novamente as bandeiras no futebol? Tomara que assim seja, pois, assim, parte da graça do jogo será recuperada.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!