JOGUINHO FEIO
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
“Que joguinho feio” talvez tenha sido a frase que mais ouvi durante a transmissão da final da Libertadores da América. Não do locutor da tevê, claro, mas de pessoas me ligando de cinco em cinco minutos. Sei que pode soar como bairrismo criticar uma decisão entre times paulistas, no Maracanã, mas sou obrigado a concordar: que joguinho feio! Na verdade, feio é pouco, a partida foi medonha! É o retrato do futebol na América Latina, nível baixíssimo. É inadmissível que Santos e Palmeiras sejam os melhores times do Brasil. Cuca até fez milagre com um Santos endividado, mergulhado em uma crise financeira gravíssima, mas o Palmeiras gastou uma fortuna para montar um elenco milionário que venceu, mas não convenceu.
O torcedor não está nem aí e tem mais é que comemorar, mas o português Abel Ferreira adotou uma postura covarde, típica dos retranqueiros brasileiros. O Palmeiras é um time sem novidades, que não nos surpreende, como são praticamente todos os times que disputam o Brasileirão. A crise técnica é preocupante e agora virou moda dizer que “fulano mordeu o adversário” ao citar uma marcação mais firme. A última grande novidade do futebol brasileiro continua sendo a passagem avassaladora de Jorge Jesus, que apostou todas as suas fichas em um futebol ofensivo e animou a galera. Nenhum treinador brasileiro, da nova geração, despontou e continuamos colocando em prática ideias ultrapassadas, praticando esse “joguinho feio”.
Estava no Maracanã acompanhado de alguns campeões do mundo e a falta de educação dos torcedores também foi outro ponto negativo: em pé nas cadeiras, cantando durante o hino nacional e sem máscaras. Cuca, após expulsão patética, juntou-se a eles e dali assistiu o lateral Pará falhar no gol do Palmeiras. O futebol da beirinha, posicional e que ataca a bola agoniza. “Que joguinho feio”, o torcedor está certíssimo. Ainda bem que não teve prorrogação, pois do contrário eu teria que ser deselegante e sair de fininho. Me despedi de Jairzinho e Brito e me deu uma saudade que vocês não fazem ideia…
LANÇAMENTO FESTIVO DA CAMISA RETRÔ DO MANUFATURA EM VILA ISABEL
por André Luiz Pereira Nunes
Na última quinta-feira (28) ocorreu na loja Botão FC, no Shopping Boulevard Rio, antigo Iguatemi, em Vila Isabel, o lançamento da camisa retrô do Manufatura Nacional de Porcelana Futebol Clube. A Otaner Roupas, igualmente responsável por comercializar a indumentária do America, está de parabéns pela ótima iniciativa de reviver essas antigas paixões.
Durante a apresentação, estive com Pedro Henrique Gomes (PH), da Deriva dos Livros Errantes, estrelando uma live, na qual discorremos sobre o rico histórico do mencionado grêmio industriário alvinegro, uma das maiores glórias do futebol amador da capital, que tantos títulos conquistou ao longo da sua pródiga e longa trajetória nos certames promovidos pela Federação Atlética Suburbana, Federação Metropolitana de Futebol e Departamento Autônomo. Também lançamos, no mencionado encontro, uma fanzine sobre a agremiação, de nossa autoria, intitulada “Os Manufaturenses da Cardim”, que pode ser adquirida junta ou separadamente da camisa.
A transmissão, ocorrida pelo Instagram, contou com a qualificada audiência de Edu Coimbra, irmão de Zico, e maior ídolo do America. Ele ficou extremamente feliz de relembrar episódios da sua juventude, quando também frequentou o antigo estádio Klabim, em Pilares, que posteriormente deu lugar ao Norte Shopping. A atração contou com um convidado especial: o ex-atleta manufaturense Clay Viana, hoje responsável pela divulgação da história do clube na internet e promotor dos encontros dos ex-jogadores. Ele ressaltou o glorioso passado do time, citando inúmeros craques revelados, entre os quais, o atacante Rogério, ídolo do Botafogo e da Seleção Brasileira de 1970.
É importante frisar que constam na camisa a menção acerca do bicampeonato suburbano, em 1940/41, e os 80 anos que decorrem dessa importante conquista. A equipe, fundada em 1932, inicialmente disputava apenas amistosos, excursões, desafios e torneios sem menor importância, até que decidiu, em 1939, se filiar aos quadros da Federação Atlética Suburbana, a qual reunia as maiores expressões futebolísticas do quadro amador da cidade como Mackenzie, Modesto, Mavílis, Engenho de Dentro, Del Castilho, Oposição, Magno e Ríver. Não demoraria para que o Manufatura logo conquistasse o seu espaço ao se sagrar campeão do Torneio Início derrotando justamente o Mackenzie na decisão.
A Otaner, ao realizar esse importante empreendimento, contou com a nossa consultoria, para que tudo saísse perfeito e dentro do planejado. Vale frisar que a empresa já havia feito o lançamento da camisa retrô do Andaraí Atlético Clube, também facilmente encontrada através das suas redes sociais ou na loja Botão FC, localizada no Shopping Boulevard Rio, o antigo Iguatemi.
A julgar pela excelentes repercussão e acolhida por parte do público aficionado, que vem prestigiando a reedição de camisas de times extintos, logo teremos novidades. Por ora, Confiança Atlético Clube, de Vila Isabel, e Byron Football Club, de Niterói, estão cotados para serem a bola da vez.
DE CHICO BUARQUE PARA ABEL FERREIRA, DEMASIADOS HUMANOS
por Marcelo Mendez
“Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
E inda guardo, renitente
Um velho cravo para mim”
Enquanto o Brasil vivia sufocado por uma ditadura militar em 1975, Portugal fazia a sua Revolução dos Cravos e esta emocionou profundamente Chico Buarque. Disso nasceu a música “Tanto Mar” cujo verso está citado acima. Pois…
A música fala de ausência, da vontade de se estar em uma festa que para os Brasileiros daquele momento de 1975 era inimaginável. No futebol sábado, a música de Chico Buarque volta a ser protagonista a partir do momento que Abel Ferreira senta para dar uma entrevista histórica na coletiva de imprensa do título do Palmeiras na Libertadores de América:
– Quando eu cheguei, passei a viver na Academia, era a minha família. É verdade que sou melhor treinador e muito mais valorizado, mas sou o pior pai, sou o pior filho, sou o pior tio, sou o pior marido. Deixei minha família lá. Conquistei muito aqui, mas vocês não sabem a quantidade de vezes que, ao deitar no meu travesseiro, eu chorei sozinho de saudades.
O futebol é uma máquina de moer reputações, trajetórias, histórias e lembranças. O título que é épico hoje, não serve para reconfortar o ávido e mal acostumado torcedor que tem uma sanha voraz por títulos e conquistas amanhã. É compreensível sim, eu sei, afinal de contas torcemos para isso, para que nosso clube vença sempre, porém, todavia, se o futebol é o esporte que mais se aproxima da vida real, sabemos com isso que na vida não vencemos todas. Ao contrário; Perdemos muito mais do que ganhamos e nosso discernimento nos ensina a lidar e aprender com essas derrotas. E no futebol, agora temos um técnico português que ousa nos ensinar isso.
Abel Ferreira é o tipo de gente que não tem vergonha em se abrir em sentimentos, que expõe a melhor e maior faceta humana que rege o futebol. É o tipo de técnico que após uma derrota retumbante para o River Plate, vai a público e diz “Marcelo Galhardo é um técnico melhor do que eu. Hoje foi isso e eu vou aprender a partir disso que aconteceu.” Ele é um técnico que faz questão de lembrar o trabalho de Vanderlei Luxemburgo na formação dessa equipe que acaba de conquistar a América, dando ao maior treinador da história do Palmeiras, um valor que os Verdes esquecem de dar.
Abel Ferreira é Humano. Demasiado, humano.
Ele é o Homem que em três meses mudou o jeito do Palmeiras pensar futebol, que ganhou os corações dos exigentes torcedores Palmeirenses, que mostra desempenho em cima de falácia, que trabalha incessantemente para dar ao Clube o maior título de sua história, mas não faz tudo isso de maneira mecânica. Abel explode o coração.
– Vocês viram no final, eu não chorei pouco, eu chorei muito, e saí do campo pra ninguém ver o quanto eu estava chorando. É muito difícil, eu sou uma pessoa de família, adoro as minhas filhas e a minha esposa, e atravessei o Atlântico por acreditar numa coisa antes dela acontecer. Contra todas as previsões eu vou descobrir, vou me desafiar, vou para um clube que tenho a certeza que pode me proporcionar títulos. Sou melhor treinador? Sou. Sou muito melhor treinador do que era há três meses. Mas, como disse, sou pior filho, pior pai, pior marido, pior irmão, pior tio. Infelizmente, há sempre algo que temos que sacrificar em prol da nossa profissão.
Abel Ferreira molhou sua faixa de campeão da América com as lágrimas que fazem falta pro futebol. Que tornam tudo isso mais humano e que precisa ser sempre lembrado por nós que trabalhamos com essa coisa alucinada que é o futebol. Eu te daria um abraço, professor. Chico Buarque te diria que “Sei que há léguas a nos separar/Tanto mar, tanto mar/Sei também quanto é preciso, pá/Navegar, navegar “. Então segue navegando, professor.
O mundial que o Palmeiras tem pela frente é outra história, outra realidade e isso será tratado na hora adequada. Por aqui fica o recado de Chico, mandado por esse cronista, para Abel Ferreira:
“Lá faz primavera pá
Cá estou doente
Manda urgentemente algum cheirinho
De alecrim”
Que esse aroma de alecrim o aproxime dos corações que lhe estão para além-mar, Professor Abel. Fica bem.
Enéas “Mike Tyson”
O MAQUEIRO E A BENGALA
entrevista e texto: Sergio Pugliese | fotos e vídeo: Daniel Planel
O Maracanã dos velhos tempos era abarrotado de personagens, era com o se você mergulhasse em um livro de contos e fábulas. Havia o torcedor que cobria o corpo inteiro com pó de arroz, Dona Dulce Rosalina, que comandava a galera vascaína, o sósia do Obama, o carinha que vivia rezando com um galho de arruda acomodado na orelha, o alvinegro Russão, o Mr. M, o árbitro Armando Marques cheio de caras e bocas, o comentarista Mário Vianna gritando “errooooou!!!”, o locutor da Suderj anunciando as escalações, o velhinho das embaixadas, enfim, o Maracanã era uma espécie de ilha da fantasia, um mundo encantado que amenizava nossas dores e coloria nossas emoções.
Mike Tyson, o maqueiro fortão, era mais uma dessas tantas figuras que ilustravam nossas tardes/noites e guardamos na memória até hoje. O cara era um guarda-roupas e virou atração turística porque passou 20 anos entrando e saindo de campo carregando gênios, como Zico e Maradona, e grandalhões, como Júnior Baiano e Manguito. Quando sentia que a contusão era mais grave, nem esperava por Geraldo, seu grande parceiro de trabalho, entrava correndo em campo, colocava o atleta no ombro e voltava correndo com ele. A galera endoidava! Certa vez, tropeçou, caiu e a Geral pegou no seu pé…”negão, tá na hora de se aposentar!”. Quando o locutor Januário de Oliveira anunciava “tá lá um corpo estendido no chão, vem aí o primeiro carreto da noite”, ele entrava em ação, era seu estrelato.
Vascaíno, o primeiro jogador a carregar foi Zico. Ficaram muito amigos. Malhava como um louco e nas horas vagas atuava como segurança de boates, clubes e para a família do Galinho de Quintino. Nos finais de semana de folga, para condicionar-se fisicamente, corria de Brás de Pina, subúrbio carioca, até a Praia de Copacabana. Na chegada triunfal, o filho acenava, orgulhoso, da areia. Durante o trajeto, muita gente o reconhecia e pedia autógrafos.
O “negão da maca” fez história no Maraca, foi um de seus reis, como Romário, Túlio, Renato Gaúcho e Papai Joel. Claro, que tanto peso lhe rendeu problemas graves na coluna, mas o glaucoma, que o deixou cego, é o que mais o aflige. Aos 80 anos, está frágil e saudoso da grama verde, de sua padiola e do respeitável público daquele circo chamado Maracanã.
Em nossa despedida, tentou levantar-se do sofá, mas não conseguiu nem com o apoio de uma velha bengala. Segurei firme em seu pulso e ofereci apoio ao maior reboquista da história do Maracanã. “Quem diria, hein”, comentou. Quem diria. Rimos e caminhamos lentamente até a porta amparados por um abraço e por doces lembranças.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA EDU
Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si foram as notas musicais que as pernas de Edu – principalmente a esquerda – extraíram nos longínquos anos em que passou ao lado de sua mãe e professora de piano nas manhãs, tardes e noites em que ficava extasiado vendo-a tocar.
Do pai, um ex-jogador do Esporte Clube XV de Novembro e alfaiate, herdou a habilidade e o gosto por camisas bonitas como a do Santos, onde começou a carreira e a do Clube Esportivo Dom Bosco, de Mato Grosso, quando encantou o torcedor Dombosquino, em 1985.
Nascido na cidade de Jaú, São Paulo, em 06 de agosto de 1949, o menino Jonas Eduardo Américo chegou ao Santos levado por ninguém menos que Pelé. “Tem que mostrar algo para ser aprovado”, decretou o dono da coroa de Rei do futebol. E ele mostrou. Mostrou tanto que, aos 16 anos, foi convocado por Vicente Feola, então técnico da Seleção Brasileira a fazer parte do grupo que disputou a Copa do Mundo na Terra da Rainha, em 1966.
Sagrou-se campeão mundial em 1970 e foi convocado para a Copa de 1974. No Peixe, jogou até 1977 e acumulou títulos dos campeonatos paulistas de 1965, 1967, 1968, 1969 e 1973, a Taça Brasil de 1965, o Torneio Rio-São Paulo de 1966 e o Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1968.
Em seguida, jogou pelo Corinthians e participou da equipe campeã paulista de 1977, que pôs fim aos 23 anos sem títulos do clube do Parque São Jorge. Logo o Corinthians que sofreu por muitos anos quando o habilidoso ponta-esquerda jogava no Santos.
Foi contratado pelo Internacional, onde ficou pouco tempo. Arrumou as malas para jogar nos EUA pelo Cosmos. Em terras aztecas, defendeu as cores do Tigres, da cidade de Monterrey, e integrou equipes de menor porte, como o Nacional de Manaus, sendo bicampeão amazonense.
O encerramento da carreira profissional não o afastou dos gramados. Participou de equipes de exibição e integrou a Seleção Brasileira de Masters.
O Vozes da Bola da semana e com Edu, ponta-esquerda e considerado uma dos maiores dribladores do futebol mundial, que fazia miséria pelos flancos esquerdo dos campos dando muita dor de cabeça aos laterais-direitos. É o jogador mais novo da história a disputar uma Copa do Mundo e o sétimo maior artilheiro da história da Vila Belmiro.
Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda
Fale um pouco da sua infância em Jaú e conte um pouco sobre seus pais e o início no futebol.
Como todo garoto da minha idade que brincava, jogava bola e estudava. Minha infância foi boa e tinha uma família muito unida. Meu pai era alfaiate e jogou no Esporte Clube XV de Novembro. Mminha mãe era professora de piano. Não éramos ricos, porém, a nossa vida era equilibrada.
Reza a lenda que Pelé disse para você: “Não pense que eu te apresentando ao Santos você vai ficar. Precisa apresentar alguma coisa também para ser aprovado”. Como foi essa história?
Quando conheci o Pelé as minhas pernas tremeram. Eu o conhecia apenas pela televisão e quando estivemos juntos, ele falou certa vez: “Não é porque você está sendo apresentando por mim no Santos, que está aprovado. Você tem que apresentar alguma coisa”. Eu acho que eu apresentei (risos). Do contrário, não teria ficado. Mas quando eu sai para disputar os jogos com a Seleção juvenil, com 15 ou 16 anos, comecei a jogar e na volta dessa viagem fomos para Trindade e Tobago e Suriname. Lembro que fui muito bem nessas partidas. e na volta, o treinador disse que me utilizaria nos jogos da equipe principal do Santos. Foi a maior alegria da minha vida e não via a hora de ir para Jaú e contar a surpresa para o meu pai. Naquela época o contato com as pessoas que estavam longe era por carta ou telefone, mas só tinham telefone as pessoas com poder aquisitivo alto. Era época de Carnaval e o Santos me liberou. Fui correndo para Jaú para contar ao meu pai que disputaria os jogos pelo time principal do Santos no Torneio Rio-São Paulo.
Você com 13 anos de idade já jogava no Palmeirinhas, o Palmeiras lá de Jaú, que disputava campeonatos amadores com garotos de 17, 18. Como foi essa experiência?
Muito boa. Comecei muito novo em Jaú, onde fomos campeões infantis. Nessa época eu tinha 13, 14 anos e já jogava no meio do pessoal mais velho do que eu. Depois eu fui para o Palmeirinhas, onde disputei o campeonato amador e precisei de uma autorização da Federação Paulista para poder jogar em carta enviada pelo meu pai.
‘A primeira vez a gente nunca esquece’, diz um famoso ditado popular. Como foi sua primeira vez com a camisa do Santos?
Inesquecível. Vestir a camisa do Santos para mim foi uma honra e um prazer muito grande. Sei que todos jogadores queriam jogar naquele time do Santos e eu fui um privilegiado em ter a chance de agarrar a oportunidade e chegar ao time profissional ainda adolescente.
Como era jogar ao lado de Pelé?
O Pelé estava contundido quando começou o Torneio Rio-São Paulo e aproveitei sua ausência para me manter no time. E foi o que aconteceu. Quando ele retornou pude jogar ao seu lado e era sonho de qualquer um. Quem não ia querer jogar com o melhor jogador do mundo? Dar passes para ele fazer gols? Tabelar? Qualquer jogador de futebol sonharia com essa oportunidade e eu estava podendo fazer isso. E graças a Deus eu tive essa alegria e esse prazer na minha vida.
Quem foi seu ídolo no futebol?
Pelé e Garrincha. Eu tive vários outros ídolos dentro do futebol, mas esses dois se destacam. O Garrincha pelo seus dribles e aquela de deixar a bola e vai e volta. Ele foi inspiração para eu aprimorar meus dribles. Eu assistia, sem exagero, umas 20 vezes o documentário do Garrincha. “Alegria do Povo”, o “Anjo das Pernas Tortas”. Já Pelé, eu pude observá-lo jogando ao lado dele no Santos e fui aprendendo um pouco com ele, como por exemplo, passar em espaços pequenos o que ele fazia muito bem. Mas como que ele conseguia passar ali? Técnica, meu caro. E absorvi isso e me ajudou muito na carreira.
Gostaria que falasse de dois jogos para os leitores do Museu da Pelada: o Rio-São Paulo de 1966, quando o Santos venceu o Bangu por 5 a 2, no Pacaembu, e na goleada por 3 a 0 contra o Palmeiras, em que você fez dois gols e num deles driblou toda zaga adversária. Como foram essas partidas?
Meu primeiro jogo profissional foi contra o Botafogo, no Maracanã, mas o mais importante para mim foi contra Portuguesa de Desportos. O nosso treinador era o Lula e me escalou muito sabiamente na ponta-direita quando faltavam quinze minutos para terminar o jogo. Por que sabiamente? Ele me escalou numa posição que não era a minha e me colocou poucos minutos na partida, ou seja, se eu jogasse mal, ele teria como me defender dizendo que joguei pouco tempo e fora da minha posição de origem. Mas até que fui bem, driblei, dei passes, chutei a gol e depois voltei à ponta-esquerda. Depois veio aquele jogo memorável contra o Bangu, em São Paulo, em que marquei dois gols na goleada por 5 a 2 e fui muito bem contra o lateral Fidélis, considerado um dos melhores da época. Tanto que disputei a Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra. Lembro de um gol de falta contra o Ubirajara, goleiro banguense, em que ele armou a barreira ao contrário e ficava com seu campo visual livre me olhando na cobrança. Mas fui feliz na batida e joguei por cima da barreira e marquei um golaço que foi um dos mais importantes da minha carreira. Mas a partida que selou, definitivamente, a minha convocação para a Seleção e o meu passaporte para a Inglaterra, foi contra o Palmeiras de Djalma Santos, lateral-direito muito respeitado. Mas como eu queria um lugarzinho ao sol, eu não poderia respeitá-lo tanto (risos). Eu participei intensamente desse jogo, partia para cima dele e acabei sendo coroado com um belíssimo gol, driblando toda defesa alviverde. Foi uma pintura que jamais vou esquecer.
Em 1966, você foi convocado para a Seleção Brasileira que disputou a Copa realizada naquele ano com apenas 17 anos. Até hoje, é o jogador mais jovem a ser convocado para disputar uma Copa do Mundo. Como se sente?
Mesmo tendo passado 55 anos, até hoje a ficha não caiu. Quatro anos antes, me encontrava em Jaú, em São Paulo, ouvindo a Copa do Mundo de 1962, no Chile, pelo rádio. Para ser sincero, eu estava impressionado em estar ali com pessoas que eram ídolos para mim. Convivia com Bellini, Djalma Santos, Zito, Pelé, Garrincha, Jairzinho. Aquilo ali era um sonho de um menino de apenas 17 anos. Representar o país ao lado de tanta gente boa foi uma das melhores coisas que me aconteceu na vida.
Umas das críticas à Seleção de 1966 foi a preparação com 45 jogadores. Você acha que, de fato, isso atrapalhou?
Se atrapalhou ou não, se foi boa ou não, sinceramente não sei. O que sei é que ficamos três meses treinando com afinco, e nesses 90 dias, houve cortes e talvez isso tenha prejudicado um pouco. Minha opinião pessoal é que muitos jogadores que foram cortados deveriam ter ido. Mas é a vida de todo jogador de futebol.
Em 1969, João Saldanha assumiu a Seleção como treinador. Se ele não tivesse saído você acha que seria titular do time?
Talvez sim, talvez não. Em 69, quando o João Saldanha nos convocou, ele chamou 22 feras, como ele mesmo dizia. Na minha chegada à Seleção, lembro que ele disse que eu seria, mas que o Paulo Cezar Caju, cracaço de bola, estaria disputando comigo a titularidade. A briga ia ser legal, pois nós tínhamos uma disputa leal, já que sempre tivemos uma relação fraterna. No entanto, quem se beneficiava com isso era o treinador, porque ia ter dois jogadores com fome de bola e com uma vontade enorme de jogar. Nas Eliminatórias, eu sai na frente, e o Saldanha me chamou num canto e disse que queria que eu fosse o Edu do Santos, ou seja, me deixou à vontade. Mas depois disso deu no que deu e a história todo mudou.
O saudoso radialista Jorge Curi (1920-1985) costumava te chamar de ‘Urubu Bonito’. Como você encara a situação e como vê hoje no futebol tantos casos de discriminação racial?
Vejo com tristeza esses casos de racismo. Mas naquela época, não exista isso. Lembro que num Flamengo e Santos, no Maracanã, o Jorge Cury narrando a partida me chamou de Urubu Bonito. Mas veja bem, fui chamado de Urubu Bonito por Jorge Cury transmitindo o jogo para milhões de ouvintes. Mas sei que era um apelido carinhoso. O motivo do apelido, até hoje, eu não sei. Talvez fosse pela maneira de caminhar, bater na bola, carregá-la, driblar o adversário. Mas, antigamente, era bem menos, podemos dizer assim, esse troço chato do racismo que está em evidência em pleno século 21. Mas os negros, no qual eu me incluo, sempre tiveram seu espaço, sua cor e seu respeito adquirido com o suor do rosto de seu trabalho.
Alguns apelidos curiosos dos craques de 70: Gérson era Papagaio, Rivellino, o Orelha, Paulo Cezar Caju, o Nariz de Ferro, Tostão, o Cara de Ovo, Brito, o Cara de Cavalo e você o Zé Bundinha. É verdade?
É verdade (risos). Naquela seleção todo mundo tinha seu apelido. Me chamavam de Zé Bundinha. Eu não sei o motivo, pois minhas nádegas não eram tão avantajadas assim (risos). Mas o apelido pegou. Quando a gente se encontra a gente chama um ou outro não pelo nome mas pelo apelido. Vejo isso como uma maneira carinhosa de nos tratarmos, já que era um grupo muito legal, muito unido e uma amizade sincera. Mas se alguém chiasse com o apelido, aí mesmo que caímos na pele.
Havia o período da ditadura militar na Seleção de 1970 e isso é inegável. Na volta do México, vocês foram direto para Brasília e até almoçaram com o Médici. Como era lidar com essa situação?
Éramos jovens e não percebíamos o problema do militarismo que estava ocorrendo no Brasil. Sabíamos de sua existência, mas não sentíamos tanto, pois estávamos imbuídos no pensamento de conquistar a Copa do Mundo. Em 1970, houve aquela recepção com o presidente Emílio Garrastazu Médici, em Brasília, quando voltamos tricampeões mundiais, que foi um fato marcante para o país. Lembro que durante a Copa do Mundo, minutos antes das partidas, Médici fazia questão de telefonar e conversar com todos os jogadores, um por um, nos incentivando, para conquistar o título. Isso foi legal.
Você disputou três Copas do Mundo (1966,1970 e 1974) e em duas delas,1970 no México e 1974 na Alemanha, foi reserva. Podemos dizer que sua maior mágoa no futebol se chama Zagalo?
A respeito do treinador na Copa do Mundo de 1970 e 1974, eu não tenho mágoa nenhuma, posso te assegurar isso. A minha mágoa é não ter jogado, pois em três Copas do Mundo, sendo duas com ele, não entrei em campo uma única vez. Então, ele contribuiu e muito para que eu não jogasse, pois era o treinador. Não existe mágoa contra esse técnico e sim por não ter jogado. Afinal de contas, eu sou tricampeão mundial igual a ele.
Qual a sensação de ter levado para casa a Bola de Prata da Revista Placar de 1971?
A melho sensação do mundo. Fiquei muito feliz quando fui eleito o melhor ponta-esquerda do campeonato e premiado com a Bola de Prata. Naquela época, era o prêmio que se dava aos melhores durante o ano e isso é um orgulho para mim. Imagina, o Brasil do tamanho que é, um campeonato tão difícil como o Brasileiro, onde há grandes jogadores e você ser escolhido o melhor? É realmente algo extraordinário. E isso me ajudou a pavimentar ocaminho na seleção brasileira ao receber esse prêmio máximo na vida de um jogador.
É verdade que na disputa do terceiro lugar contra a Polônia na Copa do Mundo de 1974, João Havelange ofereceu um estímulo financeiro para vocês ganharem o jogo?
Na Copa do Mundo de 74, o João Havelange ofereceu um incentivo a mais para que nós ganhássemos da Polônia. Ele não queria três países europeus na ponta, mas infelizmente, perdemos o jogo por 1 a 0. Apenas lamentamos a disputa pelo terceiro lugar, pois não tem tanta importância como o primeiro lugar, ainda mais aqui no Brasil. Mas faltou muita coisa naquela partida, e o treinador não fez as mudanças que eram para ser feitas colocando quem queriam jogar para ter conquistado o terceiro lugar. A derrota foi o reflexo disso.
Além do Santos, você jogou no Corinthians, Internacional, Monterrey do México, São Cristóvão e Dom Bosco-MT. Queria que nos contasse um pouco dessas passagens por esses clubes.
A minha saída do Santos foi porque tive um desentendimento com o Modesto Roma, presidente na época, que falou uma coisa para mim e como eu não gostei, disse para ele que não vestiria mais o camisa do Santos. Não achei correto o que ele fez comigo e depois me disse que falou em tom de brincadeira. Falei para ele que não aceitava brincadeira daquela natureza. Em seguida, surgiu o Corinthians, e como minha estrela é muito boa, brilhei no Timão, sendo campeão depois de 23 anos de longo jejum. Mas joguei em poucos clubes e tirando o Santos, onde joguei praticamente minha vida quase toda, e Corinthians, joguei no Internacional, no Tampa Bay Rowdies, na Flórida, e no Tigres, da cidade de Monterrey, onde estive por quatro anos. Quando retornei ao Brasil, passei no São Cristóvão que foi uma furada, e no Nacional de Manaus, onde disputamos um Brasileiro muito bom. Aliás, nesse campeonato, fomos considerados o quinto melhor, onde jogava eu, Dário, Bendelac, Carlos Alberto Garcia e Merica. Era um time muito forte e nós conseguimos essa proeza mesmo sendo um time do Norte. Mas isso foi muito legal e tive uma passagem no Dom Bosco de Cuiabá, que nem dá para te contar como foi.
Como foi conquistar o título Paulista em 77 pelo Corinthians, sabendo que o Timão ficou vinte anos sem ganhar do Peixe?
Já estava acostumado com títulos no Santos, e ser campeão pelo Corinthians foi encarado com naturalidade, mesmo o clube passando por um longo período de 23 anos sem erguer um troféu de campeão. Para mim, ser campeão pelo Corinthians, não foi novidade.
O site Família Santista (https://familiasantista.com.br/santos-fc-108-anos-glorias-veja-como-ficou-selecao-alvinegra-todos-tempos/), fez uma enquete em abril de 2020 para comemorar os 108 anos do Santos e fez a seguinte pergunta: qual o melhor Santos de todos os tempos? O os eleitos foram Rodolfo Rodríguez, Carlos Alberto Torres, Ramos Delgado, Alex, Léo; Zito, Giovanni, Mengálvio; Pelé, Neymar e Coutinho. Técnico: Lula. Nomes como Clodoaldo, Ailton Lira, Pepe, Robinho e você ficaram de fora. O que acha disso?
Cada um tem a sua opinião e o seu ponto de vista. Apenas temos que respeitar a opinião dos outros. O importante é que o Edu está ali fazendo parte da história do Santos e isso para mim é motivo de muito orgulho.
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Covid-19?
Diante deste problema da pandemia, costumo ficar em casa me cuidando, e às vezes, faço uma caminhada pela praia. Mas, infelizmente, a nossa pelada no Pé na Bola, às segundas-feiras, na quadra do Arouca, que jogou no Palmeiras, estás suspensa. É uma alegria grande este encontro. Mas com a segunda onda da pandemia, infelizmente, atrapalhou muito e mexeu com a cabeça da gente. Mas na medida do possível, estamos nos cuidando e aguardando ser vacinados.
Defina Edu em uma única palavra?
Uma estrela. Uma estrela que brilhou e continua brilhando. Um homem que tem sentimentos, que é amigo, vive sempre sorrindo, que é família e que trata todo mundo igual. Esse é o Edu.
Faça uma avaliação deste Santos dirigido por Cuca que chega a mais uma final continental. O que acha desse time?
Esse time atual do Santos é uma grande equipe. Nós, torcedores, não esperávamos chegar à final e nem uma performance tão boa como dessa equipe comandada pelo Cuca. O Santos vive um momento bom e esperamos a conquista de mais um título para a rica galeria de troféus. Com certeza iremos conseguir!
Para fechar com chave de ouro esta tabelinha entre o Museu da Pelada e você, o Santos sempre fez grandes decisões continentais e mundiais interclubes no Maracanã. O senhor acha que está mística do Santos com o templo do futebol brasileiro pode ser um diferencial na busca pelo título da Libertadores?
O Santos tem o Maracanã como a segunda casa. O torcedor carioca gosta muito do Santos desde a nossa época. Esperamos que está mística com o estádio possa trazer o tetra da Libertadores.