O GATO FÉLIX
por Zé Roberto Padilha
Não tinha treinador de goleiros. Essa profissão surgiu após a Copa de 1974, porque em 70, quem reinava no gol eram autodidatas.
Em outras vidas, trabalharam em circos, tal a plasticidade dos movimentos. Ou foram gatos, de tanta impulsão e elasticidade.
Felix, tricampeão mundial, acabava o treino e pedia para nós chutarmos bolas para ele em uma caixa de areia do atletismo. Ficava igual bife à milanesa de tanto saltar pra lá e pra cá.
Saídas do gol? Era puro instinto. Carlesso, o precursor no treinamento dirigido aos goleiros, surgiu do Leão pra frente. Chegou ao Taffarel e, hoje, tem um exclusivo para eles.
Que saudades, Papel, vi defesas como essas de perto, voos tão lindos como as lembranças que deixou em todos nós, tricolores e tricampeões do mundo.
Obrigado por tudo
O HOMEM DA PRANCHETA
por Valdir Appel
Joel deixou para trás os carrinhos de rolimã, as pipas, as bolas de meia e o juvenil do Olaria, da Rua Bariri. Mudou-se pra Tijuca, como os pais e a irmã, e foi contratado pelo Vasco. Não levou muito tempo pra se adaptar em São Januário. Foi logo botando as manguinhas de fora, impondo-se aos garotos do juvenil, assumindo a faixa de capitão e o comando do time do seu Célio de Souza em campo. Chegou prematuramente aos aspirantes e foi logo colocando faixa de campeão em cima do Flamengo, em 1967.
No ano seguinte, o Vasco contratou Paulo Baltar, preparador físico, para ser auxiliar do técnico Paulinho de Almeida. Baltar introduziu inúmeras inovações nas atividades físicas dos jogadores, até então acostumados apenas aos exercícios calistênicos e corridas de curta e longa duração.
Primeiro trouxe com ele Hélio Viggio, professor de jiu-jitsu, que tentou nos ensinar alguma coisa de defesa pessoal e de como cair sem se machucar. Baltar gostava também de encerrar os treinos com uma série de exercícios abdominais. Munido de um porrete, circulava em volta dos jogadores. Ordenava que cada um deitasse, encolhesse as pernas e retesasse a barriga, depois desferia algumas porradas nos músculos abdominais da rapaziada.
Até hoje não sei dizer se os músculos enrijeciam por causa dos exercícios ou pela visão do objeto de tortura.
Sua suprema criação foi a introdução do bambolê nas atividades.
Amanheceu na Colina, distribuindo pelo gramado vários bambolês, formando figuras que proporcionavam aos atletas a execução dos mais variados exercícios.
Jogo da velha, correr em ziguezague, saltitar com os dois pés, um pé de cada vez…
No fim dos treinamentos, a diversão era garantida com a tentativa de cada jogador fazer o brinquedo girar em volta da cintura.
Nei, cintura de pilão, rebolava feito sambista da Mangueira e não deixava a peteca cair, digo, o bambolê.
Buglê e Moacir ficavam na deles, como bons mineiros: nem tentavam.
Adilson, pernambucano macho, dizia que aquilo não era brinquedo de homem.
Brito, tão duro como sua finesse, só enxergava o artefato no chão, como Joel, que arremessava o arco para cima e com força, sem, contudo, fazê-lo girar em volta dos duros quadris. O brinquedo beijava os seus pés antes do primeiro giro.
Esta prática não deu ao Joel mais mobilidade e traquejo, mas garantiu-lhe instantaneamente o apelido de Vassoura. Apelido este que seria reforçado, com o passar do tempo, por ser comprido, magro, e ter andar empertigado feito o Brito, de quem ainda herdou o hábito de fazer cara feia, dar esporro e meter o cacete em quem se aventurasse pela sua área. Não aliviava nos treinos e muito menos nos jogos. A diferença entre eles, é lógico, era a alta capacidade técnica do zagueiro Brito, que se notabilizaria pouco depois no México, onde sagrou-se tricampeão mundial pelo Brasil e foi eleito o jogador de melhor preparo físico da competição.
Fora de campo, Joel era um dedicado estudante, abstêmio, gostava de samba, de namorar e de automóveis. Com seu primeiro carro, um fusca azul, costumava fazer perigosas curvas nas imediações do Maracanã, fazendo pose de Emerson Fittipaldi ao som das músicas do Tim Maia. Autodenominava-se Joel Gogô, sem explicar porque, referência, talvez, ao som contagiante que tomou conta das rádios e boates do Brasil nos anos 1960. O embalo de Johnny Rivers at the Whiskey a Go Go precedia a febre que os Bee Gees e Os Embalos de Sábado à Noite causariam nas discotecas, praticamente 10 anos depois, pelo mundo afora.
Joel, com seu estilo viril, foi campeão carioca pelo Vasco em 1970 e brasileiro em 1974. Seu último clube foi o América, de Natal, onde conquistou alguns títulos potiguares antes de encerrar a carreira como jogador, formar-se em Educação Física e tornar-se um técnico de prestígio.
Passou a ser conhecido como O Rei do Rio após a conquista do seu quinto título carioca, como técnico.
O HOMEM DE BOA VISTA
por Luis Filipe Chateaubriand
Quando se pensa na quinta força do futebol do Estado do Rio de Janeiro, não estamos nos referindo ao América, nem ao Bangu, nem ao Americano, nem ao Goytacaz, nem ao Volta Redonda.
Nos referimos ao Boavista de Saquarema, clube que ascendeu de forma notável na última década.
E, por trás do sucesso do Boavista, desponta a figura de João Paulo Magalhães Lins.
Membro de uma família milionária, mas absolutamente discreta, JP também se vale da discrição ao gerir o Boavista.
Outro traço da personalidade de JP é o espírito empreendedor – a inovação como diretriz da gestão.
E mais um predicado de JP é a valorização do profissionalismo – cerca-se de profissionais gabaritados para assisti-lo.
E, assim, com visão aguçada, JP faz do Boavista um clube de menor investimento que ruma para ser um clube de maior investimento.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
TIRA O TIME DE NOVO!
por Wilker Bento
O que mais gostava de fazer na infância e adolescência era jogar futebol. Minha igreja tinha uma quadra onde os meninos se reuniam às segundas ou quintas-feiras por volta das 18h para a brincadeira. Num dia bom, mais de trinta garotos apareciam, o que dava para formar seis times.
Como nem todos conseguiam aparecer na hora marcada, os times eram escolhidos assim que havia um número suficiente de jogadores. Aos poucos, os atrasados chegavam da escola ou do trabalho e formavam times na espera. O problema era que poderia acontecer daqueles considerados melhores aparecerem juntos ao mesmo tempo, formando um time mais forte que os outros. Essa equipe com garotos mais velhos e habilidosos nunca mais perdia uma partida e a brincadeira ficava sem graça. Assim que isso era observado, alguém gritava “tira o time de novo!” e todos concordavam em reorganizar os times, com os melhores jogadores sendo distribuidos igualmente entre as equipes e a brincadeira continuava até as 21h, quando fazíamos uma roda de oração e íamos para casa.
O futebol profissional passa por uma fase parecida na atualidade, onde parece ser necessário “tirar o time de novo” para não perder gradualmente seu interesse. Reflexo da desigualdade social que atinge o planeta, o futebol está cada vez mais desequilibrado e sem graça. Na Itália, que já teve o melhor campeonato do mundo nos anos 1980 e 1990, quando times como Napoli, Hellas Verona e Udinese conseguiam disputar títulos e contratar grandes craques, a Juventus foi campeã por nove anos consecutivos sem muito esforço, e só agora vai dando sinais de desgaste. Na Espanha, onde clubes do porte de La Coruña, Valência e Bétis já conseguiram bater de frente com a dupla Real e Barça, os dois gigantes dominam, dando espaço para o Atlético de Madrid conseguir alguma coisa de vez em quando. Na França, as hegemonias são uma tradição, com o Lyon ganhando tudo nos anos 2000 e o PSG dominando atualmente. E a situação é ainda mais grave na Alemanha, onde o Bayern é o clube mais forte há décadas, mas atingiu níveis absurdos recentemente, vencendo onze Bundesligas nos últimos quinze anos. O Gigante da Baviera tem mais que o triplo de títulos do segundo maior campeão, Nürnberg.
Os maiores clubes europeus já reconhecem a perda de valor das ligas nacionais e a chatice que elas se tornaram, mas ao invés de pensarem num jeito de fortalecer as equipes menores, a ideia da moda é a Superliga Europeia, com times definidos a partir de uma panelinha e protegidos do rebaixamento. Uma competição que enfraqueceria ainda mais os clubes médios e pequenos do continente e logo se tornaria igualmente monótona, com apenas a “nata da nata” brigando pelo título.
No Brasil, a situação não é muito diferente. Embora o critério para a divisão das cotas de TV tenha melhorado nos últimos anos, com o modelo 40-30-30 e o fim da “cláusula paraquedas” para os clubes grandes que são rebaixados, eles ainda recebem muito mais que as equipes restantes. Times que mereciam mais dinheiro e atenção da mídia nos últimos anos, como Athletico Paranaense, Chapecoense e Fortaleza, ainda penam para conquistar espaço. Não é raro que equipes caiam no ano seguinte ao acesso à Série A por não conseguirem bater de frente com os já estabelecidos na elite. E a situação é ainda mais grave nos estaduais, com clubes tradicionais do subúrbio e do interior relegados ao esquecimento na maior parte do ano. Um modelo insustentável.
Sim, é utopia pensar em igualdade total. Obviamente, times com maior torcida e desempenho histórico terão mais chances que os outros. Mas é preciso garantir que os clubes menores também tenham chance de crescer. Os norte-americanos já entenderam isso há muito tempo, ao fazerem da competição mais justa o seu negócio. Embora as suas ligas de basquete, hóquei e futebol americano também tenham seus bichos-papões, a distribuição de recursos é mais igualitária, o que possibilita que o troféu saia mais vezes das mãos de franquias dominantes. Há também o sistema de draft, onde as piores equipes têm preferência na contratação de jovens talentos, equilibrando o jogo a longo prazo. E mesmo na liga de beisebol, considerada a mais desigual entre as quatro, há um equilíbrio maior que no futebol atual – o último tricampeonato da World Series ocorreu em 2000. Ironicamente, o centro do capitalismo segue um modelo “socialista” em seus esportes…
Afinal, de que adianta termos os melhores jogadores do mundo concentrados num só lugar? Qual a graça de assistir um campeonato onde já se sabe de antemão quem ficará com a taça? Hoje a tecnologia proporciona chuteiras modernas, gramados impermeáveis, atletas desenvolvidos em plena forma, mas ainda assim os torneios em sua maioria são entediantes. Prefiro assistir um campeonato de bairro equilibrado que uma competição que envolva a elite do esporte bretão mas o mesmo time ganhe todos os anos.
Que os responsáveis pelo futebol mundial abram os olhos e não destruam esse esporte tão amado por conta de uma visão limitada ao dinheiro. Por serem tão gananciosos, podem acabar matando a própria galinha dos ovos de ouro. Por isso, fica o apelo: TIRA O TIME DE NOVO!
AJAX, O GRANDE… EXEMPLO
por Idel Halfen
O clube holandês Ajax poderia render excelentes artigos em função de alguns fatos históricos.
A origem do nome do clube é uma delas. Fundado sob o nome de Union, mudou para Ajax influenciado por um herói da mitologia grega: Ájax, o Grande.
Outra curiosidade é o apelido “Joden” – judeu em holandês -, em função da localização do seu estádio antes da Segunda Guerra, cujo acesso passava por um bairro judeu. Ainda que alguns torcedores de equipes rivais se utilizem de canções anti-semitas nas partidas contra o Ajax, parte de sua torcida encampa o apelido a ponto de levar bandeiras de Israel ao estádio.
O próprio desempenho esportivo e sua influência no futebol mundial seriam boas fontes de artigos, porém, preferiremos focar aqui em algo que não fuja da proposta do blog, que é discutir marketing & gestão, o que nos leva a explorar mais uma vez a necessidade de os clubes terem objetivos grandes e de longo prazo, sendo o Ajax um ótimo exemplo.
O clube holandês ao notar que sua competitividade perante aos rivais europeus já não é a mesma de outrora – o time é detentor de quatro títulos da Champion League e três mundiais de clubes, o último em 1994/95 – aceitou abrir mão de parte de sua cota referente aos direitos de transmissão do campeonato holandês em prol dos demais clubes.
Com esta iniciativa, o Ajax espera que o campeonato holandês fique mais qualificado, já que os adversários teriam melhores condições de reforçar seus times e, consequentemente, atrair o interesse do mercado estrangeiro.
Este maior interesse renderia uma melhor comercialização dos direitos de transmissão internacional, aumentando o faturamento e promovendo um círculo virtuoso que daria ao clube um orçamento mais significativo que, se bem gerido, propiciaria a buscada competitividade.
Embora seja um raciocínio simples, há que se ter uma boa dose de inteligência para acompanhá-lo e, mais ainda, para segui-lo.
A reprodução de algo minimamente parecido no Brasil parece fora de cogitação. A falta de união dos clubes e a miopia de grande parte de seus gestores, nos leva a acreditar que só entenderão o quão incompetentes estão sendo quando a audiência do campeonato brasileiro estiver restrita aos torcedores de poucos clubes.
Eventuais tentativas de reversão deste quadro que se aproxima, podem vir tarde demais, quando talvez os atuais torcedores das equipes com menor orçamento estejam direcionando seu tempo e dinheiro para outras modalidades esportivas e/ou de entretenimento.
Quanto aos clubes que mais faturam, estes terão que se contentar em participarem – sem chances concretas de vitórias – de competições internacionais importantes, contratar jogadores sem mercado na Europa e perder suas jovens promessas para equipes internacionais.
Isto sem falar nos reflexos que esta “concentração de riquezas” causa na seleção.
Há quanto tempo o Brasil não ganha uma Copa? Há quanto tempo um clube brasileiro não ganha um Mundial de clubes?
Não é coincidência. Acreditem!