ÚLTIMA HOMENAGEM A DUFRAYER
por André Luiz Pereira Nunes
(Foto: Daniel Planel)
O futebol brasileiro ficou mais pobre no dia de hoje. Faleceu, aos 64 anos, o ex-volante do Fluminense Luiz Carlos Dufrayer. O Fluminense utilizou o seu perfil no Twitter para lamentar o seu desenlace. Ele se notabilizou por ter sido o capitão da equipe que conquistou a Copa São Paulo de Juniores em 1977. Fez parte pelo Tricolor das Laranjeiras de um memorável elenco que permaneceu invicto por mais de 80 partidas.
– Foram dois anos sem perder. Ganhamos cinco diferentes títulos seguidos. O último foi a Taça de Nice, em maio de 1977! – relembrou na ocasião.
Justamente, nessa época, Paulo Cézar Caju atuava pelo Olympique de Marselha. Sabendo que o time juvenil do Fluminense iria disputar esse torneio, pegou o carro e o dirigiu até a cidade. Foi quando viu o futebol de Dufrayer.
– Conhecia algumas pessoas ligadas ao Fluminense. Entre elas, o técnico Pinheiro que era o treinador dessa garotada. Era um grande time. Alguns despontaram no elenco profissional e fizeram sucesso no futebol brasileiro! – ressalta o ídolo da Seleção Brasileira, Botafogo, Grêmio e outros grandes clubes.
O MUSEU DA PELADA, no mês passado, fez uma linda homenagem ao ex-atleta que lutava há alguns anos contra um implacável câncer nos ossos. Na ocasião, Sergio Pugliese, acompanhado por Paulo Cézar Caju, Manoel de Mello Júnior, Beto Quatis e Márcio Aurélio promoveram uma ótima resenha, na Praça Seca, que deixou o ídolo das categorias de base das Laranjeiras bastante emocionado.
Nascido em 3 de fevereiro de 1957, no Rio de Janeiro, Dufrayer iniciou sua trajetória, aos 13 anos, no Fluminense. Capitão da equipe nas categorias de base, venceu muitos títulos, entre os quais, a Copa São Paulo de juniores, em 1977, em decisão contra a Ponte Preta.
Ao subir para o time profissional, não encontrou o espaço devido, visto que a concorrência na época era extremamente acirrada. O Fluminense era apelidado de Máquina Tricolor por dispor de inúmeros craques de qualidade incontestável.
Transferiu-se, portanto, para o Serrano de Petrópolis, em 1978, pelo qual atuou com Renê Simões e Ademar Braga, todos em início de carreira. No ano seguinte, jogou na Associação Desportiva Niterói, o antigo Manufatora, tendo participado inclusive do cotejo em que o Flamengo goleou a sua equipe por 7 a 1. Nessa partida, Zico marcou um memorável gol, um dos que Pelé não conseguiu fazer na Copa do Mundo de 70, o do corta-luz. Após uma curta passagem pelo Botafogo da Bahia, Dufrayer encerrou precocemente sua carreira no Yuracam, de Itajubá, por causa de uma cardiopatia.
Apesar de não ter alcançado o mesmo reconhecimento na esfera profissional, Dufrayer permaneceu vivo na memória dos torcedores e dirigentes das Laranjeiras. Para muitos era uma espécie de talismã, um símbolo da força e da tradição da vitoriosa categoria de base do Fluminense.
Sobre a homenagem prestada pelo MUSEU DA PELADA, ele deixou a seguinte mensagem:
“Passei uma boa parte da manhã de hoje chorando de emoção. Se bobear, ainda choro mais. Ficou tudo muito lindo, me amarrei, é claro! Tenho recebido muitos cumprimentos, tá repercutindo muito, graças a Deus. Agradeço de coração a generosidade e consideração. Hoje tô num dia com muitas dores e mal-estar, mas pra semana vou ligar pra agradecer também ao Pugliese. Aliás, falei com ele ontem, mas vou ligar com mais calma novamente.
Fui honrado e eternizado e sou grato a vocês por isso.
Deus abençoe a todos!”.
DOSES IMPRUDENTES
por Valdir Appel
Paulo Mata protagonizou uma cena incomum num campo de futebol e que provavelmente, pela sua ousadia e despudor, abreviaram a sua curta carreira de técnico de futebol.
Dirigindo o Itaperuna, do interior fluminense, em jogo contra o Vasco da Gama pelo Campeonato Carioca de profissionais, arriou as calças no centro do gramado e mostrou sua branca bunda para todos os presentes no estádio em sinal de protesto contra a arbitragem, que segundo ele, prejudicava a sua equipe.
Nunca mais dirigiu time nenhum.
Este baiano já era bom de marketing nos anos 60. Deu charme carioca ao seu sotaque nordestino, lançou moda na zona sul com suas calças altas, camisas de grife e sapatos sem meias. Buscou seu espaço nos campos de futebol com garra e na sociedade com sua irreverência.
Tornou-se fiel escudeiro do zagueiro Fontana, um capixaba culto, educado e carismático, ídolo da torcida vascaína, passaporte para seu acesso aos círculos sociais e de forte referência na mídia esportiva.
Paulo presenciaria os últimos dias de Fontana em São Januário.
Em Salvador, o jogo contra o Bahia foi cancelado por causa das fortes chuvas que caíram sobre a capital baiana. O técnico Paulinho de Almeida liberou uma folga aos jogadores até as 23h.
A maioria voltou no horário, exceto três, que impuseram ao Paulinho uma vigília até às 3h da madrugada na porta do hotel. Aí deu um estalo no treinador que desceu para o bar que ficava no subsolo e…lá estavam: Eberval, Fontana e Moacir. Paulinho ainda teve tempo de ouvir:
– Garçom! Bota mais uma dose de uísque, por favor! Só não identificou o autor do pedido.
No dia seguinte a tensão era grande no ônibus que levaria os jogadores para o treino. Os “exxxpertos” da noite foram os últimos a embarcar.
Uma voz sacana quebrou o silêncio incômodo:
– Pelas minhas contas, cada dose ficou em 60 “paus”!
O cálculo do preço havia sido feito, tomando como referência a multa que cada um teria em seu salário, 40%.
Por falta de opção na lateral, Eberval jogou a partida seguinte e fez um gol de falta na vitória contra o Náutico do Recife. O mineiro Moacir pediu desculpas aceitas pelo técnico.
Fontana ainda resistiu dois meses até criar um novo atrito com o Paulinho de Almeida, quando se recusou a jogar uma partida decisiva contra o Internacional, alegando uma contusão minutos antes de o time entrar em campo.
Foi substituído por Moacir, mantido para a ultima partida conta o Santos. Fontana foi dispensado e negociado com o Cruzeiro.
O Vasco ficou em 3º lugar na competição.
(Taça de Prata, 1968)
PAI E FILHO, CRAQUES NO FLU E NO GALO
por Irineu Tamanini
Um dos melhores pontas-direita da história do Fluminense, o mineiro de Belo Horizonte Wilton Cezar Xavier se estivesse vivo – morreu em 13 de dezembro de 2009, aos 62 anos, vítima de falência múltipla dos órgãos, em Volta Redonda (RJ) – estaria hoje com 73 anos. Wilton era viuvo de Violeta com quem teve seus filhos ( Andrea, Paulo Marcelo e Mariana ). O quarto filho, Fernando morreu com 10 anos em uma piscina em Salvador quando Wilton atuava pelo Vitória da Bahia. Os três filhos geraram os três netos de Wilton e Violeta.
Poucos sabem mas Wilton – nascido na capital mineira em 13 de outubro de 1947 – deu segmento à carreira do pai – Eurídice Xavier – que foi centro-avante do Atlético Mineiro na época do ídolo e goleiro Cafunga. Xavier, como era conhecido no meio esportivo o seu pai, foi bicampeão pelo “Galo” e marcou muitos gols com a camisa do clube. Wilton acompanhava o pai nos jogos pelo interior de Minas Gerais e depois em São Paulo. Mas, foi em Volta Redonda (R) onde morou com o pai e mãe, dona Adélia Xavier – que ele deu os primeiros passos no futebol. Na época, o futebol de salão praticado nas escolas era o preferido das crianças.
Segundo seu irmão, que também jogou futebol mas como goleiro em clubes da Bahia e dos Estados Unidos, Paulo Xavier, hoje com com 61 anos e morando em Garopaba (SC), Paulo Xavier a origem no futebol de salão para o desenvolvimento técnico do Wilton.
– O meu irmão tinha muita habilidade e o drible curto em cima dos adversários ele aprendeu no futsal.
Os meninos na escola, os amigos de rua em Volta Redonda vibravam com as jogadas do Wilton nas “peladas” ou nas partidas entre os colégios.
Durante o seu tempo de Fluminense – de 1967 a 1975 – Wilton comentava em casa (ele morava na rua Soares Cabral 26 – edifício Norma, nas Laranjeiras – que adorava jogar o Flamengo x Flu, principalmente quando o lateral-esquerdo era o Paulo Henrique. Dizia ele: “o Paulo Henrique era um lateral que marcava na bola, um duelo de craques, pois não dava porrada e era um exímio jogador”.
Quando morava na rua Soares Cabral, quase em frente à sede do Fluminense, Wilton conheceu uma jovem que residia em um prédio ao lado (Soares Cabral 54) de nome Violeta. Quem conta a história é o brilhante jornalista José Augusto Gayoso que durante a infância residiu na mesma rua mas no número 48.
– “Não precisava nem atravessa a rua para entrar na sede do Fluminense”, disse com orgulho o tricolor Gayoso. Pouco depois, os pais de Gayoso se mudaram para a rua Moura Brasil , paralela a Soares Cabral, quase esquina com Alvaro Chaves, rua onde fica a sede do clube. É a rua que termina em frente à entrada do salão nobre e o restaurante do clube.
Gayoso era amigo de infância da Violeta. Ela e o Wilton -disse – formavam um casal muito apaixonado. Eu acompanhava com frequência os treinos do seu marido no gramado de Alvaro Chaves. Quando mudei do Rio de Janeiro para Brasília acabei perdendo o contato.
Wilton fez o seu primeiro jogo profissional com a camisa do Fluminense no dia 6 de julho de 1967. Ao todo, disputou 195 jogos com 107 vitórias, 45 derrotas e 43 empates. Do total de jogos, atuou como titular em 143 e 52 como reserva. Fez 19 gols, todos com o pé e nenhum de cabeça. Foi expulso de campo em três oportunidades.
Disputou 33 campeonatos sendo campeão Carioca em 1969, 1971, 1973 e 1975. E, ainda, campeão da Taça Guanabara em 1969 e torneio Roberto Gomes Pedrosa em 1970. O seu último jogo vestindo a camisa do Fluminense foi no dia 29 de julho de 1975. O tricolor das Laranjeiras ganhou do Fluminense de Macaé no estádio Expedicionário em amistoso.
Além do Fluminense, Wilton jogou no São Paulo, Santa Cruz, Coritiba, Vitória (BA), Toronto Blizzard (Canadá), Náutico, Leônico (BA) e Galícia (BA), onde encerrou a brilhante carreira profissional. Sua inscrição na CBF/CBD tinha o número 035997.
Após encerrar a carreira, Wilton voltou a residir em Volta Redonda e treinou o Volta Redonda nos seguintes períodos: de 1988 a 1993; de 1994 a 1996; de 1999 a 2000 e por último de 2002 a 2003.
Vítima de falência múltipla dos órgãos, Wilton teve o corpo enterrado na dia 13 de dezembro de 2009 no cemitério de Volta Redonda.
A SELEÇÃO DE EDU
por Rubens Lemos
Eram três amistosos logo após o Campeonato Brasileiro conquistado pelo Fluminense em 1984, campeão (1×0 e 0x0) contra o Vasco. Nas finais, o Fluminense pragmático e obstinado, venceu o primeiro jogo, gol de Romerito, e o segundo foi um bombardeio dos dois lados, com o goleiro vascaíno Roberto Costa obtendo a segunda bola de ouro da Revista Placar de melhor jogador do campeonato.
O campeonato de 1984 foi ótimo e sobraram poucos dos astros da sinfônica de 1982: Leandro, Oscar, Júnior e Sócrates. Sócrates seria vendido após o Brasileiro para a Fiorentina. Júnior iria logo depois, ao Torino.
Depois da derrota para a Itália, buscava-se a reconciliação com o toque de bola desaparecido na primeira e desastrosa passagem de Carlos Alberto Parreira pela CBF em 1983, quando ganhamos na moedinha o direito de decidir e perder a Copa América para o Uruguai.
O futebol vistoso do Vasco, de toques reluzentes e meio-campo habilidoso, deu vez a Edu Antunes de Coimbra, o irmão de Zico, que deslumbrava o país no balé cruzmaltino.
A bola é peça irônica e – apesar de golear – Edu não definia um time titular e sobravam craques. Aos 20 anos, o maior armador brasileiro estava no Vasco – Geovani – que começou entrosado com Pires e Arthurzinho enfiando goleadas de 9×0, 6×0 e 5×1 e ganhando todos os grandes.
Edu insistia num revezamento entre o titularíssimo ponta Mauricinho e o seu limitado reserva Jussiê. Geovani e Mário. Acácio e Roberto Costa brigavam. Arturzinho, sensacional contra os times pequenos, sumiu na decisão, perdendo um gol feito nos minutos finais, gol que daria o título ao ofensivo Vasco.
Depois da decepção, Arturzinho acabou no Corinthians, como substituto de Sócrates, vendido à Fiorentina da Itália para também sucumbir. Sócrates entregou-se à esbórnia no prenúncio do lamentável fim.
Num rompante de autossuficiência, o Doutor impôs ao país permanecer caso fosse aprovada a emenda parlamentar que estabeleceria as Eleições Diretas Já (em 1984) para presidente. A emenda perdeu e o Doutor – no episódio, mais militante que jogador, partiu.
A primeira opção do Corinthians foi Geovani, então com 20 anos, que se apresentou, vestiu a camisa do Timão e voltou porque o astuto presidente cruzmaltino Antônio Soares Calçada aceitava emprestar, jamais vender seu maior talento. Queria Geovani mais experiente para usufruí-lo maduro adiante.
Arturzinho acabou onde sempre se deu bem: no Bangu, onde recebia tietagem do bicheiro Castor de Andrade sem conquistar títulos: foi terceiro lugar em 1983 e vice carioca em 1985.
O time não tinha tranquilidade enquanto Parreira definiu seus onze e com eles rumou até o título: Paulo Victor; Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Romerito, Washington e Tato.
Para os três jogos – contra Inglaterra (0x2), quando o ponta Barnes driblou toda a defesa e fez um dos gols mais bonitos do Maracanã, Argentina (0x0) e Uruguai (1×0), Edu contrariou vaidades.
No Vasco, o lateral Edevaldo, os meias Geovani e Mário e o ponta Mauricinho foram descartados. Os que ele considerava melhores, levou, assim como no Fluminense, no Grêmio, no Flamengo e do Corinthians.
O tricolor Assis disputava com Tita e Arturzinho, Zenon e Delei queriam a vaga de organizador do time que morreu sem padrão de jogo. Convocar o limitado Baidek do Grêmio foi surrealismo. Reinaldo, fisicamente em frangalhos, decepcionou. Tato e Marquinho Carioca, os pontas pela esquerda, só rodopiavam com a bola.
Marcante, a despedida do magnífico Roberto Dinamite da amarelinha aos 30 anos e a certeza de que o ambiente no Vasco esfumaçou. Genial em campo, a seleção foi demais para Edu, que, jogando, valia pelos 22 chamados por ele.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA DADÁ MARAVILHA
Dá, dá, se deu! E se deu em maravilha, de corpo e alma, por completo, e nos 15 clubes em que jogou foi amado, exaltado, reverenciado, idolatrado, e por incrível que pareça, foi convocado para uma Copa do Mundo pelo general Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), presidente do Brasil em 1970 nos tempos de regime militar.
Mas, se Dario José dos Santos não fosse jogador de futebol, seria um frasista. Não um qualquer, mas um feitor de frases antológicas como os tantos gols que fez em 20 anos de relacionamento com a pelota.”Bola, flor e mulher, só com carinho”, diria certa vez ao ser alçado ao posto de primeiro romântico no futebol brasileiro. Mas o camisa 9, ídolo no Atlético Mineiro de 1971 e Internacional de 1976, amou a bola de uma forma intensa, genuína, sincera.
Alguns artistas, sejam do cinema, da música, da TV, das artes cênicas ou plásticas, da literatura, ou até mesmo os de rua, populares e impopulares brasileiros até a medula, conseguem transformar a própria precariedade numa chama divina da invenção. Assim foi Dario, ou Dadá, como gosta de se chamado toda vez que escuta seu nome visitando seus ouvidos e retribui com um sorriso largo de orelha a orelha.
Mas se Dadá foi generoso, foi um químico quando inventou minuciosamente a fórmula P=gat2, onde P = persistência, gat2 = gols, artilharia e títulos elevado ao quadrado, fórmula tão eficiente quanto a E=mc2, considerada a mais célebre equação científica do século 20 que fora desenvolvida pelo cientista alemão Albert Einstein (1879-1955).
Foi se reinventando que o camisa 9 do Campo Grande-RJ, em início de carreira, travou duelos sofridos e romanescas com o destino. Desde muito cedo teve uma infância difícil e muito pobre. Foi criado na rua Frei Sampaio, em Marechal Hermes, subúrbio carioca.
Acostumado a incendiar as torcidas com seus 926 gols marcados pelo Brasil afora, foi por meio de uma tragédia familiar que quase lhe custou a vida. Dadá, com apenas cinco anos de idade, se abraçou a mãe com o corpo embebecido de querosene e em chamas querendo morrer com sua progenitora. A mãe, que sofria sérios problemas mentais, num rompante em sã consciência, e em favor do futebol, se desvencilhou do filho e, num ato (im)pensado salvou a vida dele lhe atirando na lama.
Daquela matéria orgânica viscosa e pegajosa, e com o coração partido em mil pedaços, ressurgiu das cinzas para encarar os marcadores implacáveis que o senhor destino colocava em sua vida. Enfrentou todos como os tantos zagueiros que o marcaram. A começar pelo pai, que sem condições de cuidar dos filhos sozinho, colocou ele e seus dois irmãos na Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem), instituto responsável pela reabilitação de menores infratores no Rio de Janeiro.
Os irmãos não moldaram sua personalidade, no entanto, a convivência com outras crianças e jovens que cometiam crimes não foi das melhores. O Exercito Brasileiro foi o subterfúgio para sair da bandidagem, e aos 18 anos, era considerado “ruim” pelos recrutas, mas conseguia fazer gols compensando a falta de técnica aliada com sua velocidade que compartilhava força e impulsão, qualidades herdadas das ruas em tempos sombrios.
Chegou ao Campo Grande, clube modesto do Rio, se tornou profissional e aos poucos, foi tirando da cabeça os traumas da infância e a vida bandida na adolescência. Mas foi contra o Botafogo, no Maracanã, naquele 19 de dezembro de 1971, que Dario, o Peito de Aço, usou essa mesma cabeça para dar ao Clube Atlético Mineiro o seu primeiro e único título do Campeonato Brasileiro.
“Nunca aprendi a jogar futebol, pois perdi muito tempo fazendo gols”, disse certa vez o irreverente, goleador, frasista, folclórico e campeão Dadá Maravilha, nosso 31° personagem da série Vozes da Bola.
Por Marcos Vinicius Cabral e Gabriel Gontijo
Edição: Fabio Lacerda
Dadá, muitos pensam que você é mineiro, mas na verdade você é carioca nascido em Marechal Hermes. E na tua infância você passou por muitas dificuldades e ainda perdeu tua mãe com o corpo literalmente em chamas. Como foi essa situação para você como criança?
Em primeiro lugar agradeço a Deus e digo a todos que me acompanham que ganhei experiência por ter vivido tantos percalços na vida. Vida difícil, diga-se de passagem, como o triste episódio em que a minha mãe, que era doente mental, se suicidou ateando querosene no corpo. Mas mesmo com o corpo em chamas conseguiu me salvar, pois quando vi aquela cena trágica me agarrei a ela com todas as minhas forças e com meu corpo também em chamas ela me empurrou na vala. O gesto salvou minha vida. Então, minha mãe é um grande exemplo que eu jamais vou esquecer.
Como você já falou em algumas entrevistas, a morte da tua mãe te deixou muito revoltado e foi uma espécie de “empurrão” pra você entrar na criminalidade. Apesar dessa revolta pessoal, qual era o tipo de crime que você se recusava a cometer enquanto estava trilhando um caminho errado?
Eu entrei na vida do crime sim, no entanto, muitas coisas eu me negava a fazer: estupro, botar arma na cabeça dos outros, usar da violência e desrespeitar o cidadão, fazer covardia, tirar a vida de alguém. Isso eu jamais fiz!
O que te motivou a sair do crime foi a fuga de uma tentativa de assalto a um armazém. Você conseguiu escapar vivo porque corria em ziguezague dos tiros disparados pelo dono do estabelecimento, apesar de um comparsa ter sido atingido e morrido na hora. Isso foi o ponto de partida pra você mudar de vida. Como surgiu a oportunidade de ir para o Campo Grande, clube do subúrbio do Rio?
É verdade. Minha vida era muito difícil, tenho que admitir! Quando eu realizava assaltos, eu achava que estava sendo perseguido e que havia chegado o momento de escolher um lado para que eu não fosse julgado como um bandido que eu era. Essa fato foi apenas um dentre tantos outros. Mas o futebol entrou na minha vida no Exército e foi lá nas Forças Armadas que eu coloquei em prática a velocidade louca de correr da polícia, a impulsão de pular muros e subir em árvores. No Exército despertou a vontade de ser alguém respeitado na vida mesmo com estudos defasados – estudei até a oitava série. O Campo Grande foi a porta de entrada no futebol que acabou sendo a solução que o Dadá encontrou para salvar sua vida.
Durante seu período como interno na Escola XV, em Quintino, Zona Norte do Rio, você conheceu Zico e seus irmãos, de quem se tornou próximo. O que a família Antunes representou na sua vida?
Bem, eu era um cara muito confuso ainda. Foi quando dei a sorte no colégio em fazer um jogo contra um time que tinha o Antunes, o Edu e o Zico, três cracaços fabulosos de bola. O Antunes era um centroavante goleador e não tendo um zagueiro, me colocaram de beque-central para marcá-lo. Basta dizer que ele deitou e rolou em cima de mim. Lembro que eles venceram por 4 a 0 e eu bati muito no Antunes nesse dia. E quando acabou o jogo eu me dirigi para falar com o Antunes para pedir desculpa pelos pontapés que eu dei e ele virou e falou: “Garoto, posso te dar um conselho? Você de zagueiro não vai arrumar nada, você é horroroso. Agora você tem uma velocidade boa e uma impulsão melhor ainda. Se treinar, um dia poderá ser um grande jogador!”. E o Zico, que era pequenininho, ficava fazendo embaixadinhas e eu corri para dar uns cascudos nele. Aí o Antunes e Edu me juraram e disse que se eu encostasse no Zico eu apanharia dos dois Aí eu pipoquei, né? (risos). O Antunes me deu uns conselhos que eu segui e virei um jogador de futebol.
Verdade que você só foi aprovado pra jogar no Campo Grande depois do 7° teste e porque o treinador disse que iria te aprovar pela tua insistência, já que você era “muito ruim”?
Foi verdade. Quando eu cheguei na sétima vez para treinar o cara lá que fazia as peneiras torceu o nariz, coçou a cabeça e falou: “Meu Deus, lá vem esse negão de novo, esse garoto é ruim demais”. Aí eu pedi para ele: “Poxa, me dá mais uma chance e que seja a última. Eu preciso dessa chance”, implorei. Aí o treinador chamado Gradim viu e disse: “Traz o menino”. Eu entrei no segundo tempo no time reserva que perdia por 2 a 0 para o titular, e o treinador me deu a chance. Fiz os três gol da nossa vitória de virada. O Gradim ficou impressionado com a minha velocidade e a minha impulsão. Aí, ele foi no presidente e falou assim na minha frente: “Seu presidente, ele é ruim, ou melhor, ele é péssimo,mas com essa velocidade e impulsão, se eu treinar esse garoto eu tenho certeza que ele vai dar resultado. O senhor pode fazer um contrato de curto prazo”, disse acreditando em mim. Aí o Nílson, centroavante titular se machucou e eu entrei no time e comecei a danar de fazer gols. Foi assim.
Como foi sair do modesto Campo Grande e ir jogar no Atlético Mineiro? Quem o descobriu?
O Campo Grande foi fazer uma preliminar no Maracanã de um Fla-Flu e o nosso centroavante Nílson estava machucado. O Gradim, nosso treinador, não tinha quem colocar e esse Nílson pediu para me dar uma chance. Entrei como titular no jogo e o Maracanã tinha mais de 150 mil pessoas. Eu dei a maior sorte porque o Gradim falou na preleção: “Olha, vamos explorar esse menino e cruzar na área para ele. A velocidade e a altura são as qualidades que ele tem de melhor. Vamos aproveitar isso”. Eu fui muito feliz porque o Campo Grande ganhou de 4 a 2 o Bonsucesso, que estava com o moral elevada, pois havia vencido o Flamengo e o Fluminense. Era a zebra do campeonato. E lembro que nesse jogo eu fiz os quatro gols do Campo Grande, e em cada gol marcado, eu saía correndo igual um louco para comemorar com a torcida do Flamengo e com a torcida do Fluminense. E os torcedores não sabiam o meu nome, mas sabiam que eu fazia gols e começaram a gritar: “Dá no 9, dá no 9, dá no 9!”, e aquilo me motivou bastante no jogo. O Campo Grande ganhou. Para minha surpresa quando terminou o jogo, indo para o vestiário, um senhor me cutucou e disse na frente do Gradim, nosso treinador: “O 9, eu acabei de te contratar para jogar no Atlético Mineiro”. Eu olhei assim e tomei um susto, pois naquela mesma semana Atlético Mineiro e Cruzeiro decidiam o título e a Raposa se tornou campeã. Eu lembro que fiz a seguinte pergunta para aquele dirigente: “Esse Atlético Mineiro é aquele time em que a torcida fica igual a uma maluca gritando Galo, Galo, Galo? Ele respondeu: “É. É para lá que você está indo”. Quando cheguei no Clube Atlético Mineiro o treinador Yustrich me contou que o Gradim, nosso treinador no Campo Grande, havia ligado para ele e dado as minhas características. Ele me disse que seríamos campeões e me utilizaria. E foi o que o Telê Santana muito sabiamente fez.
O torcedor atleticano, até hoje, não esquece do gol de cabeça que você fez em cima do Botafogo em 1971 dando o primeiro Campeonato Brasileiro para o Atlético Mineiro (num triangular final disputado por São Paulo, Atlético e Botafogo). Além desses gols, eles não se esquecem do seu retorno, já veterano, em 1979, para suprir a falta de Reinaldo contundido, e conquistar o bicampeonato mineiro que terminaria só em 1983 com o hexacampeonato, maior seqüência em Minas Gerais na era profissional. Como foram esses dois momentos?
Inesquecíveis, posso assim dizer. Eu fico feliz em falar que, em 1971, quando foi a glória maior do Clube Atlético Mineiro na sua história, ou seja, campeão Brasileiro numa época em que os melhores jogadores jogavam no país. Com isso, a responsabilidade de cada jogador aumentava, e eu com esse aumento de responsabilidade, achei que o Atlético Mineiro seria campeão. Tanto que eu dei uma entrevista dizendo que o Galo seria campeão brasileiro, eu o artilheiro, e faria o gol de título. E aí? Tudo isso aconteceu! Eu nunca deixei de ser um profissional e aproveitando a entrevista para o Vozes da Bola do site esportivo Museu da Pelada, eu queria falar de 1978. Naquele ano foi uma campanha maravilhosa para mim, pois o Atlético foi surpreendido pelo Cruzeiro um ano antes, em 1977, e ganhou o título. O Dadá veio para substituir o brilhante Reinado, que estava machucado e já coloquei na imprensa aquela frase. Lembro perfeitamente que me reuni com o Procópio e os jogadores e falei que a gente ganharia aquele campeonato de qualquer maneira. E ganhanos do Cruzeiro que era favorito. Eu quero deixar bem claro para cada um dos leitores que vão ler essa entrevista, que eu sou um homem realizado e muito agradecido ao Clube Atlético Mineiro, onde cheguei sem moral. Mas eu e meus companheiros batalhamos e conseguimos reverter esse cenário. Algumas pessoas se tornaram importantes como o Lola, um amigo pessoal. As duas conquistas colocaram o Dadá no coração dos atleticanos.
Dadá, em toda a entrevista que fazem contigo, falam da convocação para a Copa de 70 após a demissão do João Saldanha. Vou tocar nesse assunto, mas de uma forma diferente. Qual foi a notícia na imprensa sobre isso que mais te machucou e de que forma você conseguiu superar esse assunto consigo?
Numa boa. A minha convocação para a Seleção Brasileira de 1970 aconteceu pelos inúmeros gols que fazia na época. Lembro que era o jogador que mais fazia gols no mundo. Mas teve uma discussão que envolveu o Presidente da República Emílio Garrastazu Médici, queria ver os gols de Dadá na Seleção e repercutiu isso na imprensa. Houve um mal-entendido, pois o presidente expressou a opinião dele como um torcedor e não como um político. Mas a população toda do Brasil queria ver Dadá em gramados mexicanos e que problema há nisso? Eu fui um jogador que dei alegria a todos os brasileiros que gostam de ver o gol que é a parte mais importante desse esporte no qual somos apaixonados. Mas eu penso que tudo aconteceu e me deu experiência para novas conquistas. Depois desse episódio eu me tornei o jogador mais artilheiro do futebol brasileiro.
O bicampeonato do Internacional foi em 1976 com um gol de cabeça e o outro de Valdomiro em cobrança de falta contra o Corinthians. O que lembra desse jogo?
Foi um gol que eu subi e parei no ar. Tive oportunidade de ver os meus filhos e naquele momento disse para mim mesmo: “Eu tenho que defender o leite das minhas crianças”. Dei uma cabeçada de 800 megatons e depois corri, desenfreadamente, uns 100 metros em 10 segundos até o goleiro Manga para comemorar. Mas era preciso tamanho esforço para comemorar um golaço daquele. Eu gostaria de citar o Internacional de 1976 que marcou muito a minha vida. Marcou tanto que acabou sendo considerado o melhor time da década, e nós fomos campeões em cima do fortíssimo Corinthians numa partida sensacional. E o Dadá, sempre ele, fez o gol inicial de cabeça. Depois o Valdomiro fez o segundo e ficamos administrando os minutos tensos daquele jogo e nos sagramos campeões. Agora o Campeonato Brasileiro que terminou recentemente, haviam dois disputando o título: o Internacional e o Flamengo. Em cada rodada a competição se desenhava de uma maneira diferente e quem ganha com isso é o torcedor, pois nesses últimos jogos que a gente tá vendo na TV está havendo um futebol de primeira classe e de uma categoria que merecem aplausos. Uma pena o Colorado não ter saído da fila. Uma pena mesmo!
Em uma partida válida pelo Campeonato Pernambucano de 1976, você marcou 10 dos 14 gols do Sport na vitória sobre o Santo Amaro. A marca histórica superou os feitos de Pelé e Jorge Mendonça, que marcaram oito gols em uma mesma partida. Quais as lembranças dessa partida memorável?
As lembranças são as melhores possíveis. Se lembrar um gol do Dadá é bom, imagine você lembrar de 10? Mas essa história começou seis anos antes, para ser mais exato. Um bate-papo informal com o Pelé na Copa do Mundo de 1970, o Rei, este que é ídolo do Dadá e de todo mundo. Eu fiquei sabendo de um recorde dele em ter marcado oito gols numa partida e não me contive. “Vou bater teu recorde de gols numa partida, que valer”? Ele riu. E eu gostei desse riso dele, porque o Dadá sempre falou as coisas e quando as pessoas riam, o Dadá ia lá e cumpria. Então eu falei assim: “Negão, e se eu fizer mais gols que você em 90 minutos, você me manda um telegrama”? Ele não titubeou: “Lógico que mando”. O tempo passou e aquilo ficou marcado no coração e na mente de Dadá. Em 1976, no Campeonato Pernambucano, numa partida contra o Santo Amaro, me deu um estalo: “Vai ser hoje”, prometi, e dos 14 gols eu fiz 10. No outro dia liguei para o Pelé e falei: “Negão, aqui é o Dadá, lembra que te falei na Copa do Mundo de 1970, que marcaria mais gols que você numa partida e você disse que me enviaria um telegrama? Pois é, fiz 10 contra o Santo Amaro pelo Campeonato Pernambucano, no dia 07 de abril, na Ilha do Retiro. E agora, vai me enviar o telegrama”? Ele respondeu: “Dadá, eu prometi e vou cumprir”. Dito e feito. O telegrama está no meu livro “Dadá Maravilha”, que foi escrito por Lúcio Flávio Machado, da editora Dele Rey, em 1999, e por ser amigo do Pelé, isso valorizou a história, o recorde dele que foi batido por mim. Hoje me dá um imenso orgulho em afirmar que sou recordista e o jogador que mais gols fez numa partida de futebol.
De todo o grupo de 70 com quem você cultiva uma relação de amizade e mantém contatos até hoje? E, por ventura, com quem você se decepcionou e prefere se manter distante?
Sou amigo de todos e todos são amigos do Dadá. Em 1970, não era só um time, era uma família. A CBF mantém até hoje essa amizade viva entre nós, fazendo reuniões semanais com os jogadores e estamos sempre juntos. A nossa amizade é muito grande e que isso sirva de exemplo para essa juventude.
Você nunca escondeu de ninguém que torce pelo Atlético Mineiro. Mas na tua infância no Rio qual era o time que fazia teu coração bater mais forte?
Eu tenho um carinho muito grande pelo Atlético Mineiro por ter me colocado na prateleira de cima dos grandes artilheiros do futebol brasileiro. Mas em Marechal Hermes, Zona Norte do Rio, eu torcia para o Club de Regatas Vasco da Gama.
E ter jogado no Flamengo, como foi?
A ida do Dadá para o Flamengo foi um momento muito importante da minha vida pessoal e na carreira. Eu havia saído do Campo Grande para o Atlético Mineiro como um desconhecido e quando fui para a equipe Rubro-Negra, eu era tricampeão mundial, campeão brasileiro e cheguei na Gávea com muita fome de gols. Aí, depois joguei com Zico, com Paulo César Caju, com Júnior e outros jogadores extraordinários. Só tenho a agradecer a Deus por tudo que o Senhor fez na minha vida.
Qual a sensação de ser o quarto maior artilheiro do futebol brasileiro com 926 gols, ficando atrás apenas de Romário com 1002 gols, Pelé com 1284 e Arthur Friedenreich, 1329?
Uma sensação maravilhosa, pois ficar entre os quatro maiores goleadores do futebol pentacampeão mundial é muita honra para o Dadá, que foi o máximo como jogador!
Mesmo com uma carreira vitoriosa, com inúmeros títulos, você confessou uma frustração profissional: nunca ter jogado no Corinthians. Teve algum momento em que isso quase aconteceu? E se teve, por que não foi adiante?
Verdade. Joguei nas grandes forças do futebol brasileiro, no entanto, em São Paulo, faltou o Corinthians. Em 1976, eu estava no Internacional e o Corinthians tentou me contratar, mas a torcida Colorada não permitiu. Uma pena!
Dos mais de 15 clubes em que jogou qual é o que você guarda com carinho e o que não gosta de lembrar?
Olha, todos moram no coração do Dadá e lembro deles com carinho. Tive a oportunidade de jogar em 15 clubes no Brasil e a felicidade de ser campeão em quase todos. Mas consegui ganhar algo mais importante do que títulos, vitórias e gols, que foi o respeito do torcedor. Os times merecem que o jogador dê tudo de si, e o Dadá deu o seu máximo por onde passou. Estou feliz!
Quem foi o grande treinador de Dadá?
Na minha carreira esportiva, tive bons treinadores que fizeram a diferença e melhoraram o desempenho do Dadá. Posso citar alguns deles, como: Telê Santana, Zagallo, Yustrich, Procópio Cardoso, Rubens Minelli. Todos deixaram suas marcas no futebol brasileiro.
E o grande ídolo?
Ídolo não, grandes ídolos: Pelé, Falcão, Zico, entre outros.
Como tem enfrentado o isolamento social do Covid-19?
Estamos passando por um momento muito delicado, mas eu confio na vacina. Espero que a gente possa voltar a se abraçar, se aglomerar, se amar e dar e receber carinho, pois é o mínimo que eu desejo a todos. A família está em primeiro lugar e a gente tem que saber que dias melhores virão, porque Deus é Pai.
Como você definiria Dadá Maravilha em uma única palavra?
Máximo (risos).