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O CRAQUE DO BRASIL EM 1984

por Luis Filipe Chateaubriand


Julio Cesar Romero, o Romerito, chegava ao Fluminense em 1984, vindo diretamente de Nova York, onde jogara anteriormente no Cosmos.

O jovem craque paraguaio viria ao tricolor para fazer a diferença.

Técnico, tratava a bola muito bem, de seus pés saíam passes preciosos, chutes arrebatadores, jogadas absolutamente inventivas.

Dotado de garra, estava constantemente disputando bolas divididas, liderava, apontava caminhos para os companheiros dentro do campo.

Com um preparo físico invejável, era onipresente em campo, se deslocava com extrema facilidade, movimentos ágeis, rápidos, inteligentes.

Tal conjunto de virtudes fez o gringo ser premiado ao fazer o gol do título, no primeiro jogo da final contra o Vasco da Gama, em que chutou, o goleiro Roberto Costa espalmou e a, bola, de volta, caiu novamente nos pés de “Don Romero”, dali saindo para o gol.

O cara veio, viu e venceu!

E ficou para sempre na memória do torcedor tricolor carioca!

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

NEM TUDO ESTÁ PERDIDO

por Zé Roberto Padilha


Na quarta, em meio a um equilibrado Campeonato Carioca, em que Botafogo e Vasco estão mostrando que terão dificuldades em subir, e o Fluminense tentará se manter, caso não invista, eis que surge o desequilíbrio.

O outro patamar.

Se apresenta um time de futebol diferenciado. Capaz de nos lembrar da Máquina Tricolor, da Academia do Palmeiras, do Expresso Cruzmaltino, do Botafogo e Santos que eram a base das nossas maiores seleções.

Se apresenta aquele que vai buscar o título maior do futebol brasileiro e mundial.

O que o Flamengo mostrou, quarta à noite, contra o bom time do Madureira, há muito não assistíamos. Uma exibição de almanaque, onde a técnica apurada, os deslocamentos incessantes, a vontade de jogar bola aliado a um enorme entrosamento não nos deixou sequer levantar para ir a geladeira buscar uma latinha.

Bola e jogadores, apaixonados, pareciam saudosos uma dos outros e se entregaram, de corpo e alma, a 90 minutos de puro êxtase.

Mais que uma exibição, foi um sopro de esperança no desacreditado futebol brasileiro.

Espero que o Tite tenha assistido a partida. Se colocar o Daniel Alves na lateral, o Neymar no lugar do Diego e naturalizar o Arrascaeta, o maestro, basta trocar as vestes rubro-negras pela amarelinha.

Deixe, por favor, aqueles Firminos, Fernandinhos, até mesmo Jesus quietos por lá. Há muito não estão identificados com a gente. Mal falam português, não jogam ao nosso lado como Gabigol, Everton Ribeiro e Bruno Henrique.

Daí não teremos apenas uma grande seleção de volta. Daquelas que dá vontade de ir a Teresópolis assistir ao treino, colecionar figurinhas, até voltar a pedir autógrafos.

Mais do que favorita para buscar outro título mundial, teremos novamente o orgulho de ser o país que pratica, forma e exporta o melhor futebol do mundo.

Parabéns, Flamengo.

GEOVANI E O TEMPO

por Rubens Lemos


Geovani nasceu em 1964. Nasceu tarde demais. Seu estilo refinado é natureza pura dos anos 1950/60, faixa dos craques de nenhuma correria e inteligência superlativa. Práticos da lei máxima de que no campo corre a bola e aos craques era facultado o direito ao prazer de saber movimentá-la, com sutileza e brilho.

Eram os tempos de Didi, Gerson, Dirceu Lopes, Ademir da Guia, Mengálvio. Suavam pouco, alegravam multidões na toques clássicos. Na morosidade de arapuca. Homens de raciocínio superior, de ocupação de espaços pela diminuição do campo no compasso dos passes que aproximavam a bola dos artilheiros. Geovani foi desse naipe, da tal categoria.

Na cronologia correta, teria disputado Copa do Mundo. Ou brilhado ainda mais do que luziu com seu jogo faceiro e delicioso, entorpecente de criatividade, de invenções em segundos de eternidade, de imortalidade genial guardada em jogadas absurdas, de tão belas.

Depois de Roberto Dinamite, o artilheiro do sorriso triste e impiedoso com zagueiros e goleiros, Geovani é o maior ídolo contemporâneo do Vasco.

Se nasceu depois da hora, Geovani veio subverter a era de um Vasco freguês caloteiro do Flamengo, início da década de 1980, Zico liderando a tropa que ganhava campeonatos com a naturalidade de um casal de adolescentes tomando sorvete ao primeiro dos namoros. O Vasco tinha Dinamite de Dom Quixote. E um monte de esforçados e brutamontes.

Em 1982, um garoto baixinho e gordinho, nascido no Espírito Santo, chegou e Impôs uma qualidade absoluta, ritmo acadêmico de veterano, visão periférica de uma partida, imperador do meio-campo em dribles de minifúndio e lançamentos longos como se houvesse um novo Gerson, ambidestro. Geovani tomou conta da cátedra de melhor meia-armador de minha geração de torcedores.

Geovani arquitetava, organizava e compunha. Roberto Dinamite e Romário concluíam a obra de engenharia, executavam o projeto e verbalizavam a cantoria de gols.

A história, exemplar em seus castigos, mostra em seus replays que faltou Geovani para o Brasil estilizar beleza e improvisação. Geovani é o jogador (ele e Dinamite) com mais títulos cariocas conquistados pelo Vasco. Foram cinco, três deles sobre o Flamengo de Zico.

Foi chamado de lento e exagerado perfeccionista. Tratava a bola com carinho e carícia de namorado. Exatamente o traço da casta nobre dos idos do futebol acadêmico, categórico e intelectual. Sem força. Na ginga e no jeito.

Sem ele na seleção brasileira, perderam-se duas Copa do Mundo sintomáticas pela falta de um cérebro na criação da meia-cancha: em 1986, viajaram Elzo e Alemão.

Em 1990, Dunga e o tal Alemão, bom maratonista, obscuro criativo. Sebastião Lazaroni, especialmente, o técnico medíocre do Mundial da Itália, será praguejado pela memória nacional por não ter convocado Geovani e levado seu compadre Tita. Ou cinco zagueiros.

Geovani arquitetava, organizava e compunha. Roberto Dinamite e Romário concluíam a obra de engenharia, executavam o projeto e verbalizavam a cantoria de gols.

A Geovani, Romário deve muitos dos seus gols, recebendo livre na área lançamentos de 40 metros, fita métrica na chuteira do Pequeno Príncipe, assim batizado o regente cruzmaltino. Tenho que dizer aos meninos de hoje. Se vocês tivessem visto Geovani, glorificar Firmino, Fernandinho e Jô, seria castigo implacável da proibição do videogame ou da exaltação da mediocridade.

Geovani, guerreiro suave, conquistou o maior campeonato da vida: superou um câncer e fez transplante de medula. Com a força extraordinária da fé e a luz radiosa dos homens escolhidos para gerar felicidade em milhões. Geovani veio depois e fez sua hora, impondo o batuque das rodas de samba em tardes vascaínas que liderou na solidão da maestria. Dos precursores de Maracanã com 100 mil pessoas.

O JOGADOR MODERNO

:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::


No futebol do novo normal o professor aluga um campo de grama sintética, impecável, para organizar uma peneira. Abandonou seu emprego de corretor imobiliário para investir no mercado milionário do futebol. Maquininha de cartão de crédito em punho cobrou cinquenta reais pela inscrição e arrecadou uma boa grana. Mas para serem aprovados os meninos precisavam responder um rigoroso questionário.

– Nome?
– Me conhecem por Sirleizinho.
– Esquece, tem que ser nome composto. Sugiro Ricardo Felipe.
– Quantas tatuagens tem?
– Duas.
– Não estou vendo nenhuma. O ideal é fazer uma no pescoço e uma em cada braço.
– Seu corte de cabelo é inspirado em qual jogador?
– Gabigol!
– Perfeito! É só manter nesse tamanho e alterar a coloração mensalmente. Por favor, mostre a coxa.
– Assim está legal?
– Olha, precisa ganhar mais músculos para chamar a atenção quando levantar o short. E também sugiro uma tatuagem de dragão na coxa.
– A sobrancelha é feita regularmente?
– Sim, mas esqueci o piercing de nariz em casa.
– Piercing é fundamental!
– Qual a sua posição?
– Zagueiro.
– Quer um conselho? Invista em uma barbona!
– Altura?
– Um e noventa e oito.
– A chance de entrar como titular é grande. Tá vendo aqueles dois baixinhos ali? Nem vou me alongar na entrevista com eles.
– Já comprou seus fones de ouvido?
– Tenho três.
– Como está sua velocidade, tem assistido os vídeos de Usain Bolt sugeridos por nossa comissão técnica?
– Claro! Meu condicionamento físico está 100% e também pratico UFC.
– Perfeito! Parabéns!
– Por favor, pegue aquela bola da beira do campo tente arremessá-la com as mãos dentro da grande área.
– Que maravilha! Está bem de carrinhos?
– Dou ótimos carrinhos e também sei simular faltas, tenho treinado muito.
– Olha, estou impressionado com o seu desempenho.
– Para a comemoração dos gols preparou alguma dancinha?
– Todas foram ótimas, mas gostei muito dessa da reboladinha até o chão.
– Você saiu-se muito bem e pode retornar amanhã, mas leve essa cartilha porque é importante aprender o que é bochecha da rede, último terço, beirinha de campo e outros termos que estão destacados aí.
– Estou emocionado, sempre sonhei com esse momento. Sorte não ter caído dribles e lançamentos nessa prova. Confesso que sou quase zerado nesses quesitos.
– Seu empresário já havia me alertado sobre isso. Deixe de lado essas bobagens e vá providenciando o passaporte e coloque uma coisa em sua cabeça a Escolinha do Neca fechou, ficou ultrapassada, e nós damos as cartas. Faça sua tatuagens e deixe o resto comigo!

Em tempos de “modelo de jogo”, encontramos a passarela perfeita para os manequins desfilarem seus estilos!

A MALDIÇÃO DE ARUBINHA DO ANDARAHY

por PH Gomes


Foto do Arubinha. Fonte: Sport Ilustrado, edição 265, de 1943.

Um acidente. Com jogo atrasado. 12 a 0. Quatro gols de Niginho. Uma costela quebrada de Oscarino. A maldição de Arubinha contra o Feitiço do ataque dos Camisas Negras. Uma história que virou lenda e tornou o futebol carioca ainda mais curioso.

Lá nos anos de 1920 e 1930, os Camisas Negras inscreveram o nome do Vasco da Gama na eterna história de títulos do futebol carioca. Era o time a ser batido. Era o favorito das finais. Enfrentá-lo era sinal de derrota ou vitória sofrida, especialmente pelos times do subúrbio carioca. Por outro lado, o Andarahy Athletico Club era o time da fábrica, dos trabalhadores da Confiança, do misterioso zagueiro Dondon da canção do vascaíno Nei Lopes. Em 29 de dezembro de 1937, haveria mais um confronto dos Jaquetas Verdes contra o vitorioso Camisas Negras. O resultado? Sem milagres ou novidades – vitória maioral do Vasco da Gama. O que mais chamou atenção? O acidente envolvendo os jogadores vascaínos a caminho do jogo na cancha das Laranjeiras. Apesar do susto, o Diário A Noite noticiava: “Todos bem, apesar da costela partida de Oscarino”. O que ficou na história? A Uruca dos 12 anos. Como assim?


Notícia do jogo. Fonte: Diário A Noite, edição 9298, de 30/12/1937.

O Andarahy enfrentou um verdadeiro bombardeio, sem dó, nem piedade. Ao final do jogo, os jogadores estavam desnorteados. Arubinha, reserva do time, espectador do desastre e treinado na mandinga, não se fez de rogado e transformou sua fúria numa maldição contra o Vasco da Gama: 12 gols, 12 anos sem glórias no futebol carioca. Na surdina, foi a São Januário e enterrou um sapo na cancha vascaína. História verídica? Não se sabe. Mas, a partir daquele jogo, os Camisas Negras tiveram muitas dificuldades para ganhar jogos e títulos. Até 1945, nenhum título carioca, muita perturbação e incredulidade. A Cancha de São Januário foi revirada aos quatro cantos. Nenhum vestígio de sapo ou mandinga foram encontrados. Verdade ou não, a uruca de Arubinha durou apenas nove anos, quando o Vasco de Ondino Vieira quebrou o encanto obtendo o cetro de 1945 e nos anos posteriores alcançou as cabeças das competições locais. Por certo, o voluntarioso e místico Arubinha, do banco de reservas dos Jaquetas Verdes, assinou seu nome na história do Futebol Carioca e virou até estampa de camisa.