Escolha uma Página

“ME LEVA PARA TRÊS RIOS, PROFESSOR”

por Zé Roberto Padilha

E bom quando seu sonho de menino depende apenas de você, da sua determinação, da sua luta e uma pitada de sorte. Mas quem solicitava ajuda para seus sonhos de menino, e do outro lado da linha suplicava pra vir jogar no time que dirigia, o Entrerriense FC, precisava de mim.

Depois de classificar o nosso time, em 1994, para disputar a primeira divisão, em 1995, fui ao Fluminense pedir ajuda. Tinha treinado em Xerém a safra que acabara de chegar da Copinha. E consegui emprestado seis jogadores. Aquele que me ligara pedindo para vir junto, segundo o Supervisor Paulo Alvarenga, fez bagunça em São Paulo. E ele fez quase uma ameaça:

– Não leva que vai fazer bagunça aí também!

O Entrerriense FC tinha uma receita pequena e definida. Não tinha o direito de errar e não podia contrariar o Supervisor que me ajudara a trazer os demais.

Depois daquele telefonema, certamente realizado de um orelhão sabe-se lá aonde, fiquei muito mal. Meu ex-atleta, ponta-direita raiz, habilidoso e driblador, estava com 20 anos. De uma família humilde, se não tivesse uma oportunidade naquela altura pós sub-20, iria deixar seus sonhos pelo caminho.

Ele foi, ao lado de Paulo Alexandre, pela direita, e Wallace e Vlamir, pela esquerda, os últimos pontas de verdade que Xerém revelou. Jogávamos nas preliminares do profissional e a torcida tricolor chegava ao delírio com o show que eles davam.

Bem, Mário Alexandre, Renato, Cláudio Brasília, Tito, Juarez, César Diniz vieram para Três Rios. Mas meu ponta-direita,, que tanto precisava e me ligou, nada. E nunca mais soube notícias dele até acompanhar a ascensão de um atleta no Beach Soccer que se tornou o Rei da Praia.

Ele mesmo. Neném Lisboa, que comigo era o Sassá.

Fiquei muito feliz porque foi o destino que, ao impedir de vir jogar em Três Rios, o levou para o futebol de areia, onde rapidamente se destacou e chegou à seleção brasileira. Mais do que isto, encontrou nesta modalidade a oportunidade que eu, Paulo Alvarenga e o futebol de campo não lhe concedemos

Meritos dele. Azar o nosso!

MENOTTI: O GOL É UM PASSE PARA A REDE

por Paulo-Roberto Andel

Ele foi bom de bola. Passou pelo Brasil, pisou no histórico gramado da rua Javari e ainda viveu brevemente a Vila Belmiro de ninguém menos do que Pelé, já no fim da carreira de jogador. Antes, já tinha vivido a glória no Boca Juniors, Racing e Rosario Central.

Logo virou treinador, encantou a Espanha, passou pelo México, comandou grandes equipes mas sentou praça definitiva na Seleção Argentina, onde foi campeão mundial de juniores e profissionais, mudando os paradigmas do futebol em seu país para sempre. Com Menotti, a Argentina deixou de ser grande e virou gigante no futebol.

Seu trabalho encantou legendas atuais como Guardiola. E se a ditadura militar argentina fez das suas na Copa de 1978, não se pode esquecer de que, no fim das contas, a anfitriã tinha um timaço. Nomes como Fillol, Passarella, Galego, Ardiles, Kempes, Luque e Tarantini dosavam de forma equilibrada um time de alta capacidade técnica com muita raça. Sim, os militares portenhos foram escroques, mas aquele timaço não precisava de arranjo nenhum – e Menotti ainda deixou o menino Maradona de fora, considerando-o imaturo para o Mundial. Depois estariam juntos na equipe nacional e no Barcelona.

Menotti não fazia média. Apaixonado pelo futebol brasileiro – que lhe serviu de eterna inspiração profissional, contrariou dez entre dez conterrâneos e afirmou que Pelé sempre foi melhor do que Maradona – e isso não tirava o brilho do maior camisa 10 argentino da história, apenas colocava pingos nos is. E justamente por não ter papas na língua, o ex-treinador desceu a lenha na Seleção Brasileira ano passado, quando perdeu da Argentina jogando um futebol paupérrimo. Ele viu e viveu o Brasil da bola nos anos 1960, o que lhe deu um inquestionável lugar de fala.

Decidido, adepto do futebol ofensivo e técnico, firme em suas posições, Cesar Luis Menotti voltou a ser campeão mundial pela Argentina em 2022, como diretor de seleções. Foi o seu brilhante canto do cisne. Campeão do começo ao fim, eis um sujeito que fará muita falta a todos os que apreciam a antiguidade chamada de futebol-arte.

Foi um homem de conversa, lirismo e poesia misturados à bola. Cunhou muitos parágrafos e frases. Uma delas, que trata da importância do futebol coletivo e bem jogado, é definitiva: “O gol é um passe para a rede”.

@pauloandel

RAZÕES PARA O BICHO VOLTAR

por Zé Roberto Padilha

Quando as coisas dão certo no futebol elas, infelizmente, são logo esquecidas. Só mesmo o despreparo dos nossos dirigentes para explicar porque o “bicho”, premiação em caso de vitória, desapareceu da relação clube-jogador.

Exemplo: decisão da Taça GB 76 entre Flamengo x Vasco. A moeda vigente era o cruzeiro e Zico ganhava 33 mil. Junior 25 e eu, chegando do Fluminense, 21 mil. Como o cruzeiro valeria hoje 2 reais, nossos salários não seriam ruins: 66, 50 e 42 mil. Isto é, com uma folha menor, os salários estavam sempre em dia. Dificilmente tinha clube endividado. A diferença a gente buscava no bicho.

A decisão da Taça GB, em 1976, por exemplo, levou ao Maracanã 130 mil torcedores. E o bicho pela vitória era proporcional à renda: se ganhássemos do Vasco, o bicho seria de 100 mil reais. Aí você comia grama. E todos comendo grama, já pensou ganhar em 90 minutos cinco vezes o seu salario? Colocava o time lá na ponta da tabela e trazia gente para o estádio.

As vitórias eram a nossa poupança.

Hoje, Gabigol ganha 1,5 milhão por mês com qualquer resultado. Afastado há algum tempo, nem aparecer no clube podia para justificar o seu salário. Vinha treinando no condomínio onde mora, na Barra da Tijuca, com uma estrutura montada com a ajuda de profissionais do rubro-negro.

Gabigol precisa depender de jogar e vencer para viver, não viver de um alto salário que não está em campo para merecer.

Ele e tantos jogadores profissionais, como o Ganso, que precisam lutar mais em campo do que desfilar seu repertório clássico, e cada vez mais ficam distante do gol adversário. Antigamente, era a porta do cofre. Quem se afastaria na busca dos seus segredos?

Conselho de uma velha raposa, que conseguiu ser vice do Vasco na decisão de 76, e perdeu 100 mil em 90 minutos: se correr e vencer, o bicho é pago. Se ficar parado e perder, o bicho some.

Se o bicho voltar, Gabigol volta junto para pagar o condomínio.

AS FINAIS DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE 2002

por Luis Filipe Chateaubriand

Em 2002, Santos e Corinthians jogaram as finais do Campeonato Brasileiro.

O Santos chegou às finais ao eliminar o Grêmio, e o clube voltava às finais depois de sete anos, pois a última vez que as havia disputado foi em 1995.

O Corinthians chegou às finais eliminando o Fluminense e, depois de três anos, desde 1999, estava nas finais novamente.

O primeiro jogo das finais aconteceu no Estádio do Morumbi, em São Paulo, com mando de campo para o Santos.

Com um gol de Alberto, no primeiro tempo, e outro gol de Renato, no segundo tempo, o Santos venceu por 2 x 0.

O segundo jogo das finais também aconteceu no Estádio do Morumbi, em São Paulo, desta vez com mando de campo para o Corinthians.

No primeiro tempo, Robinho, de pênalti, fez 1 x 0 para o Santos.

No segundo tempo, Deivid empatou para o Corinthians em 1 x 1, Anderson fez para o Corinthians 2 x 1, Elano empatou para o Santos em 2 x 2 e Léo fez 3 x 2 para o Santos.

Considerando-se o Campeonato Brasileiro verdadeiramente realizado a partir de 1971, o Santos era, pela primeira vez, campeão brasileiro, premiando-se uma nova brilhante geração de “meninos da Vila”.

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 60

por Eduardo Lamas Neiva

Após a execução de “Carnaval tri-campeão”, a turma no bar Além da Imaginação se dispersou um pouco, esticou as pernas, foi tirar água do joelho, pediu mais uns comes e bebes. Quando deram uma pequena pausa pra respirar, Idiota da Objetividade veio com a informação incômoda.

Idiota da Objetividade: – Só em 1934, na Itália, o Brasil foi pior do que em 66, ficando em 14º lugar. Porém, daquela vez só jogou uma partida e perdeu. O sistema era eliminatório. Na Inglaterra ficou em 11º.

Ceguinho Torcedor: – O time brasileiro não foi derrotado pela Hungria e por Portugal, mas pela burrice da comissão técnica. Em quatro meses de treinos a comissão teve tudo e não revelou um único e escasso momento de lucidez. Com menos dinheiro a Inglaterra fez o seu império.  Quando a gente se lembra do que a comissão técnica fez, chega-se a pensar em insânia. Mas aí é que está: a burrice é a pior forma de loucura.

Garçom: – Vi várias vezes lances daquele jogo contra Portugal, e o Pelé foi caçado em campo.

Ceguinho Torcedor: – Sim, valeu tudo contra o Brasil e, sobretudo, contra Pelé. O crioulo foi caçado contra a Bulgária. Não pôde jogar contra a Hungria e só voltou contra Portugal. Nova caçada. Sofreu um tiro de meta no joelho. Verdadeira tentativa de homicídio. O juiz inglês nem piou. Silva levou um bico nas costelas. Jairzinho foi outra vítima e assim Paraná. O árbitro a tudo assistia com lívido descaro. E nós? Que fizemos nós? Nada. No último jogo, o Brasil apanhou sem revidar.

Garçom: – Como pode isso?

João Sem Medo: – Um time apático, batido antes de entrar em campo. Não havia comando.

Ceguinho Torcedor: – Como se sabe, aquela Copa foi uma selva de pé na cara. E, no entanto, vejam vocês: — o brasileiro lá apareceu com um jogo leve, afetuoso, reverente, cerimonioso. E havia um abismo entre os dois comportamentos: nós, fazendo um futebol diáfano, incorpóreo, de sílfides; os europeus, como centauros truculentos, escouceando em todas as direções. E no fim, a Inglaterra, a dona da casa, ganhou no apito o caneco de ouro.

Músico: – Soube pelo Nelson Motta que após a derrota para Portugal os torcedores brasileiros na Inglaterra improvisaram uma batucada lenta e cantaram, sofridos, o samba “tristeza, por favor vá embora, minha alma que chora”.

Jair Rodrigues aproveita o passe, levanta-se e continua a cantar a música “Tristeza”, de Haroldo Lobo e Niltinho Tristeza, logo seguida por todas as vozes do Além da Imaginação.

Todos aplaudem muito, repletos de alegria, inclusive Zé Ary.

Garçom: – Por Deus, gente! Que maravilha. Aquela tristeza foi mesmo embora e viria toda a imensa alegria do Tri em 70!

Ceguinho Torcedor: – Uma imensa alegria!

Sobrenatural de Almeida: – João, você ficou feliz com a conquista do tri, em 70?

João Sem Medo: – Claro que sim. Fiquei emocionado.

Sobrenatural de Almeida: – Mesmo sem você comandando o time que começou a montar?

João Sem Medo: – Almeida e amigos, aquela vitória extraordinária do Brasil no México foi a vitória do futebol. Do futebol que o Brasil joga, sem copiar ninguém, fazendo da arte de seus jogadores a sua força maior e impondo ao mundo o seu padrão. Não precisou seguir esquemas dos outros, pois tem sua personalidade, a sua filosofia, e jamais deveria sair dela.

Ceguinho Tricolor: – Tudo começou com o João. Quando o chamaram, berrei: “É o técnico ideal”!

João Sem Medo: – Obrigado, meu amigo. O Antônio do Passo foi à minha casa e disse que a cúpula da CBD gostaria que eu fosse o novo técnico da seleção. Perguntei a ele se era uma sondagem ou um convite. Ele confirmou que era um convite. Então respondi: “Eu topo!”.

Ceguinho Tricolor: – João, tenho-lhe um afeto de irmão. Quebrei minhas lanças para que a CBD o escolhesse. Havelange e Antônio do Passo tiveram um momento de lucidez ou mesmo de gênio, um momento digno de um Disraeli, e o chamaram. Sabe, um amigo meu, bem-pensante insuportável, veio me perguntar na época: — “Você acha que o João tem as qualidades necessárias?” Respondi: — “Não sei se tem as qualidades. Mas afirmo que tem os defeitos necessários”. E, realmente, o querido João possui defeitos luminosíssimos. E eu acreditava que com os defeitos de João Sem Medo o Brasil ganharia a Copa.

Garçom: – E ganhou com a ajuda dele, afinal nos classificamos nas eliminatórias só com vitórias. O “seu” João resgatou a autoestima do torcedor brasileiro.

Idiota da Objetividade: – A seleção estava sem credibilidade. Os jogos do Brasil não enchiam mais os estádios depois do fracasso em 66.

Garçom: – Lembro que ouvi pelo rádio a primeira entrevista do “seu” João como técnico da seleção. Ele deu logo a lista de titulares e reservas.

Ceguinho Torcedor: – Eram as feras do João.

Garçom: – Ah, isso dá música. Vamos chamar ao palco a dupla Pedro Bento e Zé da Estrada. Podem vir, por favor.

A dupla vai ao palco aplaudida.

Pedro Bento: – Obrigado. Em homenagem àquela brilhante seleção, especialmente o João Sem Medo que aqui está nos enriquecendo com seus conhecimentos e causos junto com Ceguinho Torcedor e demais componentes da mesa, vamos cantar “As feras do Saldanha”, de Joel Antunes Leme, também conhecido como Pedro Bento, ou seja, eu mesmo (todos riem), e J. G. Barbosa, o Zé da Estrada. Vamos lá, Zé da Estrada!

Pedro Bento e Zé da Estrada são aplaudidos. Agradecem e deixam o palco.

Músico: – Zé Ary e amigos, há ainda outra música, de Jayme Bochner, também chamada “As feras do Saldanha”, que foi gravada em 1969 pelo comediante Paulo Silvino.

Boa parte do povo no bar faz cara de espanto.

Músico: É, ele mesmo cantando.

Garçom: – Pois é, falamos já sobre isso antes, mas ainda não conseguimos a gravação, nem trazer o Silvino aqui pra cantar pra gente. (https://www.museudapelada.com/resenha/uma-coisa-jogada-com-musica-capitulo-20/)

Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).

Saiba mais sobre o projeto Jogada de Música clicando aqui.

“Contos da Bola”, um time tão bom no papel, como no ebook. 

Tire o seu livro da Cartola aqui, adquira aqui na Amazon ou em qualquer das melhores lojas online do Brasil e do mundo.

Um gol desse não se perde!