Escolha uma Página

O TAL DO TIME MISTO…

por Zé Roberto Padilha

Não importa a competição, a modalidade esportiva, uma ida ao altar para estar à altura dos seus compromissos: nunca leve um interino. Jamais aceite ser substituído pelo seu reserva imediato.

Nada é pior, irreal, confuso e desentrosado do que o tal time misto.

De que adianta o Botafogo ter o meio-campo mais entrosado do país, capaz de reunir dois eficientes marcadores que sabem jogar, ao lado de dois hábeis volantes que poucos times tem o privilégio de ter, se você deixa três deles no banco de reservas?

O cansaço, compreensível, o desgaste, esperado, só seria amenizado com o entrosamento. Com os titulares, se corre menos. A bola, mais.

Nessa hora de reconhecer os méritos do Botafogo, dar os parabéns pelo ano brilhante que alcançou, também seria justo ouvir nosso inesquecível Mario Vianna, com dois enes, a respeito da decisão de seu treinador em poupar seus titulares.

“Errrrooooouuuuuuu!!!!!!!!”

É RACHA!

por Paulo-Roberto Andel

Foto: Alex Ribeiro

Agosto ou setembro de 1980. Instituto Santo Antônio de Pádua, rua Tenreiro Aranha, transversal à Figueredo Magalhães, coração de Copacabana.

Exceto nas aulas de Educação Física, era proibido o uso de qualquer bola para qualquer prática de jogo dentro da escola. Alguém teve uma ideia para a hora do recreio: e se não fosse uma bola, mas um quadrado?

Não me lembro como, mas viabilizaram um quadradinho de madeira, melhor dizendo, quase um taco de piso. Um taquinho.

Não podia ter gol, nem golzinho. Então nasceu o racha: os players ficavam em três das quatro paredes do terraço da escola. Todos ficavam de prontidão quando o grito era de algum grandão da oitava série: “É RACHAAA!”. Misturavam sétima, sexta e quinta séries. Os menorzinhos, não.

Dado o grito, o taquinho era chutado para uma das paredes. Todo mundo corria para bicar quem dominasse a “pelota retangular”. Gritos e gritos, “É RACHAAA!”. O taquinho ia de um lado para o outro, ficávamos suadíssimos em quinze minutos e o jogo acabava. O mais incrível é que ninguém se machucava e a gente só disputava aquela loucura na escola.

Lembrar do racha é lembrar de um grande ano do futebol, o campeonato brasileiro, o carioca, os craques: Edinho, Cláudio Adão, Mendonça, Roberto, Paulo Cezar, Adílio, Tita, Zico, Luisinho, tanta gente. Pintinho, Zé Mário, Deley. Os botões, os álbuns de figurinhas, o Futebol Cards. Juntar dinheiro para comprar um escudo bordado e pedir à mãe para costurá-lo na camiseta Hering, combinada com short Silze. Sonhar com o pai falando “Tome seu banho que vamos pro Maracanã”.

O colégio acabou, a rua Tenreiro Aranha também. Agora tem o batalhão da PM e a estação do metrô. Onde foram parar os amigos do racha? O Fernandão eu sei, tá todo contente com o Botafogo. O Leo é super atleta de corrida, natação e o diabo.

Meu pai, ah, agora está longe demais dessa capital, mas penso nele todo dia. Hoje pensei mais, é que vi figurinhas de um álbum, ele adorava colecionar. Lá se vão quarenta e quatro anos, mas a vida é isso: envelhecer, poder olhar para trás e ter lembranças marcantes. O racha é uma delas. O lindo Fluminense cheio de jovens e todo de branco, sendo um esplêndido campeão. A garotada atual não vai entender, mas a gente nem estava aí para Libertadores – e por motivo justo.

No fundo, no fundo, o futebol é nosso eterno teletransporte para a infância. Deve ser por isso que gostamos tanto desse jogo de bola, tanto que nem ligamos se a própria bola vira um taquinho.

@pauloandel

A TI, GEROMEL, A NOSSA GRATIDÃO

por Cláudio Lovato Filho

Ele formou com Walter Kannemann uma das maiores duplas de zaga do Grêmio em todos os tempos. Um dupla de zaga histórica, como históricas foram as duplas de Airton Pavilhão e Ênio Rodrigues, Ancheta e Oberdan, Baidek e De León, Adilson e Rivarola (para ficar entre as mais míticas).

Ele chegou em 2013, vindo da Alemanha.

Um desconhecido.

Cara de guri bem comportado, magrão, alto, sotaque paulista.

“Tem nome de remédio”, disseram alguns.

As brincadeiras com o nome duraram pouco, porque rapidamente o nome virou sinônimo de zagueiro sério e bom de bola.

Pedro Geromel.

Das tantas atitudes bonitas e exemplares de Luisito Suárez durante sua maravilhosa passagem pelo Grêmio em 2023, uma das que falaram mais alto sobre a humildade do uruguaio e o respeito (e a estima) de todos por Geromel aconteceu num jogo contra o América/MG. O zagueiro começou no banco, Suárez era o capitão. Assim que Geromel pisou no gramado, Suárez lhe entregou a faixa, sem que ninguém houvesse pedido.

Geromel disputou 408 partidas pelo Grêmio. Conquistou 12 títulos. Foi unaminidade no clube pela entrega, pela liderança, pelo talento. E pela simplicidade – marca do comportamento e do estilo de jogo. Mestre do posicionamento, brilhante na antecipação, no cabeceio, no desarme, na saída de bola.

Pedro Geromel se despediu do futebol aos 39 anos, no dia 8 de dezembro de 2024, um domingo, com a Arena recebendo mais de 40 mil torcedores.

Fico pensando se ele faz realmente ideia do quanto todos nós, gremistas, somos gratos a ele.

Gratos não apenas pelos 11 anos vestindo a camisa azul-preta-e-branca, não apenas por esses mais de 400 jogos, pelas 12 taças que levantou, pelos tantos gols que ajudou a evitar e pelos que fez, mas gratos sobretudo pelo gremismo mais genuíno que ele incorporou e para sempre representará.

Pedro Geromel é motivo de orgulho para todos os gremistas, e o legado que ele deixa, como jogador e como ser humano, lhe assegura um lugar entre os maiores da nossa História iniciada em 1903.

Valeu, Geromel. Valeu demais.

Foi um privilégio para nós te ver tantas vezes vestindo com a bravura e altivez de sempre o Manto Tricolor.

Foi para guerreiros como tu que a nossa camisa foi feita.   

DE REPENTE, UM DIA COM OS MESTRES

por Zé Mário

Eu fui jogador de futebol. Tive a sorte de conhecer muitos treinadores que me marcaram profundamente, não apenas pelo conhecimento técnico que tinham sobre o esporte, mas também pelas lições de vida, honestidade e trabalho que compartilharam comigo. Com eles, fui aprendendo e me moldando, recebendo orientações que um jovem jogador aprendiz tanto precisava naquele momento.

Os anos passaram e, de repente, eu estava do outro lado: me tornei treinador. Levei comigo tudo o que aprendi com esses mestres, buscando replicar — ou até mesmo superar — as lições que me transmitiram. Não sei se consegui ser melhor, mas isso nunca foi o mais importante. O que sempre importou foi ter um espelho para refletir e aprender. E que espelho! Escolhi espelhos convexos, que oferecem uma visão ampla e ousada. Joguei tudo o que aprendi neles e recebi algo transformador em troca.

Pelas minhas andanças, tanto no Brasil quanto no mundo árabe, levei o aprendizado deles sem reservas. Ganhei títulos, vivi derrotas — porque faz parte do jogo —, mas, no fim, a balança pesou a meu favor. Agora, a fase é outra: a saudade, a idolatria e o prazer do convívio com esses mestres que tanto me ensinaram.

Graças a Deus, Ademar Braga criou um grupo no WhatsApp. Com ele, organizou encontros memoráveis com esses grandes nomes, que acontecem mensalmente ou bimestralmente. O último foi na segunda-feira, 9 de dezembro de 2024. Foi um dia emocionante. Cada abraço, cada aperto de mão trazia consigo um misto de alegria e emoção.

Muitos de nós não se viam há mais de 30 anos. E lá estavam eles: Ademar Braga, Parreira, Lazaroni, Valinhos, Dante Rocha, Carlos Alberto Lancetta, Adriano Lancetta, Joel Santana, Antônio Lopes, Gílson Nunes, Jair Pereira, Júlio Cesar Leal, Carlos Cesar Custódio, Luiz Henrique Meu Garoto, Ênio Farias, Waldemar Lemos, Antônio Melo, Arthur Bernardes, Cláudio Café, Paulo Zagallo, Dr. Clóvis Munhoz… e eu, Zé Mário. Se esqueci alguém, coloque na conta da minha idade!

A mesa estava cheia de histórias, risadas e, claro, debates sobre o futebol de ontem e de hoje. Nostalgia? Sim, mas com razão. Futebol de ontem era arte. Hoje, tudo mudou — e não necessariamente para melhor. O futebol sul-americano perdeu sua essência, seus protagonistas. A técnica evoluiu? Não. O espetáculo melhorou? Definitivamente, não.

Estamos prontos para nos pronunciar e lutar pela recuperação do nosso futebol arte, ganhador e autêntico. Muito do que se fala sobre “evolução do futebol” não passa de engodo.

Aguardem.

OBRIGADO, ABEL

por Zé Roberto Padilha

Acabo de enviar uma crônica para o Abel. Como jornalista, sempre faço isso, pois somos amigos desde os 16 anos, quando fomos fazer teste nas Laranjeiras. Fomos aprovados e nos formamos por lá, na Rua Álvaro Chaves, como atletas profissionais de futebol. A nossa “graduação” aconteceu em 1975, sete anos depois, na Máquina Tricolor. O paraninfo? Roberto Rivelino.

Abel retribuiu a gentileza da crônica com uma mensagem que me emocionou: “A inteligência sempre foi a tua marca!”

Somos todos carentes de um abraço. Reféns de um carinho quando o mundo nos atropela, os que amamos muitas vezes se afastam e as eleições nos deixam reflexões que nos fazem questionar se realmente as merecemos. Esse afago veio na hora certa, e como minha vida é um livro aberto, não poderia deixar de compartilhar o elogio do meu amigo. Foi um refresco para a alma.

Esse gesto me lembrou outro elogio raro, vindo de Roberto Alvarenga, um dos supervisores mais respeitados do nosso futebol. Na Máquina Tricolor, Alvarenga era tanto meu admirador quanto crítico da ideia de que Mário Sérgio fosse, por um breve período, meu reserva. Ele não escondia isso pelos vestiários.

Até que, em um Fla-Flu, nosso lateral-direito Toninho Baiano se lesionou e precisou sair de campo. Antes que o treinador Didi tomasse qualquer decisão, cruzei o campo. Era ponta-esquerda, mas fui cobrir o Toninho. No caminho, avisei ao Rivelino: “Segura um pouco as subidas do Júnior.”

A cobertura foi tão natural que poucos notaram. Quando Toninho voltou, cruzei novamente o campo e retomei minha posição. Talvez nem me lembrasse do que fiz se Roberto Alvarenga não tivesse murmurado ao meu ouvido, nos vestiários: “Agora entendi por que você é titular. Eles jogam, você pensa o jogo!”

Inteligente. Ouviu, pai? E você, minha mãe, Dona Janet? Quando compraram a enciclopédia Barsa, a coleção completa dos Gênios da Pintura e depois Os Pensadores, e nos apresentaram à Bossa Nova, eu e meus irmãos jamais jogaríamos como Mário Sérgio.

Mas perceber um buraco na zaga e cobrir a lateral? Esse é o mínimo que eu poderia fazer para honrar o investimento que vocês fizeram na cultura de sua prole.