E AÍ INVENTARAM O TREINADOR…
por Zé Roberto Padilha
Não tem jeito. Quem foi criado batendo pelada e assistindo Pelé e Garrincha jogarem, e a partir dos 6 anos presenciou o seu país tomar posse e guarda de uma taça, a Júlio Rimet, e se impor no futebol mundial, vai passar anos procurando explicações porque não somos mais os donos da cocada preta.
Já são oito livros, centenas de artigos, crônicas, uma tese de pós-graduação e acabo de detectar mais uma prática que foi retirada dos laboratórios a céu aberto em que foram criados todos os nossos gênios da bola. Sem exceção.
Nenhum deles teve treinador no início do seu aprendizado. Todos batiam peladas e os times eram divididos no par ou ímpar. Quem escolhia e escalava era sempre os melhores peladeiros. Já que futebol não se ensina, apenas os fundamentos são aperfeiçoados, porque ter alguém com apito na boca interferindo na criação?
Vou repetir: Ronaldinho, Zico, Eduzinho e Romário só foram cair nas garras de um treinador quando fizeram 14 anos. E calçar chuteiras também. Quando isso aconteceu, já tinham formado todos os recursos e improvisos que só a liberdade, e a ausência de um apito pedindo “volta pra marcar” começou a fazer parte da sua adolescência.
Agora, os novos jogadores já começam atuando em franquias. Cads uma delas possuem dois treinadores. Pior, calçando chuteiras e ocultando o tato. E os gritos de “volta pra marcar” passa a ecoar tanto aqui quanto na sede da FIFA. E espalhando pelo mundo a mesmice que nos tornou iguais. E nunca mais revelamos um Bola de Ouro da FIFA.
Anotem ai: se resolvermos reassumir o protagonismo do futebol mundial, melhor devolver os campinhos de pelada e deixar fluir a habilidade e capacidade natural de jogar futebol que foi destinada a um povo miscigenado.
Descobertos, invadidos, colonizados e saqueados. A forra vinha nos gramados. Agora, nem isso. Melhor deixarem os meninos em paz.
ESTREIA COM EMOÇÃO
por Igor Serrano
A torcida do Vasco é sempre apontada como uma das mais apaixonadas e conta com muitos seguidores fora do Rio de Janeiro. Uma explicação que sempre vem à tona é que na época pré-televisão, as frequências das rádios cariocas (da então capital do país) pegavam em diversos outros estados do Norte e do Nordeste do Brasil. Com craques exibindo um bom futebol e o auxílio da narração característica de partidas de futebol pelas ondas da voz, o imaginário de uma legião de fãs foi pouco a pouco sendo construído e o amor ao clube passado de geração em geração, mesmo que a muitos quilômetros de distância da Cidade Maravilhosa.
Um desses casos que chama a atenção e remete à famosa frase do presidente vascaíno Cyro Aranha (“Enquanto houver um coração infantil, o Vasco será imortal”), aconteceu no último sábado (11) quando Marcos Dumit e Lucas Dumit, pai e filho, que moram em Maceió, puderam pela primeira vez assistir ao clube do coração em seu estádio, no empate por 1×1 diante do Nova Iguaçu.
Marcos, de sessenta anos, é servidor público e carioca. Sua esposa é de Maceió. Eles moravam no Rio até 2007, quando decidiram se mudar para a cidade natal dela, após o nascimento da primeira filha do casal. Ele, apesar de ser de uma família de vascaínos, nunca ligou muito para futebol. Ao contrário de seu filho mais novo, Lucas, o Luquinha, de apenas treze anos e fanático pelo clube cruzmaltino.
Lucas nasceu em Maceió no ano do último grande título vascaíno, a Copa do Brasil de 2011. De lá para cá, muitas decepções com os frequentes rebaixamentos no Campeonato Brasileiro e os solitários Cariocas conquistados em 2015 e 2016. Todas as razões do mundo para uma criança não escolher este clube para chamar de seu (ainda mais morando longe de São Januário), certo? Errado! “É pela tradição, pela minha família e porque eu adoro este time!” – conta o fã de Philippe Coutinho, que sonha em se tornar médico cirurgião e nas horas vagas, como boa parte da sua geração, alterna partidas de FIFA e Fortnite com os amigos.
O ídolo não estava em campo. O time escalado pelo técnico Ramon Lima contava com muitos meninos, alguns com pouca idade a mais que Lucas, como o lateral direito, Paulinho, de apenas dezenove anos, autor do gol inaugural da partida. Após a explosão de alegria, aos quarenta minutos do primeiro tempo, o jovem torcedor alagoano confessa: “O estádio é bem maior e mais bonito ao vivo do que pela televisão!”.
O pai, Marcos, assistia a tudo em plena felicidade. Ao seu lado, o amigo de longa data e incentivador da primeira ida ao estádio, Aurélio, o “Tio Aurélio”, que orgulhoso conta: “eu fiz de tudo para trazê-los ao jogo de hoje! Ver a felicidade do Lucas em assistir o primeiro jogo do Vasco em São Januário, antes de ser reformado, não tem preço!”.
Entre uma selfie e outra, Lucas ainda consegue tempo para uma videochamada com outro tio e de reconhecer, de longe, o francês Dimitri Payet em um camarote do estádio. Em campo, o Nova Iguaçu chegou ao empate com Sidney, aos dezoito do segundo tempo e o placar assim permaneceu até o final.
Apesar da partida tecnicamente fraca, o Vasco saiu de campo aplaudido pelos 9.924 presentes. O primeiro ponto conquistado no Carioca 2025 pode parecer pouco, mas para Marcos e Lucas teve um significado especial e inesquecível.
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Texto publicado originalmente no site “Em Todo Lugar”, da FACHA:
JUSTIÇA A NÓS MESMOS
por Zé Roberto Padilha
Se a gente não contar, ninguém vai saber. Não foi da noite para o dia que os times pequenos descobriram o seu pulo do gato. Mesmo com baixo poder aquisitivo, eles encontraram uma forma de sair na frente na primeira rodada do estadual.
Há 30 anos, em outubro de 1994, o Entrerriense FC subiu para a primeira divisão. Eu era seu treinador, e Carlos Camelo e Neumar Cândido eram os responsáveis pela preparação física. O clube não tinha recursos para grandes contratações, então apostamos na antecipação da nossa apresentação.
Sem Renato Gaúcho (Fluminense), Túlio (Botafogo), Romário (Flamengo) ou Carlos Germano (Vasco), decidimos compensar no preparo físico. Se os outros clubes se apresentavam duas semanas antes do estadual, começamos a nossa preparação em novembro, com dois meses e meio de antecedência.
O estadual de 1995 contou com 16 clubes: quatro seriam rebaixados, quatro permaneceriam, e oito disputariam um octogonal decisivo. Enquanto os outros times tiravam férias, nós treinávamos no Halloween, no Natal e no Réveillon. Quando a bola rolou, nossa condição física roubou o espaço onde o talento normalmente se impõe.
Quando os adversários acordaram e a preparação se equilibrou, já estávamos entre os oito. Claro, sofremos bastante na fase decisiva, mas Três Rios ganhou evidência. Patrocinadores satisfeitos e as rádios e tevês apresentando a cidade ao país.
Assim abrimos um caminho que hoje é seguido por equipes como Boavista, Sampaio Corrêa, Nova Iguaçu e tantos outros. Essas equipes conseguem equilibrar algumas rodadas, mas depois o talento tende a colocar as coisas no lugar.
Foi o Entrerriense FC quem primeiro adotou essa estratégia, e seria muito injusto, como testemunha e seu treinador, não registrar isso. Hoje, quando vemos Madureira, Boavista, Maricá e Portuguesa ocupando as primeiras colocações, sabemos que não é por acaso.
Há muito sacrifício e uma compensação que, enquanto dura, permanece eterna.
O FÃ E O ÍDOLO
por Elso Venâncio
Antes de ser Flamengo, Max já era Zico. De família rubro-negra, ele corria pela casa gritando “Zico, Zico, Zico”, gesto hoje repetido pelo seu filho José Edgar, nome em homenagem ao avô paterno.
Maximiliano de Souza Oliveira nasceu e mora em Mossoró, segunda maior cidade do Rio Grande do Norte, com quase 300 mil habitantes. O município fica localizado entre duas capitais, Natal e Fortaleza. Nos jogos pelo Norte e Nordeste do país, Max está presente há décadas, tirando fotos. Pela educação e simpatia, é sempre bem recebido por todos.
O primeiro contato entre o fã e o ídolo foi em 1995, no Centro de Futebol Zico (CFZ), no Rio de Janeiro. Max levou uma mala de 10 quilos com fotos e matérias sobre Zico. Ele foi de ônibus, desceu na Avenida das Américas e caminhou até o centro de treinamento. Trêmulo e com as mãos geladas, viu as lágrimas surgirem no aperto de mão. “
– Calma, garoto. Bebe um copo d’água! – interferiu Zico.
O acervo da família Coimbra em poder do Max impressiona. Ele tem fotos que Zico nem conhecia ou das quais pelo menos nem se lembrava, como uma com os pais no Cristo Redentor.
Num dos quartos onde Max reside, na Rua Rodrigues Alves, 1410, bairro Santo Antônio, há um museu em homenagem a Zico, que virou atração turística em Mossoró. O trabalho do fã é feito com carinho, sem envolvimento financeiro. Há uma sequência de camisas usadas pelo ídolo ao longo da carreira. A coleção da revista Placar pode ser vista desde a primeira edição, publicada em 1970. Em agosto de 2018, ele criou no Instagram a página @arthurzicobiografhy. O número de seguidores ultrapassa os 23 mil.
No Jogo das Estrelas, a cada ano, Max chega cedo ao Maracanã e ajuda no que for possível, ao lado de Júnior Coimbra. Mesmo se a partida for perto do Natal, como na última edição, ele deixa os familiares e vem para o Rio.
Certa vez, Zico almoçava em Fortaleza, onde participaria de um jogo festivo. O garçom pediu licença e, sem jeito, se dirigiu a ele:
– Tem um rapaz dizendo que é amigo do senhor e mandou esse bilhete! – Max, radiante, almoçou com o ídolo.
Há duas semanas, Max visitou Edu Coimbra, um dos irmãos de Zico, em Quintino. Edu o levou para conhecer a nova estátua de Zico, na praça principal do bairro onde cresceu. O maior orgulho do flamenguista Max é ter o respeito e consideração do seu ídolo e de toda a família Coimbra.
DOIS ANOS SEM O MEU ROBERTO DINAMITE
por Pedro Chiaverini, do Jornal dos Sports
Sim, Roberto Dinamite é meu. Ou, pelo menos, o Dinamite é. Afinal, esse apelido foi dado pelo Jornal dos Sports na edição de 26 de novembro de 1971, pelos gigantes Eliomario Valente e Aparício Pires com a histórica manchete “Garôto-Dinamite explodiu” após o primeiro gol dele pelos profissionais, contra o Internacional.
Porém, na verdade, a alcunha surgiu quase uma semana antes, exatamente na publicação do dia 20 daquele mês. Ainda atuando pelos juniores, no treino da véspera, realizado – pasmem! – na Gávea, Roberto anotou dois gols, o que chamou atenção de todos que presenciaram a atividade. Além disso, esbanjou “agressividade ofensiva” e “chutes potentes”, o que lhe rendeu o famoso apelido.
Querido por todos, o camisa 10 tinha entre seus melhores amigos ninguém menos que Zico, ídolo maior do rival Flamengo.
Inclusive, fez o Galinho vestir a camisa cruzmaltina, em amistoso no Maracanã.
De tão especial como atleta e exemplar fora de campo, Roberto tinha poucos inimigos, sendo os principais adquiridos após virar presidente do clube do coração.
Infelizmente, são dois anos sem a simpatia e o sorriso fácil do ídolo que o Cor de Rosa, de alguma forma, ajudou a forjar.
Brincadeiras à parte, não é do Jornal dos Sports.
É do mundo.
Do Brasil.
Do Rio de Janeiro.
Do Vasco da Gama.
De todos.
Obrigado, Roberto.
Texto publicado originalmente: https://jornaldossports.com.br/dois-anos-sem-o-meu-roberto-dinamite/