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HONRA AO CAPITÃO

por Rubens Lemos

Ninguém foi mais capitão do que Bellini, primeiro brasileiro a erguer uma taça do mundo. Nossa. Só nossa. Homem de porte, nobre de futebol valente. Um zagueiro, galã do seu tempo, antagonista estético do padrão boleiro. Estampa de elegância.

O gesto das duas mãos expondo o troféu e elevando à grandeza a pátria de chuteiras enfeitiçadas de talento, é a posteridade do futebol original, artístico e inimitável. Bellini suava o suor da glória e eternizou o gesto improvisado de segurar a Jules Rimet com as duas mãos e o sentimento guerreiro emocionado do infinito.

Sem o estilo monarca de um Didi, a malícia deliciosamente garrinchiana e a desnecessária adjetivação do garoto Pelé, dava o ar diplomata, quase de premier, à função tradicional das botinadas e trancos noss atacantes atrevidos. Ao espanador de virtudes.

Bellini, bem mais que o primeiro líder nacional a simbolizar o pontapé de um povo no complexo de vira-latas, de lambaio moral, foi o zagueiro do Vasco da Gama de verdade. Seu xerife, sua garantia, seu castelo inviolável.

Bellini traz a figura do meu vascaíno mais querido,. Seu fã aguerrido, disposto a brigar com quem duvidasse da garra e da liderança do seu ídolo. O meu pai escalava o time de 1956,que bateu o grandioso Real Madrid de Puskas, na euforia interiorana de criança ao pé do rádio, ruídos atrapalhando as transmissões na voz impactante do locutor Waldir Amaral:

– Carlos Alberto; Paulinho e Bellini; Laerte, Orlando e Coronel; Sabará, Livinho, Vavá Peito-de-Aço, Válter Marciano e Pinga.

O craque do meu pai era Válter Marciano, driblador que botou a constalação do Real Madrid no bolso na vitória por 4×3 que valeu o Torneio Internacional de Paris de 1957. Bellini, após expulsar Puskas e Di Stéfano da área, sublimou a consagração que viria no ano seguinte.

Foram 11 anos suando e sangrando por um clube que já nem existe mais na vida real. É somente fotografia amarelada de suas glórias e refugiado pela nostalgia. Bellini representava a coragem do almirantado da Cruz de Malta, hoje náufrago bombardeado pelos homens sem coração para cantar os versos do seu hino.

Há 30 anos, recolhido à aposentadoria e ao exílio crepuscular em São Paulo, desabafou indignado, por ter sido preterido de uma seleção dos melhores do Vasco de todos os tempos, feita pela Revista Placar. Começavam as injustiças de internet. Bellini perdeu para Ricardo Rocha, tricampeão carioca pelo Vasco e tetracampeão mundial pelo Brasil. Bellini protestou:

– O que fiz para merecer tanta desfeita? Eu fui tantas vezes campeão, ergui a Jules Rimet, o Vasco sempre foi a minha razão de viver e é assim que sou premiado na velhice?

Seria segunda decepção pública de Bellini. Em 1962, Mauro fez pressão sobre o técnico Aymoré Moreira, exigiu ser titular e capitão e o treinador cedeu.Aos jornalistas, lágrimas escorrendo de surpresa devastadora, pediu em prantos:

– Por favor, não me chamem mais de capitão!

Disciplinado como os militares de hierarquia e combate real, saiu bicampeão com uma medalha no peito e uma mágoa incurável. Hideraldo Luiz Bellini, paulista de Itapira, era maior que os escaninhos do futebol. Sujeira, bastidores nefastos.

Em 7 de junho de 1960, esteve em Natal, chamando a atençãoao pela simpatia natural, atendendo a todos os fãs e posando com mulheres hipnotizadas por sua beleza. Em campo, o Vasco arrasou o ABC por 6×2 no velho estádio Juvenal Lamartine e Bellini ficou impressionado ao levar um drible desconcertante do ídolo Jorginho Professor. Mas não apelou às pancadas.

Para a eternidade, ser capitão de campo tornou-se majestade instituída por Bellini, estátua em vida no Ex-Maracanã. O futebol brasileiro – desde 2014 com sua morte, está desfalcado em seu time titular da segurança e do seu caráter. Bellini significou vergonha na cara. Deveria ser em maiúsculo.

QUE FALTA LUCIANO DO VALLE NOS FAZ

por Zé Rober

to Padilha

Além de brilhante locutor, Luciano do Valle criou algo inédito no futebol brasileiro: a Seleção de Futebol Master. Jogadores que recebiam alta da profissão, como Diego, Fred e Filipe Luis, eram convocados para disputar amistosos pelo país onde sua arte, e idolatria, não saíam subitamente de cena.

Todo mundo saía ganhando. O torcedor, que tinha um bis dos seus ídolos, e estes, por sua vez, iam se acostumando, com mais técnica do que correria, com a chegada da barriga e da aposentadoria.

Se ele estivesse vivo, a convocação seria mais ou menos assim:

Goleiros: Fábio, Gatito, Cássio e Felipe (Amazonas);

Laterais: Mariano, Filipe Luis, Cortez, Edilson;

Zagueiros: David Braz, Felipe Melo e David Luiz;

Meio-campo: Ganso, Diego, Renato Augusto, Thiago Neves;

Atacantes: Coutinho, Diego Souza, Lucas Moura e Douglas Costa, Wellington Paulista, Rafael Sóbis e Walter (sem clube);

Técnico: Felipão;

Supervisor: Isaías Tinoco.;

Chefe da delegação: João Havelange (in memoriam);

Patrocinadores: Banco Nacional, Mesbla, Grapete, Cashmere Bouquet e Drible.

“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 63

por Eduardo Lamas Neiva

O povo dança a valer e aplaude muito ao fim da apresentação de “Reis da bola”, de Moraes Moreira, Galvão e Pepeu Gomes. Moraes Moreira sai do palco agradecendo e cumprimentando todos que passavam por ele. Quando houve uma breve acalmada, Idiota da Objetividade retomou a pelota.

Idiota da Objetividade: – No mesmo dia em que o Brasil derrotou o Paraguai, em 1969, no outro grupo, o Peru comandado pelo nosso Didi se classificou para a Copa do México, eliminando a Argentina, no estádio La Bombonera, em Buenos Aires, com um empate em 2 a 2.

Sobrenatural de Almeida: – Mandei um representante meu ao estádio do Boca Juniors naquele dia. (dá sua risada medonha)

Todos riem. Mas o Sobrenatural de Almeida fica repentinamente sério e mais uma vez vai cutucar João Sem Medo.

Sobrenatural de Almeida: – Depois de vitórias brilhantes, a seleção e você, João, começaram a ter muitos problemas, né? Também, um comunista que nunca levou desaforo pra casa como você, no comando da seleção em plena ditadura militar de direita… Imagine se é você o técnico campeão no México? Como os militares, tendo como presidente Emilio Garrastazu Médici, iriam recebê-lo em Brasília?

João Sem Medo: – Eu nem iria, Almeida. Médici matou – ou deixou matar – vários amigos meus. Pra mim, era uma barbada. Mas imagine se comigo a seleção não ganhasse. Eu nem poderia voltar pro Brasil. Os militares tentaram me impedir de ir ao México comentar os jogos. Mas não conseguiram. Quando eu ia sair do Brasil pro México, fui posto pra fora do avião, no Galeão, embora tivesse passagem comprada, passaporte, tudo certinho. Eles me puseram nuzinho no aeroporto.

Garçom: – Que desrespeito!

João Sem Medo: – Eu disse pra um dos caras: “Olha, desaparece, porque, se eu estiver vivo e você também, um dos dois vai morrer”. Nunca mais vi esse filho da mãe. Ele me deu dois tapas.

Garçom: – Que isso, “seu” João?

João Sem Medo: – Me deixaram nu, desfizeram mala, fizeram o diabo. E me soltaram, lá do Galeão mesmo, em duas, três horas. Um cara com vozeirão disse pra eu não aparecer mais no aeroporto. Aí falei com os chefões da Globo. Me deram mil dólares e me mandaram pegar um avião Rio-Belém. Fiquei lá um dia, parti pra Panamaribo, no caminho dos contrabandistas, o mesmo que o Ronald Biggs, aquele ladrão inglês de trem, fez. Sem precisar de passaporte, nem nada, peguei avião de vagabundo pra Port of Spain, depois pra Guatemala e, só então, fui pro México. Cheguei três dias após ter saído do Brasil. Foi duro sair do Brasil. Mas fui trabalhar, comentar os jogos pra TV Globo e torcer pelo time formado por mim.

Ceguinho Torcedor: – E fez outro trabalho brilhante.

Garçom: – Fez mesmo! Eu ouvi tudo, vi todos os jogos pela televisão na casa de um vizinho, o único da minha rua que tinha TV naquela época. E já que o assunto é o tri, vamos aproveitar pra trazer outro frevo que homenageia aquela seleção fundamental. Venha ao palco novamente, por favor, Jackson do Pandeiro!

Jackson do Pandeiro é muito aplaudido e volta ao palco com a alegria de sempre.

Jackson do Pandeiro: – Obrigado, obrigado. Depois de ter vindo aqui cantar o “Frevo do Bi”, agora vamos com o “Frevo do Tri”, de Braz Marques e Álvaro Castilho.

O povo se esbalda com o “Frevo do Tri” e aplaude muito Jackson do Pandeiro. Após breve intervalo, Sobrenatural de Almeida foi rápido pela direita e levantou mais uma polêmica, alfinetando João Sem Medo.

Sobrenatural de Almeida: – É João, me desculpe, mas você se meteu em muita confusão antes de ser demitido da seleção. Teve a história com o Yustrich.

Ceguinho Torcedor: – O Yustrich provocou muito.

Idiota da Objetividade: – Depois de vencer a seleção, num jogo-treino no Mineirão, por 2 a 1, em setembro de 69, Yustrich, então técnico do Atlético Mineiro…

Sobrenatural de Almeida: – Time do Dario, que aliás fez um dos gols.

Garçom: – Vamos ver os gols nas imagens do Canal 100 e narração de Vilibaldo Alves, da Rádio Itatiaia, no nosso telão.

Idiota da Objetividade: – Na narração, Vilibaldo Alves chama o Atlético Mineiro de Galo Vermelho, porque o time jogou com o uniforme da seleção mineira. Depois da partida, o Homão, como Yustrich era chamado, mandou seu time dar uma volta olímpica…

Garçom: – Mas que coisa ridícula! Yustrich não veio, mas um dia virá aqui explicar essa e outras muitas histórias que contam sobre ele.

Sobrenatural de Almeida: – Não sei se é boa ideia, Zé Ary.

Garçom: – É, talvez tenha razão, Seu Almeida.

Ceguinho Torcedor: – Yustrich sempre que podia criticava, debochava e chegou a chamar o João de covarde.

Idiota da Objetividade: – E quando já estava dirigindo o Flamengo ofendeu o João numa entrevista pra uma rádio.

João Sem Medo: – Aí fui lá na concentração do Flamengo fazer uma visita de cortesia…

Sobrenatural de Almeida: – Visita de cortesia com arma na mão, João?! (ri medonhamente)

O público ri.

João Sem Medo: – Eu entrei por uma porta, ele estava saindo por outra. Era muito meu amigo…

Garçom (imitando um personagem antigo de Jô Soares): – Muy amigo, muy amigo… (todos riem, inclusive João Sem Medo)

João Sem Medo: – Até você, Zé Ary? Bom, fizeram uma intriga enorme, e ele caiu naquilo. Aí não tinha arrego, não tinha mais papo, e então fui lá. Esvaziei a concentração do Flamengo, mas lá só tinha um come-e-dorme, porque eles se mandaram. Um caiu dentro de um rio em frente e ficou com água por aqui: “João, não sei nadar!”. Eu digo: “Fica aí, seu canalha”. E fui embora. Não houve nada.

Garçom: – Tá certo. Mas como o papo aqui é sobre futebol e aquele da melhor qualidade, vamos chamar um craque da Música brasileira pra cantar “Futebol” aqui pra gente. Venha, por favor, ao palco, Naná Vasconcelos!

Naná se levanta  e vai sorrindo pro palco, muito aplaudido.

Naná: – Muito obrigado a todos. É um prazer estar aqui com todos vocês. Vamos de “Futebol”, que ele não pode perder a dança.

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Um gol desse não se perde!

ELES INVENTARAM O FUTEBOL E SABEM HONRÁ-LO

por Zé Roberto Padilha

Liverpool e Chelsea foram a campo domingo, na última rodada da Premier League, cumprir tabela. O título estava sendo disputado longe dali, entre Arsenal e Manchester City.

Mesmo assim, protagonizaram homenagens tão bonitas e emocionantes que superaram a dos seus rivais que disputavam uma taça tão cobiçada.

A torcida do Liverpool esperou em festa, enchendo as ruas próximas de paixão e fumaça vermelha, entoando a música dos seus quatro meninos, o ônibus que trazia seu treinador, Junger Klopp, que se despedia do clube.

Já a do Chelsea homenageou Thiago Silva, que entrou em campo ovacionado. ao lado da esposa e filhos, e que volta ao nosso país para defender o berço em que foi criado.

Que coisa linda que foi. E vale a pena rever.

Quem sabe São Januário seja poupado e um dia Ramon Diaz, uma lenda vizinha, de braços dados com seu filho, não precise deixar o clube pela porta dos fundos.

Os ingleses, que inventaram o futebol mostraram, no último fim de semana, ao mundo que titulo é bom. Porém, melhor que ser campeão é exercer o nobre sentimento de gratidão.

Parabéns!

MANGA, PARA SEMPRE

por Paulo-Roberto Andel

Quando me tornei um verdadeiro torcedor mirim, daqueles que liam jornal todo dia em busca de notícias de futebol, eu tinha uns onze anos de idade. Naquela época, Manga estava no final da carreira mas jogava em altíssimo nível no Grêmio. E foi pesquisando que eu descobri sua carreira grandiosa, protagonista de timaços como os do Internacional e do Botafogo. Meu pai falava com grande admiração dele.

Eram tempos em que o amor pelo futebol falava muito mais alto do que o ódio, e jogadores de times rivais eram admirados, respeitados e até idolatrados. Imagine nos anos 1960 e 1970, com os times repletos de grandes jogadores?

Dou um outro exemplo da minha geração: nós, garotos tricolores de 1979 e 1980, éramos todos admiradores de Roberto Dinamite, uma verdadeira máquina de marcar gols em cima do nosso time. A gente não tinha raiva do Roberto; na verdade nosso sonho era tê-lo como o camisa nove do Fluzão. Não deu. Ok, não se pode ganhar todas.

De repente Manga sumiu. Foi para o Equador e nunca mais voltou. Virou uma verdadeira lenda.

Quis o destino que, depois de tantos anos, meu breve encontro com Manga tenha sido justamente na noite de 21 de maio, um dia muito difícil por ser o aniversário da morte de meu pai. E novamente um dia histórico para o Fluminense: 16 anos da vitória espetacular sobre o São Paulo, com o golaço de cabeça de Washington.

Quando cheguei ao Pizza Park, Manga já estava cercado por admiradores, autografando cards e réplicas de sua linda camisa de goleiro botafoguense. Eu logo lembrei do meu amigo Fernando Guilhon, super alvinegro que adoraria estar lá. E foi bonito ver vários tricolores com camisa do Flu por lá, num gesto de fraternidade e respeito.

Ouvi Nei Conceição falar coisas muito bacanas a respeito de Manga. Carlos Roberto também. Cracaços.

Em dado momento eu estava ao lado de Manga, quando lembrei daqueles quarenta e tantos anos atrás. Tudo passou tão rápido. Resolvi então tirar uma foto dele, de lado. Mas não o procurei na mesa, nem tirei uma outra fotografia nossa, nem pedi seu autógrafo. A verdade é que a figura de Manga é tão grande que paralisou a mim, reles mortal que sou. Eu lembrei de meu pai e me emocionei: quantas vezes ele não viu o velho Manga fechar o gol no Maracanã e aporrinhar a todos nós, tricolores?

Diante de um dos maiores goleiros de todos os tempos, me senti tão pequeno e mortal que preferi ficar apenas admirando-o em silêncio, como ídolo que é. Fiquei tão paralisado que nem peguei meu card. E se um tricolor feito eu estava assim, imagine o coração dos inúmeros botafoguenses presentes ao Pizza Park?

Levei muitos anos para ver Manga de perto. Finalmente consegui. Espero revê-lo e aí sim conversar com ele. Ontem não deu. Eu queria muito, mas simplesmente não consegui. É que o mito, o arquétipo do goleiro supremo, a fera da Seleção Brasileira e tudo isso junto ali, representando a era de ouro do futebol brasileiro, me deixou paralisado pelo amor que tenho ao futebol. Algo que só tinha me acontecido desse jeito quando entrevistei Gilberto Gil, outro super ídolo. Quando fui embora, só pensava em quanto meu pai, um super tricolor, estaria contente em estar ali comigo. Desci a rua Marques e chorei sozinho antes de pegar o táxi. Foi melhor assim.

Manga é para sempre. Retrato fiel de um dos nossos maiores goleiros, de um futebol brasileiro que encanta o mundo até hoje. De um Maracanã botando gente pelo nariz, cheio de povo, de massa humana rindo e chorando em jogos que são verdadeiro cinema a encantar nossos corações. O Maracanã, nossa igreja definitiva de amor ao futebol.

@pauloandel