UMA NOITE QUE SERÁ LEMBRADA PARA SEMPRE
por Claudio Lovato Filho
Foi bonito ver o time no Couto Pereira como mandante.
Foi bonito, mesmo que tenha sido por um motivo triste.
Um mês sem ir a campo.
A comoção do reencontro no exílio forçado.
O azul-preto-e-branco vivendo o desterro.
Representando um estado.
Um estado de espírito.
Para nós, torcedores, apaixonados, foi puro alento.
A retomada de um naco de normalidade, no futebol e na vida.
Um raio de sol peleador.
O time no Couto Pereira foi uma mensagem clara: “Não desistiremos”.
Mensagem não apenas de um clube, mas de um estado (incluindo o nosso arquirrival, no dia anterior, em Barueri).
A mensagem de um estado.
Um estado que é puro espírito.
Espírito de luta.
Sim, foi bonito ver o time em Curitiba (e ainda aplicando goleada).
Um afago na alma.
Um instante de conforto no meio do horror implacável.
A breve interrupção de um pesadelo que insiste em não terminar.
Mas que vai passar.
A esperança transgressora que desafia o cenário.
Um jogo de futebol.
Com tudo o que ele pode significar – e significou.
Um jogo do time amado, depois de um mês.
Longe de casa (mas num estádio, vejam só, que lembra o Velho Casarão da Azenha).
Uma noite para reiterar a certeza de que a superação virá.
E que a vida seguirá.
“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 64
por Eduardo Lamas Neiva
Após a brilhante apresentação de Naná Vasconcelos, o percussionista é muito aplaudido. Zé Ary aproveita e chama outro craque ao palco.
Garçom: – Depois deste craque da percussão, vamos chamar um craque do violão: Paulinho Nogueira, por favor, venha ao palco.
Paulinho Nogueira se encaminha com seu violão ao palco, aplaudido pelo público.
Paulinho Nogueira: – Obrigado, gente. Bom, em 1970 gravei uma música que compus chamada “O jogo é hoje” e ela fala que “vai nascer um novo campeão”. E foi o que ocorreu em 70, no México, né? Já éramos bicampeões, mas perdemos em 66. Então… “O jogo é hoje”!
Aplausos para Paulinho Nogueira, que retorna à sua mesa. Enquanto o violonista e cantor ainda estava indo em direção à sua mesa, Idiota da Objetividade foi direto ao ponto nevrálgico da demissão de João Saldanha do comando da seleção brasileira.
Idiota da Objetividade: – Com toda pressão que começou a aumentar após a derrota pro Atlético Mineiro e os resultados ruins em outros amistosos, após o empate em 1 a 1 com o Bangu, em outro jogo-treino, João Saldanha foi demitido em 17 março de 1970, menos de dois meses e meio pro início da Copa.
Sobrenatural de Almeida: – E 14 dias após o João dar a entrevista em que disse que ele escalava o seu time e o presidente, o Ministério dele.
João Sem Medo: – O Havelange me chamou pra uma reunião na sede da CBD e disse que a comissão técnica estava dissolvida. Respondi a ele que não era sorvete para ser dissolvido. Aí ele respondeu que eu estava demitido, então eu disse: “Vou pra casa dormir”.
Garçom: – Fiquei muito triste na época. Sua saída não foi justa.
Ceguinho Torcedor: – Foi um trabalho extraordinário, que resgatou a credibilidade do futebol brasileiro. Perdi a conta do tempo em que João foi malhado como um Judas de Sábado de Aleluia.
João Sem Medo: – Amigos, porque eu saí é muito fácil entender. O que tenho dificuldade de explicar é porque eu entrei.
Ceguinho Torcedor: – Havia um terror de que ele voltasse do México com o caneco de ouro, pra sempre. Houve quem dissesse que João estava poderoso demais, mais que a CBD, as federações, do que as forças ostensivas ou obscuras que manipulavam o nosso futebol. E seria ainda maior, muito mais forte, se voltasse com o caneco de ouro. Teria então meios de transformar a nossa realidade esportiva.
João Sem Medo: – Antes da Copa entreguei ao ministro Jarbas Passarinho um dossiê com todos os problemas que tínhamos e sugestões para corrigi-los. O que foi feito?
Ceguinho Torcedor: – Nunca houve um massacre pessoal tão desumano. E o espantoso é que exigíamos do João Sem Medo um comportamento de estátua de Abraham Lincoln. Se o grande técnico dava uma bronca, nosso grã-finismo estrebuchava: “Não tem serenidade! Não tem equilíbrio!”. Claro que podíamos dizer isso, porque cada um de nós estava fora da guerra, abanando-se com a Revista do Rádio. (o povo ri) É fácil ter boas maneiras, é fácil ter equilíbrio, é fácil ter serenidade quando ninguém nos xinga, quando ninguém nos insulta, quando ninguém nos massacra.
Garçom: – Ninguém é sangue de barata, muito menos o “seu” João.
Ceguinho Torcedor: – João Havelange garantiu que João Sem Medo ficaria até o fim. Chegou a dizer que impediria fisicamente o técnico de sair, se ele pedisse demissão. O primeiro dever dele era a classificação. E ele o cumpriu. O segundo dever era a conquista do título. Parentes, figuras da imprensa, do rádio e da televisão se uniram pra frustrá-lo no seu maravilhoso esforço final. Rolou a cabeça de João Sem Medo e passamos a querer mais do que nunca o caneco. Ah, foi uma guerra suja de tantos contra um só. Guerra digna de nosso vômito.
João Sem Medo: – Obrigado pelo apoio, Ceguinho.
Idiota da Objetividade: – Os jogadores, liderados por Brito, quiseram fazer um movimento de solidariedade ao João, com exceção de Pelé.
Todos olham pra Pelé, que disfarça cochichando algo no ouvido de Coutinho, ao seu lado à mesa.
João Sem Medo: – A decisão já estava tomada, não havia o que eles pudessem fazer. Iam acabar sendo prejudicados. Precisavam ir ao México pra ganhar a Copa. Vida que segue.
Sobrenatural de Almeida: – E a seleção foi para a Copa com Zagallo no comando e a sua inseparável camisa 13.
Zagallo: – “É o tri no México” tem 13 letras.
Neste momento, todos se voltam à entrada do bar Além da Imaginação. É Mario Jorge Lobo Zagallo chegando e logo sendo recebido com aplausos de pé por todo o público. O Velho Lobo logo se emociona. É abraçado por muitos, inclusive pelos componentes da mesa principal.
Garçom: – Bom, minha gente, enquanto Zagallo vai chegando e se acomodando, o que é um enorme prazer pra todos nós. Vamos chamar ao palco a grande dupla Tonico e Tinoco pra saudar Zagallo e todos os que conquistaram o tri no México.
Os irmãos Tonico e Tinoco vão ao palco também muito aplaudidos.
Tonico: – Que festa bonita! Saudamos todos esses grandes campeões que estão aqui. É um enorme prazer cantar pra vocês.
Tinoco: – Em homenagem a todos vocês.
Tonico: – Isso mesmo, Tinoco. Vamos cantar, então, a “Marcha do tri”, composição nossa com o Pedro Capeche.
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Um gol desse não se perde!
E SURGIU A ARBITRAGEM FORÇA
por Zé Roberto Padilha
Na foto, anos 70, do futebol e arbitragem arte, Luiz Pereira vai pra cima do árbitro Agomar Martins. Leivinha pede calma e Brito reclama do meio-campo que não voltou pra marcação.
Aí a Alemanha venceu a Copa do Mundo, em 1974. Veio o futebol força, as academias de musculação, as máquinas Apolo e Nautilus.
E na esteira, Rambo, Cobra, Van Dame e Jason Sthatam. E a arbitragem Daronco.
Aí nem o poderoso Hulk!
HAILTON, O GOLEIRO QUE NÃO QUERIA “BARREIRA”
por Kadu Braga
Haiton Corrêa de Arruda poderia passar despercebido como mais um “CPF” entre milhões de brasileiros que amam futebol e jogam pelos campinhos de terra batida ou pelas ruas, bem à moda antiga.
E foi num destes, em Pernambuco, onde tudo começou. Em campos de futebol que eram cercados por mangueiras, o goleiro tomou gosto pelo jogo e predileção especial pela fruta. Ele levava caixas de Manga ao treino, oferecia aos amigos de time e recebeu em troca o carinhoso apelido. Nascia então, o imortal Manga, um dos grandes goleiros da história do futebol brasileiro.
O craque iniciou sua trajetória no Sport-RE e ganhou destaque no Botafogo-RJ, sendo parte de um time emblemático atuando ao lado de Garrincha, Nilton Santos, Didi e cia entre 1959 e 1968, conquistando quatro campeonatos estaduais e três torneios Rio-São Paulo.
No Brasil defendeu ainda Coritiba (PR), Operário (MS), Grêmio e Internacional, em Porto Alegre, sendo, pelo colorado, bicampeão brasileiro e defendeu a seleção na Copa de 1966 na Inglaterra. Se tornou ídolo também no Nacional, do Uruguai, onde conquistou a Libertadores da América e o Mundial de Clubes.
O defensor tinha uma característica bastante peculiar em campo. Não gostava de usar luvas, joelheiras e costumava dispensar “barreira” para ajudar a defender as cobranças de falta. Tudo para ser mais participativo em campo e mostrar sua enorme autoconfiança. Também não gostava de ficar de fora por lesão.
Manga, sim, era um jogador que dava gosto de se ter no time. Sua valentia tinha a alma do verdadeiro futebol brasileiro e como justa homenagem à sua brilhante carreira sua data de nascimento se tornou o “dia do goleiro”.
Salve 26 de Abril!
OS CARAS DO TETRA
por Elso Venâncio
Na Copa dos Estados Unidos, em 1994, Bebeto e Romário eram os maiores atacantes do mundo. Romário jogava no Barcelona. Bebeto, no La Coruña.
Romário, eleito o número 1 do planeta, ficou com a fama de ter sido o responsável pela conquista. Assunto que, com toda razão, irrita Bebeto. Não só Romário fez gols decisivos. Bebeto também, além de ter dado passes geniais, precisos, imprimindo mais velocidade aos contra-ataques, em uma seleção que se preocupava bastante em se defender, por apostar no poder de decisão de seus dois goleadores.
Bebeto chegou a Gávea aos 18 anos, em fevereiro de 1983, comprado junto ao Vitória, da Bahia, e já como destaque na seleção brasileira de juniores. Aymoré Moreira, treinador bicampeão no Chile, em 1962, estava no Galícia:
– O Flamengo levou o Dida do passado e o Zico do futuro.
Por sua vez, Romário surgiu como uma máquina de fazer gols. Nos juniores do Vasco, por três anos consecutivos – 1982, 1983 e 1984 – foi o artilheiro do Campeonato Carioca. Juntos, Bebeto e Romário conquistaram a Copa América de 1989, no Brasil, após um jejum de 40 anos. Na semifinal, 2×0 na Argentina, com o marcante gol de veleio de Bebeto e outro de Romário, após driblar o goleiro campeão do mundo Pumpido. Nesse jogo, Romário deu assistência, no gol do Bebeto, fez o dele e ainda descadeirou Maradona com uma caneta.
Bebeto era o maior jogador do país e Maradona, o maior do mundo. Romário, o ‘Rei da Pequena Área’, fez o gol do título, na vitória de 1 a 0 sobre o Uruguai, jogo de Maracanã lotado e forra no Maracanazzo de 1950.
No Mundial de 1990, na Itália, Sebastião Lazaroni reuniu o grupo e avisou que duplas disputariam a posição no ataque. Exemplo: Müller e Careca, que jogaram juntos a Copa do México, em 1986; e Bebeto e Romário, que mostraram incrível simbiose um ano antes.
O técnico disse que buscaria um parceiro para Renato Gaúcho, o outro atacante convocado. Bebeto, normalmente calado, ergueu o braço:
– Professor, não entendi. O meu companheiro está manco.
Os jogadores caíram na gargalhada. Romário tinha fraturado o perônio jogando pelo PSV Eindhoven. Dr Lídio Toledo chegou a vetá-lo, mas Lazaroni bancou sua permanência.
Três anos depois, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, diante do clamor popular, mandou Parreira convocar Romário. Müller, contundido, tinha sido cortado. O jogo com o Uruguai, válido pelas Eliminatórias, seria tenso, com o fantasma de 1950 novamente pairando pelo ar. Mesmo adversário, mesmo estádio e mesma vantagem, a do empate. Mas uma derrota tiraria o Brasil pela primeira vez de um Mundial.
Romário chegou de Barcelona na semana do jogo, foi direto para a Granja Comary, em Teresópolis, onde foi confirmado como titular ao lado de Bebeto.
Nessa partida, o Maracanã presenciou a maior atuação da carreira do Baixinho. Foi, sem sombra de dúvidas, uma das maiores exibições de um jogador com a camisa amarela. Romário fez os dois gols na vitória por 2×0, diante de mais de 148 mil pagantes, fora os tradicionais penetras.
Na Copa dos Estados Unidos, após 24 anos de jejum, vencemos novamente um Mundial, foi a conquista do tetracampeonato. O time: Taffarel, Jorginho, Aldair, Márcio Santos e Branco; Dunga, Mauro Silva, Mazinho e Zinho; Bebeto e Romário.
Trinta anos do Tetra? Nossa, como o tempo passou rápido…