MOISÉS, O XERIFE
por Elso Venâncio
Um dos personagens mais marcantes do futebol brasileiro é Moisés Mathias de Andrade. Ele nasceu em Resende, no dia 30 de novembro de 1948, e aos 17 anos já era titular do Bonsucesso. Jogou no Flamengo, Botafogo, Vasco, Corinthians, Paris Saint-Germain, Fluminense e Bangu. Ainda vestiu a camisa da seleção brasileira na vitória sobre a União Soviética por 1 a 0 em Moscou.
Fora de campo, o Xerife era um cara alegre, de bem com a vida. Hilário contador de histórias, sempre foi um sujeito superengraçado. Mas nos jogos era um autêntico líder. Sabia jogar, mas não brincava em serviço. Com ninguém. Um dos zagueiros mais duros, mais violentos do nosso futebol:
“Dividiu, é minha!”
“Nenhum árbitro expulsa antes dos 15 minutos.”
“Zagueiro que se preza não ganha o Belfort Duarte.” *
Era rápido no gatilho: tinha sempre frases de efeito e vivia cercado pela imprensa.
Um amigo o aconselhou a entrar para a Política:
– Você é popular e pode se eleger vereador.”
Resposta:
– Sou Castor Futebol Clube. Só faço política com ele.
Verdade. O bicheiro Castor de Andrade, patrono do Bangu e da Mocidade Independente de Padre Miguel, o adorava.
Não à toa, quando Moisés parou de jogar, foi imediatamente chamado para dirigir o Bangu. Ficava sentado ao lado do campo, fumando e conversando. Não estava nem aí para o treino. De repente, chegava Neca, o supervisor do clube, alertando:
– Doutor Castor chegou! O Doutor chegou!
Pronto. Moisés se levantava rapidamente e ia a contragosto para o treino, que na realidade não passava de uma pelada de luxo:
– Marinho… quero você em diagonal, pro Mário te lançar. Tipo Rivelino e Gil. Vamos ensaiar isso.
Castor chegava de chapéu, revólver na cintura e cercado por capangas. Entrava em campo e se impressionava com o improvisado treino tático. Dé, o Aranha, conta que várias vezes Moisés pegava o papel no vestiário para anunciar a escalação e, sem óculos, tinha dificuldade para ler:
– Essa letra do Doutor é fogo…
A gargalhada era geral.
Nas finais do Brasileiro de 1985, acompanhei o Bangu de perto. Um dia cheguei cedo em Moça Bonita para o treino da tarde e me avisaram de uma briga feia que rolou na sala da imprensa. Ao conferir, vi tudo quebrado: troféus, cadeiras, mesas… um estrago.
Moisés tinha discutido com Simas, um ex-policial segurança do Castor, e os dois fecharam a porta para brigar. Silas era gigante. Todo musculoso, andava sempre com um grosso cordão de ouro no peito e camisa aberta. Moisés demorou a chegar para dar o treino. Apareceu de óculos escuros e hematomas no rosto. A imprensa o questionou e a resposta saiu naturalmente:
– Foi um pequeno entrevero, com escoriações, fato totalmente superado.
Simas nunca mais apareceu no clube. Moisés seguiu como técnico.
Zico voltou ao Flamengo e, em um jogo com o Bangu, pelo Campeonato Carioca, foi duramente atingido pelo lateral Márcio Nunes, que voou de forma criminosa com os dois pés, estourando o joelho esquerdo do ídolo rubro-negro. Magoado, o Galinho de Quintino insinuou que a ordem para quebrá-lo veio do banco. A contusão o prejudicou muito na Copa de 1986, no México, quando ficou visível sua falta de condições para jogar 100% do que sabia.
Moisés foi destaque no Corinthians. Idolatrado pela torcida, é um dos heróis do título paulista de 1977, conquista que interrompeu um longo jejum de 23 anos sem títulos. Na finalíssima, vitória por 1 a 0, gol de Basílio, sobre a Ponte Preta. O time entrou com Tobias, Zé Maria, Moisés, Ademir e Wladimir; Ruço, Basílio e Luciano; Vaguinho, Geraldo e Romeu. O Técnico era Oswaldo Brandão.
Na ‘Invasão Corintiana’, contra a ‘Máquina Tricolor’, um ano antes, Moisés já era zagueiro dos paulistas e marcou um gol na decisão por pênaltis. Sempre foi notícia, ainda mais em época de Carnaval. O Xerife saía no Bloco das Piranhas, que ele próprio fundou, e levava, de quebra, vários jogadores consigo. Como Brito, Dé, Alcir Portela e Joel Santana, entre outros.
Durante mais de 20 anos, só jogadores e ex-jogadores, todos vestidos de mulher, desfilavam no sábado momesco pelas ruas de Madureira. Moisés gostava de se vestir de Marilyn Monroe, com direito a peruca loura. Batom, brincos e muita maquiagem. Figuraça!
Ele considerava Pelé e Jairzinho os atacantes mais desleais e valentes que enfrentou. Morreu cedo, aos 60 anos, vítima de câncer no pulmão. Fumava muito, muito mesmo!
Admitia, sempre bem-humorado, quando alguém o alertava sobre os males do cigarro, que gostava de viver a todo vapor e perigosamente. Viveu. E se tornou um ídolo eterno do futebol brasileiro.
*Premiação oferecida pela CBF ao atleta que ficasse 10 anos seguidos sem ser expulso de campo.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA JOÃO LEITE
“Não se mexa!”, ordenou ‘Seu’ Waldemar para o filho. João, com a bola encaixada nos braços, e sem entender nada, olhava surpreso vendo o pai correr para dentro de casa trazendo ‘Dona’ Geralda pelo braço para mostrar aquela cena em um campinho perto da casa da família Leite.
“Meu amor, veja, João será um grande goleiro!”, exclamou, sorrindo e feliz da vida o então policial militar e segurança do gabinete de Juscelino Kubitschek (1902-1976), governador do estado de Minas Gerais.
“Meu pai foi um grande incentivador da minha carreira de jogador de futebol e um conselheiro por toda a minha vida. É uma cena que até hoje costumo lembrar e sempre me emociona”, disse o deputado estadual João Leite (PSDB-MG) e ex-goleiro do Atlético Mineiro aos repórteres Marcos Vinicius Cabral e Fábio Lacerda do Museu da Pelada, ao voltar no tempo e ver a efusiva alegria de seu pai ao lado de sua mãe.
Mas, se o menino João Leite saiu da Vila Oeste, subúrbio de Belo Horizonte, e com muito esforço, trabalho e fé em Jesus Cristo, tornou-se o jogador que vestiu 684 vezes a camisa do Atlético Mineiro, derrotas e vitórias tornaram-se o pêndulo de uma carreira inesquecível para os atleticanos. Embora, tenha jogado as luvas para a aposentadoria, aos 29 anos, João Leite, provavelmente, será insuperável no que diz respeito a envergar a camisa alvinegra das Alterosas. Seu primeiro título foi aos 21 anos. E daí para frente, cansou de dar volta olímpica no Mineirão.
Segurança, frieza, tranquilidade e uma elasticidade incomum, o camisa 1 atleticano tinha virtudes inesgotáveis embaixo do travessão e atitudes admiráveis fora delas. Adorava surpreender o mundo espiritual e venceu o diabo algumas vezes quando proibido pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD) de usar a frase ‘Cristo Salva’ na camisa, passou a distribuir Bíblias antes dos jogos do Atlético Mineiro. Como fez quando defendeu a seleção brasileira, ao distribuir dois exemplares do livro mais lido do mundo para os colegas Harald Schumacher, goleiro alemão e Rodolfo Rodríguez, arqueiro uruguaio. Se os converteu, ninguém sabe, mas a semente fora plantada pelas mãos que tantas vezes defendeu e evitou gols e mais gols de atacantes endiabrados.
“Eles poderiam proibir Jesus na minha camisa, mas jamais seria proibido em ter Jesus em meu coração”, afirmou nesta entrevista o pregador da palavra do Senhor da Primeira Igreja Batista de Belo Horizonte.
João Leite – fã de Chapinha, goleiro do Alvorada do Vila Oeste, de Gilmar, bicampeão nas Copas do Mundo de 58 e 62, a quem sempre ouvia pelo rádio realizando defesas nos jogos, de Mazurkiewicz, Mussula, Careca, Zolini, Renato, este campeão do primeiro título do Atlético Mineiro do Campeonato Brasileiro em 1971 e Ortiz, que foi a grande influência na carreira – chega para ser o 43º personagem do Vozes da Bola.
Afinal de contas, dezembro é o mês do nascimento do menino Jesus de Nazaré, e o mês em que o Clube Atlético Mineiro quebrou um jejum de 50 anos e se tornou campeão novamente do Brasil. Desta vez, em dose dupla, pois o Vozes da Bola crava o título da Copa do Brasil para o Atlético Mineiro.
Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda
Segundo mais velho entre cinco irmãos, e filho de ‘Seu’ Waldemar, um guarda civil aposentado e já falecido, e de ‘Dona’ Geralda, uma doméstica, você vem de uma família bem simples da Vila Oeste, periferia de Belo Horizonte. Quais as lembranças que você tem da sua infância?
As melhores. Era um tempo em que podíamos ficar na rua jogando bola o dia inteiro e tínhamos na Vila Oeste, subúrbio de Belo Horizonte, muitos campos de futebol, onde os amadores jogavam. Meu pai era um deles, e quando chegava em casa, ficava me treinando, pois chutava bolas para eu defender. Foi daí que surgiu a paixão pela posição de goleiro e mesmo com uma infância difícil, meu pai era policial militar, ganhava pouco, mas nunca nos faltou nada. Deus nos abençoou muito e conseguimos vencer!
Como foi trocar, aos 15 anos, as aulas no Colégio Dom Silvério pelos treinos nas escolinhas de futebol do Atlético Mineiro e não ter sido aproveitado?
Foi minha primeira incursão tentando jogar no Atlético Mineiro, meu clube de coração. No entanto, não fui bem-sucedido. Insistente, voltaria anos mais tarde para ser aprovado e fazer parte dos juvenis do clube. O Atlético era uma fábrica produtiva de bons goleiros. Nesta época, eu vestia a camisa do Alvorada da Vila Oeste, time que meu pai, primos e tios jogavam. Muito jovem, à época, ficava todo feliz quando meu pai me treinava para que eu pudesse aperfeiçoar os fundamentos na posição. O mais legal de tudo era quando eu chegava em casa e contava com uma riqueza de detalhes impressionante para a minha mãe (risos).
O futebol sempre esteve presente na sua vida e foi jogando no Alvorada da Vila Oeste, time da família, em um campinho de várzea que Waldemar, seu pai, observou a forma como você ‘encaixava’ as bolas. Conte a história de previsão do seu pai que afirmava que você seria um goleiro de muita qualidade. Conte esta história.
Meu pai foi ponta de lança do Alvorada da Vila Oeste, era policial no tempo da guarda civil, e segurança do governador Juscelino Kubitschek, que viria a se tornar presidente da República. Quando chegava do Palácio da Liberdade, onde realizava a guarda do governador, ele vinha com aquela farda azul bonita, retirava do corpo, guardava com extremo cuidado, colocava um calção, e mesmo cansado, ia me treinar em um campinho perto de casa. Ele chutava e eu ficava defendendo. Um dos chutes foi difícil para defender e eu encaixei a bola. Meu pai se surpreendeu porque esperava que eu fosse dar rebote ou ‘bater roupa’. Lembro como se fosse hoje! Quando eu caí com a bola no chão, ele me olhava perplexo e em seguida ordenou: “Não se mexa!”, e saiu correndo para dentro de casa trazendo minha mãe pelo braço e com muito entusiasmo mostrou aquela cena. Eu permaneci ali, olhando os dois sem entender nada com a bola encaixada e ele falou de forma profética apontando para mim: “João será um grande goleiro!”. Foi uma cena emblemática e memorável. Sempre me emociono ao lembrar deste momento.
Como foi sua chegada ao profissional como goleiro do Galo, aos 21 anos, em 1976?
Subi para ser o quarto goleiro da equipe profissional. Ou seja, eu era a última opção. Era muito jovem, mas não me restava outra coisa a fazer que não fosse treinar. E treinei. E treinei muito duro. De repente, o Atlético contrata o argentino Ortiz que vinha de uma escola respeitadíssima nos anos de 1970. Com ele, confesso que aprendi e me ajudou muito. Quando ele foi emprestado para o Comercial de Ribeirão Preto, eu assumi a titularidade. Para se ter uma ideia, desse time, nove jogadores eram da base do clube, e isso foi bom, porque eu já conhecia os jogadores treinados pelo Barbatana, nosso treinador da base, e depois pelo Telê Santana da equipe principal.
Ainda em 1976, você assumiu a camisa 1 substituindo o argentino Miguel Ángel Ortiz, machucado, e se tornou um dos destaques do time que acabou sendo vice-campeão Brasileiro invicto. Quais as recordações que você tem daquele time e o que você acha que faltou para o título?
O Telê saiu e o Barbatana assumiu o comando do Atlético Mineiro. Surgiu a oportunidade de jogar numa equipe formada por amigos. Foi um time impressionante e eu costumo brincar que aquele Atlético Mineiro era para ser multado por excesso de velocidade (risos). Infelizmente, foi um ano difícil para nós, jogadores, porque terminamos o Campeonato Brasileiro daquele ano invictos, com a defesa menos vazada, tendo Reinaldo como artilheiro da competição e fomos derrotados pelo regulamento. Sim, pelo regulamento! Fomos para uma final contra o São Paulo, empatamos no tempo normal, e na prorrogação. Perdemos nas cobranças de pênaltis. No mundo inteiro, desde sempre, os campeonatos são de pontos corridos e aqui no Brasil, historicamente, alguns clubes foram prejudicados e acabaram não sendo premiados e merecedores do título por ter mais pontos e ser mais regular como foi o nosso caso.
Como surgiu o apelido ‘Goleiro de Deus’?
Foi um sonho que Deus colocou em meu coração, quando entreguei minha vida para Jesus ainda jovem, aos 21 anos. Senti que era um chamado de Deus em minha vida e dava bíblias aos meus companheiros para que eles pudessem conhecer um pouco da palavra do Senhor. Não satisfeito, coloquei na minha camisa a frase “Cristo Salva”, copiando os dizeres que o ex-piloto Alex Dias Ribeiro também colocava no carro dele de Fórmula I. Neste período, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) proibiu a frase na camisa em que eu utilizava nos jogos. Lembro até hoje da entrevista que dei para a imprensa em que um dos repórteres me perguntou: “João Leite, o que você vai fazer já que proibiram Jesus na sua camisa? Eu respondi: “Eles podem proibir Jesus na minha camisa, mas jamais seria proibido de ter Jesus em meu coração!”. Então, comecei a distribuir bíblias dentro de campo para os meus adversários.
Sabemos que ao lado de Baltazar, o ‘Artilheiro de Deus’, você é considerado o criador do grupo dos Atletas de Cristo. Como se deu sua conversão e como surgiu a ideia de criar o grupo religioso no futebol?
Em 1979, eu conheci o Baltazar, ‘Artilheiro de Deus’, numa viagem que o Atlético Mineiro fez ao Rio Grande do Sul. Ele me ligou e marcamos um encontro, e nesta ocasião, ele falou do amor por Deus. Em seguida, conheci Eliana Aleixo, capitã da seleção brasileira de voleibol na Olimpíada de Moscou, em 1980, e que se transformou no amor da minha vida. Foi com ela, com o Baltazar e com outros atletas que demos início ao ‘Atletas de Cristo’ que permanece até hoje e está em 70 países. Para ter uma ideia do que estou falando, Portugal, é hoje, o país com mais seguidores de Jesus. E para honra e glória de Deus, o ‘Atletas de Cristo’ é um movimento que começou lá atrás e continua cada vez mais sendo expandido pelo mundo todo.
É verdade que você foi o primeiro evangélico a entregar uma Bíblia Sagrada ao goleiro adversário, antes do início dos jogos, e outras duas para os reservas? E que você parou com a iniciativa quando o massagista do Cruzeiro jogou um dos exemplares na cabeça de um bandeirinha que teria marcado impedimento inexistente durante um clássico entre o Galo e a Raposa, em 1978, no Mineirão?
Verdade. Fui um dos primeiros a entregar Bíblias para adversário. Fiz isso, inclusive, na Argélia, onde o Islã é a religião predominante. Teve uma vez em que eu pedi aos jogadores do Atlético Mineiro, mesmo não sendo seguidores de Jesus, para distribuírem bíblias para o adversário em uma partida na Romênia. Tudo isso foi importante, não para engrandecer o João Leite, mas sim o senhor Jesus, digno de toda honra e adoração, entende? O mais legal disso tudo é saber que alguns daqueles jogadores que eu dei uma bíblia como presente, hoje, estão servindo a Deus, como é o caso do Ivan, ex-jogador do Cruzeiro, que recebeu uma bíblia, em 1984, e veio falar comigo após eu ter pregado em uma igreja na cidade de Formiga, interior de Minas Gerais, onde havia sido batizado. Há dois anos, fiz uma live, e o Luiz Antônio Toledo, ex-goleiro do Cruzeiro e do São José do Rio Preto, mostrava a Bíblia que eu dei a ele há anos. Recentemente, ele partiu, mas estava na presença do Pai e isso nos conforta saber. Sobre este episódio foi interessante o que aconteceu naquele dia. Eu dei uma Bíblia para um jogador do Cruzeiro e vi que ele entregou para o massagista e este levou consigo para o túnel e colocou no banco de reservas. Na frente deste túnel havia o bandeirinha e vi quando ele assinalou impedimento no gol do centroavante Roberto Cézar, se não me engano. Um dirigente do Cruzeiro, chateado com a anulação do gol, jogou um objeto que acertou em cheio na cabeça dele. Era a Bíblia. No intervalo, alguns repórteres começaram a catar as folhas que ficaram espalhadas pelo gramado. Mas tudo ficou bem e depois de alguns dias, dei a este mesmo jogador outra Bíblia., já que o massagista arremessou na cabeça do bandeirinha.
Você chegou a ser convocado algumas vezes por Telê Santana, então, comandante da seleção brasileira. No Mundialito do Uruguai, de 1979 para 1980, você foi o goleiro titular naquela competição em que o Brasil foi vice-campeão ao perder a final para o Uruguai. Podemos dizer que foi seu melhor momento com a camisa amarela?
O primeiro treinador a me convocar foi o Cláudio Coutinho, em 1979. Depois, o Telê Santana assumiu e me deu a oportunidade de substituir o Carlos que se contundiu no empate por um gol contra a Argentina. Em seguida, permaneci nos jogos no Mundialito na vitória contra a Alemanha por 4 a 1, e na derrota para o Uruguai por 2 a 1 na final. Esse foi o meu melhor momento com a camisa da seleção, mas acho que fui infeliz na preparação para as Eliminatórias da Copa do Mundo de 1982 em que ficamos 30 dias na Colômbia e eu fraturei a mão. Posteriormente, acabei sendo cortado e não voltei mais a jogar pela seleção do meu país. Mas acho que os três goleiros que o Telê escolheu foram boas, pois o Waldir Peres, Carlos e Paulo Sérgio viviam grande momento em seus clubes.
Na década de 1980, você perdeu as contas de quantas vezes o Atlético-MG foi prejudicado pela arbitragem?
É verdade. Confesso, que apesar dos recursos que a tecnologia nos permite, até hoje, eu não consigo rever alguns jogos em que fomos prejudicados pela arbitragem. As semifinais do Brasileiro de 1980, o jogo contra o Flamengo em que tivemos cinco jogadores expulsos na Libertadores de 1981 com José Roberto Wright sendo o juiz daquele confronto. A partida contra o Coritiba em que a bola entrou e o gol acabou sendo anulado em pleno Mineirão, nas semifinais do Brasileiro, em 85, foram algumas das injustiças cometidas contra o Atlético Mineiro.
Se você foi bem no Mundialito, e já era treinado pelo Telê Santana, a sua não ida à Copa da Espanha, podemos dizer, foi a maior frustração na carreira?
Pois é, fui bem no Mundialito, mas não fui tão bem assim em um jogo contra a Colômbia que era preparativo para a Copa do Mundo… Minha performance não foi a almejada e o Waldir Peres acabou sendo titular, que era muito bom goleiro, diga-se de passagem. E houve também o episódio da fratura da minha mão e acabei sendo cortado. Mas o interessante é que fui em uma partida contra a Venezuela, reserva do Waldir Peres, mesmo com a mão quebrada (risos). Quando terminou o jogo, o Marola, então, goleiro do Santos, foi chamado para o meu lugar. Mas o Brasil foi bem representado na Copa da Espanha e foi um pecado que aquele timaço não tivesse uma sorte melhor em gramados espanhóis. Maior frustração não foi não ter ido à Copa do Mundo, mas sim a derrota na final do Campeonato Brasileiro de 1977, que fora decidido em 5 de março de 1978 contra o São Paulo. Nossa equipe era invicta, o Reinaldo era o artilheiro da competição, nossa defesa a menos vazada, dez pontos à frente do nosso adversário, e mesmo com tantos atributos, ficamos pelo caminho. Então, ser vice-campeão, foi a minha maior frustração em toda carreira.
É verdade que você foi expulso uma única vez em toda sua carreira na vitória por 2 a 1 contra o Araguari-MG, ao tentar evitar uma agressão ao lateral Alves e, sem querer, acertou um soco em um diretor do clube adversário?
Em toda a minha carreira fui expulso apenas uma vez, exatamente, nesta partida entre Atlético Mineiro e Araguari, em que tentei proteger o nosso lateral-direito Alves de ser agredido. Foi assim, o Alves fez uma falta dura no ponta-esquerda adversário, e na inocência, ficou de costas para o banco do Araguari. Coisas de futebol! Os jogadores e todos os membros da comissão técnica invadiram o campo para agredi-lo. Sendo que um diretor foi o primeiro a tentar bater no Alves e quando vi, corri ficando no meio deles, tentando evitar a agressão gratuita. Eu o contive com o peito e ele tentando acertar o Alves que se escondia atrás de mim, e o árbitro mineiro, Avilmar Gaspar dos Reis, enérgico e muito bom juiz, entendeu que eu não deveria me envolver naquela confusão e me deu cartão vermelho. Até hoje, passado tanto tempo, discordo daquela expulsão, e se eu não fizesse o que fiz, o Alves seria agredido por aquele diretor do time adversário.
Você esteve em campo em um dos jogos mais polêmicos da história do futebol mundial que foi o confronto entre Atlético-MG e Flamengo no dia 21 de agosto de 1981, no estádio Serra Dourada, pela Copa Libertadores. O que você tem a dizer sobre aquele jogo e sobre a arbitragem de José Roberto Wright?
Aquele jogo realizado no Serra Dourada deixou uma tristeza muito grande, não apenas em nós, jogadores, mas principalmente, na nossa torcida. Aquilo foi marcante, pois tratava-se de um jogo extra que decidiria o Grupo 3 da Libertadores de 1981. O que me impressionou foi a Confederação Sul-Americana ter escalado um árbitro carioca para o jogo tendo árbitros bolivianos, argentinos, peruanos, paraguaios, uruguaios, chilenos, gaúchos, paulistas, baianos, sergipanos à disposição. Enfim, uma péssima escolha! Para se ter uma ideia do que estou falando, o avião que partiu do Rio de Janeiro para a cidade de Goiânia, trouxe a delegação do Flamengo e o Wright, até então, árbitro da Federação Catarinense. Sentimo-nos muito prejudicados, e se você rever o jogo, vai notar, lamentavelmente, um Wright visivelmente alterado dentro de campo. Foi uma tristeza enorme para o futebol brasileiro o que aconteceu naquele 21 de agosto de 1981.
Na Copa União de 1987, o Flamengo novamente cruzou o caminho do Atlético Mineiro e a equipe comandada por Zico saiu vitoriosa em um grande jogo por 3 a 2. Quais as suas recordações daquela partida?
Com Telê Santana no comando da equipe atleticana, chegamos bem-preparados para conquistar a Copa União de 1987. Nossa time era muito qualificado e com valores individuais muito bons. Naquele confronto contra o Flamengo, na semifinal, estávamos invictos até então, e nosso destino foi decidido em dois jogos muito difíceis. Fomos muito bem na derrota por 1 a 0 no Maracanã, e no jogo de volta, no Mineirão, com 30 minutos de jogo, o Paulo Roberto, nosso lateral, foi expulso. Mas nada a reclamar daquele jogo, já que sabíamos que o Flamengo tinha uma grande equipe com excelentes jogadores. Mas volto a afirmar que, mais uma vez, o regulamento do Campeonato Brasileiro não premiava as equipes mais regulares como era a nossa que ficou pelo meio do caminho.
Quem foi o goleiro que foi sua fonte de inspiração no futebol?
Foram vários! Desde o Chapinha, goleiro do Alvorada do Vila Oeste, que acompanhei desde a infância, passando pelo Gilmar, goleiro bicampeão nas Copas do Mundo de 58 e 62, quando ouvia no rádio as defesas que ele praticava nos jogos, o Mazurkiewicz, Mussula, Careca, Zolini, e Renato, campeão em 1971 do Campeonato Brasileiro. Mas o Ortiz, esse foi especial, e uma grande influência na minha carreira, pois era de uma escola respeitável. Ele passou ser minha grande influência, sem dúvida!
Como o goleiro João Leite se sente sendo o recordista de títulos mineiros e o jogador que mais vestiu a camisa do Atlético em 684 oportunidades: venceu 11 vezes o campeonato estadual, além de participar da conquista da Copa Conmebol de 1992?
Muitas pessoas falam que, hoje, o futebol, é melhor, que o jogador ganha muito mais dinheiro e cada vez mais cedo faz sua independência financeira. Mas eu não troco nada do que vivi no futebol. Vestir a camisa 1 do time do meu coração, conquistar os títulos, fazer jogos inesquecíveis e entrar para história do Atlético Mineiro, é um orgulho e uma honra muito grande.
Você defendeu o Vitória de Guimarães, de Portugal, o Guarani e o América-MG. Como foram essas passagens em sua carreira?
Não posso dizer que a minha passagem por Portugal foi boa, pois naquela época, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação de Portuguesa de Futebol (FPF) haviam rompido relações e brigado em virtude da não liberação do Valdo, atleta do Benfica para disputar as Olimpíadas de Seul, em 1988. Nisso, a CBF, em represália, não permitia a minha transferência para o Vitória de Guimarães. E quando ocorreu, em virtude de uma séria lesão, acabei atuando pouco no clube português, onde havia o excelente Neno – in memoriam. Na volta ao Brasil, no Guarani, apesar do belo time, não posso considerar uma boa passagem também, já que fui reserva do bom goleiro Sérgio Neri. E no América Mineiro, o Procópio com o Heleno, preparador físico, me convidaram e aceitei o desafio. Foi especial essa minha passagem no clube em que teve uma geração fantástica comigo, Palinha, Ronaldo Luiz, Gutemberg, Euller e outros bons jogadores contratados a pedido do Procópio como Éverton e Jatobá. Mas foi legal também a conversão dos meninos, já que 17 atletas se renderam a Cristo e muitos são amigos e se tornaram grandes pregadores da palavra.
Seu falecido pai previu que você seria um grande goleiro. E agora, o que você prevê para o seu filho, o goleiro Helton Leite, que joga na Europa, no Benfica?
Essa previsão do meu pai me deixou muito emocionado e agora com meu filho Helton Leite, a emoção é a mesma. Helton, meu filho, é um grande goleiro. Recentemente, o Benfica o comprou do Boavista, e ele me ligou e falou: “Papai, o número da minha camisa vai ser 77, em homenagem ao meu avô, que morreu com 77 anos!”. Bonita homenagem!
Como você vê este título de campeão brasileiro do Atlético Mineiro?
Muita alegria. Foi criada uma expectativa muito forte em Minas Gerais, e em todo o Brasil com esta conquista do Galo, né? Foi um título muito merecido e buscado há anos em várias finais de Campeonatos Brasileiros disputadas e sempre batendo na trave. Para mim, como ex-jogador deste imenso clube e que estive em muitas outras tantas decisões, é uma alegria imensurável, não só para mim, mas para a torcida do nosso querido Atlético Mineiro.
Como tem enfrentado o isolamento social por causa do coronavírus?
Tenho cuidado não só da minha saúde, mas da minha família em geral, já que tenho filhos e quatro netinhos. Todos presentes na igreja e estamos assistindo aos cultos de maneira remota. Tomei as duas doses da vacina. Levamos a sério o cuidado, e apenas o Helton, lá em Portugal, teve Covid-19, já que minhas filhas – uma inclusive mora no Canadá com marido e filhas – não tiveram. Curioso, foi que o Helton, antes de um jogo, testou negativo e depois positivo. Mas ele superou bem e venceu a doença.
Como você definiria João Leite em uma única palavra?
Um homem medroso, e ao mesmo tempo, forte por estar na presença do Senhor Jesus.
UNIDOS DE RICARDO: UMA DAS SAUDOSAS FORÇAS DO FUTEBOL AMADOR
por André Luiz Pereira Nunes
Encontrar o escudo do Unidos de Ricardo Futebol Clube, de Ricardo de Albuquerque, tornou-se uma das tarefas mais espinhosas para os pesquisadores do futebol carioca.
Fundada em 5 de abril de 1945, a agremiação tem origem em um grupo de frequentadores do Café e Bar São Bernardo, então localizado à Rua Pereira da Rocha, 143, de propriedade de Júlio de Paiva. Liderados por Joaquim Domingues da Costa e Aladyr Dutra, o contigente resolveu criar um time de futebol que, em princípio, se denominou Onze Unidos de Ricardo. Possivelmente, inspirados no Sampaio Corrêa Futebol Clube, do Maranhão, deram-lhe as cores amarela, vermelha e verde.
O clube, logo em seus primórdios, obteve uma incursão vitoriosa nas lides amadoristas. Seu rival Anagé Sport Club fizera uma pausa nas competições, mas seu campo situado no terreno do cemitério, permanecia intocável. Por iniciativa do presidente Joaquim Domingues da Costa, a praça de esportes passou a ser utilizada pelo time. Ainda assim, seus dirigentes conseguiram lograr a construção de uma praça esportiva onde atualmente se localiza o Colégio Alexandre Farah. Até os dias atuais, a população se recorda da lagoa, ao lado, que se notabilizou como a Lagoa do Unidos, na qual a garotada, nos anos 40, se divertia escondida de seus pais.
Quem por diversas vezes circulava no local era a diretora e professora Maria Mercedes para ver se flagrava algum aluno da Escola Coelho Neto cabulando aula.
O Unidos de Ricardo prosperou e teve sua primeira sede na Rua Guanandy, passando em seguida para a Estrada Marechal Alencastro e, finalmente, na Rua Jaboticabal, 34.
Equipe de 1955, campeã da Taça Disciplina do Departamento Autônomo (D.A.)
Possuía ainda como linha auxiliar o Tira-Teima, equipe composta por garotos que brincavam em um campo na Rua Pereira da Rocha, esquina com Rua Guanandy. Foi desse timinho de esquina que surgiram muitos craques que vestiram a camisa do Unidos de Ricardo e que foram revelados para grandes times do Brasil.
Dentre os valores, é possível citar Ubirajara, conhecido como Foguete, que jogou na Portuguesa, Bangu, Flamengo e Oro, do México. Birajatino, o Bira Pé Redondo, atuou pelo Madureira, Apucarana, e Deportivo Itália, da Venezuela. O saudoso volante Wecsley, que se consagrou no Botafogo, o qual acabaria tendo uma morte trágica, também foi revelado pelo Unidos.
A estreia no Departamento Autônomo ocorreu em 1951. Entre os seus títulos, foi campeão de aspirantes, em 1953, da Série Manoel Antunes Batista, e vencedor da Taça Disciplina, em 1955. Também se sagrou vice-campeão do Torneio Quadrangular Carlos Lincoln, em 1970, ao capitular diante do seu rival histórico Nacional. Provavelmente foi essa a sua última competição.
Entre as suas façanhas, chegou a disputar três jogos no Maracanã, com vitória sobre o Ruy Barbosa por 6 a 1, empate em 4 a 4 contra o Atlético Alegria e derrota por 2 a 1 para o fabuloso Filhos de Iguaçu.
A sede ainda sobreviveria ao time, abrigando nos anos 70 e 80 diversos bailes e festas até ser abandonada definitivamente pelos associados e ser invadida, transformando-se em moradia.
Do Unidos de Ricardo, infelizmente, ficaram poucas recordações e o desejo que o seu escudo, tão procurado, possa ser encontrado em alguma carteirinha de sócio perdida em uma velha gaveta.
O CRAQUE DO BRASIL EM 2008
por Luis Filipe Chateaubriand
Em 2008, o São Paulo conquistava o tri campeonato brasileiro e, durante a campanha, vimos a ascensão de um menino que veio do Atlético Paranaense, muito franzino, mas que jogava uma bola enorme!
Dagoberto não era de fazer muitos gols, mas os fazia nos momentos decisivos, nos chamados “jogos grandes”.
Tinha uma movimentação de um lado para outro, zigue zague, que confundia as defesas adversárias.
Era líder em assistências, que colocavam os companheiros na cara do gol, os chamados “passes açucarados”.
E foi assim que Dagoberto foi o craque do ano de 2008.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
SOY LOCO POR TI, ABREU
por Leandro Costa
A relação de Washington Sebátian Abreu Gallo, ou simplesmente Loco Abreu, com o Botafogo e sua torcida, extrapola todos os limites da razão. Quase dez anos depois de Loco deixar o clube da Estrela Solitária, tivemos o relançamento do livro “LOCO POR TI”, escrito por Marcos Eduardo Neves e Gustavo Rotsein, sobre as juras de amor eterno entre Loco Abreu e o Glorioso.
Não por acaso, o evento ocorreu no dia 13 de dezembro na sede de General Severiano. Foi uma noite emocionante, que marcou o reencontro de Loco com seu povo. O maior ídolo do Botafogo nos últimos vinte anos fez despertar na torcida alvinegra um sentimento de orgulho por tudo que Abreu representa para o clube. Crianças, jovens, adultos e idosos fizeram filas gigantescas para tirar foto e pegar o autógrafo do ídolo.
O que torna alguém ídolo? O que torna Loco Abreu ídolo? Talvez esta resposta seja permeada de subjetividade, porém existem alguns pontos pacíficos em relação ao tema. Loco é ídolo porque jogou com amor à camisa, porque cativou novos torcedores, porque aumentou a autoestima do botafoguense. Loco deu fim, da maneira mais improvável possível, cobrando um pênalti com cavadinha, a uma sequência de três vice-campeonatos para o maior rival. Abreu foi a representação do torcedor em campo. Dignificou a camisa alvinegra com profissionalismo e amor.
Dono de uma personalidade forte, nunca deixou que o Botafogo fosse desrespeitado. Um jogador que conhece a grandeza do clube, valoriza sua história e emana positividade. De Loco não tem nada, a não ser a forma como sempre brincou com os companheiros e a coragem para cavar pênaltis decisivos.
Eternizado no muro dos ídolos, em frente á sede de General Severiano, Abreu proporcionou aos seus fãs uma noite inesquecível, tanto quanto os seus gols pelo alvinegro da Estrela Solitária. Parafraseando Nelson Rodrigues, por tudo isso, sem que ninguém pedisse, sem que ninguém mandasse, as massas, as multidões invadiram General Severiano e agradeceram a Loco Abreu em uma festa como não houve igual nunca, nem no Uruguai, nem no Brasil.
Gracias, Loco!!