PINHEIRO, O MAIS TRICOLOR DOS ZAGUEIROS TRICOLORES
por André Felipe de Lima
Caso escale um hipotético “time dos sonhos” do Fluminense e ouse vetar o nome do zagueiro Pinheiro da “súmula”, o torcedor tricolor, este nobre lustrado da arquibancada, estará cometendo um sacrilégio que o levará às chamas infernais, e sem caminho de volta e muito menos sem a ajuda de arcanjos e querubins que possam reconduzi-lo ao céu. Talvez o mágico cronista de indissolúvel e eterno amor pelo Fluminense, o nosso e de mais ninguém Nelson Rodrigues, diria algo assim. Pinheiro é o mais sublime dos beques que apareceram nas Laranjeiras, onde aportou com 17 anos contados de vida. Sim, João Carlos Batista Pinheiro chegou ao Fluminense em 1948. Antes disso, apanhou de cipó do pai porque este não o queria como jogador de futebol. O garoto era duro na queda e frequentava as peladas quase que diariamente e sem medo das palmadas e cipoadas do progenitor intolerante. Foi goleiro, centroavante, mas era mesmo a zaga de área a sua vocação. Ainda bem. Foi ali, defendendo a meta do goleiro Castilho (outro imortal tricolor) que Pinheiro tornou-se sublime. Não havia treinador que o ignorasse. Zezé Moreira, por exemplo, foi certamente o que mais o amava. No memorável título carioca de 1951, Pinheiro foi sua voz em campo. O zagueiro mandava e desmandava, comandava e ditava tudo o que deveria fazer o “onze” tricolor. Resultado: um troféu atrás do outro. Pelo Fluminense, Pinheiro conquistou o Pan-Americano e a Taça Rio de 1952, o Torneio Rio-São Paulo de 1957 e o de 1960. Além do campeonato carioca de 1951, Pinheiro também conduziu o Fluminense ao título em 1959. Com a seleção brasileira, foi titular na Copa do Mundo de 1954, na Suíça. Tornou-se treinador, e dos bons. Na decisão da outrora charmosa Taça Guanabara, na edição de 1973, recebeu um bilhete desaforado de um cartola dizendo quem deveria escalar. Pinheiro, obviamente, ficou injuriado. “P” da vida, ele mandou ao gramado o time que tinha em mente e mandou às favas o tal dirigente. O Fluminense bateu o Flamengo por 3 a 0, mas Pinheiro alertou aos bravos comandados: “Ganhamos o título, mas perdi meu emprego”. E foi isso o que aconteceria logo no dia seguinte, com o maior zagueiro tricolor da história cedendo o lugar para Duque.
Pinheiro estaria completando 90 anos neste 13 de janeiro de 2022. O bravo morreu no dia 30 de agosto de 2011, no Hospital Pan-Americano, na Tijuca, onde esteva internado durante dias. O câncer o derrotou. O atual treinador do Fluminense, Abel, foi zagueiro como ele e também treinado pelo Pinheiro no passado já bem remoto. “Foi um dos grandes homens que conheci e meu mestre no futebol. Devo tudo ao Pinheiro”, disse Abel logo que soube da morte do ídolo, cujo legado esta aí, para crédulos e incrédulos, mostrando que a bola de futebol tem o poder de tornar homens mais dignos na vida, como foi o Pinheiro do Nelson, do Chico, do João. De você, afortunado tricolor.
NILTON SANTOS, O MAIOR LATERAL DA HISTÓRIA
por Elso Venâncio
O maior lateral-esquerdo da História do futebol mundial se chama Nilton Santos. Eleito pela FIFA, em 2000, como o melhor do Século 20 na sua posição, ele, merecidamente, tem um busto na sede de General Severiano e virou estátua, inaugurada em 2009, no estádio do Botafogo, que de “Engenhão” passou a levar seu nome.
Nilton era conhecido como a “Enciclopédia do Futebol”. Foi o primeiro lateral a atacar. Em 1958, contra a Áustria, na Copa do Mundo realizada na Suécia, saiu driblando o time adversário inteiro até fazer o gol. No banco, o técnico Vicente Feola se desesperava a cada avançada do defensor, pedindo o tempo todo para ele tocar logo a bola e voltar imediatamente. Incrédulo, de olhos arregalados, vibrou de forma contida na hora em que a bola estufou as redes. Aquele gol, definitivamente, apresentou Nilton Santos ao futebol internacional.
No Mundial seguinte, disputado em 1962 no Chile, o lateral cometeu um pênalti no atacante espanhol Enrique Collar, mas deu dois passos para frente saindo da área com a bola nos pés. O árbitro estava no meio de campo e, sem videotape e muito menos VAR, acabou não marcando a penalidade máxima que poderia mudar a história daquele jogo.
Nilton Santos vestiu somente uma camisa clubística. Além do uniforme da seleção brasileira, honrou apenas o manto da “Estrela Solitária”. Em 16 anos, conquistou 20 títulos em 718 partidas disputadas pelo Glorioso. É o atleta que mais entrou em campo defendendo o alvinegro carioca.
“Compadre” – na verdade, uma espécie de tutor de Mané Garrincha –, a amizade entre os dois só ficou de certa forma abalada quando o “Gênio das Pernas Tortas” resolveu deixar a esposa para viver com a cantora Elza Soares. Menos mal que esse distanciamento entre os amigos durou pouco.
Nilton falava sobre a pureza de Garrincha:
– Ele me perguntou após o bicampeonato mundial, em 1962, se eu iria um dia à terra dele. Disse que sim. Cheguei em Pau Grande, distrito de Magé, e ele estava descalço, de bermuda e sem camisa, jogando pelada em um campo de terra batida cheio de buracos. Falei para ele: “Mané, você é o maior jogador do mundo. Pode acabar se machucando…”. Ele nem deu bola e saiu me apresentando a seus amigos.
Morei por um tempo bem perto do ídolo, na Rua Paissandu, quando ele se casou com Maria Coeli, sua segunda esposa. Encontrava-o cedo, nas caminhadas que eu fazia pela passarela que dá acesso ao Aterro, ao lado da rua Barão do Flamengo. Um dia lhe perguntei:
– Pelé ou Garrincha?
Ele disse:
– Garrincha ia sempre pela direita. Pelé saía para os dois lados e, se a gente bobeasse, metia entre as nossas pernas. E não adiantava bater nele, pois era bravo e maldoso.
Um dia, Nilton comentou sobre isso com Zizinho:
– Você jogou como ninguém, mas ensinou o Pelé a bater. Que professor é esse, pra que isso?
– Por que se ele não se impor, quebram o garoto. Você sabe disso – retrucou.
Não vi Nilton jogar. Paulo César Caju, outro gênio da bola, me falou de uma característica do inesquecível lateral. Raramente ele usava a perna esquerda:
– Quando meu pai, o velho Marinho, o colocou na quarta zaga, na verdade como líbero, aliás o primeiro líbero do futebol, era comum Nilton Santos cobrir o Rildo e, quando a bola estava no lado esquerdo, dava passes de trivela com a perna direita. Era aplaudido até pelos torcedores adversários.
Era comum também encontrá-lo em uma academia no bairro do Flamengo. Entrava com uma toalha no pescoço e ia para a hidroginástica.
Levei-o algumas vezes ao “Enquanto a Bola Não Rola”, programa de debates que apresentei aos domingos na Rádio Globo. Ele ficava à vontade ao lado de Didi, o “Mr. Football”, Gerson, o “Canhotinha de Ouro”, aniversariante da semana, e os botafoguenses Luiz Mendes e Armando Nogueira. Aliás, Armando sempre me pedia para participar do programa quando Nilton fosse convidado. Tinham uma forte ligação. Eram amigos do peito e me lembro bem do último encontro entre os dois.
Isso se deu em março de 2001, quando Nilton aceitou ser enredo da Vila Isabel. “O Glorioso Nilton Santos. Sua Bola, Sua Vida, Nossa Vila”, era o tema da escola. Homenagem em vida, merecidíssimo!
Mestre Armando Nogueira, o “Machado de Assis” da crônica esportiva brasileira, tinha o lateral como o seu ídolo maior.
“Tu, em campo, parecia tantos, e no entanto, que encanto! Eras um só, Nilton Santos”.
E haja dito!
SAF E SAFADEZA
por Ricardo Dias
O mundo da bola anda alvoroçado. Surge no horizonte a salvação, a estrela-guia, a solução: as SAFs, Sociedades Anônimas do Futebol. Ronaldo chega ao Cruzeiro com ares de salvador, ovacionado pela torcida – até a hora em que Fabio, o grande ídolo, foi bicado. E nesse caso, independentemente das versões divulgadas, reside o grande problema da novidade – e é disso que vou falar.
Todo presidente de clube se elege prometendo títulos. Todo presidente de empresa é contratado prometendo lucro.
Clubes se mantém em situações onde empresas seriam fechadas. O amor da torcida o sustenta, impede seu fechamento (em parte… Temos exemplos de clubes que desapareceram ou que se arrastam tristemente). Mas no capitalismo o que conta é o lucro. O Deus dinheiro exige sangue, suor e lágrimas. E estarmos no Brasil é o diferencial que me preocupa.
Somos um país de terceiro mundo, e cada vez mais. Estamos num processo de desindustrialização, somos exportadores de commodities. Anos atrás exportávamos produtos, agora mandamos matéria prima para que outros os façam. E no futebol é EXATAMENTE a mesma coisa. Antes atletas passavam no Brasil toda a carreira, depois saíam já consagrados, mais à frente no começo da jornada, agora antes de amadurecerem. Garotos com 15, 16 anos, já são exportados. Se vingarem, ótimo; se não, são descartados e pronto. Os ídolos, sustentáculos da paixão, rareiam. No próximo parágrafo junto os pontos.
Quando um bilionário compra um clube, ele quer ou lavar dinheiro ou adquirir prestígio. Quando se cansar do brinquedo, revende e pronto. Quando um capitalista, um fundo de investimentos, assume um clube, quer lucro – PRECISA ter lucro, a lei da grana é soberana. Na Europa, onde o futebol é rentável, ele sabe que terá retorno, lento e seguro. Aqui, a única fonte rápida de lucro é com a venda de jogadores. Coisa, aliás, que já se faz há anos. Então não sei se as coisas vão de fato mudar. A diferença talvez seja que o lucro, ao invés de ir para o bolso de empresários ou atravessadores, ou desaparecer nos desvãos das conversas fora dos escritórios, irá para os investidores.
Então, amigos, honestamente não sei se isso será bom ou ruim para nosso futebol. Não vejo o futuro, embora o passado não me anime. Sempre achei que uma fiscalização mais séria sobre os clubes, federações e seus negócios poderia resolver nossos problemas. Nos oficializar como uma colônia de exploração me soa como se tivéssemos de novo Emils, Castores e Unimeds – mas sem paixão.
ROBERTO, DINAMITA ESSA PORCARIA
por Ricardo Dias
Esse pequeno inconveniente na vida do Roberto Dinamite – sim, pequeno, ele é grande demais para ser atingido por algo assim – me lembra o quanto o odiei. Ele e Zico, os maiores da história de seus clubes, eram os protagonistas quando comecei a me interessar por futebol. Por sorte, foi na época do melhor time de todos os tempos do meu Flu, então meu ódio não escorria em inveja.
Roberto sempre foi um craque singular. Não parecia ser craque, tinha pinta de ser apenas um finalizador, mas fez um dos gols mais elegantes e bonitos da história, contra o Botafogo, vitimando o grande zagueiro Osmar. Não chutava com requintes ou firulas, era simplesmente mortal. Uma eficiência cruel, explosiva – e daí o Dinamite que ostenta até hoje.
Quando Zagallo voltou da Copa de 74, tendo sido derrotado pela Holanda, resolveu imitar seu algoz. Até jogar contra o Vasco. Manchete do saudoso Jornal dos Sports:
– Roberto dinamita o carrossel de Zagallo!
No final da carreira recuou, se mostrando um meia talentosíssimo. Era um monstro.
Então nunca comemorei efusivamente gols do Bob Dinamite, como apareceu no gerador de caracteres da TV americana num torneio que a seleção disputou por lá. Mesmo esses gols de amarelinha eram toldados por um certo despeito de minha parte…
Mas a gente cresce e para com a bobagem, e passa a admirar a arte em estado puro que essas criaturas produziam. Zico, Edu, Braulio, Luizinho Tombo, Nilson Dias, Dé, Junior, essa galera toda me fez sofrer, e eu os odiei com todas as forças que um torcedor pode ter. Hoje choro a ausência deles nos campos, pensando no que fariam, quanto valeriam, se jogassem hoje.
Roberto detonou os maiores goleiros de sua geração, ignorou os melhores zagueiros, não vai ser um tumorzinho de bosta que vai pará-lo.
Força, Dinamite! Até teus inimigos te amam!
UM COFRINHO, UM SORRISO E ROBERTO
por Paulo-Roberto Andel
Duas da tarde de um dia qualquer de 1982. Naquele tempo estudávamos em um horário esquisito, das três às sete da noite. Combinamos de nos encontrar antes. O motivo? Futebol, claro. A gente gostava demais. Era jogo na praia, no calçadão, na vila, jogo de botão e o maravilhoso Maracanã.
Perto da nossa escola, Dr. Cícero Penna, no coração de Copacabana, ficava a Caderneta de Poupança Letra, que já não existe, trocou de nome ou foi absorvida por outra instituição bancária. Pois bem, a Letra ia distribuir cofrinhos em forma de bola de futebol. E quem estaria no banco dando autógrafos era ninguém menos do que Roberto Dinamite, ídolo do Vasco, do Rio e do Brasil.
Rivalidade no futebol sempre existiu, mas naquele tempo era natural os garotos admirarem os craques, os jogadores marcantes, de garra, pouco importando se jogavam em seus times de coração. Como ficar indiferente ao futebol de Leandro, Edinho, Deley, Mendonça, Zico, Adílio? Impossível.
Roberto era unanimidade na minha turma, que tinha poucos vascaínos. O Cassiano e o Luiz, no máximo. Não lembro se o Geleia também era Vasco. O fato era que Roberto era um artilheiraço, cobrava faltas mortíferas, cabeceava e ai da defesa que o deixasse ajeitar para a direita e chutar na frente da área. Um tormento para os zagueiros.
Juntamos a turma e fomos para a porta da Letra. O banco estava tão cheio que um funcionário veio para a porta distribuir os cofrinhos. Havia outras turmas também, todas com os mesmos objetivos: pegar os cofres mas também ver o craque. E tome gente, gente, gente.
Alguns dos nossos se espremeram na vitrine de vidro para tentar ver Roberto, que estava dando autógrafos numa mesa dentro da agência lotada. E assim ficamos por um bom tempo. Entrar era impossível, o máximo ficava numa espiadinha com nossos olhos recém saídos da infância.
Em certo momento, Roberto se levantou e veio para fora do banco para cumprimentar a garotada. Explodimos de alegria: nós éramos a dinamite daquela tarde. Mal ele saiu da agência, abriu o sorriso indestrutível e logo o cercamos para abraçá-lo. Ele também era uma felicidade só. Puxa vida, um dos maiores jogadores do Brasil bem ao lado da nossa escola. Ficamos muito contentes.
Não durou muito tempo, porque Roberto precisava voltar para o banco, mas foi suficiente para ser inesquecível. Pense em garotos felizes ao ver um de seus heróis sorridente, bem de perto? Foi assim.
Não juntei moedas. Muitos dos cofrinhos serviram para peladas no calçadão da Avenida Atlântica. O meu, não: levei para casa de recordação. O tempo e as mudanças me fizeram perdê-lo para sempre, mas o mais importante de tudo ficou comigo desde então: a lembrança de ter visto de perto um dos maiores jogadores de meu tempo, com aquele sorriso desfraldado e gigantesco como seu futebol, um ídolo de todos os garotos daquele tempo.
Acabamos de saber que Roberto terá uma batalha pela frente, provavelmente a mais desafiadora de toda a sua vida. Eu volto no tempo, na melhor das minhas épocas, e resgato um jovem artilheiro feliz, cercado por crianças e com um sorriso que batalha nenhuma há de derrotar. Um abraço em Copacabana fica para sempre. Logo, logo, o camisa 10 sairá comemorando como fazia em seus gols imortais, feito aqueles cinco sobre o Corinthians em 1980. E nós, que torcíamos lá, continuaremos a torcer por aqui.