Escolha uma Página

“UMA COISA JOGADA COM MÚSICA” – CAPÍTULO 65

por Eduardo Lamas Neiva

Após os aplausos a Tonico e Tinoco por cantarem a “Marcha do tri”, a brilhante campanha da seleção brasileira na Copa de 70 começou a ser revivida com objetividade e posteriormente também muita subjetividade e poesia, que era o que aquele timaço fazia dentro de campo.

Idiota da Objetividade: – A seleção brasileira estreou na Copa de 70 contra a Tchecoslováquia, no dia 3 de junho. De virada, o Brasil goleou por 4 a 1, gols de Rivelino, Pelé e dois de Jairzinho.

Ceguinho Torcedor: – Nenhum outro escrete do mundo podia oferecer o futebol que os nossos jogadores ofereceram na estreia. E olha que vários cronistas fizeram um verdadeiro terrorismo com o quadro da Tchecoslováquia. O nosso adversário era fabulosíssimo, ao passo que o nosso pobre jogo antigo, obsoleto como a primeira sombrinha de Sarah Bernhardt.

João Sem Medo: – Já havia escrito antes do início da Copa que achava a Tchecoslováquia a partida mais fácil do grupo 3, porque os tchecos deixavam jogar. Foi uma vitória muito fácil.

Ceguinho Torcedor: – Aqui, João, promoveram os tchecos como se fossem os fantasmas da Copa. E que vimos nós? Um desenho, uma pintura, um tapete bordado. Ganhamos de 4 a 1, sem sorte nenhuma.

Garçom: – Foi um baile. Jairzinho fez um golaço maravilhoso, dando um lençol no goleiro.

João Sem Medo: – Foi muito boa a nossa atuação, mas diria também que foi muito consentida pelos tchecos.

Sobrenatural de Almeida: – Assombroso foi Pelé. Não no gol espetacular que fez, mas naquele que não fez, do meio do campo.

João Sem Medo: – Se o Pelé conquistasse aquele gol num chute de 60 metros, quando o goleiro Viktor estava adiantado, acho que até os reservas da Tchecoslováquia teriam obrigação de ir cumprimentá-lo. Pelo menos o árbitro deveria ter feito isso.

Ceguinho Torcedor: – O que fez esse escrete que saiu daqui vaiado? Um jogo prodigiosamente articulado, sim, harmonioso, plástico, belo. Era uma música, meu Deus. Fizemos jogadas que foram para o futebol momentos de eternidade.

Garçom: – Foi uma festa tremenda no país inteiro desde o primeiro jogo.

Ceguinho Torcedor: – As cidades se levantaram em gigantesca apoteose. As pessoas se olhavam na rua e diziam umas às outras: “Somos brasileiros!” Eu vi a grã-fina das narinas de cadáver cair de joelhos, no meio da rua, e estrebuchar como uma víbora agonizante.

O povo no bar todo ri às gargalhadas imaginando a cena descrita pelo Ceguinho. Zé Ary aproveita a deixa.

Garçom (rindo ainda): – Gente! Amigos, como a seleção brasileira jogou os primeiros cinco dos seus seis jogos em Guadalajara, vamos tocar no nosso aparelho de som a homenagem que Murilo Caldas, irmão de Silvio Caldas, que aqui está e peço aplausos a ele (todos aceitam a proposta de Zé Ary), que os Demônios da Garoa gravaram em 1970. Chama-se “Guadalajara”, a música.

Após a execução da música, Idiota da Objetividade vai em frente.

Idiota da Objetividade: – O segundo jogo foi chamado pela crítica de a final antecipada da Copa. Brasil e Inglaterra se enfrentaram no dia 7 de junho e a seleção brasileira venceu por 1 a 0, gol de Jairzinho, após jogada espetacular de Tostão e Pelé.

Garçom: – Lembro até hoje como vibrei com aquele gol!

Ceguinho Torcedor: – Quando Jairzinho fez aquele gol maravilhoso, cada um de nós, depois de se apalpar várias vezes, concluiu: “Eu sou brasileiro!”. Realmente, por mais espantoso que pareça, nós somos brasileiros.

Mais risadas na plateia.

João Sem Medo: – Grande vitória do Brasil. A falta de Gerson, que foi substituído por Paulo César, criou problemas muito difíceis que foram resolvidos por muita garra. Jair foi o mapa da mina. No primeiro tempo, que foi muito agarrado, ele proporcionou grande jogada para grande cabeçada de Pelé e também grande defesa de Banks.

Sobrenatural de Almeida: – Aquele jogo teve pelo menos dois momentos assombrosos: a defesa de Gordon Banks, em cabeçada certeira de Pelé, no primeiro tempo, e a jogada de Tostão no gol do Brasil.

Garçom: – Dois lances de outro mundo, “seu” Almeida.

Sobrenatural de Almeida: – Sobrenatural. (todos riem)

Ceguinho Torcedor: – Tostão fez uma prolixa jogada de gênio no gol brasileiro. A área inglesa estava entupida de adversários. E ele teve de driblar um, depois outro, mais outro, devastando aquela floresta de botinadas. Depois deu um rodopio e entregou alto, para Pelé. O sublime crioulo estava cercado por não sei quantos adversários. Enfiou para Jairzinho. Este encheu o pé: gol do Brasil! Este gol é uma das relíquias da pátria. A Inglaterra levou uma lição de futebol.

João Sem Medo: – Dois adversários difíceis tinham de se respeitar e somente uma jogada de craques poderia burlar o verdadeiro muro da defesa inglesa. Foi uma jogada de gênio de Tostão, pela esquerda, a Pelé, que entregou de bandeja a Jair. Aí, Banks, o melhor goleiro do mundo na época, nada pôde fazer.

Ceguinho Torcedor: – Napoleão, o Grande, bem disse: “O que me faltou em Waterloo foi um Jairzinho”.

O povo se esbalda em mais gargalhadas.

João Sem Medo: – Depois do gol, os ingleses responderam com substituições e bolas altas na área. Surgiram jogadas de perigo, houve momento de nervosismo na defesa brasileira, mas ao mesmo tempo nosso contra-ataque se tornou mais perigoso. O Brasil mereceu a vitória, porque jogou melhor.

Músico: – Aquele timaço jogava por música!

Garçom: – É verdade. E músicas não faltaram pra lembrarmos eternamente daquela seleção e da grande conquista do tri. Agora, vou pôr aqui no som os Golden Boys cantando “Sou tri-campeão”, dos irmãos Valle, Marcos e Paulo Sérgio Valle.

Quer acompanhar a série “Uma coisa jogada com música” desde o início? O link de cada episódio já publicado você encontra aqui (é só clicar).

Saiba mais sobre o projeto Jogada de Música clicando aqui.

“Contos da Bola”, um time tão bom no papel, como no ebook. 

Tire o seu livro da Cartola aqui, adquira aqui na Amazon ou em qualquer das melhores lojas online do Brasil e do mundo.
Um gol desse não se perde!

EDINHO, O MAIOR ZAGUEIRO DA HISTÓRIA TRICOLOR

por Paulo-Roberto Andel

Ele disputou três Copas do Mundo, se destacou como um dos maiores jogadores brasileiros dos anos 1970 e 1980 e viveu dezenas de tardes inesquecíveis no velho Maracanã com mais de 100 mil torcedores. Ainda garoto, foi simplesmente titular da Máquina Tricolor ao lado de campeões mundiais como Paulo Cezar Caju, Rivellino, Carlos Alberto Torres, Félix e Marco Antônio. E ninguém mais do que ele equilibrou tanta garra em campo com qualidade técnica vestindo a camisa do Fluminense.

Aos 68 anos completados nesta quarta-feira, Edino Nazareth Filho, o inesquecível Edinho, está consagrado como um dos maiores nomes da história do Fluminense. Ele foi o principal responsável por segurar o ânimo da torcida tricolor após o término da Máquina. Sempre se destacou mesmo em times menos valorizados do Fluminense. Liderou o time campeão carioca de 1980 e marcou o gol do título na final contra o timaço do Vasco.

Para os tricolores em torno dos 50 anos de idade, Edinho foi o grande ídolo, a estrela maior. Arrancava da defesa para o ataque, marcava gols, dava passes, lançava, cruzava e voltava para combater. Era uma espécie de camisa 10 jogando na quarta zaga, fazendo as duas funções simultaneamente. Enlouquecedor.

É fácil lembrar dele pelos títulos e vitórias. Com 360 jogos pelo Flu, venceu mais da metade e só perdeu 75 em nove temporadas disputadas, somadas as duas passagens pelo clube. Mas o Fluminense de Edinho era tão valente e lutador que recebia aplausos até na derrota. Foi o caso das oitavas de final do Brasileirão de 1981: o Fluminense precisava derrotar o Vasco por 3 a 0 para se classificar, e conseguiu o resultado ainda no primeiro tempo. Num jogo de muita luta, o Cruz-maltino reagiu, descontou para 3 a 2 e conseguiu a vaga. Mesmo triste, a torcida tricolor aplaudiu seu time ao término da partida. Era assim nos tempos de Edinho.

Já como treinador do clube, em sua última passagem, o eterno craque deixou a marca do que pensava sobre o Flu. Contrariado pelos dirigentes, que impuseram a contratação do veterano lateral cruzeirense Nonato, simplesmente declarou: “Jogador reserva de outro time não serve para ser titular do Fluminense”. E pediu o boné. A vitória era sua filosofia desde garoto, no futebol de praia de Copacabana.

Numa típica fake news, ainda há torcedores que apontam Edinho como “traidor” por ter jogado no Flamengo. O tamanho dessa bobagem pode ser desmentido por quem viveu a época: Edinho simplesmente tinha voltado da Itália, estava sem clube, pediu para treinar semanas no Fluminense e foi desprezado pelo inacreditável presidente Fábio Egypto, famoso apenas por ter desmontado o time tricolor tricampeão de 1983/1985. Sem saída – a não ser a loucura de encerrar a carreira aos 32 anos -, o zagueiro foi para a Gávea, ganhou a Copa União e, ao primeiro sinal de arrependimento do Fluminense, acertou imediatamente a volta ao clube, naquele tempo bem mais enfraquecido do que seu rival. Outros preferem dizer que ele era “contra o Fluminense” na função de comentarista do SporTV por uma década – o engraçado é que vascaínos, alvinegros e rubro-negros tinham a mesma reclamação em relação aos seus clubes…

Quem melhor definiu Edinho foi Seu Pinheiro, símbolo eterno do Fluminense, às vésperas de sua morte em 2011. Tive a oportunidade de entrevistar o ídolo no Tijuca Tênis Clube naquela ocasião, ao lado de Raul Sussekind e Álvaro Doria. Passamos horas divertidas conversando sobre o Fluzão e o futebol. Em certo momento, cravei: “Seu Pinheiro, com toda a sua história e títulos, campeão mundial pelo clube, homem de confiança de Castilho com mais de uma década de serviços prestados às Laranjeiras, eu posso dizer que o senhor é o maior zagueiro da história do clube?”.

Com olhar sério e emocionado, o velho Pinheiro – que sabia de tudo do Fluminense dos anos 1930 até 2010, tendo visto inclusive outros cracaços da defesa como Ricardo Gomes – um monstro! -, além de revelar inúmeros craques, cerrou as sobrancelhas, deu uma pausa e disse: “Não, meu filho. Não. Eu joguei muito bem, assim como outros, mas o maior zagueiro da história do Fluminense é o Edinho.”

Ponto final.

@p.r.andel

A MALDIÇÃO QUE CARREGA CADA CARRINHO

por Zé Roberto Padilha

Se jogar um clássico já é difícil, porque se Vasco x Flamengo se tornou um clássico, e dos milhões, foi porque ambos alcançaram um nível alto de excelência, imaginem jogá-lo com menos um?

Já passou da hora dos clubes de futebol punirem jogadores irresponsáveis, como João Victor, que por estarem fora de forma ou mal colocados, recorrem a um carrinho. Mesmo sabendo que este tem 80% a mais de probabilidade de acertar a perna do que a bola.

Com o VAR, então, 99% de seus estragos serem punidos.

Enquanto o carrinho não for banido do futebol, pois ele foi e será responsável pela interrupção parcial ou total da carreira de quem foi vítima desse ceifador de tíbias. maléolos e perônios, os clubes precisam punir duramente quem os pratica.

No nosso futebol, quem é o seu porta-voz, garoto propaganda e seu mais devoto praticante chama-se Felipe Melo. E só não foi punido porque seu treinador vai expulso na frente. Fernando Diniz não abre mão de ser o primeiro a dar um carrinho verbal na arbitragem.

Porque os 6×1 vão entrar para a história não contando que um soldado, João Victor, deixou seus companheiros de meio-campo abandonados diante de Pulgar, De La Cruz, Gerson e Arrascaeta.

Vão registrar, apenas, que há 81 anos aconteceu uma tragédia parecida.

A solução? Dar um carrinho no bolso de cada irresponsável que praticá-lo e deixar seu time exposto a passar um vexame desse tamanho.

YO SOY OBDULIO VARELA

por Elso Venâncio

Nas tardes de sábado, quando não havia futebol, a Rádio Globo-AM, do Rio de Janeiro, produzia uma longa jornada esportiva, com entrevistas ao vivo e os repórteres setoristas participando ativamente dos clubes.

O telefone toca e o segurança na portaria, me avisa:

“Tem um uruguaio dizendo que é campeão do mundo e que quer porque quer conhecer os estúdios”.

Desço e um senhor, de uns setenta e poucos anos, me estende a mão:

“Yo soy Obdulio Varela, fã do futebol brasileiro”.

Por segundos, imaginei a Copa de 1950, que ocasionou a maior depressão popular no país. Alto, forte, corcunda, com pescoço longo e grosso, cabelos crespos e grisalhos, não tive dúvida que eu estava diante do grande carrasco da história do nosso futebol.

Com leve sorriso e falando baixo, ele me contou que ouvia os programas de esporte da Globo, em Montevideo.

No elevador, Obdulio se mostrou descontraído:

“Venho ao Brasil uma vez por ano, e me hospedo no Paysandu Hotel, local da nossa concentração naquela Copa. Sou amigo do Zizinho e do Ademir”.

O capitão do ‘Maracanazo’ era arredio à imprensa. Lembrei de José Maria de Aquino, mestre do Jornalismo, que considera a matéria que fez com Obdulio, na capital uruguaia, a mais difícil, porém uma das mais importantes publicadas na Revista Placar. Notei que estava alegre; logo, ele concordou em nos dar uma entrevista.

”Toda vez que estou no Rio uma cena me vem à cabeça. Fomos para o Hotel, como bicampeões do mundo, e havia a recomendação para que ninguém saísse.”

Nas ruas, havia brigas, discussões e aglomerações.

“Resolvi tomar umas cervejas e levei nosso massagista, o Carlos Alatle”.

O ‘Caudilho Uruguaio’ caminhou pela Rua Paissandu e dobrou à esquerda, na Senador Vergueiro. Ameaçou entrar no Restaurante Recreio, localizado onde hoje fica a estação de metrô do Flamengo, e, ao ser reconhecido, algumas pessoas se puseram de pé.

Obdulio observou que muitos choravam. De repente, foi aplaudido por todos, a ponto de ter uma forte crise de choro.

“Foi nesse momento que passei a idolatrar o país e os brasileiros”, me contou ‘El Negro Jefe’, que tinha 32 anos, 1m83, era volante e vestia a camisa 5.

Líder sindical, ajudava a paralisar campeonatos no Uruguai, atitude logo copiada pelos argentinos.

Naquele dia, o Brasil jogava pelo empate. O Uruguai venceu por 2 a 1, de virada, gols marcados no segundo tempo. O do título eternizou Ghiggia, faltando onze minutos para o término da partida, diante de mais de 200 mil torcedores presentes no recém-inaugurado Maracanã, ‘O Maior Estádio do Mundo”.

Aquela derrota marcou uma geração de craques, dentre eles Zizinho, o ídolo do Pelé. O mais importante jogador da história do Uruguai exigiu a garra da ‘Celeste’ em campo, mandando até na arbitragem, sendo o principal personagem da conquista.

Obdulio Varela faleceu ao sofrer uma parada cardíaca, aos 78 anos, em 1996. Hoje é craque imortal no mundo do futebol.

AMARAL JOGOU DEMAIS!

por Paulo-Roberto Andel

São quatro da manhã e acabo de saber que Amaral morreu. Tinha 69 anos.

Ele jogou demais.

Aos quinze anos, já era titular no Guarani. Só não foi campeão brasileiro pelo Bugre porque já tinha sido negociado com o Corinthians.

Salvou o Brasil diante da Espanha na Copa de 1978, num dos lances de mais talento já vistos em todos os Mundiais de Futebol. Tirou a bola em cima da linha de gol. Só quem viu, sabe o que foi. Oscar e Amaral, uma tremenda dupla de zaga.

Na vila perto da minha casa, todo mundo queria ser Amaral. Essa tarefa coube ao Renato, que também era um monstro da bola e a conduzia igualzinho ao ídolo.

Amaral tinha muito talento, muitos recursos técnicos. Saía jogando com toda a calma do mundo, como se aquilo fosse simplório. Era um digno representante de nomes como Domingos da Guia e Zózimo. Gente que tratava a bola como se dissesse “oi, meu bem,”.

Depois dele, um nome de tanta elegância na defesa foi Ricardo Gomes. Altair também. Mestres do futebol, da técnica do jogo, do futebol onde a bola é o estandarte.

Amaral jogava de cabeça erguida, olhando para frente. A bola deslizava nos seus pés, como se o granado fosse uma mesa de snooker. Cada passe era uma degustação refinada.

Que craque!

@pauloandel