O ÍBIS VOLTOU
por Paulo-Roberto Andel
Uma da manhã, madrugada de sábado para domingo, aquela insônia de doer e o controle remoto à mão. Nenhum filme interessante, nenhum show legal, o jornal 24 horas com as mesmas notícias da primeira hora (repetidas 23 vezes).
O destino determina procurar o primeiro jogo de futebol que apareça na seleção de canais. Subitamente ele se apresenta: Náutico versus Íbis, abertura do Pernambucano 2022. É reprise mas vale: se você não viu nada e se nada chegou do jogo à sua tela do smartphone, é um jogo novinho em folha.
Cheguei atrasado e o Náutico já vencia por 2 a 0, com dois bonitos gols de fora da área no castigado gramado do belo Estádio dos Aflitos. Interessante é que o jogo era divertido de se ver, mesmo com a limitação técnica dos dois times: ambos procuravam o ataque e tocando a bola, sem chutões nem ligações diretas. Mas olhando as camisas dos times e sabendo que elas são familiares, achei que tinha algo estranho, diferente, que eu não sabia explicar direito, até que a ficha caiu: qual tinha sido o último jogo que eu tinha visto do Íbis?
Nenhum. Mas como assim?
É fácil entender: o rubro-negro de Paulista estava voltando à primeira divisão pernambucana depois de 22 anos. Ou seja, o Íbis nunca tinha sido transmitido pela TV no século XXI até este jogo.
Gosto de jogos com a presença de times de menor investimento. Gosto da sensação de localidade, de raiz. É claro que o futebol bem jogado, de alto nível técnico (e cada vez mais raro no Brasil), é maravilhoso, só que para muitos apaixonados pelo esporte o enredo vai muito além das quatro linhas. O próprio Íbis é uma prova material desse conceito: de volta à primeira divisão de seu estado, o que lhe importa é se manter nela custe o que for. O Pássaro Negro não está em busca de títulos, mas da sua sobrevivência como “pior time do mundo”, só que na elite pernambucana. É bonito saber que a luta deles tem 80 anos.
E o jogo? Divertido no segundo tempo, até que perto do fim o garoto Júlio faz um golaço para o Náutico e decreta os 3 a 0 finais da partida. Mesmo assim, o Íbis teve duas oportunidades de gol desperdiçadas. E continuou tentando tocar a bola, mesmo sem qualquer esperança de um empate.
Quando a partida terminou, o Estádio dos Aflitos me lembrou dos jogos que vão começar daqui a pouco pelo Cariocão e Paulistão. E bateu a saudade de Moça Bonita, Ítalo Del Cima e Bariri, os velhos e queridos alçapões que sempre atrapalhavam o Big Four carioca mais os amados America e Bangu. A gente sabe que o melhor futebol está na Champions, mas quem viveu esses estádios que falei e outros sabe da importância disso. Importância que nutre um torcedor insone em plena madrugada de sábado para domingo. Ou lembrar de seu goleiro Félix, de seu time de botões cristal, de seus amigos da escola.
À beira do campo, Helio dos Anjos grita para consolidar a vitória do Náutico. Quem se lembra de que ele foi goleiro do Flamengo? Eram tempos de Raul e Cantarele, de Catinha e Zandonaide, de Mendonça, de Abel, de tanta gente que passou tão rápido mas deixou saudade.
O mascote do Íbis, um pássaro bem grande, aparece cabisbaixo atrás do gol no fim do jogo. No meio de campo, torcedores do Náutico celebraram o adversário: “Vocês subiram o Íbis. Agora façam um gol no Santa Cruz!”. A derrota dói, mas para quem estava há mais de duas décadas na segunda divisão, entrar em campo pela série A é uma vitória. E quem nunca é protagonista pode ter seu lugar ao sol como figurante. Quantas e quantas vezes a gente já se divertiu com o Íbis sem que ele vencesse um jogo ou marcasse um gol? De alguma forma ele sempre faz falta.
Duas e meia da manhã, daqui a pouco tem Avaí versus Figueirense. Já estou contando as horas para ver o Fluminense contra o Bangu na Ilha do Governador. Só me falta um radinho e três colegas de arquibancada que eu já tive, mas um dia eu chego lá.
O Íbis voltou porque o futebol é muito mais do que um jogo.
PS: o destaque negativo nos Aflitos foi um idiota que se gabava de não ter se vacinado ao entrar. O xilindró lhe deu a resposta merecida.
Acervo do Vitor
GUARDADOS DE UM PAI ZELOSO
Através do excelente trabalho da Chris Lee, da Manufatura, a equipe do Museu restaurou o acervo do ex-volante Vitor, campeão mundial pelo Flamengo em 81 e com passagens por Atlético Mineiro, Vasco, Botafogo-RJ, Fluminense e Campo Grande! Confira o momento da entrega!
ESTRELAS NÃO MAIS SOLITÁRIAS
por Marcos Eduardo Neves
Dizem que não há amor incondicional. Dizem que não há nada além da vida na Terra. Ignorantes os que só acreditam que só há uma vida, a daqui, e apostam tudo nela. As obras de Deus são perfeitas e não há quem possa lutar contra elas.
A morte de Elza Soares no mesmo dia em que seu grande amor se foi, embora 39 anos depois, prova isso. Elza foi talvez a maior cantora desse país, junto com Elis Regina. Elza, porém, foi mais internacional do que Elis. Internacional como seu grande amor, Mané Garrincha.
Quem leu “Vendedor de Sonhos”, biografia que escrevi sobre Roberto Medina, sabe que quando os dois se encontraram pela primeira vez, na loja Rei da Voz, de Abraham Medina, no centro da cidade do Rio de Janeiro, bateu aquele negócio que Paulo Ricardo, do RPM, chamava de “Olhar 43”. E muitos de nós tachamos de “amor à primeira vista”.
Garrincha já era Garrincha, campeão do mundo e as vésperas do bi que seria conquistado no Chile. Inclusive, diante da presença de Elza. Essa mesma Elza foi para Santiago já sendo Elza Soares, grande nome surgido durante um show de calouros do programa de auditório de Ary Barroso – uma espécie de Chacrinha, o Faustão daquele tempo.
O tesão pelos dois bateu forte. Entendo isso, pois o que tenho hoje pela minha gata dá uma ideia do que é o se querer sem segundas intenções – grana ou status, por exemplo –, mas apenas a vontade de fazer como Cazuza: O mundo inteiro acordar e a gente “dormir”. Dormir! rsrsrs
Os dois se apaixonaram e ficaram juntos por 20 anos. Passaram por poucas e boas – aliás, por muitas e nem tão boas assim. Mas no primeiro ano separados, 1983, Garrincha, entregue ao alcoolismo, como bem retratou Ruy Castro em “Estrela Solitária”, sucumbiu e desfaleceu. Aos 49 anos de idade, no feriado carioca de 20 de janeiro de 1983. Data de São Sebastião e Dia de Oxóssi – escolha você a religião e ligue os pontos.
Ele se foi aos 49. Ela, 39 anos depois. Dez de diferença. Dez, nota 10, como berrava Carlos Imperial nos desfiles de escola de samba.
O amor nota 10 dos dois fez Garrincha se separar da antiga esposa. Na época, Elza foi achincalhada de todas as formas. Prova de que estavam mesmo à frente de seu tempo. Hoje alguém se separar é algo trivial. Não deu certo, separa. Traiu, separa. Desgastou, separa. Viraram amigos, separa. O cara não presta, separa.
Naquele tempo, não. Casamento era tratado de forma séria. Por mais infelizes que um ou mesmo os dois estivessem. O problema é que a relação Elza e Garrincha aconteceu quando um, no caso ele, começava a declinar. E ela, o contrário: despontava, irradiava, brilhava cada vez mais.
Elza teve inúmeros namorados depois da morte dele. Alguns, décadas e décadas mais jovem do que ela. Contudo, a dona da mais potente voz do Brasil jamais esqueceu seu Mané. A ternura, o carinho, o afeto, o amor de verdade perdurou – digo mais, inflamou, aumentou. E ela se despediu do grande palco da vida justamente no dia em que, seguramente, de alguma forma, lembrou-se que se completava mais um ano longe dele.
O amor da dupla era tipo o que vimos na ficção “Titanic”, filme vencedor de inúmeros troféus do Oscar. Quem não se esquece de Leonardo di Caprio tentando, em meio ao mar gelado, salvar sua diva até não aguentar mais e afundar. Sua mãozinha caía se despedindo junto ao corpo, deixando para o todo e sempre a lembrança de tudo que de forma tão intensa viveram lado a lado.
Nesta semana, as mãos de Elza e de Garrincha voltaram a se atar. Para a eternidade, acredito eu e todos que confiam na realidade de um amor verdadeiro. Pois Elza foi de Garrincha namorada, mãe, filha, amiga, esposa, amante, tudo que um casal que se ama é. E devia morrer de saudades. Com certeza, morreu com saudades. Para viver agora pela eternidade, sem preconceitos ou julgamentos, ao lado de quem jamais se esqueceu.
ENFIM, NOVAMENTE JUNTOS
por Zé Roberto Padilha
Quando a mais sublime arte do esporte se encontrou com a mais sublime arte da música, nos anos 70, um grande amor eclodiu.
Era muito talento junto que incomodaram toda a sociedade por representar as duas maiores paixões do nosso país.
Os hipócritas de plantão, fervilhando à época, condenaram a cantora por ter provocado a separação de Mané Garrincha. Ela virou a vilã desse relacionamento porque coincidiu com a o declínio em campo do gênio das pernas tortas e sua proximidade às bebidas.
Ela foi a nossa Yoko Ono.
Como se alguém pudesse julgar o relacionamento de outro alguém.
Mas eram figuras públicas, pagaram esse preço que, hoje, seria mais barato onde separações são mais entendidas pelos filhos porque estes estão se separando também.
Enfim, subiu a voz mais expressiva da música brasileira para reencontrar o drible mais fantástico do futebol brasileiro.
Que Deus a receba e nos perdoe.
INTERVENÇÃO GARANTE O TETRA
Parreira e Zagallo não queriam Romário em 1994
por Elso Venâncio
Romário fez o jogo de sua vida contra o Uruguai, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo dos Estados Unidos, em 19 de setembro de 1993. Uma das maiores atuações individuais de um jogador em toda a história da seleção brasileira.
O atacante só foi chamado por duas razões: absurda pressão nacional e intervenção do presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que obrigou a comissão técnica a convocá-lo.
Parreira e Zagallo não o queriam, já que no ano anterior, em 16 de dezembro de 1992, o Baixinho reclamou por ficar na reserva. Careca e Bebeto foram titulares contra a Alemanha, em Porto Alegre. Romário sentou no banco ao lado de Renato Gaúcho e só entrou no fim do jogo. “Nunca fui reserva e sou melhor que os dois juntos”, extravasou o artilheiro que assombrava a Europa. A frase deixou os técnicos de olhos arregalados. Ambos procuraram o craque em seu quarto no hotel, após o jogo, para um puxão de orelhas.
Naquele momento, Romário foi riscado das Eliminatórias e, consequentemente, da própria Copa.
Zagallo era enfático:
“Desagregador. Temos que cortar o mal pela raiz.”
Parreira, mais diplomático:
“Vamos aguardar. Só o tempo dirá se ele volta.”
Ninguém esperava tamanha crise. O Brasil tinha sido eliminado da Copa América do Equador, ao perder nos pênaltis para a Argentina, e capengava nas Eliminatórias. Chegou a ser derrotado pela Bolívia em La Paz, fato inédito. Na penúltima rodada, Brasil, Bolívia e Uruguai se encontravam empatados, com 10 pontos ganhos. A seleção corria riscos, podendo ficar fora de um Mundial pela primeira vez na História.
Romário, no PSV-Eindhoven, da Holanda, era uma máquina de fazer gols. No começo de 1993, foi comprado a peso de ouro pelo Barcelona, que era dirigido pelo genial Johan Cruyff. No novo clube, mal chegou o Baixinho desandou a fazer o que mais sabia: gols. Era um atrás do outro. Um mais belo do que o outro.
Em sua estreia, na abertura do Campeonato Espanhol, os campeões da Champions League venceram o Real Sociedad por 3 a 0. Três de Romário. Parreira e Zagallo, a contra gosto, recuaram, baixando a guarda em relação à rixa estabelecida entre eles meses antes.
Romário desembarcou na semana do jogo contra o Uruguai, após estranho corte de Müller, e mudou o astral na Granja Comary. A confiança estava de volta e o otimismo em Teresópolis só foi quebrado devido à humilhação sofrida por Barbosa, 43 anos após o “Maracanazo”.
O ex-goleiro recebeu um cachê para ser levado pela BBC, de Londres, a Teresópolis com a finalidade de fazer um registro dele ao lado de Taffarel. Eu acompanhava tudo de perto e vi o constrangimento de Barbosa. Aos 72 anos de idade, ele foi impedido por Parreira de falar com o então titular da camisa 1 da seleção.
Zagallo se comportou de forma mais humana. Não era de agradar ninguém, mas foi ao encontro de Barbosa. Os dois conversaram por certo tempo. Barbosa sempre lembrava que, no Brasil, a pena máxima por qualquer delito era de 30 anos, mas ele pagava a dele havia mais de 40 por um crime que jamais cometeu. Apenas levou um gol que impediu o país de comemorar, em casa, o seu primeiro título mundial.
Veio o tão esperado jogo! O placar eletrônico anunciava: 101.670 pagantes, fora os eternos penetras. Maracanã lindo, entupido de gente. Clima tenso, com muita gente da imprensa trazendo à tona os fantasmas de 1950.
Em campo, Romário mostrou toda a sua genialidade. Marcou os dois gols da partida. O primeiro, de cabeça. O segundo, driblando o gigante goleiro Siboldi. Ainda chutou na trave, deu lençol, passou a bola por entre as pernas de um marcador. O normalmente contido Sérgio Noronha, “Seu Nonô”, me puxou pelo braço e sussurrou:
“Esse baixinho é foda! Foda!!!”
Sem sombra de dúvidas, foi um momento histórico que abriu caminho para que a seleção conquistasse, no ano seguinte, mesmo a duras penas, o seu quarto título mundial. Uma conquista entalada na garganta do povo nacional havia 24 anos.
O Brasil tinha à época os dois maiores atacantes do mundo e isso fez toda a diferença: Bebeto e Romário. Os dois já haviam arrebentado na Copa América de 1989. Pena que não continuaram brilhando juntos após o Tetra.
Em 1995, Parreira se afastou do comando. Zagallo assumiu, mas a rixa não teve fim. Romário, mesmo sendo o melhor do mundo, padeceu meses sem ser convocado. No ano seguinte, Olimpíadas de Atlanta. Zagallo descartou Romário para levar Aldair, Rivaldo e Bebeto como os três jogadores acima de 23 anos, o que a Fifa ainda permitia. Bebeto foi o artilheiro da competição, junto com o argentino Hernán Crespo, mas o Brasil, eliminado pela Nigéria, ganhou apenas a medalha de bronze.
Em 1997, Zagallo acusou Romário de simular contusão e o barrou na decisão da Copa América, contra a Bolívia, escalando Edmundo em seu lugar. Um ano depois, cortou o Baixinho da Copa do Mundo da França após o atacante realmente se contundir durante um jogo do Flamengo em Friburgo. Romário chorou. Garantia que se recuperaria a tempo de jogar o Mundial. Não o ouviram. O craque voltou às pressas ao Brasil e, provando que tinha razão, jogou pelo Flamengo durante o Mundial, inclusive marcando gol. A seleção perdeu a Copa para a anfitriã do torneio.
Após a derrota acachapante – França 3×0 –, Romário abriu uma boate na Barra da Tijuca colocando na porta dos banheiros caricaturas de Zagallo e Zico, então coordenador técnico da seleção no Mundial e responsável direto por lhe noticiar seu corte. Os desenhos? Zagallo sentado na privada – como quem quer dizer que fez merda – e Zico segurando o rolo de papel higiênico – dando a ideia de que coube ao Galinho limpar aquela “cagada”. O caso parou na Justiça.
Romário ainda poderia ter ido à Copa do Mundo da Coréia e do Japão, mas Felipão o preteriu após longa conversa com Ricardo Teixeira, depois de o Baixinho ter se recusado a disputar um amistoso. Ronaldo, às voltas com graves contusões, mesmo sendo uma incógnita, teve seu nome confirmado na competição. E menos mal que voltou ao Brasil com a taça na mão e a artilharia da Copa, sagrando-se pela terceira vez o melhor jogador do mundo.
Mas que o país queria ver em campo a dupla Ro-Ro, ah, isso todo mundo queria. O Brasil foi penta, mas a conquista teria sido bem mais bonita com os dois juntos no ataque.