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CAMPEONATO CARIOCA: O INÍCIO DO FIM

por Zé Roberto Padilha


Não duvidem dos incapazes: se não são competentes, são ousados e atrevidos. E se introduzem no que não sabem porque quem sabe não quer saber.

Exemplo maior é o futebol carioca. Ferido na sua origem, quando acabaram com o futebol do interior, uma fonte inesgotável de craques, e que acaba de receber sua extrema unção quando decidem acabar com a Taça Guanabara.

Vai ser disputado em turno único para se livrarem logo dele no calendário. E priorizar Copa do Brasil, Brasileirão e Libertadores.

De que adianta os clubes cariocas se reforçarem em campo se enviam para o arbitral da FERJ, que decide as regras da competição, representantes insensíveis e incompetentes?

Eles não tem ideia do que é uma Taça Guanabara, o primeiro turno que apontava o primeiro finalista. Disputei três, e nenhuma delas recebeu, na final, um público abaixo dos 100 mil torcedores.

Em 1974, ao lado do Gerson, fomos vice do América. Em 1975, Campeões ao lado de Roberto Rivelino e PC Cajú. E em 1976, vice-campeões, ao lado de Zico e Junior.

Essa bandeira carrego há alguns anos, em textos e livros: se nossos clubes de futebol inevitavelmente são presididos por seus associados, que o Diretor de Futebol seja um ex-atleta, para não permitir tais barbaridades.

Esse é o papel da História: deixar rastros, nas paredes das cavernas, em livros, no coração de quem a viveu de perto, testemunhas reais, para que não sejam apagados pelo descaso.

Se Tita estivesse no arbitral representando o Flamengo, Deley, o Fluminense, Jairzinho, o Botafogo e Waldir, o Vasco, eles jamais permitiriam o fim da Taça GB.

Muito menos, ser desprestigiado desse jeito aquele que era o mais charmoso campeonato estadual do país.

E que, infelizmente, vai sucumbindo diante dos nossos olhos e de uma omissão coletiva.

SÓ PODE PATROCINAR?

por Idel Halfen


Se analisarmos de forma mais apurada os patrocinadores másters dos times que disputaram a série A no campeonato brasileiro de 2021, constataremos que o setor mais presente foi o de “apostas” – sete equipes -, sendo que em 2020 esse número não passava de quatro. A título de esclarecimento, vale salientar que tais dados dizem respeito ao espaço mais nobre do uniforme, o peitoral, pois, caso considerássemos outras propriedades como calção, manga, meias, etc. a quantidade seria ainda maior.

Não há dúvida que se trata de uma tendência, a qual está relacionada não só à capacidade de investimento das empresas deste setor, como também à provável identificação de que o público que assiste futebol é um de seus alvos. Cumpre ainda relatar que o mesmo fenômeno ocorre em escala mundial e só não é maior em função das restrições legais que existem e/ou passaram a existir em alguns países como a Espanha, por exemplo.

Ao contrário do que possa parecer, o jogo – excetuando turfe e loterias – continua proibido no Brasil, a liberalidade mencionada no caso dos patrocínios diz respeito à sua publicidade.

Por outro lado, o tabaco e as bebidas alcoólicas, apontados como passíveis de dependência, têm o consumo permitido, porém, os clubes brasileiros não podem expor em suas camisas marcas oriundas desses segmento. Ressalte-se que em alguns países marcas de cerveja, de vinho e até de aguardentes patrocinam times de futebol.

Diante do cenário descrito não há como deixar de refletir acerca do suposto paradoxo. É razoável admitir que uma prática seja ruim a ponto de ser proibida, mas ainda assim ter o consumo incentivado? Ou que outra possa ser usufruída, mas não incentivada?

Ainda que seja importante discutir os aspectos ligados à saúde e ao próprio contexto histórico que motivaram as legislações, creio que as análises sob o prisma de marketing e branding sejam o ponto de partida para se entender a questão.

Enquanto as indústrias de cigarro e de bebidas buscam posicionamentos para as suas respectivas categorias e investem na consolidação dessas imagens, a indústria do jogo não se atentou para essa necessidade. Filmes e novelas do passado traziam os personagens principais bebendo drinques e fumando, fazendo com que tais hábitos virassem sinônimos de glamour. Já o jogo era abordado para mostrar alguns personagens indo à bancarrota.


Por mais que a vida não seja exatamente igual à arte, não há como negar que ainda há um resquício desse passado, o qual certamente vem sendo herdado pelas gerações.

Caberia aos gestores de cada modalidade de jogo, encontrar um posicionamento responsável para seus produtos, isto é, exaltando seus benefícios sem ignorar os aspectos ligados ao meio ambiente, à saúde e à governança.

Por fim, é mandatório esclarecer que o objetivo do texto não é fazer apologia da liberação ou não do jogo, mas sim mostrar algumas contradições e chamar a atenção de que o marketing é fundamental para qualquer ramo de atividade.

OS ENCANTOS DO DOUTOR RÚBIS…

por Péris Ribeiro


O primeiro grande ídolo que tive na vida, não foi Didi, o genial inventor da Folha-Seca. Nem mesmo Zizinho, o inigualável Mestre Ziza. Ou ainda Mané Garrincha, alegria maior dos estádios de todo o mundo.

Na verdade, quem povoou os sonhos da minha infância e me ensinou o caminho das emoções de cada domingo no futebol, foi um fenômeno rubro-negro que atendia pelo nome de Rubens. Rubens Josué da Costa. Um meia-armador baixinho e troncudo, repleto de habilidades, e que, na idolatria da torcida do Flamengo, era o maior de todos os craques da época. Mas que, para ela, era simplesmente Doutor Rúbis.

Conheci-o primeiro pelas ondas do rádio, através das empolgantes transmissões do professor Oduvaldo Cozzi, o mais famoso dos narradores esportivos da época. Até que, já inteiramente arrebatado, parti para vê-lo em ação em pleno Maracanã – onde a minha fantasia, se consumou numa colorida e festiva realidade.

Maior expressão do frenético time do Flamengo, que caminhava a passos largos para a conquista do primeiro tricampeonato da Era do Maracanã, dava gosto – e como! – vê-lo jogar. Particularmente, por unir a cada passo, em cada lance em que o víamos em ação, trejeitos típicos de um passista de escola de samba aos invejados dotes de um grande artista da bola.

Aliás, a tarde – noite em que o Flamengo comemorou o bicampeonato carioca de 1954, em pleno mês de fevereiro e às vésperas do Carnaval de 1955, jamais sairá da minha memória. Ainda mais, que eu estava ali – menino ainda, nos meus 11 anos de idade -, vivenciando tudo aquilo. Tão perplexo quanto deslumbrado. Ainda mais, que havia chovido o domingo inteiro – aquela chuvinha fina e resistente, dos longos dias de verão. Mas o Rio de Janeiro, mesmo assim, era uma festa só.

Nas arquibancadas, a charanga de Jayme de Carvalho, àquela altura, fazia o estádio inteiro tremer. Era um show à parte. E entre sambas e marchinhas carnavalescas, e o empolgante hino do clube, jamais parava de tocar. “ Flamengo, Flamengo / Tua glória é lutar/ Flamengo, Flamengo/  Campeão de terra e mar…” E se empolgava ainda mais, quando mergulhava no embalo de um samba-batuque de Risadinha, que ganharia o carnaval daquele ano, e ao qual adaptara uma paródia irresistível: “ Venho do lado de lá/ Venho do lado de lá/ O Doutor Rúbis mandou/ Todo mundo gingar/ O Doutor Rúbis mandou/ Todo mundo gingar…”

E que lá embaixo, no campo, o Bangu sofria a humilhação de uma goleada de 5 a 1. E toda aquela aula de futebol era comandada por Rubens, que não se cansava de colocar Índio, Evaristo, Benitez e Paulinho Almeida na cara do gol. Ou de descadeirar Zózimo, Gavillan e quem mais se atrevesse a marcá-lo, com sucessivos dribles desmoralizantes.

Ah!, o seu drible! Podia ser pequeno, estreito, mas quase sempre era largo, vistoso. E ele executava-o com elevada tessitura plástica, partindo para cima do adversário e bailando diante dele. Para, logo em seguida, ultrapassá-lo com a maior das facilidades, como se estivesse prendendo a bola à chuteira numa espécie de barbante ou elástico – o que fazia com que a citada bola parecesse ir e vir, intermitentemente, ao seu pé direito. Para desespero de quem dele, Rubens, se acercasse naquele momento.

Gostando de invadir a área inimiga, trocando passes com Índio, Benitez, Paulinho ou Evaristo, Rubens era dos que sabiam chutar com rara precisão a gol. E se conhecia como poucos, os atalhos para os lançamentos sob medida de mais de 40 metros, era de conceber verdadeiros recitais no meio-de-campo, ao lado de sua alma gêmea, Dequinha.

Até que certa vez, após mais um daqueles momentos geniais ao lado do velho Deca, limitou-se a comentar:

– Para ser franco, nem sei bem o que dizer. Nem sei como explicar. Parece uma coisa mágica, sabe? É como se estivéssemos juntos há muito tempo. Como se a gente jogasse por música…

Consagrado o Maior Jogador do Rio nas temporadas de 1953 e 54, além de ser tido e havido como o grande herói daquele bicampeonato rubro-negro, já no início de 1955, Rubens era, na verdade, tudo aquilo e muito mais. Na minha concepção, ele era ritmo, simetria e sofisticação em campo. Tudo isso ao mesmo tempo. Só que também era picardia, malemolência, leveza, malandragem…

Como se vê, só podia virar mesmo Doutor Rúbis !

Por sina. E pura vocação.

A FALTA QUE FAZ O TORCEDOR

por Zé Roberto Padilha


Outro dia, conversando com o Dé, o Aranha, essa figura maravilhosa que só o futebol foi capaz de revelar, relembramos uma partida que marcou muito as nossas vidas. Foi um Flamengo 3 X 1 Vasco, terceira rodada da Taça GB, no dia 04/04/76.

O jogo valia apenas os três pontos, não decidia nada, mas os moradores da Cidade Maravilhosa combinaram, depois da praia, ir ao Maracanã. Foi tudo uma enorme coincidência.

Nos vestiários, pelo barulho, já sentíamos que tinha algo diferente acontecendo lá dentro do estádio. E quando entramos, tomamos um susto. Tinham policiais retirando torcedores das marquises. Nunca vimos tanta gente.

Foram 174.465 pagantes, o quinto maior publico da história do Maracanã. Não jogamos, lembramos, levitamos. Foi inesquecível. Não dá para subestimar o calor ao vivo que potencializa o atleta a ir além dos seus limites.

Hoje, porém, no inicio do Campeonato Carioca, O Globo anuncia que teremos o estadual mais rentável financeiramente dos últimos anos. Para isto, todos os esforços foram feitos para ele, torcedor, ficar em casa. Ser apenas um telespectador.

Serão jogos transmitidos por TV Aberta (Record TV), pay-per-view, plataforma oficial (Carioca TV), canais dos clubes, além da “transmissão bet” e quatro canais de streaming.

Cada vez mais retiram dos estádios o calor do torcedor. O poder, a empatia, a cumplicidade até de uma vaia que chegam até os artistas principais. Seus desempenhos pouco importam. O que vale é o lucro.

Sabe, Dé, se eles soubessem o quanto essa emoção nos faz jogar melhor…mas aí não seriam cartolas. Seriam dirigentes. E como eles fazem falta na organização do futebol brasileiro.

A ordem, a partir de hoje, é esquecer o ingresso. Comprar pipocas, latas de Brahma, reunir os amigos. E pagar caro para ver de longe a falta que todos eles nos fazem por perto.

Carlos Gainete

CARLOS GAINETE

entrevista e texto: Eduardo Lamas

Minhas primeiras tentativas de entrevistar o ex-goleiro e ex-técnico Carlos Gainete foram no início de 2020, quando entrei em contato com o filho dele, de mesmo nome, pelo Facebook. Na época, ele morava no Rio de Janeiro e o pai, fui informado, estava residindo em Porto Alegre. Mas como Gainete nasceu em Florianópolis, pensei cá comigo: uma hora ele vai aparecer na área e não vou perder a chance.


Quando eu e o cinegrafista Fernando Gustav retornamos aos trabalhos para o Museu da Pelada, em outubro de 2021, após longo e tenebroso inverno pandêmico sem vacinação, retomei os contatos com Carlos Gainete filho, que, para sorte minha, tinha vindo para Florianópolis. Numa prévia da pesquisa que sempre faço para preparar a pauta das entrevistas, descobri que estava se aproximando o 81º aniversário do ex-goleiro de Inter, Vasco, Athletico-PR, em 15 de novembro. E aí fui informado pelo filho que o pai viria de Porto Alegre para cá. Mas engana-se que, por isso, foi fácil.

Gainete não se mostrou nada entusiasmado com a ideia de dar uma entrevista, informou-me seu filho. Sem ser chato, algo que detesto ser, mas com alguma insistência, Carlos Gainete cedeu depois de tentar suportar uma saudável e carinhosa pressão caseira do filho e da esposa, aos quais agradeço imensamente. Sorte nossa e de toda massa torcedora do Museu da Pelada. Afinal, boas histórias não faltam, tanto dos tempos de goleiro, quando foi campeão catarinense logo na sua primeira temporada pelo Paula Ramos Esporte Clube, em 1959; campeão da primeira Taça GB, pelo Vasco, em 65, e quatro vezes seguidas campeão gaúcho pelo Inter, e de treinador, com maior destaque para o timaço que formou no Guarani, com Ricardo Rocha, Marco Antonio Boiadeiro, Evair, João Paulo e outros (entre eles Tite, o atual técnico da seleção brasileira), que acabou sendo vice-campeão brasileiro, perdendo nos pênaltis para o São Paulo de Careca, Pita e cia, em 86, numa partida final antológica e cheia de polêmicas, com muita tristeza para os bugrinos e, em especial para Gainete, que confessa jamais ter conseguido rever aquele jogo.

No fim do nosso papo, já em off, ousei perguntar a ele quem tinha sido melhor, o goleiro ou o treinador. Ele respondeu: “O homem”. Aplaudimos espontaneamente, eu, Fernando Gustav e o orgulhoso filho do nosso entrevistado.